A devolução em dobro é a restituição de indébito prevista no Código de Defesa do Consumidor (CDC), devida quando o consumidor para uma quantia fruto de cobrança indevida. Nesses casos, então, a empresa deverá proceder à devolução em dobro do consumidor pela quantia excedente que lhe foi cobrada, além dos juros e da correção monetária.
Para que você compreenda bem o instituto e o que diz exatamente o Código de Defesa do Consumidor, reproduzo, desse modo, o que afirma a lei, para, em seguida, explicar melhor os direitos dos consumidores.
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Como funciona a repetição de indébito
Em primeiro lugar, é preciso fazer uma distinção entre duas espécies de consumidores: o consumidor adimplente e o consumidor inadimplente. Ou seja, aquele que arca com os créditos contraídos (paga suas contas em dia) e aquele que deixar pagar algo e, portanto, deve dinheiro.
Quanto ao consumidor inadimplente, o CDC é claro em algumas regras, como a possibilidade de inscrição em bancos de dados de consumidores, tais quais o SPC e o Serasa. No entanto, ele também prevê garantias a esses indivíduos, como a necessidade de comunicação da inscrição em sistemas de proteção ao crédito e o dever de correção das informações a partir da comunicação ao órgão responsável. Ademais, o consumidor jamais pode ser tratado de forma vexatória ou humilhante, independentemente da situação em que se encontre.
O art. 42 do CDC, portanto, traz em sua primeira parte justamente a previsão de tratamento respeitoso ao consumidor, ainda que inadimplente. E é em sua segunda parte que ele abordará a questão do consumidor adimplente – trazendo, desse modo, a situação da cobrança indevida e da devolução em dobro.
Segundo o parágrafo único do artigo, o consumidor que for cobrado indevidamente e pagar pela quantia indevida, deverá receber em dobro aquilo que pagou a mais, acrescido de juros e correção monetária.
Como calcular a devolução em dobro
Para compreender como calcular a devolução em dobro, imagine-se o exemplo:
Ana deveria pagar 50 reais pelo serviço de celular. Contudo, houve uma cobrança indevida pela empresa de telefonia, que lhe cobrou 70 reais. A situação se repetiu por 5 meses, até que ela tomasse ciência do ocorrido e entrasse em contato com a empresa. Sabendo dos seus direitos, Ana consultou um advogado e pediu, a título de devolução em dobro, 200 reais. Isto porque, mensalmente, ela pagou em excesso apenas 20 reais. Ao longo dos 5 meses, portanto, foram 100 reais a mais pagos indevidamente. E considerando a repetição de indébito, são devidos 200 reais pela empresa.
No caso acima, é provável que a empresa entrasse em acordo para abater o devido ao valor pago mensalmente. A gravidade da cobrança indevida, entretanto, pode variar conforme o serviço e a causa concreta. E os valores envolvidos, dessa maneira, podem ser mais representativos do que o utilizado no exemplo.
Independentemente do valor envolvido, de modo geral, pode-se utilizar a fórmula abaixo para calcular a cobrança indevida:
[(Valor total da cobrança) – (Valor total das cobranças devidas)] x 2
O valor total da cobrança pode ser uma soma de todas as cobranças realizadas. Se todas foram idênticas, basta multiplicar o valor de uma pelo tempo em que foi cobrada. Se foram diferentes, basta somar cada uma. Em seguida, é preciso subtrair o que deveria ter sido pago pelo consumidor. Novamente, se as faturas eram idênticas, basta multiplicar o valor de uma pelo período de tempo. Por fim, resta encontrar o dobro desse total.
Caso a cobrança tenha sido indevida em sua totalidade – e o consumidor, portanto, não devia pagar nada – basta multiplicar o que foi cobrado pela empresa por 2.
O que é engano justificável e quando pedir a restituição em dobro
A devolução em dobro deve ser pedida tão logo o consumidor identifique ter pago algo pelo que não tinha obrigação. Esta situação é bastante comum em planos mensais e na troca de planos, por exemplo. Algumas empresas de telefonia costumam cobrar por serviços adicionais ou não computar a troca de plano, cancelando, assim, um, para a adição do outro. De todo modo, o primeiro passo é entrar em contato com a empresa antes de seguir com outras opções – como um processo judicial.
Há, todavia, uma situação excepcional: o que o CDC chama de engano justificável. Pelo artigo trazido anteriormente, o fornecedor do produto ou serviço responsável pela cobrança indevida deverá pagar em dobro que valor excedente pago pelo consumidor, exceto em caso de engano justificável.
O que seria, portanto, esse engano justificável? O engano justificável é o fato ou ato de terceiro que leva o fornecedor a um erro sobre o qual não tem controle. É o que acontece, por exemplo, em casos de fraude ou cartão clonado. O fornecedor não tem, muitas vezes, como saber que o responsável pelo contrato não é aquele que deveria. Afinal, são-lhe apresentados documentos, assinatura, entre todos os dados e documentos possíveis. E tudo o leva a crer que o consumidor de quem cobra é realmente quem fez a aquisição.
Isto não significa, entretanto, que o consumidor será prejudicado. O fornecedor tem o dever de restituir o valor cobrado, mas em sua totalidade e não em dobro. Ou seja, o consumidor receberá de volta apenas aquilo por que foi cobrado indevidamente.
Prescrição e ação de repetição de indébito
Se a sua pergunta é como resolver problemas decorrentes de uma cobrança indevida, como já mencionado, a primeira alternativa é entrar em contato com a empresa cobradora. Desse modo, você terá uma prova de que tentou solucionar o problema pela via do diálogo. Caso o diálogo não seja suficiente, existem outros meios que podem ser explorados para resolver a questão. Entre eles, está o acionamento de órgãos como o Procon, a realização de um acordo extrajudicial ou entrar com um processo judicial e uma ação de repetição de indébito.
A ação de repetição de indébito visa pleitear, portanto, a devolução em dobro devida pela cobrança indevida. Para isso, você pode procurar o Juizado Especial a depender do valor da causa. E embora a presença de um advogado seja dispensada em alguns processos, sempre é recomendável buscar o auxílio de um profissional.
Cuidado, todavia, com o prazo prescricional. Embora o CDC não traga um prazo específico para o pedido de restituição em dobro, os tribunais brasileiros entendem que você pode entrar com a ação no prazo de 10 anos. Depois dos 10 anos, embora se possa reconhecer o aspecto indevido da cobrança, já não é possível cobrar seu pagamento.
Por fim, a cobrança indevida pode gerar também uma ação de indenização por danos morais. Nos casos de negativação indevida, os danos morais são mais visíveis e mais fáceis de serem provados. Entretanto, também a cobrança, por si só, indevida, pode gerar consequências que afetam os direitos da personalidade do indivíduo e implicam no direito de indenização.