Filosofia, expressão que teria sido empregada primeiramente por Pitágoras, é uma palavra que decorre da união de philos, que designa amizade ou amor fraternal, e sophia, que significa sabedoria. O filósofo, em sentido amplo, é aquele que estima a sabedoria e que busca o saber por todos os meios.
É nesse sentido que a atitude filosófica se volta à totalidade do conhecimento, inclusive dos conhecimentos científicos[1]. As ciências[2], de acordo com as proposições de Aristóteles, são fracionadas segundo os objetos e finalidades específicas de cada uma.
Segundo essa ótica, primeiramente, existem as ciências produtivas, ou técnicas, com fins pragmáticos, cujas investigações recaem sobre as ações científicas teologicamente direcionadas. Referem-se a saberes que se destinam a uma obra final, com autonomia em relação ao sujeito, a exemplo da arquitetura, da economia e do direito. Nesse contexto a atuação cognitiva não se esgota em si mesma, transcende o sujeito e se consolida numa obra singular.
Já as ciências práticas são aquelas que, diferentemente das ciências produtivas, correspondem ao saber reflexivo, cujo foco converge para o próprio sujeito, ou seja, o exercício cognitivo favorece o ser humano, independentemente da realização de uma obra autônoma. A política e a ética seriam ciências dessa categoria.
As ciências teoréticas, como a metafísica ou filosofia primeira, de outro passo, se ocupam dos entes independentes da obra humana (independente da técnica, da produção do homem). Diante dos entes, autônomos e independentes, ao sujeito restaria tão somente o mero exercício contemplativo.
Dentro desta classe de saber científico, segundo o pensamento aristotélico, existem diversos graus de abstração. A metafísica propriamente dita, ou a filosofia primeira, é a ciência que estuda o ser. A teologia, ao seu lado, estuda a causa de todas as causas, o divino. Estas duas são as mais abstratas, e correspondem à base de todo agir cognitivo.
Aristóteles aponta ainda as ciências dos entes naturais imutáveis, não sujeitos a mudanças, como a matemática e a astronomia, neste último caso, levando em conta a crença dos gregos na imutabilidade do universo.
Independente das subclassificações categóricas realçadas, antes de se projetar sobre conhecimentos de uma área específica, acreditamos que o cientista, em sentido amplo, deveria se ocupar dos saberes filosóficos mais abrangentes e das normas gerais que condicionam e regem o próprio pensamento.
Antes de escolher e definir o que se pretende investigar nos campos restritos da ciência (e.g. questões relacionadas à ciência do direito ou mesmo ao direito positivo), seria conveniente que o pesquisador buscasse conhecer os fatores que antecedem, legitimam e condicionam essas escolhas e definições[3].
Dominados os saberes filosóficos mais abrangentes e encontrados os princípios gerais que disciplinam o exercício da busca do conhecimento, o sujeito poderia avançar mais seguramente às especificidades das investigações científicas[4] propriamente ditas.
Em outros termos, além da preocupação com as particularidades das ciências jurídicas, o pesquisador não deve se esquecer da grande importância da epistemologia, enquanto abordagem filosófica do conhecimento científico, pelas inestimáveis contribuições críticas acerca dos fundamentos lógicos, dos princípios e bases da produção científica.
Por isso, com já sustentamos anteriormente[5], o apoio da filosofia[6] é indispensável para o adequado exercício da pesquisa científica, pois oferece bases sólidas e seguras à sua edificação.
Os pesquisadores do direito, portanto, que almejam resultados seguros nos respectivos campos de investigação, não podem desprezar o saber filosófico, a epistemologia ou outras fontes de conhecimento estranhas à sua área de pesquisa.
É preciso acentuar que não sugerimos a inaplicabilidade das regras que disciplinam a atividade científica. O que defendemos é que o pesquisador se mantenha aberto para se nutrir de outros saberes, que podem servir de apoio para ampliar e favorecer suas investigações, lançar luzes mais fortes sobre os objetos que avalia e conferir mais nitidez à imagem dos fenômenos que se apresentam aos seus olhos.
Referências
ARISTÓTELES. Categorias. Tradução José Veríssimo Teixeira da Mata. 3ª ed . São Paulo: Martin Claret, 2012.
DAWKINS, Richard. Ciência na alma. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das letras, 2018.
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2017.
NETTO, Antonio Evangelista de Souza. O controle jurisdicional do plano de recuperação judicial: paradigmas para o protagonismo do magistrado no controle do plano de recuperação judicial. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. (Tese de Doutorado em Direito). 2014.
SHAKESPEARE, William. A megera domada. Tradução Millor Fernandes. Porto Alegre: L&PM, 2003.
[1] ARISTÓTELES. Categorias. Tradução José Veríssimo Teixeira da Mata. 3ª ed . São Paulo: Martin Claret, 2012.
[2] Sobre os valores da ciência e a ciência dos valores confira: DAWKINS, Richard. Ciência na alma. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das letras, 2018, p. 34 e seguintes.
[3] É relevante destacar, nesse contexto que, de acordo com Aristóteles, “(...) homônimas são ditas as coisas das quais só o nome é comum, enquanto o enunciado da essência é outro. Por exemplo, animal é tanto o homem quanto o retrato, pois somente o nome deles é comum. O enunciado da essência é outro. Se alguém quiser dar conta do que é a essência do animal, em relação a cada um deles, dará um enunciado próprio; dizem sinônimas as coisas cujo nome é comum, enquanto o enunciado da essência é mesmo, e.g. animal é o homem e o boi, pois cada um deles é chamado pelo nome comum. O enunciado da essência é o mesmo. Se alguém quiser dar conta do que é, para cada um deles, a essência do animal, dará um mesmo enunciado; parônimas são ditas todas as coisas que, diferindo-se de outra coisa pela desinência, obtêm a denominação do nome; assim, da gramática, o gramático; e da coragem, o corajoso. ” ARISTÓTELES. Categorias. Tradução José Veríssimo Teixeira da Mata. 3ª ed . São Paulo: Martin Claret, 2012, p. 71.
[4] Sobre as crises epistemológicas e as novas teorias científicas confira: KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2017, p. 159.
[5] NETTO, Antonio Evangelista de Souza. O controle jurisdicional do plano de recuperação judicial: paradigmas para o protagonismo do magistrado no controle do plano de recuperação judicial. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. (Tese de Doutorado em Direito). 2014.
[6] Vejam este inspirador trecho da obra de Shakespeare. Trânio, aconselhando Lucêncio sobre as aspirações - Ato I – Cena I – dirá que “[...] à doçura da doce filosofia. Amenas, meu bom amo, por mais que admiramos essa virtude, essa disciplina moral, rogo-lhe não nos tornemos estoicos ou insensíveis. Não tal devotos da ética de Aristóteles a ponto de achar Ovídio desprezível. Apoie a lógica nos seus conhecimentos do mundo e pratique a retórica na conversa usual; inspire-se na música e na poesia e não tome a matemática e da metafísica mais do que o estomago pode suportar; o que não dá prazer não dá proveito. Em resumo, senhor, estude apenas o que lhe agradar.” SHAKESPEARE, William. A megera domada. Tradução Millor Fernandes. Porto Alegre: L&PM, 2003, p. 22.