A atuação do conselho de sentença como expressão democrática de participação popular no poder judiciário

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O presente artigo tem o objetivo de estudar a instituição do Tribunal do Júri enquanto instituto que visa a materialização do princípio democrático. O presente estudo justificou-se pela imprescindibilidade do Tribunal do Júri, sendo uma cláusula pétrea.

1. INTRODUÇÃO 

O Tribunal do Júri é inserto na Constituição Federal de 1988 como cláusula pétrea, o que traz sua qualidade de direito e garantia individual e coletivo. Ocorre que no meio jurídico que se insere, há certa indiferença e repulsa de muitos juristas para com o júri, geralmente causada pela implementação inadequada dos procedimentos, que parece ter esquecido a importância da democracia e a necessidade da participação social.

A dogmática do presente estudo é trabalhar o Tribunal do Júri como sendo instituição de participação popular, na medida que existem aspirações que buscam criticar e, inclusive, extinguir o instituto que parece ser elementar para a democracia.

Portanto, dentro dos conceitos de democracia, de participação popular, de liberdade política e justiça, justificou-se a escolha do tema envolvendo o tribunal do júri como instituição essencial, que deve ser aprimorada e nunca diminuída.

A validade da pesquisa justificou-se não só pela importância do assunto, intimamente ligado com a democracia, como também pela aproximação da sociedade do poder, algo extremamente salutar.

Além disso, o instituto, como já dito, é milenar, difundido nos mais diversos ordenamentos jurídicos de outros países, e dificilmente cogita-se sua abolição, sendo considerado, inclusive, cláusula pétrea na Constituição da República Federativa do Brasil. 

O presente trabalho teve como objetivo avaliar a importância do instituto do Júri como ferramenta para fortalecer a democracia e a liberdade, aproximando a sociedade do Estado e diminuindo a distância entre as pessoas e o poder que ocorrem noutros regimes de governo.

2 DESENVOLVIMENTO 

A Instituição do Tribunal Popular remonta suas origens ao início da Baixa Idade Média na Europa, no contexto de enfraquecimento do sistema feudal e início do sistema capitalista. 

A participação do povo na tomada de decisões e a dizer a verdade sobre um determinado caso surgiu na Inglaterra no reinado de Henrique II, porém fora o rei João Sem-Terra que aperfeiçoou o procedimento por meio da conhecida Magna Carta em que dizia : “[...]ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdades, senão em virtude do julgamento de seus pares, segundo as leis do país. 

Dali pra frente o sistema de jurados foi expandido para o restante da Europa e para os Estados Unidos como uma forma de democracia que inclui pessoas leigas nas decisões mais importantes do judiciário. 

No Brasil, o júri foi comtemplado em quase todas as constituições, desde a época da colônia até a república, com exceção da constituição polaca, no período do Estado Novo na Era Vargas. Contudo, foi em 1941 que o nosso atual Código de Processo Penal foi editado e o Tribunal do Júri consolidado como competente para julgar os crimes dolosos contra a vida. 

Assim, o júri consolidou-se no Brasil como o Tribunal Popular competente a decidir sobre os maiores dramas do ser humano, ou seja, o dilema vida, liberdade, moral e honra. Dessa maneira, os cidadãos são chamados a decidir sobre a retribuição penal que o transgressor deve expiar em vista da lesão causada àquela comunidade com o cometimento dos crimes de maior reprovação social. 

Dessa forma, o conselho de sentença tem a possibilidade de exercer a faculdade de clemência em face do caso que lhe é apresentado, analisando como se deram as circunstâncias, quais os motivos que levaram o réu ao cometimento do daquele delito e inclusive a reabilitação que possa ter sido operada no autor do crime que de certa maneira não justifique a aplicação de qualquer sanção por parte do Estado ao indivíduo que é aceito de volta no corpo daquela sociedade pelos próprios membros dela que lhe concedem essa benécia. 

O que requer especial atenção é na maneira como o Tribunal do Júri se constitui em nossa sociedade e mais ainda qual a intenção do legislador constitucional e processual delegar uma competência numerus clausus restrita aos crimes contra a vida que é o bem mais precioso que o homem possui. Posto isso, o Código de Processo Penal em seu art. 74, § primeiro 2 define quais são eles, a saber que são o homicídio, a instigação ou auxílio ao suicídio, o infanticídio e as diversas formas de aborto. Contudo, ainda não é suficiente essa definição, pois é necessário aferir o elemento subjetivo do tipo penal, ou seja, se este foi praticado com dolo ou com culpa. 

Tem- se por doloso o crime que é cometido de forma intencional, movido pelo intuito de alcançar o resultado e empregando os recursos possível para a concretude do seu intento criminoso ou ainda pode se dá na modalidade de dolo eventual, que é o caso daquele que assume o risco de produzir o resultado e mesmo sendo capaz de prever o evento danoso não se importa com as consequências. Diverso dessa classificação é o crime na modalidade culposa que é ocasionada por imprudência, negligência ou imperícia do autor.

Apenas os crimes contra a vida que são praticados com dolo é que serão levados a apreciação popular. Nestes os réus objetivaram retirar do seu semelhante a vida como objetivo principal da empreitada criminosa e por isso devem ser julgados por seus semelhantes. 

É nesse sentido que são escolhidos aqueles que irão a sorteio para compor o grupo de vinte e cinco para atuar perante aquele juízo prestando os seus serviços à justiça nos dias que são previamente agendados para acontecer as sessões e participando daqueles que são sorteados no dia do julgamento até o limite de sete jurados por caso. 

Na praxe forense ocorre que o juiz-presidente titular da vara do júri encaminha ofícios às repartições públicas situadas na cidade solicitando um número determinado de nomes para que se submetam ao sorteio, além disso, os mesmos ofícios são encaminhados a iniciativa privada para que se proceda da mesma maneira. Juntado todos esses nomes com aqueles de pessoas que se voluntariam a participar é realizado o sorteio e definido a lista de titulares e suplentes daquele ano. As solicitações de dispensa deverão ser dirigidas ao juiz que analisará os motivos apresentados e decidirá motivadamente como preconiza o CPP no seu artigo 4444 caput. 

Com isso, é caro a explicação sobre a terminologia. A expressão “júri” provém do latim jurare, que significa fazer juramento porque é esta a missão que lhes é atribuída pelo Código de Processo Penal após a reforma de 2008 pela exortação feito pelo juiz presidente na forma do art. 472, Caput.  

O cidadão após esse momento é incumbido de uma missão cara a democracia que é julgar o seu semelhante por uma prática que a ele poderia um dia ser imputada. O sentimento social que se busca com esse compromisso é desvincular o jurado de possível parcialidade em relação ao caso que se debruçará com o restante dos integrantes do conselho de sentença. 

Assim, o jurado, cidadão leigo, assume o compromisso perante a sociedade e ao sistema de justiça que irá avaliar as provas que lhes são apresentadas pela acusação e pela defesa no intuito de chegar a uma conclusão justa sobre o fato. O julgamento pelo juiz togado jamais poderia levar em conta convicções pessoais do magistrado ou sentimentos particulares em relação ao caso sob análise, o que contrasta com a realidade do corpo de jurados.

Essa previsão da lei não significa que o jurado possa se abstrair dos seus valores íntimos que lhes são mais precípuos que em nenhum momento lhe será questionado. A Constituição Federal e o Código de Processo Penal deram aos jurados, dentro das margens do equilíbrio da justiça aferir a culpabilidade ou a inocência do réu de acordo com a sua consciência. O júri é um ponto fora da curva na análise de todos os procedimentos penais, aplicáveis no Brasil. É assim definido, pois nas situações submetidas ao julgamento popular qualquer um de nós pode um ser submetido. 

A antropóloga Ana Lúcia Pastore desenvolveu trabalho etnográfico em sessões do tribunal do júri e pôde constatar o que os sentimentos perpassam a formação de convicção dos jurados. 

O cidadão que é chamado para participar desses trabalhos diante do poder judiciário é uma das maiores expressões da democracia em nosso país, pois é por ele que irá passar a decisão sobre a liberdade ou o cerceamento de um outro semelhante por longos anos. Os juízes leigos, como são chamados são atores importantes no nosso sistema de justiça. 

O sentimento de justiça que é cada vez mais difundido em nossa atual sociedade é capaz de ser sentido de perto por aquele que integra esse seleto grupo, pois é capaz de dar a resposta da sociedade àquele que causou uma grave mácula aquele grupo social que agora tem a responsabilidade de dar uma resposta a altura da lei aquele que cometeu tal delito. 

É possível também com a atuação dos jurados que o juízo de clemência ou compaixão por aquele réu seja efetivado a partir da eloquência da defesa ou até mesmo da tese de defesa sustentada em plenário pelo acusado. A defesa se faz como um papel essencial, independente das circunstâncias em que ocorreu o crime, haja vista, sem ela não poder ser concretizada a justiça. 

Outro ponto a ser levado em consideração nesse momento é a incomunicabilidade dos jurados que por mais que as emoções e sentimentos pessoais possam tomar conta do plenário, como revelações da vida pessoal da vítima como estratégia da defesa ou até mesmo quando o órgão acusador faz uma transgressão da vida pregressa do réu como subterfúgio a embasar o pedido acusatório o silêncio dos jurados são imprescindível para o andamento dos trabalhos. 

O silêncio a que se faz alusão é o silêncio do sigilo em torno das convicções que vão se construindo ao longo daquelas horas de debates, interrogatórios, testemunhos e explanação de perícias, esse é um grande desafio aqueles que estão investidos sobre o manto do juramento. 

O Código de Processo Penal deixa essa questão bem clara quando veda terminantemente a possibilidade de comunicação entre os jurados e até com previsão de sanção, nos termos da lei. 

E se a dúvida de um for a dúvida de todos o questionamento deve ser dirigido diretamente ao juiz-presidente que buscará solucionar a indagação. Um jurado não deve esclarecer a dúvida de outro sob pena de estar transmitindo a ele a sua concepção acerca daquela matéria. Cada um deve formar a sua convicção com base exclusiva nas provas apresentadas e no senso de justiça individual que está na consciência de cada jurado.

O sigilo também é estendido aos de fora, esses sim, com maior rigor ainda, pois não estão conectados com os termos do processo e nem sintonizados com os argumentos que foram debatidos em plenário, por isso mesmo a comunicação com o mundo exterior, possa assim dizer é vedada até o término do julgamento sob pena de nulidade absoluta, pois viola um preceito constitucional da incomunicabilidade dos jurados. 

Essa tarefa torna-se demasiadamente complicada quando o julgamento se entende por longas horas e em alguns casos não terminando no mesmo dia. Nesses casos, os jurados continuarão incomunicáveis e acomodados nas dependências do fórum ou caso haja convênio com algum estabelecimento hoteleiro a hospedagem será providenciada por lá. 

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Não é factível a ida para casa de cada um dos jurados, pois assim não seria possível monitorar as pessoas com quem eles se relacionam e se mencionariam o caso que está em julgamento. Esta situação é oposta ao que ocorre no sistema de justiça americano em que os jurados deliberam sobre o caso, debatendo as teses e até influenciando a tomada de decisão de um colega. 

Vencido esse debate acerca da incomunicabilidade passemos a análise da solenidade dos trabalhos a que o jurado é incumbido. Logo após ser sorteado e aceito tanto pela acusação quanto pela defesa o jurado é orientado a vestir uma beca para simbolizar a grandeza da missão que está por assumir após o seu juramento. 

Nesse ínterim, o jurado observará atentamente aos debates e as provas produzidas na primeira fase do procedimento, haja vista o júri ser bifásico e na primeira fazer haver sido coletado provas e ter sido procedido ao interrogatório do acusado. Essas podem se repetir em plenário, por requerimento das partes, bem como os fatos podem ser simplesmente ratificados e não ser assim necessário. 

Durante todo o ritual, que é o julgamento em plenário, os jurados devem ser tratados como juízes de fato que o são, devendo ser tratados pelas partes com respeito e com as formalidades a que se dispensam aos juízes de direito. Seus requerimentos devem ser atendidos pelas partes bem como os pedidos suspensão da sessão por motivos de necessidades pessoas de cada jurado, como pausa para ir ao banheiro e intervalo para o almoço devem ser assim procedidas. 

As refeições, bem como água, café e chá são providenciadas para garantir aos jurados a maior comodidade possível e atenção necessárias ao bom desempenho dos trabalhos. Contudo, em alguns casos, jurados precisam ser advertidos pelo juiz-presidente ao cochilarem durante os debates ou não estarem em condições adequadas a compreensão das meterias que ali estão sendo levantadas. É nesse momento que se faz oportuno uma pausa nos trabalhos e um tom de cordialidade para com os jurados que em sua maioria não estão acostumados a ficar longas horas sentados se debruçando sobre um processo. 

A lisura dos trabalhos depende também do comportamento dos atores sociais que perpassam o tribunal do júri, a eles é pedido respeito ao processo e a vida, vida de alguém que foi surrupiada ou tentada ser e vida daquele ser humano que assim procedeu no intento criminoso. 

Por hora, nos é caro a questão da cordialidade entre esses personagens que são assumidos pela acusação e pela defesa, pois os jurados, estão ali, como juízes leigos que o são, para dar a resposta que a sociedade espera deles. Não é lugar de ganhar ou perder a causa, não é oportunidade para buscar triunfar sobre as maiores desgraças do ser humano. O momento exige respeito! 

Feitos esses esclarecimentos, avancemos ao final do julgamento e como esse papel de jurado perpassa a sessão de julgamento e influencia a vida do jurado de maneira sem igual. A vida não será a mesma da votação em diante, aquelas cédulas de papel colocadas em uma urna com os votos definiram o destino que o réu vai ter dali pra frente. Só há duas escolhas para cada uma das respostas, ou é sim ou é não a cada um dos quesitos formulados pelo juiz-presidente. 

O plenário do júri é trancado durante a votação e transformado em sala secreta quando não há a possibilidade de deslocamento dos jurados, MP, Defesa, Juiz e serventuários para um outro espaço. Toda a solenidade em torno da votação pode ser presenciada por estudantes de direito que estejam na assistência durante a sessão de julgamento, com a autorização do magistrado e das partes. 

Chega o momento da decisão, as portas são novamente abertas e todo o público é autorizado a ingressar no plenário, nesse instante a sentença será proferida com todos de pé. O magistrado está adstrito a decisão proferida no voto dos jurados e a ela deve obedecer, considerando todas as nuances processuais. 

Para os familiares da vítima, é momento de ser feito justiça, os sentimentos são aflorados nesse momento. Para o réu e seus familiares, é um momento tenso em que a incerteza sobre sair pela porta da frente do fórum ou o recolhimento ao estabelecimento prisional passa pela leitura que é feita pelo juiz naquele momento. E vem a sentença, o processo dá-se por encerrado. 

A experiência em torno daquele caso será levada para a vida pessoal daquele jurado, servindo de norte em todas as tomadas de decisão daquele cidadão que exerceu tão nobre papel, contribuindo para a justiça da sua cidade e para a sociedade como um todo, pois foi dada uma resposta satisfatória aquele crime que lesou profundamente os membros daquela comunidade. 

A reflexão que podemos extrair da ida do cidadão comum, leigo, sem estudo jurídico, das mais diversas áreas de formação, dos mais diversos credos e cores que possam existir é que somos todos suscetíveis a um dia sentarmos no banco dos réus e ser pelos nossos pares julgados. 

A honestidade, o respeito a liberdade sexual e ao patrimônio dos demais cidadãos bem como o respeito a probidade administrativa e aos bens públicos podem ser garantidos por um homem médio o seu não cometimento por mais que as situações da vida lhe impulsionem a praticar esses atos. Contudo, tirar a vida de alguém, por mais grave que possa ser não é algo que alguém possa se eximir de um dia cometer. 

Alguém não sabe o que é capaz de fazer para defender a sua honra, para se defender de alguém que lhe ameace e ainda quando envolve a proteção das pessoas que possuem maior importância em nossas vidas, que são nossos familiares. Assim, não podemos nos eximir de um dia virmos a sentar no banco dos réus pelos mais variados motivos. E são pelos mesmos motivos que o povo é chamado a julgar seus semelhantes, haja visto como fora supracitado, ninguém é capaz de garantir que nunca irá cometer um crime contra a vida de outrem.

3. CONCLUSÃO

Há muito tempo que o povo vem sendo chamado a participação nas decisões da sociedade. Esta se efetiva não só por meio do sufrágio universal, mas também no julgamento dos crimes mais graves que assolam a nossa sociedade moderna. Assim, frustrar um outro ser humano do direito mais essencial que lhe assiste, que é o direito de viver, exige que seja posto a julgamento por seus pares, par que estes possam decidir sobre o seu destino dali em diante.

A experiência com essa brilhante missão que é confiada aos cidadãos das mais variadas idades, credos, classes sociais e formações profissionais faz com que a instigante pesquisa sobre o tema se torne tão relevante a ponto de se procurar compreender as nuances que circundam essa nobre atribuição. 

O ponto de intercessão popular com o sistema judiciário, muitas vezes tido como nefasto e injusto, oferece ao povo a oportunidade de se efetivar a justiça. Esta não através de verbetes positivos ou lições dogmáticas, mas de sentimentos morais, psicológicos e acima de tudo pautada na intima convicção do jurado sobre o que ele concebe como justo. 

Através desses pontos busca-se compreender a maneira pela qual as decisões dos jurados coincidam com a opinião popular e possa ser por ela melhor assimilada.

REFERÊNCIAS 

BRASIL. Código de Processo Penal Brasileiro. 43 ed. Atual. e ampli. São Paulo: Saraiva, 2018. 

FIRMINO, Whitaker. Jury. São Paulo, 1910.

OLIVEIRA. Ruy Barbosa de. O dever do advogado. 1985.

SANTOS, Antônia Cláudia Lopes dos. Crimes passionais e honra no Tribunal do Júri Brasileiro. 2008. 

STRECK, Lenio Luiz. O Tribunal do Júri e os estereótipos: uma leitura interdisciplinar. 1988.

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