A mulher brasileira nos espaços públicos e privados

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O presente artigo tem por objeto a análise da figura feminina como personagem principal de uma revolução que, desde tempos remotos, busca a igualdade e o reconhecimento de seu espaço como detentora de conhecimento.

INTRODUÇÃO

O mundo passa por constantes mudanças, principalmente nos séculos XX com a tecnologia mais acessível e as trocas de informação mais céleres, verdadeiras revoluções nos campos da Medicina, globalização, expansão do capitalismo, entre outras evoluções contribuíram para que a sociedade abrisse seu leque de possibilidades e sofresse algumas mutações socioculturais. E nesse campo, encontra-se a transformação do feminino tanto no seu modo de socializar quanto na sua maneira de se individualizar e marcar espaço. Surge uma economia voltada para nos novos poderes femininos.

A mulher, que até bem pouco tempo era vista como aquela que cuidava do lar e dos filhos, desprovida de vaidade e com suas necessidades preenchidas na medida em que o seu esposo sustentava a casa, vista como objeto que era utilizado para dar prazer ao homem, que sofria violência em sua intimidade e também agressões em seu próprio espaço, porém, lhe era negada a voz de denúncia, começa a ganhar destaque.

A evolução das mulheres envolve também a da educação, da política, das relações familiares. Ela é essencialmente atada ao ser humano em sua globalidade, suas vontades, suas vitórias, seu crescimento. Homens, crianças, indústrias, comércio, uma infinidade de campos de atuação para a mulher que cresce e se faz representar na vida social, econômica e política.

E se o presente trabalho versa sobre a evolução da mulher no Brasil, nada mais justo que inicia-lo ressaltando algumas características das mulheres quando do seu descobrimento, onde indígenas já habitavam esse lugar e já possuíam uma divisão por gênero bem definida. E a medida em que o Brasil evoluía, suas mulheres também apresentavam uma crescente força e influência. Pequenos atos de resistência podiam ser identificados como meio de se fazer presente e forte frente ao controle e mando dos homens.

Esse crescimento chega à modernidade com uma força tremenda, auxiliada em grande parte pelas redes sociais, pela indústria cosmética, pelo vestuário, pela exigência do espaço feminino mais respeitado e valorizado. Esse campo econômico vem como instrumento de influência que dita a moda e os padrões de beleza, que levam as mulheres à busca desenfreada de se atingir àquele padrão de beleza, de autoestima, de satisfação consigo mesma. A indústria da beleza atinge em cheio seu público e inicia assim, uma verdadeira padronização da identidade feminina. A força feminina começa a ser utilizada como plataforma política em que o respeito toma forma e exige aquilo que lhe é de direito: espaço e aceitação.

A qualidade de vida das mulheres vem apresentando uma melhora crescente, graças à sociedade que se mobiliza e organiza e o Estado, que tenta suprir da melhor forma as lacunas históricas que haviam, tais como delegacias especializadas, legislação correlata, personagens públicos que provocam e sensibilizam para um movimento da sociedade de conquista e consolidação do espaço feminino e de outros segmentos.

Num primeiro momento, será a mulher será apresentada, de acordo com o tempo e espaço em que estava inserida, desde a colonização até a modernidade, seu lugar na família e na sociedade, suas conquistas e valores, em que se procura firmar os alicerces de uma nova forma de presença em sociedade.

Posteriormente a esse momento e utilizando os dados disponibilizados pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ONU – Organização das Nações Unidas e outros órgãos que atuam em defesa dos interesses das mulheres, será feita uma análise do acesso dessas ao setor público, seu desempenho no mercado de trabalho, as políticas de proteção contra a violência doméstica e a educação dispendida a essas protagonistas.

Por fim, será apresentado o perfil da mulher brasileira, englobando a cultura que a reveste, seja em âmbito corporativo, seu consumo e opções de lazer, sua ocupação nos espaços público e privados, conceitos de feminismo sob a ótica de algumas personalidades e um breve comparativo com o tratamento dispendido às mulheres no cenário internacional.


1. BREVES COMENTÁRIOS À HISTÓRIA DA MULHER BRASILEIRA

A cultura indígena no Brasil foi relatada por alguns viajantes e o cotidiano das mulheres indígenas que aqui habitavam demonstram algumas disparidades, talvez advindas pela perspectiva cristã que esses mesmo viajantes carregavam e que acabam por influenciar a maneira como eles captavam tais fatos rotineiros nas sociedades indígenas. Tidos como bárbaros ou selvagens, os índios não tiveram transcritos com fidelidade como a sua cultura e aprendizado eram realmente repassados entre as gerações.

Assim, influenciados pelas crenças próprias dos colonizadores e conquistadores, os relatos existentes da mulher indígena traduz uma espécie de sociedade que valorizava o homem como guerreiro e a mulher como aquela que cuidava do companheiro, dos filhos e da tribo em tempos de caça ou guerra.

Conforme Raminelli (1997), a mulher indígena, especialmente na tribo tupinambá, era assistida por todas as mulheres da tribo na hora do parto e recebia ajuda do companheiro, que compartilhava com ela os momentos do parto, inclusive cortando o cordão umbilical no nascimento dos filhos machos e seu período de jejum após o parto.

Mesmo no trabalho na roça, as crianças não eram separadas das mães, que carregavam seus rebentos em pedaço de pano como tipoias amarradas junto ao próprio corpo. Existem relatos de atos de canibalismo quando, para o restabelecimento dos maridos enfermos, algumas índias matavam os filhos e alimentavam o índio com as carnes infantes, pois acreditavam que o frescor da juventude traria de volta a saúde do guerreiro.

Há de se registrar que o canibalismo indígena era praticado quase que como homenagem aos mortos, que tinham as partes de seu corpo valorizadas conforme seu talento e força quando vivos, onde aqueles que se alimentavam do defunto, acreditavam que assim, poderiam adquirir as características daquele que foi sacrificado.

Os ritos de passagem da fase infantil para a fase adulta para as mulheres indígenas tinham grande representatividade, em que a tribo marcava o corpo das pequenas índias com cortes feitos com pedras afiadas ou dentes de animais, cuja cicatrizes ficariam pelo resto de suas vidas, alegando que, daquela forma, elas seriam capazes de gerar filhos bem formados por meio de um ventre sadio.

As relações familiares construídas nas tribos indígenas eram bastante flexíveis, e a mulher indígena compartilhava do mesmo direito de seu companheiro na procura de um novo parceiro, caso estivesse farta ou desapontada com sua atual relação, e isso não se confundia com permissão para o adultério, que era visto com certo horror entre os componentes da tribo, possibilitando ao homem traído até o assassinato da adúltera. De acordo com Raminelli (1997), quando o esposo se enfadava da companheira, presenteava outro homem com sua mulher.

Chega-se ao Brasil-Colônia, em que a libido feminina era duramente repreendida e a Igreja Católica, poderosa e rica, mantinha forte pressão sobre a sexualidade das mocinhas, tal qual como visto no Livro de Efésios, em que há a clara recomendação que as mulheres sejam sujeitas aos maridos, assim como são ao Senhor. A mulher era condenada pelo pecado original cometido por Eva e, portanto, deveria pagar por tal pecado por toda a eternidade.

Na obra “O martelo das feiticeiras” existe uma passagem que definiria a imperfeição feminina quando na sua criação, a costela que lhe deu origem era curva, demonstrando assim a contrariedade da retidão do homem e, em virtude dessa falha, a mulher tornou-se ser imperfeito, decepcionante.

A sexualidade feminina possuía o poderia ameaçar o equilíbrio doméstico, as instituições eclesiásticas e a própria sustentação da sociedade visto que o “adestramento” feminino tinha como elemento de orientação o total respeito pela figura patriarcal, pelo marido, pela Igreja e pelos afazeres domésticos e aquelas que fugiam a essa regra social, eram severamente punidas.

Até a educação formal era dada de forma precária, visto que para a mulher seria suficiente o simples conhecimento de uma aritmética básica, em que soubesse calcular quanto trigo seria necessário à sua família e no quesito alfabetização, sua leitura deveria ser restrita “às primeiras letras”, conforme escritos deixados por Francisco Manuel de Melo, contemporâneo de Gregório de Matos, em sua Carta de Guia de Casados, de 1651.

As crianças eram educadas separadamente, pois, enquanto os meninos recebiam conhecimentos que lhes proporcionariam autoridade, as meninas recebiam ensinamentos sobre costura e bordados. A realização da mulher dava-se por meio da celebração de seu casamento, que na época já acontecia por volta dos seus doze ou treze anos. Porém, ainda que casados, o erotismo e a lascívia eram condenados pela Igreja visto que o sexo não era instrumento de prazer e sim de procriação de filhos. Assim, a Igreja tenta afastar as mulheres de Eva, a pecadora original, e aproximá-las de Maria, a virgem.

Nesse cenário, as doenças eram consideradas advertências divinas, castigos pelas infidelidades e pecados cometidos pelos seres humanos. E para a mulher, a doença possuía um peso bem maior, pois, se a mazela decorria do pecado, era de fácil associação que a doença feminina decorria de uma transgressão, de um sinal demoníaco ou um feitiço.

À época, o médico detinha o poder nas mãos, porém, com a escassez de profissionais na Corte Portuguesa, o Brasil também sofria pela falta de estrutura e falta de experts em suas terras. A medicina via o corpo feminino como inferior, e por conseguinte, a mulher era vista como um ser frágil, desprotegido e vulnerável, contudo, aquelas curandeiras ou benzedeiras representavam uma afronta à Igreja, vistas como feiticeiras, e no entanto, o que elas faziam era aplicar os conhecimentos informais, transmitidos de mães para filhas, de como cuidar do seu próprio corpo. O conhecimento sobre algumas ervas e raízes acabava por suprir as necessidades da penúria e falta de profissionais de medicina.

O contrário da visão da Igreja, os médicos conseguiram enxergar nas mulheres que detinham o conhecimento sobre chás e infusões, grandes aliadas para o restabelecimento da saúde dos seus convivas. Diante da falta de recursos no combate das doenças, as ervas e raízes presentes na prática da medicina clássica e na popular, surgiam como instrumentos essenciais aos tratamentos de saúde da população. A mulher começa a ser vista como um mecanismo de ajuda dentro de sua casa, no convívio de seu lar.

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Se por um lado as benzedeiras e curandeiras tinham suas orações condenadas pela Igreja, por outro, a cura advinda através dos milagres de santos, santas e de Nossa Senhora eram exaltados. As mulheres tinham que aumentar sua fé, mas, a sua ajuda com o entendimento sobre plantas medicinais, até hoje amplamente utilizadas, foi o pontapé inicial para a formação de uma pequena força feminina dentro do contexto social, assim, ainda que de forma pouco ortodoxa, a medicina contribuiu para que a mulher tivesse seu valor dentro da sociedade estritamente patriarcal e religiosa.

O século XVIII, conhecido por Século do Ouro, trouxe fartura e prosperidade para os homens e suas mulheres que desfilavam com ouro e pedras preciosas pelas estradas das minas de exploração de minérios. O cenário econômico é favorável, mas, ainda assim não existe espaço para a mulher e seu ofício. Sapateiros, ferreiros, ourives e pedreiros tomavam conta das ruas das cidades, mas, a mulher, especialmente aquelas que não possuíam família abastada ou não prosperaram na escolha de seu companheiro, somente era vista como cozinheiras, lavadeiras ou criadas. As poucas exceções desse trabalho fatigante e tedioso, era quando ocupavam lugares reservados a elas por uma triste tradição, a saber, doceiras, rendeiras ou costureiras.

Desde os primórdios, houve uma separação de trabalho assentada pelo sexo do trabalhador. À mulher, principalmente aquelas alforriadas, cabia o comércio ambulante formado por doces, hortaliças, agulhas e queijos, as negras do tabuleiro. Tornava-se necessário o controle daqueles que praticavam o comércio e a venda de produtos. Ressalte-se que esse número de vendedores era primordialmente composto por mulheres. Como Figueiredo (2004) afirma, a administração de pequenas vendas representava uma das ocupações mais importantes das mulheres pobres na sociedade mineira, além disso, muitas viam a prostituição como uma atividade complementar à sua renda, o que acaba por chamar a atenção dos governantes para os focos de violência que circundavam os prostíbulos e suas alcoviteiras.

Se nas ocupações e afazeres externos ao lar, as mulheres marcavam forte presença, era na vida familiar que se consegue preencher a real dimensão do papel da mulher no século XVIII marcada profundamente pelo poder da Igreja entrelaçada ao Estado. A Igreja passa a visitar com frequência os seus fiéis para dar-lhes assistência em suas necessidades espirituais.

A mulher branca e de origem europeia não havia acompanhado seu companheiro quando da sua viagem ao Brasil, assim, os senhores acabavam por relacionar-se com negras e mulatas. A miscigenação tornou-se um entrave e a Igreja junto com o Estado trabalharam ferozmente em defesa do casamento para a legalidade da constituição das famílias brasileiras. A pureza racial era critério para a ascensão política e social na comunidade. A mulher branca era moeda valiosa para a tentativa de crescimento pessoal.

As uniões consensuais possuíam uma característica marcante: havia uma divisão de tarefas entre os homens e suas parceiras. Na presença deles, elas cuidavam das tarefas domésticas e da administração do lar, e nas suas ausências, eram responsáveis pelo pequeno comércio, pelo provimento das necessidades do lar e pela economia doméstica. A alforria de algumas ou a miscigenação por conta do coito havido entre negros e brancos trazia pequenas atitudes de resistência, como aquelas em que negras eram acompanhadas por seus parceiros brancos pelas ruas, assistiam à missa ou conversavam em suas calçadas.

Chega-se ao século XIX e à consolidação do capitalismo, ascensão da burguesia e a reorganização da convivência familiar e doméstica. Inicia-se um processo de privatização da família marcado pela valorização da intimidade, diz D'incao (1997). O sucesso da família passas também a depender do comportamento da mulher, pois, a ascensão do nível e prestígio de sua família é fruto da educação que ela oferta aos seus rebentos, contribuindo para que sua família ganhe status na possível mobilidade social, demonstrando ser a anfitriã perfeita, esposa e mãe zelosa.

A ideia de que ser mulher plena implica em ser mãe dedicada e atenciosa ganha força e torna seus maridos dependentes da imagem que elas passam à sociedade. Elas viram uma espécie de riqueza imaterial, simbólico, embora a autoridade do patriarca se mantivesse incólume. Existe uma valorização da qualidade dos sentimentos quando há o reconhecimento do valor da mulher na comunidade, assim, Machado de Assis vai descrever a doçura da família calma e equilibrada do Segundo Reinado no romance Iaiá Garcia.

Destaca-se o nordeste brasileiro que possuía uma verdadeira miscigenação de cores e origens nas fazendas de gado e de plantio de algodão. Negros, pardos, índios, livres e escravos se misturavam para a colheita e a lida com o gado. Entre as mulheres, donas ou senhoras, seguidas por cunhãs ou roceiras ocupavam lugar acima das escravas, excetuando as escravas, as diferenças entre as fazendeiras brancas e ricas e as roceiras pobres, caboclas e pardas eram gritantes. Os homens dividiam-se pelo “anel de doutor”, que lhes dava status e poder, vaqueiros que ocupavam cargos de confiança dos senhores fazendeiros e por fim, os escravos.

A educação da mulher nordestina possui valor, não por menos a primeira mulher a disputar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, era nascida no Piauí, D. Amélia de Freitas, porém, no sertão nordestino do século XIX, a mulher de elite, mesmo com um certo grau de instrução, estava restrita à esfera do espaço privado, pois a ela não se destinava a esfera pública do mundo econômico, político, social e cultural, esclarece Falci (2004) que a mulher não era considerada cidadã política.

O Brasil dos anos 50 vive uma ascensão da classe média, uma onda de industrialização, democracia e participação e um aumento das possibilidades tanto para homens quanto para as mulheres, mas, a distinção entre os sexos continua firme e forte. O homem era o chefe da casa. Mesmo após a participação da mulher na Segunda Grande Guerra, o lema agora era a volta delas aos lares e aos valores tradicionais.

A mulher torna-se destaque nas revistas femininas que trazem a imagem da família perfeita, com a mulher maquiada e filhos sorridentes à espera do retorno do provedor do lar após um dia cansativo de trabalho. A indústria cosmética avança a passos largos e as famílias classificavam as moças entre moças de família e moças levianas. Ainda que revestidos de preconceitos e da ideia de que haveria a perda da feminilidade, cresce a participação feminina no mercado de trabalho, especialmente em escritórios, serviços públicos ou comércio. Surgem mais oportunidades para o exercício das funções femininas de enfermagem, magistério, assistência social e vendedora.

As insatisfações femininas tomam corpo, mas, não possuem ainda o tratamento adequado, pois aquele marido que dedicava boa parte do seu tempo trabalhando para dar uma melhor condição de vida aos seus não deveria ser cobrado pela esposa, que deveria entende-lo e apoiá-lo. O prazer sexual feminino ainda era mantido dentro de armários de cozinha e gavetas de guarda-roupas e só teriam espaço público nas décadas seguintes. O divórcio, o último basta para aquelas relações fracassadas só passou a fazer parte da legislação brasileira na década de 70. A seca nordestina traz milhares aos centros urbanos, entre eles, mulheres que exigem sua cidadania e respeito. A ocupação de terras, após o fracassado Plano de Reforma Agrária, mostra uma mulher guerreira e organizada.

A revolução da mulher foi a mais marcante da história, conforme disse Norberto Bobbio. Foi uma revolução lenta e resistente. Prudente e mais paciente. A mulher de hoje não aceita qualquer impedimento que fira sua igualdade. As universidades, fábricas, ruas e lares conhecem a força dessa mulher. Engenheira, advogada e juíza são profissões exercidas com maestria por aquelas que enfrentaram por muito tempo preconceitos e dificuldades. Enfrentar a dor sem perder a doçura e o humor é uma máxima de Telles (1997).


2. INDICADORES SOCIAIS DAS MULHERES NO BRASIL

As reflexões sobre o papel das mulheres no atual cenário brasileiro, as resistentes desigualdades que permeiam as relações havidas entre homens e mulheres, o direito que ampara e tenta equalizar as oportunidades foi vital para a realização de uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, divulgado em junho de 2018.

Na grande maioria das sociedades é esperada uma diferença entre os sexos, seja por meio das funções exercidas, das responsabilidades assumidas ou ainda, pelo controle dos recursos disponíveis, e saliente-se que a diferença aqui comentada se refere apenas ao sexo, como diferença biológica entre homens e mulheres, não se confundindo com o gênero, que toma proporções distintas das discutidas anteriormente. As diferenças possuem grande força de impacto e podem, inclusive, definir distintas óticas acerca da saúde, trabalho, qualidade de vida e bem-estar geral dos humanos.

O objetivo da divulgação dos dados coletados em 2016, segundo o instituto foi o de enriquecer o debate, fornecendo informações precisas sobre a temática e a firme colaboração para a manutenção de uma agenda pública resistente e com o propósito de colocar a desigualdade de gênero como um dos pilares de transformação social e reformulação das políticas públicas brasileiras.

Os indicadores ora apresentados foram organizados por domínios, definidos por: estruturas econômicas e/ou produtivas, educação, saúde, vida pública e direitos humanos.

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais. Disponível em: < https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf>. Acesso em 27 dez 2018.

Importa ressaltar que no domínio estrutura econômica e/ou produtiva também levou em consideração o trabalho não-remunerado, exercido principalmente, pelas mulheres, independentemente de seu trabalho externo, onde chega-se à assustadora diferença de 73% a mais de horas em relação aos homens, dedicadas aos cuidados de pessoas ou aos afazeres domésticos. Já em relação ao rendimento pelo trabalho, as mulheres recebem, em média, ¾ daquilo que é pago aos homens. Em parte, essa diferença é explicada pelo tempo de dedicação ao trabalho, impossibilitadas de prestar horas extras, e a natureza dos postos de trabalho ocupados por elas.

No quesito educação, as mulheres não apresentam diferenças significativas em relação aos homens no ensino médio, até mesmo pela política educacional que o Brasil possui, quando do oferecimento de auxílio às famílias que mantém seus filhos na escola e também, a prática da progressão continuada, porém, quando se chega ao nível superior, impulsionada pela entrada precoce dos homens no mercado de trabalho, elas apresentam indicadores de 37,9% superior ao dos homens.

Um fato interessante que se extrai dessa informação é a que a educação acaba sendo formada por mulheres para mulheres. Isso teve grande contribuição para a formação de um pensamento mais crítico e questionador acerca das possibilidades e oportunidades que são ofertadas na comunidade, onde as pesquisadoras e qualificadas no âmbito acadêmico acabam fomentando um feminismo na educação, capaz de gerar militantes de um movimento forte e crescente, contribuindo para possíveis discursos com defensores contrários a esse movimento.

A saúde e os serviços relacionados a ela são mais sensíveis a um cálculo estatístico pois as diferenças entre homens e mulheres são ressaltadas nesse quesito por conta da gestação, parto e métodos contraceptivos, que geram diferenças sensíveis e silenciosas nos dados apresentados.

Dessa feita, apresenta-se aqui, apenas os dados que são comuns aos dois sexos, tais como a mortalidade infantil, que não apresentou qualquer disparate, e o tabagismo ou a obesidade entre a população brasileira, dados que apresentam prevalência de tabagismo entre os homens, 18,9% deles homens responderam fumar algum produto enquanto as mulheres apresentam um índice de 11,0%. Já em relação à obesidade, as mulheres apresentam números mais elevados, onde constatou-se que existe uma proporção de 17,5% homens obesos para 25,2% de mulheres obesas.

Quanto à vida pública, incluindo as tomadas de decisão, a pesquisa tentou assegurar às mulheres o mesmo acesso na participação da vida pública, quando da assunção de posições de liderança nos setores públicos ou privados, assim, a legislação eleitoral colabora fazendo a reserva de determinado percentual de candidaturas para cada sexo, mas, ainda que haja tal determinação, o Brasil ocupa apenas 10,5% dos assentos nas câmaras ou parlamentos para as mulheres, sem contar a participação das mulheres em cargos ministeriais, que são de duas cadeiras.

Por fim, faz-se a análise acerca dos direitos humanos que amparam mulheres e meninas, que denuncia em si, as mais diversas formas de violência praticadas contra as pessoas do sexo feminino. O Brasil possui legislação específica sobre violência doméstica, a mesma que determina a criação de delegacias especializadas e com equipes de trabalho competentes e capacitados para um tratamento mais digno das vítimas dessa violência, porém, a última estatística revela que apenas 7,9% dos municípios brasileiros possuíam tal delegacia.

Pelos dados apresentados, nota-se que as diferenças entre homens e mulheres não se limitam apenas ao sexo, envolvem diversos outros fatores, entre eles a escolaridade, o acesso à vida pública, as condições de trabalho e a remuneração justa pelo exercício da função. Existe uma carga histórica bastante profunda e que acabam por estruturas diferenças acumuladas por todos esses anos.

Ainda que o estudo acima não tenha sido embasado por raça ou gênero, é importante frisar que as mulheres negras e as mulheres trans sofrem muito mais os impactos negativos de acesso e desigualdade apresentados. São números que assustam e demonstram o quanto o Brasil está atrasado no quesito igualdade e justiça social e econômica entre os sexos. Enquanto a mulher recebe, em média, 30% a menos que um homem quando avalia-se a mesma proporção entre uma mulher negra e o mesmo homem, esse percentual aumenta para 40%. A literatura, o cinema e a televisão, principais canais de comunicação ainda mantinha até bem pouco tempo, o estigma de que a branca era a “mocinha” da trama e a preta, velha e gorda, deveria ser a cozinheira da Casa Grande. A revolução trazida pelas redes sociais e o imediatismo da troca de informações, entre elas denúncias, relatos e testemunhos, acaba por desmascarar um preconceito extremamente intrínseco em parte da população.

O movimento de união em prol de uma mulher ou da categoria que essa mulher representa fica cada vez mais encorpado, mais consciente. Ainda que na prática ainda haja uma boa parte que se mantenha inerte, a simples demonstração de apoio através de compartilhamento de imagens, ideias e ideologias já confirmam uma nova “era de gente fina, elegante e sincera.”

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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