A aplicação da Responsabilidade Civil em decorrência do fim da relação amorosa

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A união gera obrigações que possibilitaria ressarcimento e indenização no caso de dano e, se tratando de uma relação sentimental, causa estranheza o instituto de compensação numa relação de vínculo essencialmente afetivo.

INTRODUÇÃO

A Responsabilidade Civil tem sua importância reconhecida no momento em que abrange todas as condutas do indivíduo enquanto inserido em sociedade, dando-lhes segurança jurídica e possibilidade de, caso haja violação a algum de seus direitos, uma compensação. Além da Responsabilidade Civil, o Código Civil também trata do Direito de Família, assim, o presente trabalho científico traz como tema a Responsabilidade Civil no âmbito Familiar, mais precisamente no que tange as relações afetivas.

Ainda que o Judiciário brasileiro caminhe lentamente, é visível a tendência de indenização decorrente de direitos pessoais previstos na Constituição Federal de 1988, tais como o o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem e a justa compensação na violação de quaisquer desses institutos, como visto em países como Argentina, Portugal e França. A análise mais aprofundada dos dispositivos legais advindos tanto da Constituição Federal quanto do Código Civil dará a fundamentação necessária para a aplicação da ação    de dano moral no âmbito familiar.

A palavra Responsabilidade possui origem latina, latina (respondere) que significa responder pelos atos próprios ou pelos alheios, ou ainda por uma coisa confiada. Juridicamente falando, responsabilidade é o dever resultante da violação de determinado direito, através da prática de um ato contrário ao ordenamento jurídico. Assim, todo prejuízo deve ser reparado por aquele que o causou, pois, o fato social que leva ao prejuízo também carrega consigo o dever de reequilíbrio moral ou patrimonial daquele ato faltoso provocado pelo autor do dano. Em se tratando de responsabilidade no âmbito do Direito de Família advinda de um dano causado por uma das partes é considerado ato ilícito, tal qual como preconiza o art. 186 e 187 do Código Civil Brasileiro.

Como descrito, esse é o conceito de dano, exatamente igual à regra do art. 927 do mesmo livro, que define Responsabilidade Civil e que a torna aplicável a qualquer uma das áreas abrangidas pelo Código Civil, incluindo aqui, o Direito de Família. Aqui, existe a classificação da responsabilidade em objetiva ou subjetiva. A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo do agente, basta que haja o nexo causal entre a ação ou omissão do agente e o dano causado a outrem.

O Código Civil adotando a teoria subjetiva, define que para configurar a necessidade de reparação do dano, é necessária a prova de culpa ou dolo por parte do agente causador do dano. Para Cavalieri Filho, “o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do fato ofensivo, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, presunção hominis facti, que decorre das regras da experiência comum"[1].

Outra classificação que a Responsabilidade possui é a que a divide em Responsabilidade Contratual e Responsabilidade Extracontratual. Quando se fala em Responsabilidade Contratual, é de fácil identificação pois, para sua caracterização basta o descumprimento de quaisquer cláusulas contratuais, pois, com a relação de direitos e obrigações existente entre as partes definida num instrumento contratual,  a  culpa  do  devedor inadimplente é presumida.

Já a Responsabilidade Extracontratual, ou seja, aquele que não deriva de um instrumento contratual, a reparação possui cunho subjetivo, causado por  dolo  ou  ainda, culpa em strictu sensu por parte do agente, sendo necessária a demonstração do dano para a sua compensação, pois não há definição das obrigações ou direitos assumidos pelas partes, tratando-se de um aspecto imensurável, pessoal ou moral.

Outra classificação de Responsabilidade vem da origem do dano, se da seara civil   ou da seara penal. A Responsabilidade Penal se dá no momento em que uma norma  de Direito Público é violada e alguém possui seu direito lesado.  Destarte, a omissão ou a ação  de um agente pode gerar danos de aspectos civil ou penal, separada ou conjuntamente. A ofensa à integridade física de outrem é definida no Código Penal brasileiro e gera, consequentemente, a obrigação do condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis, tal qual visto no art. 9, do referido código.

 

 

 

 

 

  1. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Analisando de maneira mais aprofundada o prescrito no art. 186 do Código Civil brasileiro acima transcrito, obtêm-se os elementos vitais para a caracterização dos pressupostos da Responsabilidade Civil, quais sejam:

  • Ação ou omissão;
  • Culpa ou dolo do agente;
  • Relação de causalidade e
  • O dano à outrem.

A ação ou omissão pode vir de atos próprios do agente ou de terceiros sob a responsabilidade do agente, sejam esses terceiros: pessoas, animais ou objetos. Têm por exemplos de responsabilidade por atos próprios, aqueles casos de injúria, difamação ou calúnia. Já a responsabilidade por atos de terceiros encontra exemplos nos danos causados  por filhos menores ou representados, animais de sua propriedade que  invadem  terreno  alheio ou ainda, prepostos. Vale ressaltar que, em regra, a responsabilidade por danos causados por atos de terceiros é objetiva, independe de prova de culpa ou dolo do agente.

E, em se tratando de culpa ou dolo do agente, a Responsabilidade Civil tem que a culpa lato sensu significa dolo, assumindo a forma mais grave oriunda da negligência, imprudência ou imperícia. No  dolo, a vontade do  agente em  causar dano se sobressai, pois, o dolo consiste na vontade do cometimento de uma violação de direito, lesão à norma. Para  os doutrinadores, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[2] a culpa pode ser culpa in vigilando – é a que decorre da falta de vigilância de fiscalização, em face da conduta de terceiro por quem nos responsabilizamos. Exemplo clássico é a culpa atribuída ao pai por não vigiar o filho que causa o dano. [...], culpa in elegendo – é aquela decorrente da má escolha. Tradicionalmente, aponta-se como exemplo a culpa atribuída ao patrão por ato danoso do empregado ou do comitente. [...] ou culpa in custodiendo – assemelha-se com a culpa in vigilando, embora a expressão seja empregada para caracterizar a culpa na guarda de coisas ou animais, sob custódia.

O nexo causal, ou relação de causalidade, é o que liga a ação ou omissão do agente ao dano verificado ou experimentado por outrem. Sem essa relação, não há, em absoluto, qualquer dever de indenizar ou compensar a vítima por dano causado por agente, seja por dolo ou culpa. É o verbo causar, utilizado no art. 186 do Código Civil brasileiro que define essa dependência.

Por fim, na análise do art. 186 do Código Civil brasileiro, o dano, que pode ter causa material, ou seja, uma perca financeira ou uma subtração patrimonial, ou ainda, causa moral, que é o dano extrapatrimonial, de valor social, pessoal. A Responsabilidade Civil nas relações familiares, disciplina as relações havidas entre as pessoas unidas pelo matrimônio, que é um contrato, em que ambas as partes assumem direitos e deveres decorrentes dessa relação contratual, que envolve patrimônio, afeto e respeito, e ainda, pela união estável, citada no art. 1.723 do Código Civil Brasileiro.

Preliminarmente ao conceito de célula básica da sociedade, é necessário que a família seja tomada como sendo o centro de preservação e abrigo da pessoa, onde espera-se que seus direitos não sejam violados por aqueles em quem confiaram o início de uma vida comum, com divisão e união de deveres e direitos. Quando há o rompimento familiar,  tem-  se uma grande quantidade de direitos de personalidade violados, especialmente aqueles que são oriundos do dever de proteção e respeito, costumeiros das relações geradas por afeto mútuo entre dois seres. Não apenas agressões físicas ou ofensas morais são exemplos de danos passíveis de responsabilidade civil. A diminuição do patrimônio, a contaminação por doenças venéreas, as relações extraconjugais, sejam elas passageiras ou  não, são exemplos  de práticas e atos que lesam os direitos da personalidade.

E, partindo do princípio da dignidade humana, o cônjuge que foi atingido vê, no Direito Civil, uma forma de compensação e reparação pelo mal causado, pela dor sentida e pelo dano sofrido. Ainda que surja de uma relação afetiva, para que haja a justa  caracterização da Responsabilidade Civil, é necessário que haja o preenchimento dos pressupostos acima comentados, além da separação judicial.

Em se tratando de união estável, aplica-se os mesmo princípios, em que,  mesmo  não havendo a formalização da relação tida entre os companheiros, o respeito, a fidelidade e mútua assistência são elementos comuns ao matrimônio, como prevê o art. 1.724 do Código Civil brasileiro, em que se lê: “As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos” e, assim sendo, ao danos causados pela inobservância a esses princípios denota a reparação pelos danos juntamente a um pedido de reconhecimento e dissolução ou apenas  dissolução  da união estável.

Independente da espécie de relação havida entre dois seres, seja essa relação um namoro, noivado, casamento ou união estável, cada uma delas guarda consigo um grau de comprometimento que vai além daquilo que é de conhecimento do homem  médio.  O  namoro por si só, não traz maiores responsabilidades, não é entidade familiar, não é célula social reconhecida em lei e, portanto, não possui efeitos de cunho sucessório ou patrimonial. Seja por costume ou espécie de avaliação natural para uma relação duradoura, o namoro não  é fato gerador de obrigação entre as partes, ainda que eivado dos mesmos requisitos de reconhecimento da união estável, quais sejam: a continuidade, publicidade, durabilidade e inexistência de impedimentos de contrair matrimônio.

Pela ordem natural, vem o noivado, que é o período que antecede ao casamento, período em que a maioria dos casais já faz fazem planos, aquisições e tornam público o seu desejo de casamento futuro. Permanecem os requisitos objetivos de continuidade, publicidade, durabilidade e inexistência de impedimentos.

Ainda que não haja um período temporal determinado para que haja uma classificação objetiva, deve ser um tempo suficiente para que haja a construção de uma afetividade entre o casal, uma comunicação entre amigos, familiares e outras pessoas de convívio, demonstrando assim, que existe a vontade das partes de se reunir de forma definitiva e duradoura.

Ressalte-se que aqui já existe um compromisso financeiro, quando há a aquisição   de bens para a consumação do casamento, poupanças e investimentos feitos em conjunto, o tempo dedicado ao outro. Todas essas formas podem ser objeto de responsabilidade, no caso em que exista o rompimento em que gere dor além de mero dissabor de uma das partes. E, desentendimentos são imprevisíveis e, portanto, o fim de uma relação pode chegar até  mesmo horas antes do matrimônio.

Ressalte-se aqui a figura do namoro qualificado que, além dos requisitos objetivos possui uma característica bem peculiar, de caráter subjetivo: a de não querer constituir família. E é justamente essa qualificação que o difere em essência da união estável. A união estável é espécie de família, possui direitos e obrigações, efeitos patrimoniais e sucessórios  de acordo com o regime de bens adotado pelos companheiros, além de ser fato gerador para possível obrigação alimentar e todas essas prerrogativas encontram amparo no Código Civil brasileiro, respectivamente nos arts. 1.725, 1.790 e 1.694.

Não se deve confundir a relação de união estável com o concubinato, em que uma das partes é impedida formalmente de contrair matrimônio. Os tipos de concubinato são[3]:

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  1. o adulterino – em que uma das partes é casada;
  2. o incestuoso – em que existe uma relação de parentesco entre as partes envolvidas e
  3. o desleal – em que uma das partes possui união estável com terceiro, estranho à relação dos concubinos.

Finalmente, o instituto contratual do casamento, previsto na Constituição Federal como entidade familiar. É a comunhão mais completa entre duas pessoas, resultante do objetivo de se constituir família e que é formalizada perante uma autoridade  competente,  com cerimônia e solenidade determinada em lei, com todos os efeitos inerentes, seja patrimonial, sucessório, de vínculo obrigacional alimentar e de mútuo respeito.

A evolução da sociedade traz, além dos avanços de tecnologia, facilidade de comunicação e outros, a banalização das relações afetivas, em que,  por  simples  manifestação da vontade e sem motivação de uma das partes, devidamente formalizada, é suficiente para que haja a dissolução do casamento. Tal formalização é dispensada nas relações de fato, tais como namoro, noivado, união estável sem reconhecimento ou concubinato.

Quando se fala em união estável sem reconhecimento, trata-se do instituto em que  as partes, para que se confira os direitos possíveis, têm a obrigação de fazer a ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável. Somente a partir dessa ação  judicial  é que se pode reclamar direitos adquiridos pelo instituto da união estável, tais como a meação, sucessão e alimentos.

A formalidade de dissolução do casamento é o Divórcio,  porém, antes mesmo de  sua decretação, a simples separação de fato já pode colocar fim nos efeitos da  união,  devendo ser comprovada. E é aqui que se verifica o centro nuclear do presente artigo: a Responsabilidade Civil no Direito de Família.  É dever verificar se os fatos que levaram a   um casal casado chegar ao divórcio e, principalmente, se esses fatos são capazes de gerar danos, ensejar indenização ou uma compensação reparadora de prejuízos. Não se discute a culpa pelo fim do casamento e sim, os danos causados por uma das partes em detrimento da outra.

A simples culpa pelo fim da relação não é suficiente para a caracterização da responsabilidade de indenização, até porque, o fim de uma relação séria não chega por um fato isolado e sim, pela soma e sucessão de vários fatores que levam à decepção, frustração    e por fim, o rompimento da relação. É impossível identificar um culpado pelo fim e menos ainda, é improvável medir ou calcular o quantum que vale a dor de outrem (TJ/RS, AC nº 70048640718), conforme destacado: “Não há dúvidas quanto à incidência das regras de responsabilidade civil nas relações do âmbito familiar, devendo o caso em comento ser analisado à luz do artigo 186 do Código Civil. Assim, para que seja caracterizado o dano moral, e gerado o dever de indenizar, é necessária a comprovação de existência do dano, do nexo de causalidade entre o fato e o dano e da culpa do agente. 2.Com relação ao apontado cúmplice do convivente infiel, não há como se imputar o dever de indenizar, já que ele não possui, legal ou contratualmente, vínculo obrigacional com o convivente supostamente traído, não sendo possível exigir sua responsabilização pelo descumprimento de deveres inerente ao casamento. 3.Ainda que a união estável imponha o dever  de  fidelidade  recíproca e de lealdade, a violação pura e simples de um dever jurídico familiar não é suficiente para caracterizar o direito de indenizar. A prática de adultério, isoladamente, não se mostra suficiente a gerar um dano moral indenizável, sendo necessário que a postura do cônjuge infiel seja ostentada de forma pública, comprometendo a reputação, a imagem e a dignidade do companheiro.  No âmbito das relações matrimoniais, o simples desfazimento   do vínculo do casamento não enseja, por si só, a responsabilidade civil do cônjuge que não mais pretende permanecer casado. A melhor  doutrina e jurisprudência pátrias  orientam-se no sentido da desconsideração da culpa para a dissolução da sociedade  conjugal, decretando-a com base, unicamente, na falência do relacionamento afetivo como causa para   a impossibilidade da manutenção da vida em comum. Para a responsabilização civil de um dos consortes, portanto, não basta violação dos deveres do casamento, é necessário um comportamento ilícito de sua parte que desborde dos limites do razoável, considerando os padrões de ética e moral, e que seja capaz de gerar efetivo dano ao outro.”

Se o rompimento trouxer consigo danos de ordem moral ou material, é necessário o esclarecimento de que  tal indenização, se cabível, será analisada de forma direta, autônoma   e formalmente, sem que haja um sentimento envolvido, apenas a demonstração do dano, do nexo e da ação do agente, se dolosa ou culposa, analisando se o rompimento, por si só, é capaz de ter causado danos indenizáveis ou apenas dissabores pelo fim de uma relação que deveria ser duradoura e feliz.

O primeiro diagnóstico deve ser direcionado para o dano mais fácil de identificar, mensurável, delimitado em si mesmo, que é o dano patrimonial.  Uma relação estável traz   em sua bagagem a construção de um patrimônio, assim, nada mais natural que ambas as partes tenham a consciência de economia, trabalho e contribuição para essa construção.

 
2.O DANO MORAL NO DIREITO DE FAMÍLIA

Quando a relação chega ao fim, a sensação de que  deve  haver  o ressarcimento por essa contribuição, mesmo que pareça uma forma de vingança,  é natural  nas partes, pois cada uma delas acredita que contribuiu mais que a outra. E o sentimento de traição, não necessariamente  conjugal e sim da traição de uma certeza, de que o futuro seria  o gozo daquele patrimônio construído juntos.

Se não foi escolhido um regime de bens específico, a lei define como sendo a regra geral o da comunhão parcial de bens, assim, não se discute quem contribuiu mais ou menos, aplica-se pura e direta a divisão daquilo que foi construído ou adquirido  durante  a  constância do casamento. Nas relações de namoro, noivado ou concubinato, se restar comprovada a contribuição financeira, a compensação será devida.

Para Maria Berenice Dias[4] “negar a existência de famílias paralelas – quer um casamento e uma união estável, quer duas ou mais uniões estáveis  – é simplesmente não ver  a realidade. [...]. Verificada  duas comunidades familiares que tenham entre si um membro  em comum, é preciso operar a apreensão jurídica dessas duas realidades. São relações que repercutem no mundo jurídico, pois os companheiros convivem, muitas vezes têm filhos, e  há construção patrimonial em comum. Não ver essa relação, não lhe  outorgar  qualquer efeito, atenta contra a dignidade dos partícipes e filhos porventura existentes”.

Tal entendimento encontra sustento nos Tribunais de Justiça que consideram a relação de concubinato como uma sociedade de fato, tal qual demonstra o  Tribunal  de Justiça do Distrito Federal no REC nº 2007.06.1.018666-0: “1. O relacionamento amoroso entre as partes, um deles casado, fato conhecido da outra, configura-se em concubinato impuro e não em união estável, em face do impedimento matrimonial previsto no art. 1.521, inciso VI, do Código Civil, pois no Brasil vigora o princípio da monogamia. Inteligência do art. 1.727 do CC. 2. Comprovada a existência do concubinato e a aquisição de bens pelo esforço comum durante a relação, devem eles ser partilhados na proporção de 50% para cada litigante, protegida a meação da mulher. Inteligência da súmula nº 380 do STF. 3. Pode ser incluído na partilha o passivo do réu relativas a dívidas de natureza " propter rem, incidentes sobre os imóveis objeto da partilha (incluídos IPTU em atraso, dívidas hipotecárias e outras relativas aos bens imóveis), se a matéria foi objeto de indagação na contestação e na apelação, face ao princípio do tantum devolutum quantum apellattum", esculpido no art. 515, §1º do CPC, a ser apurado em liquidação de sentença”

O término do relacionamento em si não configura ato ilícito, mas, a apropriação indevida, fundamentada no princípio da vedação ao enriquecimento ilícito é o que gera o dever de indenizar outrem. E tal dever independe de quem tomou a iniciativa de pôr fim ao relacionamento. Como dito, não existe a determinação de quem é a culpa pelo término da relação, mas, existem duas exceções que acabam por permitir a culpa exclusiva de uma das partes: o induzimento a erro essencial e a ocultação de impedimento, ambos previsto no art. 236 do Código Penal.

Tais institutos referem-se à atos capazes de enganar o  cônjuge  que  desconhece fatos que são capazes de impossibilitar a vida conjugal ou ainda, que impossibilitam o casamento em si. A verdade é um dos pilares de uma relação afetiva salutar e fortalecida. Tanto assim o é que, os casos em que existe transmissão de doença sexualmente transmissíveis por um dos parceiros que manteve uma relação extraconjugal é passível de indenização tanto quanto o dever de informar sobre a real paternidade dos filhos dessa relação.

A não observância ao princípio da boa-fé subjetiva, dever implícito  nas relações, que cause prejuízo de ordem material ou moral, tais como danos patrimoniais ou  ainda, lesões ao direito de personalidade são suficientes para dar fundamentação à ação indenizatória.

Ainda que haja uma comunhão na origem da dissolução conjugal e do pedido de indenização, para alguns especialistas não se trata de mesma competência, assim, a ação de dissolução conjugal deve ser ajuizada junto a uma Vara de Família enquanto que, a ação de indenização por danos morais ou materiais deveria ser apresentada a uma Vara Cível, para  dar prosseguimento, sem que seja utilizada a cumulação de pedidos, visto que  serão sentenças distintas.

O divórcio ou a dissolução teria sua decretação de sentença rápida, pois não se conhece fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito.  Bastaria  receber  a  contestação em si, para cumprimento do processo legal, e assim, poder-se-ia proferir a sentença, deixando transcorrer a outra, que exige comprovações de danos e nexos causais.

Sobre a questão da competência acerca da dissolução conjugal quando existem pressupostos de responsabilidade civil intrínsecos ao processo, a falta de norma expressa no Código de Organização Judiciária  não desloca a competência da Vara  de Família para a  Vara Cível, conforme relatoria do Desembargador Francisco Gomes de Moura, do Tribunal de Justiça do Ceará (Proc, nº 0000416-33.2017.8.06.0000), em destaque: “1. A falta de  norma expressa no Código de Organização Judiciaria não desloca a competência da Vara de Família para a Vara Cível, se a matéria ventilada no processo tem pertinência com a relação familiar. 2. Tendo sido atribuída a causa dos danos materiais e morais o descumprimento de deveres decorrentes do Poder Familiar, ou seja, por ser matéria concernente ao Direito de família, tendo como pano de fundo a pretensão do autor, observa-se a  competência  das Varas especializadas em Família para o deslinde da causa. 3. Afinal, se o juízo da Vara de Família tem a competência até para suspender o Poder Familiar, entendo  que o  referido  juízo possui naturalmente a competência para versar sobre todos os seus aspectos. ”

Frente a essa recente decisão do Tribunal de Justiça do estado do Ceará, ainda assim, a possibilidade da cumulação de pedidos em uma única ação, ajuizada perante a Vara de Família ainda possui embasamento legal, no art. 327 do Código de Processo Civil.

Ora vejamos, se os pedidos de separação conjugal, seja divórcio ou dissolução da união estável, cumulados com a ação de reparação e indenização por danos morais ou materiais criam compatibilidade entre si no momento em que a confiança e o mútuo respeito são quebrados. Exemplificando o Estado do Ceará, a estrutura organizacional disponibiliza as varas especializadas, quais sejam as varas de família, e mais, em ambos os casos cabe o procedimento ordinário, preenchendo assim, todos os requisitos que possibilitam a cumulação de pedidos, por isso, a ementa acima transcrita.

Além do mais, se houvesse a separação dos pedidos em ações distintas e ajuizadas perante varas igualmente distintas, o autor correria sérios riscos de ver seu pedido sendo julgado de maneira diversa, gerando assim, uma insegurança jurídica e uma temerária necessidade de recursos processuais, além de ser demasiadamente prejudicado na economia processual, o que geraria um desgaste ainda maior para aquele que teve seu direito violado e, por que não dizer, sonho destruído.

É salutar dizer que a falta de amor não é ato ilícito, nem sequer poderia ser reprovado pela sociedade, que já possui o direito à felicidade como uma teoria prestes a ser positivada como direito fundamental, porém, os danos causados por esse “desamor” não podem deixar marcas naqueles que tiveram seu patrimônio ou dignidade profundamente abaladas ou atingidas.

Ainda que o Poder Judiciário apenas tenha interferência no memento em que existe uma lide a ser solucionada, o mesmo não pode deixar de se resguardar e exigir que haja o preenchimento de todos os pressupostos que identificam a responsabilidade civil e a sua aplicação no âmbito do direito de família. Envolve-se sem limitar-se o direito de afetividade paterna ou materna, em que pese o abandono afetivo dos filhos também ser objeto de ações de reparação de danos morais e materiais.

Tal feito não possui amparo apenas na esfera civil, especificamente no direito de família, e sim, em algo maior, como a Constituição Federal que prevê, entre outras proteções, a proteção à dignidade humana. Necessário informar que, as ações de alimentos, ainda que tenham como escopo um pagamento mensal de valor pecuniário, nada nela se confunde com ação de indenização por danos materiais ou morais, enquanto aquela visa assegurar a sobrevivência de um alimentado, na medida em que os pagamentos realizados contribuem para a sua formação física, social e humana, essa possui como nervo central uma compensação financeira pelo dano sofrido, seja se cunho patrimonial ou imaterial, mas que guarde consigo relação entre o dano, o agente e o nexo causal entre esses dois pólos.

Não se pode obrigar alguém a amar ou a viver em comunhão quando, intimamente, aquele já não suporta mais a convivência com o outro, mas, não se pode deixar desamparado aquele que, de forma honrosa se dedicou e contribuiu para o crescimento patrimonial e afetivo da relação. O amor não possui valor mensurável, é um sentimento. A compensação aqui descrita não se refere ao pagamento por amor, mas, sim, do pagamento pela dedicação e pelo investimento monetário feito em prol da família ora dissolvida. O Poder Judiciário possui meios de defender os direitos dos cidadãos, mas, têm o dever de manter a cautela sobre a mercantilização das ações de compensação por danos morais, evitando assim, uma banalização ainda mais profunda daquele que outrora foi amor.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do estudo aqui desenvolvido extrai-se a real possibilidade da aplicação do instituto da Responsabilidade Civil por Dano Moral na seara do Direito de Família, sendo que, para tal, é necessária a configuração dos pressupostos da responsabilidade civil, previstos no Código Civil, para que haja a quantificação do valor indenizatório para a compensação desse dano. Os pressupostos são o agente e sua ação ou omissão, o dano em si e o nexo de causalidade existente entre o ato do agente e o dano sofrido.

Por outro lado, em não havendo a violação dos direitos da personalidade ou da dignidade da pessoa humana, ou seja, não havendo o dano, não será possível discutir acerca do reconhecimento da Responsabilidade Civil por Dano Moral nas relações conjugais. Cabe ao magistrado avaliar além da ordem técnica, mensurar a dor ou o sofrimento de outrem pode ser delicado demais e por isso, é necessário que haja a produção de provas contundentes para que haja a maior aproximação daquilo que seria justo num quantum indenizatório. Para tal, é necessário o dimensionamento das consequências advindas do ato do agente que causou o dano, a intensidade do sofrimento sentido e ainda, a possibilidade e condição financeira do agente causador do dano.

Ressalte-se que não é a precificação do amor ou dos sentimentos que envolvem duas pessoas, e sim, da justa reparação por prejuízos sofridos por conta da relação conjugal outrora feliz e próspera. Não se deve deixar o sujeito, que já está abalado emocionalmente, desamparado em seu direito de personalidade e dignidade, pois, ao Judiciário cabe o dever de avaliar qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito.

O Código Civil prevê e permite indenizações de cunho puramente moral, assim, não seria de se estranhar que tal permissão adentrasse no Direito de Família como forma de equilibrar dois pólos que litigam por indenização pecuniária em contrapartida ao sentimento que deixou de existir, mas que, por tal fato isolado, não permite que uma das partes acabe por sofrer um prejuízo ainda maior que é o de perder o amor e valor.

Com o estudo das jurisprudências, é possível verificar que tais julgados acabam por tomar um caráter pedagógico que impedem outras pessoas de cometerem os mesmos erros ou sofrerem os mesmos danos. O direito é e deve ser utilizado como meio de apaziguar conflitos e satisfazer as partes na medida do possível. Ainda que a punição pecuniária deva ser considerada a ultima ratio para o Direito, devendo ser priorizada as soluções alternativas de mediação e conciliação, nada obsta ao magistrado que imponha um valor financeiro como forma de indenização.

Diante do exposto, é notório que a Responsabilidade Civil no Direito de Família exige uma delicadeza e uma sensibilidade sem precedentes do magistrado que, por sua vez, deve atentar-se tanto a efetivação dos direitos e obrigações postos pela legislação vigente quanto ao cálculo de quanto vale a dor e o amor de alguém que teve seus sentimentos sumariamente traídos, ainda pode ter que enfrentar uma grande batalha judicial para ver seu patrimônio ressarcido e protegido de quaisquer danos por ventura causados por seu antigo par.

REFERÊNCIAS

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ALMEIDA, Renata Barbosa de; RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Direito civil: famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil no direito de família. 2.  ed.  Curitiba: Juruá, 2004.

COELHO, Bruna Vianna de Almeida et el. As alterações do Novo Código de Processo Civil acerca do foro competente para julgamento das ações de Direito de Família. Revista Contrapontos             -    Univali.                                                Disponível em <https://siaiap32.univali.br//seer/index.php/accdp/article/view/10190>. Acesso em 25 abr 2018.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

FARIAS, Cristiano Chaves de et al. Novo tratado de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2015.

FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil, 8ª. ed. São Paulo, Atlas, 2009.

FUJITA,  Jorge  Shiguemitsu  –  Curso  de  Direito  Civil:  Direito  de  Família,   São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.

MENDES, Giulliano Caçula. A evolução da Responsabilidade Civil e suas implicações atuais no Direito de família: Análise da possibilidade de indenização por abandono afetivo. Revista da AGU – Advocacia Geral da União. Disponível em <https://seer.agu.gov.br/index.php/AGU/article/view/663>. Acesso em 26 abr 2018.

PAMPLONA FILHO, Rodolfo; Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2003.

VENOSA, Sílvio Salvo de. Direito Civil, Parte Geral, 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A. Vol. 1, 2004

 


[1] FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil, 8ª ed. São Paulo, Atlas, 2009, p. 86

[2] PAMPLONA FILHO, Rodolfo; Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p.130-131

 

[3] FUJITA, Jorge Shiguemitsu – Curso de Direito Civil: Direito de Família, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 15.

 

[4] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 51

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