Os desafios da advocacia criminal na perspectiva de um advogado do interior

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O presente trabalho tem como objetivo expor as dificuldades enfrentadas pelos advogados e advogadas que militam na área criminal no interior do País.

A CF 88 em seu artigo 133 dispõe que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. O constituinte, portanto, elevou a categoria constitucional a profissão da advocacia, principalmente pela sua importância histórica de guardiões dos direitos humanos.

A leitura do art. 133. permite a extração de duas regras: a) indispensabilidade do advogado, que, contudo, não é absoluta(...) b)a imunidade do advogado, que também não é irrestrita, devendo obedecer aos limites definidos na lei. 1

É sabido que principalmente durante a ditadura militar a advocacia teve um papel importantíssimo na defesa de presos políticos segundo relatos do livro Advocacia em tempos difíceis: ditadura militar 1964-1985.

É curioso notar, e as entrevistas o mostram bem, as diferenças de violência sofridas regionalmente, o que permite traçar hipóteses sobre as variações regionais da repressão aos advogados. O Rio de Janeiro tinha uma geração de advogados gabaritados na defesa de acusados políticos, por força da experiência do Tribunal de Segurança Nacional. Embora também ali tenha havido violências praticadas contra advogados, com prisões e invasões a escritórios, esta parece ter ocorrido de forma distinta em São Paulo, onde a maior parte dos defensores era composta por jovens recém- formados. Ao menos dois entrevistados paulistas relataram ter sofrido espancamentos e choques em seus interrogatórios policiais, o que não apareceu em depoimentos de outras localidades. De toda sorte, o fenômeno de repressão a advogados e advogadas defensores de acusados políticos foi nacional e muito duro. 2

A advocacia sempre esteve na vanguarda da defesa da democracia, dos direitos e garantias fundamentais e na defesa intransigente dos direitos humanos, e em boa parte é isso que acaba estimulando muitos jovens a entrarem nos cursos de Direito, pelo legado de vultos históricos como Rui Barbosa (a Águia de Haia) e Sobral Pinto para quem a profissão de advogado não era para covardes.

A advocacia de hoje tem enfrentado, guardadas as devidas diferenças, inúmeros desafios, visto que o país passa por uma crise que parece sem antidoto, e que tem superado as expectativas mais pessimistas.

É imperioso destacar que somos vitimas de uma sociedade que não reflete em certos aspectos o seu legado triste da escravidão.

Em paralelo, a escravidão, institucionalizando a barbárie, lançava raízes fundas que legariam ao futuro o racismo estrutural. Relações escravagistas são hierarquicamente, mas evidentemente transcendem a mera verticalidade que caracteriza o domínio de classe. 3

M as o jovem causídico , recém-saído da universidade, recém-empossado como advogado, que decide enveredar na advocacia criminal se depara com situações de aviltamento, desrespeito às suas prerrogativas, violência e medo . Muitas vezes se depara com juízes e promotores punitivistas, arbitrários, que invocam para si todos os poderes da republica, como se monarcas fossem, e tratam os advogados com deselegância e autoritarismo. Além de não se orientarem pelas normas e limites impostos na Lei Maior de 1988 e no art. 6ª da Lei 8.906/94 Art. 6º “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”. Em muitos casos as citadas autoridades são Influenciadas pela opinião publica que por sua vez é contaminada em muitos casos por uma mídia sedenta por sangue.

Isso sem falar em muitas delegacias intoxicadas pela visão estreita, viciada pela busca de vingança social como se justiceiros fossem, e que encaram o advogado criminal como uma ameaça ou inimigo numero 1ª do estado.

Ainda, quando se pensa em direito penal do inimigo vem logo à mente como exemplo de normas desse jaez, como exemplifica Agamben (2011, p;16) o chamado USA Patriot Act, promulgado pelo Senado no dia 26 de outubro de 2001, logo após os atentados terroristas ocorridos em setembro do mesmo ano, o qual permite manter preso estrangeiro suspeito de atividades que ponham em perigo a segurança nacional dos EUA. Contudo, o direito penal do inimigo não está presente só na legislação estrangeira, no ordenamento jurídico brasileiro ele se revela bastante flagrante em diversas passagens. Como exemplo de um típico direito penal do inimigo temos o RDD – Regime Disciplinar Diferenciado, instituto introduzido pela Lei nº 10.792/2003, que modificou a Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84). Em breve síntese, o regime disciplinar diferenciado caracteriza-se por impor ao detento uma restrição maior à sua liberdade, evitando contato com outros presos, restringindo contato com familiares, enfim, tolhendo ainda mais direitos que já foram castrados quando de sua imposição ao cárcere.4

Toda essa visão de inimigo do Estado, da busca pelo encarceramento, por penas duras, pelo recrudescimento penal acaba verberando na pessoa do advogado criminal, que é alvo de olhares tortos, preconceituosos e que muitas vezes são vitimas de linchamento público.

Creio que muitos advogados e advogadas que militam na advocacia criminal já deva ter se deparado com alguma frase depreciativa do tipo “lá vai o defensor de vagabundo”, ou “ele(a) é advogado(a) de bandido” como se os advogados fossem defensores de impunidade, e não aquilo que preceitua o art. 133. da CF citado acima.

Esses são apenas alguns dos inúmeros desafios enfrentados diariamente pela advocacia.

E o que dizer da advocacia das pequenas cidades? Nas cidades menores muitos advogados não gozam de estruturas, não tem escritórios, visto que muitos exercem seu mister na própria residência. Estes não têm assessores, ou acesso a tecnologia de ponta, fazem a advocacia quase que artesanal.

E por não gozarem de um aparato maior, e por estarem distantes da sede da OAB de seus estados, são vilipendiados na sua missão profissional, e porque não dizer constitucional.

Some-se a isso uma justiça morosa, que demora em entregar ao cidadão a efetivação de direito, cidades sem comarca, como é o caso de Camutanga em Pernambuco, onde a comarca fica na cidade vizinha, Ferreiros, que fica a cerca de 6 km, e que de acordo com decisão recente do TJPE ficará ainda mais distante, indo para a cidade de Timbaúba que fica a 16 km. “Um projeto de resolução que diminui de 150 para 107 o número de comarcas do Judiciário estadual foi aprovado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). De acordo com a decisão, 43 comarcas com baixo percentual de processos que ingressam anualmente na Justiça serão agregadas a de outras localidades”. 5

Com isso o desafio de inúmeros advogados será ainda mais duro, e de maneira consequente dos seus constituintes e dos cidadãos locais, afetados pela citada decisão do TJPE.

Seguindo, além de tudo já exposto aqui, o advogado criminal sofre com a violência institucional que acaba tomando contornos ainda mais graves, com ameaças a sua integridade , prisões arbitrárias e violência física. “O advogado desagravado neste ato, o colega Sávio Delano, é certamente a maior autoridade aqui presente. Mesmo diante de um episódio de autoritarismo, deu um exemplo de postura, liderança, equilíbrio, serenidade e, acima de tudo, pela firmeza com a qual você representou nossa profissão. É isso que se espera da advocacia”, apontou Lamachia. 6

São numerosos os casos Brasil a fora, “Nós fomos coagidos, ficamos acuados, mas hoje, de ter este agravo aqui, pelo menos para mim, estou me sentindo melhor”, disse. O presidente da OAB Paraíba, Paulo Maia, também falou sobre a confusão. “Em dois dias, advogados foram agredidos, detidos, tiveram roupas rasgadas, um celular extraviado, em ação por membros da Polícia Civil do estado. Exigimos punição aos envolvidos e é importante registrar que esperamos que a polícia entenda que este foi um fato atípico e que não se repete. Queremos garantir que as instituições vão manter o respeito institucional e focar na segurança da sociedade”, disse.7

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E se a situação é grave nos grandes centros e nas cidades de médio porte, nas cidades menores a situação é ainda mais grave.

Inúmeros advogados e advogadas sentem medo de tomar alguma providencia quando tem sua prerrogativa afetada, pelo medo da opinião pública, medo de coações e ameaças sofridas, preferem muitas vezes passar por cima da situação e seguir em frente.

Isso sem contar com o medo de ser vitima do furor de parte ex adversa, ou pelo próprio cliente não resignado com condenações, e muitos causídicos acabam perdendo inclusive a própria vida.

“O advogado Cícero Emericiano da Silva, 47, foi assassinado, na noite de sábado (16), com um tiro de escopeta no rosto, quando chegava no sítio de sua propriedade, na localidade de Taboca de São Miguel, zona rural do município de Aurora (a 462 Km de Fortaleza). A polícia acredita, inicialmente, que o advogado foi vítima de latrocínio (roubo seguido de morte). Contudo, os policiais não descartaram a hipótese de que ele pode ter sido alvo de mais um crime de pistolagem no Estado”.8

“Uma pessoa do escritório disse que os dois homens entraram na sala e simularam um assalto. O Marcus entregou R$ 2 mil a eles e achou que iriam embora, mas eles mandaram chamar o Frank. Em seguida, os dois se sentaram e foram baleados”, disse Thales Jayme.9

Diante de todo exposto é “sine qua non” a retomada do estado de Direito e o fim desse estado de coisas que assola o Brasil nos últimos anos, encarnado principalmente no lavajatismo sem critério, que solapou vários pilares de nossa ordenamento jurídico sob a perspectiva maquiavélica de que os fins justificam os meios, numa pretensa desculpa de que se estaria combatendo a corrupção.

Todo esse estado de coisas acaba tornando a vida do advogado, sobretudo o jovem advogado e principalmente o que milita nos rincões do país, mas dura, mais difícil.

O fortalecimento das instituições não pode se confundir com hipertrofia como erroneamente vem acontecendo, as instituições devem exercer seu papel constitucional, defender o Estado de Direito, a democracia e os direitos humanos.

Como já foi exposto até aqui, pensamos ser imprescindível que o precesso penal passe ´por uma constitucionalização, sofra uma profunda filtragem constitucional , estabelecendo-se um (inafastável) sistema de garantias mínimas, como decorrência, o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático é sua instrumentalidade constitucional, ou seja, o processo enquanto instrumento a serviço da máxima eficácia de um sistema de garantias mínimas. 10

No que concerne tanto a OAB como as associações de classe, é imperioso a união e vigilância constante, atuando de forma firme na defesa dos direitos dos advogados e advogadas Brasil a fora.


​1 Lenza, Pedro Direito Constitucional esquematizado/ Pedro Lenza.—coleção esquematizado/ coordenador Pedro Lenza—24ª. Ed.—São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

2 Spieler, Paula (coord.). Advocacia em tempos difíceis: ditadura militar 1964-1985./ coordenação Paula Spieler, Rafael Mafei Rabelo Queiroz./ Curitiba: Edição do Autor, 2013.

3 Soares, Luiz Eduardo, 1954-Dentro da noite feroz: o fascismo no Brasil/ Luiz Eduardo Soares.—1. Ed.—São Paulo: Boitempo, 2020.

4 Rabelo, Julio Cesar do Nascimento O direito penal do inimigo: uma análise crítica do expansionismo penal na sociedade contemporânea. / Julio Cesar do Nascimento Rabelo ; orientação [de] Prof. Dr. Luís Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho – Aracaju: UNIT, 2016

5 https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/12/15/tjpe-desativa-comarcas-em-43-cidades-devido-a- baixo-percentual-de-processos-oab-e-municipios-criticam.ghtml

6 https://www.prerrogativas.org.br/no-agreste-de-pernambuco-lamachia-desagrava-advogado-agredido-por-policiais

7 https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2020/10/01/advogados-fazem-ato-em-frente-a-central-de-policia- civil-em-joao-pessoa.ghtml

8 https://oab.jusbrasil.com.br/noticias/1065712/advogado-e-morto-no-ceara-policia-nao-descarta-crime-de- pistolagem

9 https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2020/10/30/suspeito-de-de-participacao-na-morte-de-advogados-em- goiania-e-preso.ghtml

10 Lopes Junior, Aury Direito Processual penal/ Aury Lopes Junior.—17 ed. –São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

Sobre o autor
Lucio Wagner Barbosa Correia Vieira

Advogado, Especialista em Direito Penal e proc. Penal , pós-graduando em Ciências Políticas..

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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