As excludentes (ou não) no contrato de transportes terrestres

23/12/2020 às 12:24
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A regra de responsabilidade do transportador em manter a integridade do que transporta, quer seja pessoa ou objetos, cabe possibilidades de exceção.

O Código Civil Brasileiro trata do transporte em seus artigos do 730 ao artigo 756. Segundo conceito presente no Art. 730: “Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas.” 

VENOSA (2003, p. 481), em sua obra Direito Civil – Contratos em Espécie, conceitua o instituto como “negócio pelo qual um sujeito se obriga, mediante remuneração, a entregar coisa em outro local ou a percorrer um itinerário para uma pessoa.” Deste modo é correto afirmar que o transporte é um acordo, quer seja de pessoa física quer seja de pessoa jurídica, onde o transportador tem a obrigação de levar de um ponto ao outro, coisa ou pessoa, mediante remuneração. 

Sobre o conceito de transporte faz se necessário explicar que obrigatoriamente há necessidade de uma contraprestação monetária e não necessariamente em moeda. Seguindo a redação do Art. 736 do CC, pode não haver remuneração em moeda, mas vantagem indireta ao transportador. 

Sendo assim, o contrato de transporte é composto de três elementos: transportador, passageiro e translação. Com natureza jurídica de adesão, bilateral, consensual, oneroso, comutativo e não solene. 

Quanto a modalidade do transporte quanto ao objeto do transporte ele pode ser de pessoa ou coisa. Quanto ao meio empregado pode ser: terrestre, rodoviário, ferroviário, aquático, marítimo, hidroviário, fluvial ou aéreo. Contudo, o presente trabalho irá dar foco ao transporte terrestre. 

Diz o Art. 734 do CC: “o transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente de responsabilidade”. Superficialmente o artigo transcrito faz parecer que apenas força maior pode eliminar a responsabilidade de indenizar deixando de lado as demais excludentes de nexo causal.

Para Sergio Cavalieri Filho o Código Civil disciplinou a responsabilidade do transportador em mais de um artigo e para exemplificar temos o Art. 738 e seu parágrafo único que trata da culpa da própria vítima. Deste modo conclui-se que é necessário que análises sejam feitas com base no Código como um todo. 

No tocante ao Doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, as excludentes de culpa exclusiva da vítima e do fato exclusivo de terceiro, também excluiriam o nexo causal. Com relação ao caso fortuito e força maior não terem sido mencionados conjuntamente é uma sinalização do legislador que revela uma a necessidade de se considerar como excludentes da responsabilidade do transportador somente os acontecimentos naturais, e não os fatos decorrentes da conduta humana. 

Sendo necessário a conceituação do que vem a ser fortuito interno e fortuito externo para se afastar ou não a responsabilidade do transportador. Temos como fortuito interno um fato que seja imprevisível e inevitável e que tenha relação com os riscos da atividade desenvolvida pelo transportador. exemplificando, a quebra da barra de direção do veículo, é um acontecimento imprevisível, mas está relacionado ao negócio, sendo assim não exonera do dever de indenizar. 

Ao falarmos de fortuito externo um fato que seja imprevisível e inevitável, mas que não tenha relação com os riscos da atividade desenvolvida pelo transportador. Também chamados de força maior, excluindo a responsabilidade do transportador, por exemplo, uma enchente. 

Importante salientar que a culpa exclusiva da vítima também exclui a responsabilidade do transportador, haja vista, a própria vítima ter dado causa ao evento danoso. é o caso do surfismo nos trens, por exemplo. tendo a jurisprudência inclusive já se manifestou nesse sentido:

Recebendo o fato, como desenharam as instâncias ordinárias, hei que a vítima, exibicionista, ao viajar no teto do vagão do comboio ferroviário, o fez assumindo o risco de infortúnio. É o caso de sua exclusiva culpa. (STJ – REsp 35.103-4 Rel. Min. Fontes de Alencar)

O passageiro deve se ater a obedecer às regras do transporte, obrigação está prevista no Art. 738 do CC caput e em seu parágrafo único traz a culpa concorrente, transcritos a seguir: 

Art. 738. A pessoa transportada deve sujeitar-se às normas estabelecidas pelo transportador, constantes no bilhete ou afixadas à vista dos usuários, abstendo-se de quaisquer atos que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, ou dificultem ou impeçam a execução normal do serviço. Parágrafo único. Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à transgressão de normas e instruções regulamentares, o juiz reduzirá equitativamente a indenização, na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano. 

Sendo possível atenuar a responsabilidade do transportador no caso do passageiro, de algum modo, ter contribuído para o evento danoso. A redução deve ser proporcional ao grau de culpa do transportador e do passageiro. 

Tal postura causa um choque entre os Códigos Civil e do Consumidor, porém o renomado Carlos Roberto Gonçalves explica o porquê da prevalência do Código Civil. Ele salienta que esse é um princípio que já se havia adotado no capítulo específico da Responsabilidade Civil, no artigo 945. Não sendo mais possível, nos casos de culpa concorrente da vítima, a condenação do transportador em pagar indenização integral aos passageiros, como vinham decidindo os tribunais. 

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Há ainda o fato exclusivo de terceiro como excludente de responsabilidade do transportador. Para Sergio Cavalieri Filho, o terceiro entende se: 

“Por terceiro deve-se entender alguém estranho ao binômio transportador e passageiro; qualquer pessoa que não guarde nenhum vínculo jurídico com o transportador, de modo a torná-lo responsável pelos seus atos, direta ou indireta.”

Assim, além de não fazer parte da relação transportador/passageiro, também não pode, o terceiro, estar vinculado de alguma forma ao transportador, como o motorista assim está, através de um vínculo de emprego, por exemplo. Nesse mesmo sentido se manifesta Aguiar Dias: 

O fato de terceiro não exclui a sua responsabilidade [do transportador]; apenas lhe dá direito de regresso contra o causador do dano [...] assim, qualquer que seja o fato de terceiro, desde que não seja estranho à exploração, isto é, desde que represente risco envolvido na cláusula de incolumidade, a responsabilidade do transportador é iniludível, criando, entretanto, o direito de regresso em favor do transportador sem culpa no desastre [...] 

O legislador normatiza as regras de contrato de transporte imputando ao transportador a responsabilidade civil objetiva em caso de danos causados. Tendo o STF instituído que qualquer que seja a cláusula que exclua a responsabilidade, a mesma será considerada a nula, segundo a Súmula 161: “Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar.” 

Ainda temos o artigo 735 com a seguinte redação: “a responsabilidade contratual do transportador por acidente com a passageira não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva. “Reforçando, deste modo, a responsabilidade relacionada ao transportador, sendo nada mais que um artigo que veio para reafirmar a já existente súmula 187 do STF. 

A Súmula 187 do STF estabelece: "A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva." Assim, a "culpa de terceiro" prevista nesta súmula, se refere à culpa lato sensu, incluindo também os casos de dolo. Ainda sobre desdobramentos jurisprudenciais sobre o artigo 735 do Código Civil, temos o supracitado artigo envolvido em outro ramo do direito, Direito do Consumidor.

Por exemplo: passageiro que sofre dano material decorrente de um acidente de ônibus, acidente esse provocado por veículo de um terceiro que avançou o semáforo. no caso concreto descrito o passageiro recorrer judicialmente à empresa de transporte, cabendo a ela uma ação regressiva em face do motorista causador do acidente. o que nos permite concluir que o legislador visa proteger o hipossuficiente da relação contratual. 

Nos casos de transporte de pessoas entende ser que a responsabilidade do transportador por acidente ocorrido com passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva, nos termos da súmula 187 do STJ, já citada, e consolidada pela AgRg Ag em Resp. 279.913 do STJ Julgamento: 11/06/2013. 

O ato de terceiro que exclui a responsabilidade do transportador é aquele que não possui vínculo com a atividade inerente à empresa transportadora. STJ - AgRg Ag em REsp 279.913 Julgamento: 11/06/2013. 

Deste modo podemos concluir que mesmo que a regra seja de responsabilidade do transportador em manter a integridade do que transporta, quer seja pessoa ou objetos, há possibilidades de eximir se da causa ou responder na medida de sua responsabilidade. Tal apontamento comprova também que o Direito em sua aplicação não é matéria exata, necessitando observância de cada caso concreto. 

Referências Bibliográficas: 

• https://www.direitocom.com/sem-categoria/artigo-734-5 

• https://jus.com.br/artigos/6297/contrato-de-transporte-e-responsabilidade-civil-a-luzdo-novo-codigo-civil 

•https://juliabr.jusbrasil.com.br/artigos/155077497/responsabilidade-civil-transportes 

• https://jus.com.br/artigos/58259/responsabilidade-decorrente-do-contrato-detransporte

• https://www.stj.jus.br/sites/portalp/ 

• Direito Civil Esquematizado -Vol2- Carlos Roberto Gonçalves

 

Sobre a autora
Beatriz Sanches

Estudante de Direito na Universidade Candido Mendes e atualmente estagiando na Gerência Executiva do INSS. Pesquisadora, tema atual: Empregabilidade da pessoa com Deficiência:evolução do conceito de pessoa com deficiência, aspectos sociais e jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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