Considerações sobre ação monitória no ordenamento processual civil brasileiro

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24/12/2020 às 16:34
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Texto explana didaticamente a ação monitória, seus requisitos, sua finalidade e previsão no CPC atual.

Por haver diferentes espécies de prestação jurisdicional a envolver a substância da pretensão manifestada, não se admite a conversão do processo de execução no de conhecimento, sendo certo que existe dois tipos de processo que se influenciam mutuamente e se complementar de forma necessária e servem habilmente para a composição da lide. Trata-se do processo de conhecimento e o processo de execução.

 

O que não é tolerável e aceitável é a justiça feita com as próprias mãos, por ser imperfeita e capaz de gerar a insegurança social. A pretensão que deve ser efetivada é aquela agasalhada pelo ordenamento jurídico e, não a dos interesses e forças pessoais dos litigantes.

 

O processo de conhecimento é realizado antes de decidir a demanda, realizando uma série de atividades intelectuais com o fito de se aparelhar para julgar se a demanda é fundada ou infundada, e, pois, para declara existente ou não a vontade concreta da lei.

 

No processo de conhecimento pesquisa-se o direito dos litigantes e, no processo de execução quando lastreado em título executivo judicial que promove o acertamento do que fora decidido na fase de conhecimento. Realiza então o direito conhecido e procedente.

 

Com a sentença condenatória e diante do não cumprimento, o juiz transforma a regra condenatória tida como abstrata em regra concreta e eficiente.

 

Diante do inadimplemento do devedor informa o artigo 786 do CPC que o credor tem o direito de agir, promovendo a execução lastreada no título executivo que acena como uma obrigação certa, líquida e exigível.

 

A certeza ocorre quando no título executivo estiver impressa a natureza da prestação, expondo seu objeto e seus sujeitos, isto é, o credor, o devedor e, se a obrigação é de fazer, dar, pagar quantia. Trata-se da perfeição formal do título executivo.

 

A liquidez, por sua vez, o título executivo deve demonstrar a exata quantidade de bens devidos, corresponde ao quanto pagar ou o que entregar, ou permitir que número final possa enfim ser aritmeticamente ser apurado.

 

A exigibilidade significa que se trata de título executivo hábil à execução. Exemplificando sobre os títulos inexequíveis pode-se enumerar: o contrato sem assinatura de duas testemunhas, sentença estrangeira não homologada no país, a sentença arbitral proferida por árbitro inapto e a duplicata sem aceite[1].

 

Mesmo com o título executivo[2] extrajudicial pode promover o credor a execução. Os títulos executivos extrajudiciais consistem documentos ou atos aos quais a lei confere força executiva, cabendo ao credor promover o procedimento executório em face do devedor a fim de satisfazer a prestação obrigacional pendente. O título executivo extrajudicial é apto a embasar processo executivo quando se mostrar exigível.

 

Assim, enquanto o devedor não se torna inadimplente com sua obrigação nele representada, não se mostra válida a propositura de execução diante da falta de uma das condições da ação, qual seja, a exigibilidade.

 

Com efeito, são títulos, de acordo com o dispositivo legal artigo 784 CPC[3]: “I – a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;

II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor;

,III – o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;

IV – o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado pelo tribunal;

V – o contrato garantido por hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia, e aquele garantido por caução;

VI – o contrato de seguro de vida em caso de morte; VII – o crédito decorrente de foro e laudêmio;

VIII – o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;

IX – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;

X – o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção de condomínio ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas;

XI – a certidão expedida por serventia notarial ou de registro relativa a valores de emolumentos e demais despesas devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei;

XII – todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.”.

 

Juntamente com os títulos executivos judiciais, há outros, unificados pelo sistema processual vigente que são chamados de títulos extrajudiciais, aos quais a lei igualmente confere a mesma eficácia dos primeiros, sem diferenças formais na execução.

 

Pelo CPC de 1939 vigorava a dicotomia executiva de sentença, sempre que fundada em sentença condenatória e a ação executiva, fundada em título extrajudicial, iniciado por meio da citação para pagar, em vinte e quatro horas, a importância demandada ou nomear bens à penhora, seguia-se i procedimento cognitivo, possibilitando ao demandado (devedor) apresentar a defesa dentro dos mesmos autos, proferindo o juiz, o despacho saneador, instruindo o processo e, finalmente, prolatando a sentença ratificando o título executivo. (In: AMERICANO, Jorge. Comentários ao CPC, volume II, p. 95-96).

 

O Código Buzaid aboliu tal vetusta distinção entre a ação executória baseada em sentença condenatória, e a ação executiva lastreada em título executivo extrajudicial, de modo a provocar a execução forçada. Assim, a posição do título executivo extrajudicial é idêntica à de sentença condenatória.

 

Já o CPC vigente retroagiu ao estabelecer em seu artigo 785 que aduz: “a existência de título executivo extrajudicial não impende a parte de optar pelo processo de conhecimento, a fim de obter o título executivo judicial.

 

Apesar da severa crítica doutrinária, o STJ decidiu não haver impedimento legal para o credor que possuir título executivo extrajudicial, venha utilizar o processo de conhecimento ou da ação monitória para prover a cobrança de seu crédito.

 

Em tempo, é curial apontar a diferença existente entre ação de cobrança, ação monitória e ação executiva. A ação de cobrança é ação de conhecimento, e, portanto, seguirá todas as fases pertinentes ao procedimento comum, com o saneamento do processo, a realização de audiências instrutórias, enfim, com larga observância do contraditório a fim de permitir a formação de convicção completa e exauriente do julgador.

 

Para a ação de cobrança não há a exigência de tipo específico de prova, tampouco, de título executivo, podendo se basear em qualquer tipo de prova. 

 

Aliás, o disposto no artigo 785 CPC reconhece que o mesmo devedor que é possuidor de título executivo extrajudicial poderá optar pelo processo de conhecimento, a fim de galgar a obtenção de título executivo judicial.

 

A ação de cobrança perante todas as alternativas, é a mais conservadora, uma vez que não existiria, ab initio, o risco de inadmissão de provas, vez que a necessidade de formação do juízo de cognição amplo, reduz as chances de eventual indeferimento pelo pleito com base em algumas das condições da ação, como seria o caso de propositura da ação de execução com o título que não preencha todos os requisitos da lei.

 

A ação monitória, por sua vez, busca do julgador a declaração do direito pessoal de crédito, isto é, requer o reconhecimento de que existe uma obrigação a ser cumprida por parte devedora em face do credor (autor).

 

O art. 700 do CPC prevê que esta ação “pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter direito de exigir do devedor capaz”, por exemplo, o pagamento de quantia em dinheiro.

 

Sendo, portanto, uma ação intermediária entre a ação de cobrança e ação de execução, cuja inicial, na forma do § 2º do dispositivo mencionado acima, deverá explicitar:

  1. a importância devida, instruindo-a com memória de cálculo;
  2. o valor atual da coisa reclamada; e
  3. o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido.

 

Logo, poderá ser proposta quando existir uma prova escrita que perdeu a força para ação executiva.

 

Trata-se de uma possibilidade que situa-se entre a ação de cobrança (que demanda dilação probatória) e a ação executiva (que não autoriza produção de provas), devendo apresentar a petição inicial a importância devida, juntamente com a memória de cálculo, o valor atual da coisa e o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido,

 

A ação de execução de título executivo extrajudicial é usada para requerer o provimento jurisdicional com o interesse de obrigar o demandado (executado) a cumprir determinado direito consubstanciado em título executivo. Assim, dispõe o artigo 783 c/c art. 784 CPC, a execução fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível.

 

De sorte que a prova deve ser analisada pelo autor com redobrada atenção, já que a não apresentação dos documentos necessários à propositura da demanda, na forma dos artigos 801 e 803 do CPC, ensejará a nulidade da execução, mesmo que ainda não exista a manifestação expressa da parte executada solicitando tal coisa.

 

A execução se distingue das demais alternativas de reaver o crédito, a partir da premissa, de que, naquela, a decisão é prevalentemente prática e material, enquanto nestas, prevalentemente de caráter lógico.

 

Esta natureza mais objetiva da ação de execução é o que, justamente, permite-lhe a celeridade e, ao mesmo tempo, a razão para que a prova dependa dos atributos de certeza, liquidez e exigibilidade.

 

Conforme § 2º, do mesmo dispositivo in litteris: “Na petição inicial, incumbe ao autor explicitar, conforme o caso:

I - a importância devida, instruindo-a com memória de cálculo;

II - o valor atual da coisa reclamada;

III - o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido.”.

 

Reconhece-se como prova escrita aquela de qualquer natureza, observada a necessidade de ser capaz de influenciar a convicção do juiz sobre a existência do direito, demonstrando a existência da obrigação e não causando dúvidas ao julgador sobre o direito pretendido. Isto é, o documento precisa ser idôneo, conforme entendimento do STJ no Resp 1.381.603.

 

Exemplificando, são documentos aptos a instruir uma petição inicial de ação monitória, a saber: Cheque prescrito (Súmula 299/STJ); Nota promissória sem força executiva (Súmula 504/STJ); Duplicata ou triplicata sem aceite (REsp 925.584/SE); Nota fiscal, acompanhada da prova do recebimento da mercadoria ou da prestação de serviços (REsp 882.330/AL); Contrato de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de débito (Súmula 247); Contrato de arrendamento rural que estabelece pagamento em quantidade de produtos agrícolas (REsp 1.266.975/MG); Contrato de prestação de serviços educacionais (REsp 286.036/MG); e Guias de recolhimento da contribuição sindical e prova de notificação do devedor (REsp 765.029/SP).

 

A ação monitória dependerá de documento escrito que seja apto a comprovar a existência da obrigação inadimplida, trazendo suficientes elementos para demonstrar o direito do autor ao julgador, não necessitando de título executivo extrajudicial com eficácia, tampouco a prova robusta, consoante o entendimento do STJ no REsp 765.029.

 

Em verdade, a monitória é uma modelo de ação chamada vulgarmente de "dois em um", pois conforme for o caso concreto, esta poderá ser convertida em ação de cobrança ou ação execução.

 

Justifica-se, pois se o juiz, ao receber a exordial da ação monitória, entenda terem preenchidos todos os requisitos do artigo 700 CPC, expedirá o mandado monitório fixando o prazo de quinze dias para o demandado(devedor) pague os valores.

 

E, nessa hipótese, efetuando o réu o devido pagamento dentro do prazo estipulado, nota-se que a ação monitória terá tido eficácia de ação executiva. E, se por outro lado, se o réu optar por debater a demanda, poderá opor os embargos monitórios, situação em que o rito da ação será então convertido no procedimento de ação de cobrança, e admitindo a produção de provas.

 

Conclui-se, portanto, que a ação monitória possui caráter dúplice, podendo transmudar-se ora em ação de cobrança, ou ação de execução conforme a demonstração idônea de prova escrita e ainda da defesa eventualmente apresentada pelo réu. A duração do procedimento monitória é média, sendo mais célere que a ação de cobrança, que por ser mais morosa do que a ação de execução.

 

Com a unificação dos títulos executivos, deu-se maior celeridade processual, já que o legislador pátrio, objetivando a pacificação social optou por permitir a instauração do processo executivo sem o correspondente direito material, ao invés de submeter o credor ao processo de conhecimento.

 

O título executivo judicial exprime, pelo menos, tecnicamente, maior segurança quanto à certeza nesta declarada, porque oriundo de uma ação de conhecimento, onde o juiz desenvolve sua atividade cognitiva plena e completa.

 

Os títulos extrajudiciais são aqueles descritos pela lei no artigo 784 do CPC e ainda nas leis especiais. Lembrando-se que apenas a lei federal poderá instituir títulos executivos, por ser da União, a competência exclusiva para legislar sobre o Direito Processual.

 

A cédula de crédito rural, cédula de crédito bancário, contrato de honorários advocatícios, célula de crédito industrial, cédula e nota comercial, contratos de alienação fiduciária em garantia e o compromisso arbitral são exemplos de títulos executivos oriundos de leis especiais.

 

Cognição como técnica

 

É sabido que o fim do processo é a concretização do direito material mediante da atuação da lei nos casos concretos, para satisfazer o interesse público em geral.

 

O processo se revela em ser o instrumento da jurisdição e somente através deste, é que o Estado-juiz atua nos conflitos de interesses que lhe são apresentados, criando oportunidade para as partes se autocomporem.

 

O processo não tem fim em si mesmo, sendo o meio adequado para obtenção do direito material pleiteado e tem a função jurisdicional de pacificação social.

 

Apenas com a realização do direito material é o que ocorre com o cumprimento à prestação jurisdicional. O julgamento deve atingir o mais próximo que possível, com economia de tempo e de energia.

 

Quanto menor for a duração do processo, melhor será sua efetividade, daí se fazem necessários os instrumentos da tutela adequadas para todos os direitos contemplados no ordenamento jurídico.

 

Por efetividade, entende-se como sendo a aptidão de um meio ou instrumento para realização de seus fins ou produção dos seus efeitos.

 

A cognição no plano horizontal refere-se, a extensão ou amplitude de conhecimento do juiz. A cognição vincula-se ao conflito de interesses, podendo ser plena ou limitada (parcial).

 

A cognição plena é quando se permite conhecer a extensão de todo o conflito de interesses. São apreciados todos os componentes de tríade[4] composta por pressupostos processuais, condições da ação e mérito abrangendo todo o conflito, sem restrição.

 A cognição limitada ou parcial a extensão das questões debatidas não é plena, há cortes ou restrições em algumas questões ou restrições em algumas questões não podem ser debatidas.

 

Não se desenvolve a cognição exauriente, é o exemplo das ações possessórias, nas quais é defeso o exame de domínio (artigo 557 CPC). A cognição é reduzida apenas à questão possessória, restando, ao proprietário, controverter suas razões em ação petitória.

 

Apesar de muito similares, podemos destacar como a principal diferença entre estas, o embasamento que ampara o pedido, ou seja, enquanto as ações possessórias são pautadas na continuidade ou restituição puramente da posse, as ações petitórias são fundamentadas na origem ao direito da posse, tais como propriedade e domínio.

 

A jurisprudência ao negar reiteradamente um tipo de ação pela outra, conceitua: "O nosso ordenamento jurídico reconhece três espécies de ações tipicamente possessórias: ação de reintegração de posse, manutenção de posse e o interdito proibitório. Em breve resumo, a primeira visa restituir a posse do possuidor em caso de esbulho, a segunda em casos de turbação e a última visa a proteção prévia da posse, quando o possuidor entender que há uma ameaça ao seu direito possessório. 

 

Já as ações petitórias, onde se inclui a ação de imissão na posse, apesar de indiretamente tutelarem a posse, possui como escopo principal o direito de propriedade do autor da ação. Assim, diferentemente das ações tipicamente possessórias, nas petitórias há discussão acerca do direito de propriedade sobre bem objeto da lide.

 

Dessa forma, é evidente a distinção entre os pedidos das duas ações: nas ações possessórias, o pedido se funda no direito de posse do autor; já nas petitórias, o pedido é baseado no direito de propriedade." (TJ-ES - APL: 00064486520128080035, Relator: ELISABETH LORDES, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 14/07/2017).

 

O procedimento monitório (ou injuncional) é procedimento do tipo "de cognição sumária", caracterizado pelo propósito de conseguir o mais rapidamente possível o título executivo e, com isso, o início da execução forçada.

 

No plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de sua profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta). O primeiro caso ocorre quando ao juiz só é lícito emitir seu provimento baseado num juízo de certeza. É o que normalmente acontece no processo de conhecimento. De outro lado, tem-se a cognição sumária quando o provimento jurisdicional deve ser prolatado com base num juízo de probabilidade, assim como ocorre ao se examinar um pedido de antecipação de tutela.

 

Sérgio Gilberto Porto adere e concorda com esta classificação, mas alerta para a necessidade de sua diferenciação para a técnica dos cortes para sumarização. Refere o estudioso: “Não há, outrossim, que confundir a extensão e a profundidade da cognição com a técnica dos cortes para sumarização”.

 

Com efeito, enquanto – de um lado – em nível de cognição, a extensão diz respeito ao plano horizontal, e a profundidade, ao plano vertical; de outro, em nível de cortes (ou seja, a limitação a ser concretamente imposta), operam-se exatamente em sentido inverso, pois para que haja limitação na extensão, é necessário que se opere um corte vertical no conhecimento, e para que haja limitação na profundidade impõe-se traçar um corte horizontal neste.

 

A partir deste procedimento, pelo qual se separa sumarização propriamente dita dos respectivos cortes para implementação desta, tornam-se compreensíveis a proposta e sua técnica de aplicação.

 

Não se deve confundir, destarte, cognição sumária com sumariedade formal do procedimento. No procedimento comum sumário, por exemplo, bem assim no mandado de segurança, há sumariedade formal com cognição exauriente.

 

Alexandre Freitas Câmara ainda sugere um terceiro gênero na classificação vertical, chamando-o de cognição superficial (ou sumaríssima).

 

Tem-se cognição superficial, segundo o autor, “em casos – de resto não muito frequentes – em que o juiz deve se limitar a uma análise perfunctória das alegações, sendo a atividade cognitiva ainda mais sumária do que a exercida na espécie que leva este nome”. Posteriormente justifica a necessidade desta nova forma de classificação argumentando:

 

Tal espécie de cognição é exercida, por exemplo, no momento de se verificar se deve ou não ser concedida medida liminar no processo cautelar.

 

Se nesta espécie de processo (utilizando-se aqui a classificação tradicional dos processos quanto ao provimento jurisdicional pleiteado) a atividade cognitiva final é sumária (uma vez que o juiz não verifica se existe o direito substancial alegado pelo demandante, mas tão-só a probabilidade dele existir – fumus boni iuris), é obvio que para verificar se deve ou não ser antecipada a concessão de tal medida através de liminar não se pode permitir que o juiz exerça, também aqui, cognição sumária, sob pena de se obrigar o juiz a invadir de forma indevida o objeto do processo cautelar.

 

Deverá o julgador, portanto, exercer cognição superficial. Ao invés de buscar o requisito do fumus boni iuris, deverá verificar a probabilidade de que tal requisito se faça presente (algo como fumus boni iuris).

 

Em que pese Luiz Guilherme Marinoni não adotar a mesma nomenclatura classificatória de Alexandre Freitas Câmara, parece concordar com a existência deste terceiro gênero de cognição no plano vertical ao mencionar, in litteris: "A sumarização da cognição pode ter graus diferenciados, não dependendo da cronologia do provimento jurisdicional no "iter" do procedimento, mas sim da relação entre a afirmação fática e as provas produzidas”.

 

Perceba-se, por exemplo, que a liminar do procedimento do mandado de segurança e a liminar do procedimento cautelar diferem nitidamente quanto ao grau de cognição.

 

No mandado de segurança a liminar é deferida com base no juízo de probabilidade de que a afirmação provada não será demonstrada em contrário pelo réu, enquanto a liminar cautelar é concedida com base no juízo de verossimilhança de que a afirmação será demonstrada, ainda que sumariamente, através das provas admitidas no procedimento sumário.

 

Conclui-se, que as diversas modalidades de cognição podem ser combinadas num mesmo processo, sendo possível admitir-se a existência de processos com cognição plena e exauriente (conforme nos processos de conhecimento que seguem o procedimento comum seja ordinário ou sumário), plena e sumária (como no processo cautelar), limitada e exauriente (como no processo de execução onde o julgador não pode examinar o mérito, mas profere juízo de certeza sobre as questões preliminares - cognição exauriente); limitada e sumária (como na ação de separação de corpos, onde a impossibilidade de se discutir a presença de alguma causa para que se dissolva o vínculo matrimonial limita a cognição e a urgência com que se necessita do provimento judicial implica na sumariedade da atividade cognitiva).

 

 

Ressalte-se que para Alexandre Câmara, “todo juízo de certeza é, em verdade, um juízo de verossimilhança”. E explica: “é que o juiz, em sua atividade cognitiva, afirma que dado fato é verdadeiro quando alcança aquele grau de convencimento que lhe é outorgado por uma máxima verossimilhança. A certeza a que se refere aqui, portanto, não é uma certeza psicológica, mas uma certeza jurídica”. (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Volume 1. 22ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 280-281).

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Alexandre Câmara trata de explicar a questão, que aparenta ser confusa, aproveitando os ensinamentos de Calamandrei: “Os conceitos de possibilidade, verossimilhança e probabilidade são, em verdade, muito próximos, sendo mesmo comum que sejam empregados como sinônimos.

 

Não parece, porém, que esta seja a melhor forma de se interpretar estes termos. Assim é que opto por dar a estes três conceitos o sentindo que lhes da Calamandrei, em obra clássica já referida: possível é aquilo que pode ser verdade; verossímil é aquilo que tem a aparência de verdade; por fim, provável é aquilo que se pode considerar como razoável, ou seja, aquilo que demonstra grandes motivos para fazer crer que corresponde à verdade.

 

Apresentam-se, pois, estes três termos como uma escala em direção à certeza: a mais tênue das três figuras é a possibilidade (capaz de excluir, apenas, os fatos impossíveis de terem ocorrido).

 

Um pouco mais forte é a verossimilhança (que se afigura como aparência de que o fato ocorreu) e, por fim, a probabilidade, algo como uma quase-certeza”.

 

E continua: “É de se notar, por fim, que em razão da diversidade conceptual anteriormente apontada entre possibilidade, verossimilhança e probabilidade, não parece correto afirmar que a cognição sumária permite um juízo de verossimilhança.” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil.22ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 281-282).

 

Alexandre Câmara resume a questão ensinando que “no processo de conhecimento de rito ordinário, o provimento final – a sentença – é proferido com base em cognição exauriente.

 

Consequência disto é que a liminar antecipatória dos efeitos da sentença deverá ser deferida com base em cognição sumária (um ‘degrau’ acima).

 

Já no processo cautelar, em que o provimento final é a cognição sumária, a liminar deverá ser proferida à luz de um juízo de mera verossimilhança, ou seja, cognição superficial”. Dito isto, observa-se que as tutelas de urgência devem ser concedidas, ou não, com base na cognição sumária. (In: DE OLIVEIRA, Marco Antônio. Cognição, Tutelas de Urgência e a Propriedade Intelectual. Revista da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual. ABPI nº 128, Jan/Fev. de 2014, Disponível em: http://www.matos.com.br/wp-content/uploads/2017/08/CognicaoTutelasdeUrgenciaeaPropriedadeIntelectual-MarcoOliveira.pdf  Acesso em 22.11.2020).

 

A cognição vertical traduz a noção de profundidade, podendo ser exauriente ou completa. Ou ainda ser sumária, incompleta ou superficial (ou rarefeita) dependendo da intenção da relação estabelecida entre o sujeito cognoscente e o objeto cognoscível.

 

Os exemplos comuns de cognição sumária são as tutelas provisórias, cautelares, ambas ligadas ao perigo que, por isso, requerem e exigem soluções urgentes.

 

No processo de execução a cognição é sumária e rarefeita porque é fundada na certeza do título executivo. A cognição, nesse caso, é eventual e, só não é dispensada na execução de obrigação de fazer quando o credor optar pela realização do fato por terceiro, nomeando-se perito para avaliar o custo da obra.

 

Segundo Gisele Leite a cognição no processo de execução é um mesclado entre as heranças alemã e italiano, assim o Código Fux nasceu com uma preocupação de ser efetivo, de cumprir a duração razoável do processo e, ainda, de promover cognição aparelhada na máxima efetividade processual possível com a primazia do julgamento do mérito. (In: LEITE, Gisele. A cognição e evolução da tutela de direitos no CPC/2015. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/a-cognicao-e-evolucao-da-tutela-de-direitos-no-cpc2015  Acesso em 22.11.2020).

 

 

Histórico

 

Costuma-se delimitar a história do processo civil romano a três grandes períodos, a saber: o de legis actiones, que vai da fundação da cidade de Roma por volta do século VIII a.C. até os fins da República (754 a 149 a.C.); o per formulas, até o fim do terceiro século do império (149 a.C., a 342 do d.C.,); e o extra ordinem ou extraordinaria cognitio, que vai do Dominato no século III d. C., até Justiniano provavelmente a partir do ano 342 d.C.

 

O primeiro período é o da legis actiones é o mais antigo do sistema processual e funda-se todo na oralidade e num formalismo muito ortodoxo, a ponto de levar à perda da demanda àquele que não utilizasse as palavras sacramentais[5] copiadas das próprias palavras da lei.

 

Nesses primeiros tempos do direito romano, a contar da fundação de Roma em 754 antes de Cristo, revelava-se extremamente simples, o processo era completamente oral, tendo as partes em litígio de pronunciar certas palavras sacramentais que correspondiam à ação que estavam propondo, sempre na presença de testemunhas (até para permitir a continuidade da tradição oral), e se dividia em duas fases:

  1. in jure, que se passava perante um magistrado, um funcionário do "Estado", na presença do qual, após a realização daquela espécie de liturgia, o magistrado concedia ou não a ação, estabelecendo-se a litiscontestatio, uma espécie de compromisso que as partes firmavam de aceitar a decisão que viesse a ser prolatada, sobre o objeto do litígio que, daí em diante, não mais podia ser modificada;

 

  1. encerrada essa fase, começava outra, a fase in judicio, ou apud judicem, perante um juiz privado (isto é, um cidadão comum, que não era funcionário do Estado), o iudex ou arbiter, que era realmente quem se manifestava sobre a causa, proferindo a sua sententia, declarava o que sentia a respeito do problema que lhe fora levado.

 

Esse era o período das legis actiones ou período das ações da lei, que eram em número de cinco (Sacramentum[6]; judicis postulatio; condictio; manus injecito e pignoris capio).

 

José Carlos Moreira Alves citando exemplo de Gaio, lembra de um casa em que um cidadão perdeu a demanda por haver empregado a palavra uites (Videira) no lugar de arbor (árvore) como indicava a Lei das XII Tábuas[7] com relação à actio de arboribus succisis (ação relativa às arvores cortadas) e, por isso apesar de no caso concreto, as árvores abatidas, terem sido justamente videiras. (In: Direito Romano, volume I, p. 193-194).

 

Com os novos tempos, entraram em decadência as ações da lei, nascendo no século II antes de Cristo, o processo formulário ou per formulas criado pela Lex Aebutia, como alternativa mais moderna, menos formalista e mais célere.

 

Com a edição da Lex Aebutia (provavelmente em 149 a.C.)5, também havia a divisão em duas fases, sendo que, nesse período, as ações da lei, essencialmente formalistas e teatrais, são substituídas pela fórmula, construída pelo magistrado para aquele específico caso concreto - a rigor, o autor escolhia a fórmula que mais se ajustava ao seu caso no album fornecido pelo magistrado.

 

A fórmula[8] era, pois, escrita. Nesse caso, também, se o réu não reconhecesse de logo o direito do autor, o magistrado remeteria as partes ao juiz privado, estabelecendo-se a listiscontestatio, que é a aceitação da fórmula pelas partes em litígio. Nesse período, e no anterior, o iudex, que somente dizia o direito, não possuída o chamado ius imperii.

 

Vigia o sistema da justiça privada (ordo judice a rum) cabendo as partes o encargo de valer-se de suas próprias forças. Nesses períodos, o procedimento se dividia em duas etapas, a saber: a primeira in iure, pedia-se ao magistrado ou pretor, representante estatal, a nomeação de um juiz para o julgamento da causa que, a apreciava somente no aspecto jurídico e legal; a segunda in judicio ou apud iudicem, desenrolava-se perante juiz particular encarregado de recepcionar provas e prolatar sentença.

 

Esse juiz ou iudex (ou árbitro) era eleito pelas partes entre pessoas do povo, não dependia do governo, nem representava quando do julgamento.

 

No regime das fórmulas, não acordando as partes na escolha, sorteava-se o magistrado dentre os nomes constantes do albo iudicium, ou livro dos juízes.

 

Lembremos que naquele tempo, inexistia função social do direito. Quando a justiça se caracterizava mais em um ato de vingança do que satisfação de uma pretensão resistida. Eram empregadas formas solenes, sacramentadas e estabelecidas pela lei e rituais acompanhados de gestos simbólicos.

 

Durante a vigência da Lei das XII Tábuas o devedor condenado ou que confessasse por iure, teria de pagar o débito no prazo de trinta dias. Não o fazendo, seria levado à presença do magistrado onde poderia apresentar um vindex (pessoa que contestasse a legitimidade do pedido do autor) sendo a final, adjudicado ao credor, que o conduziria preso por um período de sessenta dias, findo o qual, sem o pagamento ou sem acordo, seria levado pelo credor a três feiras sucessivas para ser apregoado pelo valor da dívida.

 

Se ninguém (fosse parente ou amigo) solvesse a dívida, o devedor era vendido como escravo ou morto, quando então, na existência de vários credores um teria direito a uma parte do corpo.

 

No final da República romana (por volta de 44 antes de Cristo) esse sistema foi abrandado e o devedor pagaria a dívida com trabalho prestado na casa do credor.

 

No terceiro período, chamado de período da cognitio extra ordinem, elimina-se a divisão in jure e in judicium (acabando, pois, o sistema da ordem jurídica privada).

 

Nesse período, o magistrado é um funcionário do Estado que passa a presidir a todos os atos processuais e, também, a julgar a causa, isto é, a proferir sentença. Esse tipo de atividade jurisdicional institucionalizou-se, tornou-se regra, somente após o advento da chamada era cristã, especificamente a partir do século III, quando foi abolido o processo per formula.

 

Em resumo, nesse período, a jurisdição implicava o poder de julgar, conferido ao magistrado e, também, o poder de fazer cumprir o seu julgado. Com efeito, é nesse período que surge a execução pública, estendendo-se a execução ao poder dos magistrados.

 

Esse renovado processo, além de marcar o início do período clássico, deu amplos poderes de mando ao pretor que se denominava de imperium e iusdictio.

 

Utilizando-se de imperium, o pretor poderia introduzir alterações processuais, fixando limites da contenda e dar instruções ao juiz particular sobre como apreciar as questões de direito.

 

Isso era feito por escrito pela formula na qual podia incluir as novidades, então desconhecidas pelo direito antigo.

 

A iurisdictio era forma específica e unitária além de indeterminada, sendo aplicada individualmente na decisão de uma questão controvertida, e submetida à apreciação do Estado e podia ser delegada como ocorre com os magistrados municipais, que, desprovidos de imperium, detinham aquela por delegação do pretor.

 

Foi a evolução social que fez o pretor a instituir os meios processuais de tutela que constituíam as medidas provisórias, sem contraditório e os formalismos de um procedimento regular, de caráter excepcional, sem cognição da existência ou não do direito de uma das partes visando apenas, manter o estado atual das coisas. Era os interdicta.

 

Afinal, era através do interdito que o pretor expedia ordem a pedido de um particular para que outro particular fizesse (interdito restituitório e exibitório) ou deixasse de fazer algo (interdito proibitório).

 

A cognição do pretor era sumária, onde só se examinavam os pressupostos de fato e, em seguida, concedia-se o edere ou edito interdicti ou interdito postulado.

 

Diferido o interdito, surgiram duas hipóteses, a saber: a ordem era acatada pondo fim à controvérsia, ou a parte interessada podia provocar a instauração de um procedimento ordinário, perante o iudex privatus.

 

Portanto, os interditos não decidiam definitivamente o litígio, eram ordens condicionais que apenas tutelavam, de forma provisória a situação preexistente.

 

Se as alegações de quem os solicitava fossem verdadeiras e o litigante contra quem se dirigia o interdito acatava, o litígio determinaria definitivamente.  Caso contrário, se as alegações não fossem verdadeiras ou não acatadas, iniciava-se um processo para que o iudex verificasse se os fatos que tinham dado margem ao interdito eram verdadeiros ou não e, portanto, se houvera ou não, desobediência à ordem do magistrado.

 

No período da extra ordinem, a técnica da cognição sumária continuo sendo empregada. Nesse período, o processo desvinculado do direito privado, passando a ser regido pelo direito público. Seu principal e importante característica é a unificação da instância, deixando de existir as fases in iure e in iudicem.

 

Não se fazia necessário a elaboração da fórmula, nem nomeação de iudex privado desenvolvendo-se todo o processo diante de um só magistrado que se afasta das regras impostas pela antiga ordem, de modo que nas decisões eram desprezadas as regras do processo formulário e passava a deliberar sempre extra ordinem.

 

Na prática, a magistratura era exercida, em primeiro lugar, pelo imperador, que tinha poderes para decidir não só originariamente, como também em segunda instância (é nesse período que surge a appellatio), pelos praefectus urbi e pelos Governadores das Províncias. Esses últimos, por sua vez, poderiam nomear os Judicies pedanei quando seus afazeres não lhes permitissem julgar pessoalmente as demandas que lhes fossem submetidas.

 

Por isso, a um processo extraordinário[9] no qual o interdito que no processo formulário era condicional, era uma ação que visava a condenação do réu a exibir, a restituir ou fazer algo. Não se baseava mais no imperium do magistrado, mas, na lei de modo que, nas hipóteses nesta previstas tinha o juiz, uma vez requerida sua concessão, o dever de concedê-la por sentença.

 

De fato, o procedimento monitório tem certa similitude com os interdicta.

 

Os doutrinadores autorizados acreditam que mandatum de solvendo cum clausula iustificativa, surgido no século XIII, inspirado no procedimento canônico da summaria cognitio que tinha como objetivo a abreviação da duração dos processos, foi a base do atual processo monitório europeu.

 

Que surgiu para superar complexo, longo e dispendioso solemnis ordo iudiciarus, quando se instituíram vários processos sumários e dentro destes, a prática medieval, o mandatum de solvendo que era expedido pelo juiz sem audiência do devedor e sua eficácia era condicionada à eventual oposição deste.

 

No direito italiano, originário do direito medieval, o procedimento monitório também chamado de procedimento por injunção, visava obter do juiz a ordem de prestação que ensejava a execução. Nessa época, fora estabelecido que, para determinados créditos, não constantes de documentos, o devedor não seria citado. Assim, o credor recebia um ensejo à execução através de uma ordem de prestação denominada mandatum ou praeceptum de solvendo.

 

À esta ordem de prestação estava atrelada a uma cláusula justificativa, que dispunha que se o devedor propusesse exceções, este poderia opô-las dentro de um prazo determinado.  O procedimento monitório italiano foi regulamentado pela Lei 1.035, de 9 de julho de 1922, integrada pelo Decreto Real 1.036, de 24 de julho de 1922, que foi alterado pelo Decreto Real 1.531, de 7 de agosto de 1936.

 

Posteriormente, o procedimento monitório foi recepcionado pelo Código de Procedimento Civil italiano, através dos artigos 633 e seguintes, sob a rubrica “Dos procedimentos sumários.

 

No direito português, a monitória fora introduzida pelas Ordenações Manoelinas[10] e apresentava grande similaridade com o mandatum de solvendo cum clausula iustificativa do direito medieval italiano, a ação de assinação de dez dias, também denominada de ação decendiária, poderia ser ajuizada pelo credor para haver do devedor a quantia certa ou coisa determinada, conforme provasse por escritura pública ou alvará feito e assinado.

 

A ação decendiária era fulcrada em escrituras públicas, alvarás de pessoas privilegiadas e sentenças que não eram passíveis de sofrerem o procedimento executivo. Eram pessoas privilegiadas os arcebispos, bispos, cardeais, fidalgos, doutores, desembargadores, cavaleiros de ordens militares, negociantes, dentre outros. As pessoas consideradas não-privilegiadas só poderiam dispor do procedimento de assinação de dez dias caso fossem reconhecidas pelas ditas privilegiadas.

 

Também poderia ser proposta com base na escritura particular, e nesse modelo existia um limite de valor a ser tutelado. No caso de o réu ser citado e não comparecer, este era tido como contumaz e seria reconhecida e confessada a obrigação; como na ação de assinação de dez dias com base em escritura pública, ainda nesse caso caberia ao demandado opor-se através de embargos.

 

A monitória no direito alemão era originada diretamente do mandatum de solvendo cum clausula iustificativa do direito medieval italiano, e denominado de procedimento monitório puro. Era rito sem debates e célere com o fito de criar o título executivo para créditos de premissa incontestável.

 

E, quanto ao tema o eminente José Eduardo Carreira Alvim, expôs, in litteris:

   "No monitório alemão, o credor não propõe uma verdadeira e própria demanda, mas pede a expedição de uma ordem de pagamento; esta é emitida sem que a contraparte(devedor) tenha a possibilidade de defender-se."

 

Era chamado de Mahnverfahren, sendo restrito às questões que versem sobre soma em dinheiro ou entrega de determinada quantidade de coisas fungíveis, excluindo, assim a entrega de bem móvel certo.

 

Após o referido pedido, o devedor poderia se opor, quando o procedimento monitório se funda, passando a tramitar na forma ordinária, sendo então designada a audiência. Se houver resistência do devedor é expedida uma ordem de execução que poderia se tornar coisa julgada.

 

Por outro lado, o procedimento monitório documental ou urkundeenprozess reconhecido como uma das formas de injunção no ordenamento alemão, deita raízes no direito antigo italiano. Sendo exclusivo para os créditos que pudessem ser demonstrados documentalmente, também se usava a cognição incompleta, visto que se buscava o pagamento de dinheiro ou de coisa fungíveis.

 

Sendo assim, nessa forma de procedimento, a petição inicial deve vir

acompanhada de documentos que comprovem o crédito, devendo o autor expressar que deseja instaurar um processo documental.

 

Posteriormente, o réu é citado para realizar o pagamento ou defender-se, mas são consideradas somente as exceções amparadas em prova documental ou por juramento.

 

O juiz rejeita a pretensão do autor se esta se mostrar infundada, seja pela defesa do réu, seja por si própria. Caso o réu simplesmente se oponha ao pedido do autor é pronunciada contra ele a sentença sob reserva, que posterga para uma fase diversa o seu direito de demonstrar a improcedência do pedido. Se ocorrer sentença sob reserva, o processo continua dependente até o julgamento final, que ocorrerá em processo ordinário.

 

Nota-se que o procedimento monitório alemão carrega as mesmas características do procedimento italiano, podendo até ser instaurado inclusive, oralmente.

 

As diferenças se asseveram caso não exista a oposição do réu, visto que na monitória alemã a ordem de pagamento não adquire a eficácia de título executivo, pois o autor tem que se manifestar novamente para tornar a ordem executável. Assim, a execução passa a ter natureza provisória, assegurando, então, o oferecimento de exceção ao devedor.

 

O procedimento d’ingiunzione italiano, a ação de assinação de dez dias portuguesa e o Mahnverfahren alemão influenciaram diretamente na criação da estrutura procedimental do instituto da ação monitória no Brasil.

 

A ação monitória foi inserida no Direito brasileiro pela necessidade de se criar um procedimento que possibilitasse o acesso da parte à execução, sem que ocorressem demorados trâmites processuais quando o devedor não se opõe ao pedido do auto. (In: DE OLIVEIRA, Josué Ricardo Leite. Ação Monitória: Da origem às inovações do CPC/2015. Disponível em: https://www.pucrs.br/direito/wp-content/uploads/sites/11/2017/03/josue_oliveira_2016_2.pdf  Acesso em 22.11.2020)

 

Moacyr Amaral dos Santos inspirado na doutrina de Chiovenda qualificou esses processos sumários de indeterminados em que a sumariedade correspondia à simplificação dos atos judiciais, tais a dispensa do libelo, da contestação da lide, supressão de rigorosa sucessão dos termos processuais e, consequente concentração dos atos do processo numa só audiência em que as partes deduziam e provavam o seu direito, processos qualificados como sumários determinados ou executivos em que a sumariedade correspondia à redução do conhecimento do juiz.

 

Estes tinham lugar se fundados em escrituras públicas ou mesmo privadas a essas equivalentes que permitiam após prévia citação do devedor, facultando-se-lhe a oportunidade de produzir exceções de rápida e fácil prova, proferisse o juiz sentença condenatória e ordenasse imediata execução, ficando reservado ao devedor oferecer posteriormente outras exceções.

 

Estas foram as origens do procedimento monitório ou injuntivo, perseguidor da criação de título executivo com a máxima celeridade possível e que se expandiu, posteriormente, na Alemanha entre os séculos XIV e XVI.

 

No direito luso-brasileiro percebeu-se a influência do processo comum vigorando com algumas variações até o adento da Revolução Francesa.

 

Há quem identifique, em doutrina, o procedimento monitório com a ação decendiária ou de assinação de dez dias, originada no direito brasileiro.

 

Nas Ordenações Manoelinas introduziu-se procedimento, por meio do qual o credor poderia ajuizar para haver do devedor quantia certa ou coisa determinada que se chamou a ação de assinação de dez dias que tinha por vase escrituras públicas, alvarás particulares de pessoas privilegiadas, sentença a que não competiam procedimento executivo, termos judiciais e escritos particulares.

 

Presentes tais requisitos, o juiz assinava o prazo de dez dias para o réu pagar, mostrar quitação da dívida ou alegar e provar os embargos que tivesse a opor.

 

Não oferecidos os embargos, no prazo assinado em audiência, ou os oferecidos fossem tidos como irrelevantes, o juiz por decisão conferia ao título comprobatório da obrigação por força executivo; tidos por relevantes os embargos oferecidos, mas não provados, recebia-os o juiz e, não obstante, condenava o réu, decisão esta que, conquanto exequível, era provisória ou com reserva, tanto que o processo prosseguia para completo conhecimento da causa, sendo os embargos relevantes e devidamente comprovados eram recebidos para a discussão, prosseguindo-o o processo de conhecimento de rito ordinário.

 

As Ordenações Filipinas determinaram, no livro III, Título 25, que o réu citado para pagar ou entregar a coisa a que estava obrigado em tais hipóteses, deveria provar nos dez dias subsequentes qualquer que tiver para não cumprir o que assim pela escritura ou alvará se mostrar ser obrigado.

 

Todavia, passados os dez dias, não mostrando, nem provando o réu paga ou mostra quitação, ou tal razão, que o desobrigue de pagamento, seja logo condenado por sentença, que pague ao autor, tudo aquilo em que assim de mostrar ser obrigado.

 

Estava, assim, recepcionada a ação decendiária nas Ordenações do Reino lusitano que regularam a vida do Brasil- Colônia até o advento do Regulamento 737, de 25.11.1850.

 

Tal diploma legal que originalmente disciplina os processos das causas de natureza comercial, passou, mais tarde, também a ser aplicado às causas cíveis, por força do Decreto 763, de 19.09.1890, mantendo expressamente as ações especiais, a ação de assinação de dez dias (ação decendiária) dispondo em seu artigo 246 que: “consiste esta ação na assinação judicial de dez dias para o réu pagar, ou dentro deles, alegar e provar os embargos que tiver”.

 

Uma vez citado o réu teria de comparecer à audiência, na qual lhe era assinado o prazo de dez dias para pagar ou alegar e provar sua defesa por meio de embargos. Os chamados embargos monitórios.

 

Após os dez dias, os autos subiam à conclusão do julgador, que adotaria uma das seguintes opções, a saber:

a) proferia sentença caso o réu não tivesse pago, nem oferecidos embargos, ou se estes forem considerados irrelevantes;

b) condenaria o réu apenas da relevância dos embargos, se não houvesse feito prova dentro dos dez dias;

c) receberia os embargos para discussão se seus fundamentos fossem relevantes e devidamente provados.

 

Somente com o advento do CPC de 1939 é que definitivamente, a ação monitória deixou de ser contemplada. E, a Constituição brasileira de 1891 autorizou os Estados-membros a legislar sobre o processo continuando, assim o Regulamento 737 a viger somente naqueles que não adotaram um Código de Processo Civil particular.

 

No CPC de 1973, poderia ter contemplado todas as obrigações, independentemente de sua natureza, no âmbito do procedimento monitório. Entretanto, também não regulamentou o instituto da ação monitória no brasil. Foi em 24.12.1985 que foi publicado no Diário Oficial da União o Anteprojeto de Modificação do CPC, que continha o objetivo de implantar o mandado injuntivo. E, tal proposta visava dar maior acesso à justiça e trazer a resolução mais célere para as lides.

 

A Lei federal 9.079?1995 publicada no DOU em 17.07.1995, instituiu, então, a ação monitória no ordenamento jurídico brasileiro e Marcos Vinícius Rios Gonçalves salienta ainda que "embora possa recordar em parte a antiga ação executiva, do CPC de 1939, as diferenças são tamanhas que se pode considerar a ação monitória como sendo uma novidade, desde o início o que trouxe perplexidades.

 

No cenário das reformas do CPC à época, a Lei 9.079/95 inseriu três artigos no Código Buzaid. Sobre a inclusão do instituto da ação monitória ocorrido com a referida reforma do CPC de 1973, cabe transcrever o que Elpídio Donizetti alude: " Na chamada reforma do Código, na qual se insere a mencionada lei, o legislador evitou alterar a estrutura do CPC, inclusive com renumeração de artigos, razão pela qual se optou por acrescentar três dispositivos com a seguinte indicação alfanumérica: 1.102a, 1.102b e 1.102c".

 

Os artigos referentes ao procedimento monitório depois vieram ser alterados ainda que parcialmente pela Lei 11.232/2005[11], passando a ter o seguinte teor, in litteris:

 

Art. 1.102.a

A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.

 

Art. 1.102.b

Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá de plano a expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de 15 dias.

 

Art. 1. 102.c[12]

No prazo previsto no art. 1.102.b, poderá o réu oferecer embargos, que suspenderão a eficácia do mandado inicial. Se os embargos não forem opostos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo e prosseguindo-se na forma do Livro I, Título VIII, Capítulo X, desta Lei.

 

§ 1º Cumprindo o réu o mandado, ficará isento de custas e honorários advocatícios.

§ 2º Os embargos independem de prévia segurança do juízo e serão processados nos próprios autos, pelo procedimento ordinário.

§ 3º Rejeitados os embargos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, intimando-se o devedor e prosseguindo-se na forma prevista no Livro I, Título VIII, Capítulo X, desta Lei.

 

Com o tempo, as situações não previstas, foram supridas pela jurisprudência principalmente pelos enunciados de súmulas do STJ. O que tornou imperativo que tais mudanças fossem incorporadas ao texto processual brasileiro[13].

 

E, assim, com CPC de 2015[14], a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, que entrou em vigor no ano de 2016, novidades foram acrescidas, que consagraram em verdade os entendimentos já ajustados nos Tribunais.

 

Natureza Jurídica

 

Doutrinariamente, a natureza jurídica da ação monitória é um tema bastante controverso. Na tentativa, então, de elucidar o busilis, faz-se necessária a exposição do conteúdo sobre o tema, tendo como base o pensamento dos principais juristas que já discorreram sobre a temática.

 

Há três correntes doutrinárias acerca do assunto: alguns autores afirmam ser um procedimento do processo de execução, ao mesmo tempo em que outros consideram ser um quarto tipo de processo, figurando ao lado dos processos cognitivo, executivo e cautelar.

 

Há ainda uma corrente que diga tratar-se de um procedimento especial do processo de conhecimento. A primeira corrente doutrinária defende que a ação monitória possui natureza executiva, tratando-se de um entendimento minoritário na doutrina brasileira e, dentre seus adotantes, está o magistrado Edilton Meireles.

 

Ele observa que, caso não ocorram embargos, a constituição do mandado injuntivo em título executivo não é aspecto a ser considerado para definição da natureza jurídica do instituto, visto que a decisão do juiz que ordena a expedição do mandado não finaliza o processo, não sendo, portanto, considerado sentença.

 

Vicente Greco Filho, o principal defensor brasileiro dessa teoria, assevera que:

      “A ação monitória é um misto de ação executiva em sentido lato e cognição, predominando, porém, a força executiva. Assim, apesar de estar a ação colocada entre os procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, sua compreensão, assim como a solução dos problemas práticos que apresenta, somente será possível se for tratada como se fosse processo de execução, ou seja, como uma espécie de execução por título extrajudicial”.

 

Não partilham desse entendimento os adeptos da segunda corrente de pensamento acerca da natureza jurídica da ação monitória.

 

Humberto Theodoro Júnior, importante doutrinador processualista da matéria, ensina que, no Brasil, tal concepção doutrinária teve apoio muito tempo antes da positivação do procedimento monitório.

 

Os juristas que aderem a essa tese afirmam que a ação monitória não se enquadra no processo de conhecimento, tampouco nos processos executivo e cautelar. Logo, cogitam se tratar de um novo tipo de processo que estaria ao lado dos outros três tipos reconhecidos tradicionalmente.

 

A origem desse entendimento encontra-se na obra do renomado jurista Francesco Carnelutti, que afirmava que o monitório constituiria um tertium genus, um tipo de processo intermediário entre o de cognição e o de execução, possuindo uma estrutura particular em que se o demandado não se opõe à ação, o juiz realiza uma cognição sumária, emitindo título executivo e, assim, culminando em execução forçada.

 

Já a corrente dominante em doutrina afirma ser a ação monitória um procedimento especial pertencente ao processo de conhecimento.  

Nesse sentido, Piero Calamandrei ensina que

   [...] a natureza do procedimento monitório, que tem a finalidade de “prover um título executivo rápido e pouco dispendioso”, fica por si mesma claramente definida; o mesmo não serve para fazer valer contra o devedor um título executivo já existente, mas serve para criar de modo rápido e econômico, contra o devedor, um título executivo que ainda não existe. Por conseguinte, é um procedimento de cognição, não de execução.

 

Defendem essa tese os juristas Nelson Nery Junior e Rosa Ney, para os quais “a ação monitória é ação de conhecimento, condenatória, com procedimento especial de cognição sumária e de execução sem título. Sua finalidade é alcançar a formação de título executivo judicial de modo mais célere do que na ação condenatória convencional”.

 

Assim, compreende-se que o procedimento monitório é de natureza cognitiva, visto que se destina a proporcionar o mesmo resultado que seria alcançado pelo procedimento comum, a obtenção de título executivo.

 

Resta, assim, estabelecido pela doutrina majoritária[15] que a natureza jurídica da ação monitória se trata de um procedimento especial do módulo processual de conhecimento.

 

Inovações da ação monitória trazidas no CPC/2015 que tiveram origem em 2009, por iniciativa do então Presidente do Senado brasileiro, José Sarney, o Ministro do STJ Luiz Fux, presidira uma Comissão de Juristas convocada para redigir um Novo Código de Processo Civil. Já no ano seguinte foi apresentado o respectivo Anteprojeto que fora submetido ao crivo da Comissão de Constituição e Justiça do Senado brasileiro.

 

Nessa ocasião Bruno Freire e Silva comentava que não concordava com a exclusão da ação monitória. E, a opção de manutenção da monitória poderia ser realizada e fortalecida, outrossim, com a redução de rol de títulos executivos, cuja quantidade em comparação com outros países, tal como a Itália é extremamente extensa.

 

A partir desse comentário do doutrinador, conclui-se que a ação monitória não havia sido recepcionada no Anteprojeto do CPC, e que nos faz crer em sua possível supressão.  Apesar de ser um instituto quase que excluído do CPC, a ação monitória está atualmente disciplinada nos artigos 700 ao 702. E, estendeu-se sua regulamentação e ampliou os limites de cabimento da ação para o aperfeiçoamento dos instrumentos de jurisdição contenciosa vinculados ao adimplemento de obrigações.

 

O rol de cabimento para a propositura da monitória fora ampliado significativamente, se comparado com o CPC de 1973, que previa o ajuizamento apenas para credor de quantia em dinheiro, entrega de coisa fungível ou bem móvel. Assim, é possível também contemplar o adimplemento de obrigações de fazer ou não fazer.

 

Vale a pena apontar a lição de Daniel Amorim Assumpção Neves, que comentou in litteris:

      "Segundo disposição do artigo 700 do Novo CPC, a admissibilidade da demanda monitória está condicionada à existência de uma prova escrita sem eficácia de título executivo e limitada às obrigações de pagamento em soma de dinheiro, entrega de coisa (fungível ou infungível) ou de bem (móvel ou imóvel) e adimplemento de obrigação de fazer ou não fazer."

 

Verifica-se, no entanto, que não aumentou a possibilidade de cognição da prova no juízo instrutório, mas inovou am ampliar sua instrução. Pois também poderá ser a prova oral documental, não só produzida antecipadamente na forma do artigo 381 do CPC, assim como em Ata Notarial[16].

 

Inovação relevante, ainda, é a "prova oral documentada", prevista no parágrafo único do artigo 700 do CPC, segundo o qual poderá ser obtida por intermédio da nova "ação probatória autônoma"[17] (artigo 381 e seguintes CPC), que nada mais é que uma ação para produção de provas que prescinde de urgência, desprovida de caráter cautelar, portanto.

 

Neste sentido, cumpre esclarecer que, segundo Carlos Alberto Carmona apud Ravagnani, a witness statement é um documento que contém a narração de fatos relativos a uma ou mais questões debatidas em determinadas disputas. Seu propósito específico é o de produzir prova sobre os fatos descritos.

 

Carmona apud Ravagnani ainda aponta que "os advogados norte-americanos são bastante enfáticos ao recomendar que o depoimento documentado – cuja minuta eles mesmos encarregam de preparar- seja abrangente e limite-se a narrar fatos, evitando opiniões.

 

É comum que o advogado da parte interessada entreviste exaustivamente o depoente, produzindo uma minuta de declaração que a testemunha é convidada a ler e conferir para ter certeza que tudo o que ali consta reflete exatamente o relato dos fatos. Estando o depoente satisfeito com a minuta, deverá assinar o documento e atestar, ao seu final, que as afirmações ali constantes são verdadeiras e exatas (falsas afirmações podem gerar demandas com base em "contempt of court')."

 

Caso sejam obedecidos e observados integralmente os princípios do contraditório e do devido processo legal e caso sejam verificados os elementos constantes do artigo 700 do CPC, não nos parece ser despropositado o ajuizamento de ação monitória lastreada em depoimento pessoal e relator testemunhal escrito, colhido extrajudicialmente, tal qual a witness statement. (In: RAVAGNANI, Giovani dos Santos. Análise Comparada Entre a ação monitória no Código de Processo Civil de 1973 e no Novo Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.mondaq.com/brazil/civil-law/440472/anlise-comparada-entre-a-ao-monitria-no-cdigo-de-processo-civil-de-1973-e-no-novo-cdigo-de-processo-civil  Acesso em 22.11.2020.).

 

O CPC de 1973 em sua versão original não tratou do procedimento monitório, nem contemplou especificamente de ações cominatórias, embora não tenham estas últimas desaparecido completamente de nossa legislação processual, tendo o credor de se valer do processo de conhecimento para primeiramente, constituir um título executivo judicial e, em seguida, passar à fase de execução.

 

Com o advento das Leis 10.358/2001, a 10.444/2002 e 11.232/2005 foram introduzidas grandes alterações ao processo de execução, tais como o da competência para execução de título judicial; a revogação do artigo 584, 588 e 604 do CPC, deslocando o elenco de títulos judiciais para o artigo 475-N e a execução provisória para o artigo 475-O, o de execução para entrega de coisa, fundada em título extrajudicial (arts. 621, 624 e 627), a execução de obrigação de fazer ou não fazer (art. 644) a penhora (art. 659).

 

O cumprimento da sentença passou então a ser simples ato do processo em que haja uma obrigação, não sendo mais necessário um novo processo, uma nova relação processual de execução.

 

O processo doravante sincrético, não se encerra apenas com a sentença condenatória. Esta exaure apenas a primeira fase (a de conhecimento), a segunda fase é simples ato do processo já em curso, o cumprimento do julgado, na mesma relação processual.

 

E, atendendo  aos interesses da sociedade e aos reclamos de tutelar prontamente o direito subjetivo do credor desprovido de título executivo, sem a necessidade de submissão de sua pretensão ao prévio processo de conhecimento veio à luz o procedimento monitório com o advento da Lei 9.079/1995, colocando-a dentro do CPC, sob a rubrica de “Da ação monitória”.

 

Já o CPC de 2015 inseriu o referido procedimento no Livro I (Do Processo de Conhecimento e do cumprimento de sentença) Título III (Dos Procedimentos Especiais, Capítulo IX (artigos 700 a 702).

 

No procedimento monitório puro permite-se que a ordem judicial de pagamento seja expedida, sem audiência do devedor (réu) e sem a existência de prova escrita do débito, enquanto que no procedimento monitório documental se pressupõe que os fatos constitutivos do crédito estejam provados mediante documento.

 

No primeiro, a ordem de pagamento perde toda eficácia pela simples oposição não motivado do réu(devedor). A apresentação de embargos monitórios já é suficiente para paralisar em definitivo o procedimento monitório. Não havendo embargos, a ordem de pagamento se converte naturalmente em mandado executivo.

 

Já, no segundo, a oposição pelo réu(devedor) tem que ser motivada e, embora não faça cair o mandado de pagamento tem o efeito de abrir um juízo contraditório de cognição exauriente.

 

A legislação da Alemanha, da Áustria e da Suíça conhecem as duas espécies de procedimento monitório: o puro e o documental, destinando-se o pedido de condenação tendente ao adimplemento de obrigações de dar que tenham por objeto a prestação de dinheiro ou entrega de coisa fungível[18].

 

Não existe consenso em doutrina quanto à distinção entre bem e coisa. Desta forma, coisa é gênero enquanto que bem é espécie. Coisa é tudo que existe com exceção do homem. Os bens são coisas úteis, suscetíveis de apropriação e que possuem valor econômico. Aliás, nesse sentido, os conceitos de bens e coisas, enquanto objeto do direito, sempre dividiram a doutrina clássica pátria.

 

Caio Mário da Silva Pereira, por exemplo, afirmava que: "Bem é tudo que nos agrada" e diferenciava: "Os bens, especificamente considerados, distinguem-se das coisas, em razão da materialidade destas: as coisas são materiais e concretas, enquanto que se reserva para designar imateriais ou abstratos o nome bens em sentido estrito". Para esse doutrinador, os bens seriam gênero e as coisas espécies.

 

Para Silvio Rodrigues, coisa seria gênero, e bem seria espécie. Para ele, "coisa é tudo que existe objetivamente, com exclusão do homem". Os "bens são coisas que, por serem úteis e raras, são suscetíveis de apropriação e contêm valor econômico". A última diferenciação foi adotada pelo Código Civil de 2002.

 

O procedimento monitório puto (Mahnverfahren) independe de prova documental da obrigação. Através de simples petição escrita ou oral do credor, o juiz, sem ouvir o réu(devedor), decreta contra esta uma ordem para o pagamento com a advertência de que poderá apresentar impugnação escrita ou oral ao pedido.

 

Não é necessário que a impugnação venha fundamentada, basta impugnar a ordem para que esta perca toda e qualquer eficácia. Não sendo a ordem impugnada, o mandado adquire eficácia de título executivo, salvo se o devedor (réu) provar que não a ofereceu devido a acontecimento imprevista ou inevitável. Neste caso, admite-se a defesa da restitutio in integrum.

 

Caso não seja admitida a defesa, o mandado de pagamento adquire força de título executivo. Havendo a impugnação a ordem de pagamento perde toda eficácia e o credor, para fazer valer o seu direito terá de formular novamente sua pretensão, respeitadas as formas ordinárias, salvo se o pedido primitivo não o tenha cumulado.

 

Se cumulou, a oposição do réu (devedor) transforma o provimento em simples citação, faz cessar o valor do decreto, dá lugar a um processo ordinário, ocupando o devedor a posição do réu.

 

O procedimento monitório documental exige a apresentação de prova escrita a apresentação de prova escrita, que é seu fundamento, visando a rápida formação do título executivo, com a inversão do contraditório.

 

Conforme aduziu Calamandrei, a ordem de pagamento é emanada inaudita altera pars, deixando ao réu (devedor) a iniciativa de instaurar o contraditório. O processo se caracteriza pela inversão do contraditório, pois é do réu a iniciativa.

 

Enquanto que no processo de conhecimento parte-se da dúvida e incerteza dos fatos alegados pelo autor, embora se presumem verdadeiras alegações ante o silêncio do réu.

 

O contrário, acontece na monitória, onde parte0se da plausibilidade do direito pretendido, a partir da verossimilhança dos fatos que o amparam, cabendo o réu, o ônus de demover o status quo do credor.

 

Carreira Alvim critica essa posição, com razão, anotando que se transfere ao réu apenas a iniciativa do contraditório, não o ônus da prova, que continua a cargo de cada uma das partes como no procedimento comum. Confere aos embargos a natureza de simples defesa, com fim de neutralizar temporariamente, a eficácia do mandado liminar impedindo a constituição do título executivo.

 

Cumpre observar que o procedimento injuntivo não há propriamente uma demanda. Nele é incompatível a instrução configurada na suposição de que o devedor não vá se opor ao crédito.

 

Diferentemente do procedimento monitório puro no qual a oposição tolhe o efeito do mandado, no documento o provimento liminar não perde seu valor com o ajuizamento dos embargos antes conserva sua importância como título executivo e a sentença, se julgados improcedentes não têm força executiva, só transmite liberação de eficácia daquele provimento.

 

Os embargos do devedor não convertem o procedimento monitório para o comum; são verdadeira ação, instaurando um processo novo, posicionando o embargante como autor, visando a desconstituição do título, por ser nulo ou inexistir o direito afirmado na injunção.

 

O procedimento monitório documental na legislação germânica ununderprozess inicia-se por petição escrita devidamente acompanhada de documentos hábeis a comprovar o crédito do autor, diversos, naturalmente, do título executivo.

 

Nesse procedimento, o réu (devedor) é citado para pagar ou defender-se (pelos embargos). Se a contestação não é baseada em documentos, mas em outros meios como o testemunhal ou pericial, a condenação por sentença condenatória com reserva, o que não impede que o réu (devedor) renove as suas exceções e prova-las por provas admitidas em direito.

 

A sentença condenatória sob reserva é título executivo provisório que pode ser utilizado pelo credor, mas se vier ser depois reformada ou anulada, dispõe que o réu de ação de indenizatória pelos danos sofridos em face de execução indevida.

 

De acordo com as legislações processuais contemporâneas, existem duas espécies de procedimentos monitórios: o puro, cuja deflagração depende apenas da afirmação de crédito feita pelo autor; basta a palavra do autor afirmando-se credor; e o procedimento monitório documental, cuja deflagração, o seu início, depende não apenas da afirmação de o credor ser titular daquela relação de crédito, mas da apresentação de algum documento que reforce essa afirmação de crédito.

 

Procedimento monitório brasileiro

 

Trata-se de uma das mais importantes formas de procedimento diferenciado cujo objetivo é dar maior efetividade do processo. Não se trata de instituto inédito, tendo mesmo surgido no Direito romano canônico, passando para o direito luso-brasileiro, no Regimento 737 que vigeu até o advento do CPC de 1939 que suprimiu o instituto, como também o CPC de 1973 em seu cariz originário.

 

Quase em todas as legislações do Direito romano-germânico o procedimento monitório fora acolhido, mas no Brasil, por entender que o rol de título executivos judiciais e extrajudiciais é bastante amplo, havendo quem o achasse desnecessário.

 

Sua reintrodução ocorreu pela Lei 9.079/1985 apresentava o procedimento monitório e, posterior, José Rogério Tucci o recomendava em sua doutrina.

 

A legislação brasileira o adotou com o fito de proporcionar ao jurisdicionado, a formação de um título executivo no prazo mais célere que possível. Visa abreviar de forma inteligente e hábil o caminho para a formação do título executivo, contornando o moroso procedimento ordinário.

 

O procedimento monitório é indicado para litígios relativamente simples, supondo de antemão que o credor (autor) tenha a inexistência do réu (devedor).

 

A maior relevância do procedimento monitório é simplesmente a de assegurar o exercício do direito à adequada tutela jurisdicional, ou na lição de Marinoni, é viabilizar o acesso à via executiva sem as delongas tradicionais do procedimento ordinário.

 

Os direitos podem ser demonstrados através de prova escrita merecedora de fé pelo juiz, com alto grau de probabilidade. A favor do crédito e do credor está a verossimilhança do crédito fornecida pela prova pré-constituída embora não enriquecida pela certeza.

 

O caminho do procedimento monitório, que consiste, essencialmente, em um mecanismo sumário, capaz de munir o credor de título executivo através da inversão do contraditório.

 

O procedimento monitório muito se aproxima do procedimento dos Juizados Especiais. Com o procedimento monitório, a prova escrita é necessária para o manejo suficiente para a formação de um juízo de vidência, que não exija, do juiz, atividade complexa.

 

O documento pode ser desprovido de certeza absoluta, mas inspira fé quanto sua autenticidade e eficácia probatória. Para se chegar à sua liquidez, usa-se a operação aritmética simples.

 

Com a devida vênia em face de opiniões contrárias à monitória não é obrigatória as veio fornecer a quem busca tutela jurisdicional rápida e eficaz, não se podendo obrigar aqueles que abrem mão desse favorecimento, permitindo-se a escolha entre o procedimento monitório e o procedimento comum do processo de conhecimento.

 

Segundo o artigo 700 do CPC percebeu-se que o legislador pátrio ampliou sobejamente a incidência da monitória podendo ser proposta por aquele que afirmar com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, ter o direito de exigir do devedor capaz: a) pagamento em dinheiro; b) entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel; c) o adimplemento de obrigação de fazer ou não fazer. Incluiu-se a coisa infungível e o bem imóvel e, a obrigação de fazer e não fazer.

 

A prova escrita poderá ser prova oral documentada produzida antecipadamente nos termos do artigo 381 CPC. O requisito da petição inicial previstos no artigo 700, §2º do CPC devendo o autor explicitar a importância devida, instruindo-a com a memória de cálculo onde deve constar o valor atual da coisa reclamada; o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido.

 

O valor da causa da ação monitória deverá corresponder a importância devida. O desatendimento de tais regras do artigo 700, §2º CPC, além das hipóteses do artigo 330 ensejará o indeferimento da peça exordial.

 

 

 

 

 

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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