Dentre os fatos humanos, há os que são voluntários e os que independem do querer individual. Sendo os voluntários, caracterizados por serem ações resultantes da vontade, vão constituir a classe dos atos jurídicos desde que se revestirem de certas condições impostas pelo direito positivo.
Porém nem todas as ações humanas se constituem em atos jurídicos, porém apenas as que traduzem a conformidade com a ordem jurídica, esclarece o brilhante professor Caio Mário da Silva Pereira.
Define o Código Civil, que ato jurídico é todo o ato lícito que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, ou extinguir direitos (vide o atual art. 185 do CC ou o antigo art. 81 do CC de 1916).
Para ser válido o ato jurídico, para ser ato jurídico perfeito requer agente capaz, objeto, lícito, possível, determinado ou determinável e, ainda prescrita em lei ou pelo menos não vedada em lei (art. 82 do CC de 1916 ou art. 104 do CC).
Pela sistemática brasileira, o ato jurídico e negócio jurídico são expressões equivalentes, alguns servem esta última para significar o ato especificamente decorrente de declaração de vontade partida do agente.
O ciclo vital do direito à guisa do ciclo da própria vida prevista na natureza que nos cerca, também nasce, desenvolve-se e extingue-se, essas fases ou momentos decorem de fatos que são denominados fatos jurídicos, exatamente por produzirem efeitos jurídicos.
Fatos jurídicos são, na definição de Savigny, são acontecimentos em virtude dos quais as relações de direito nascem e se extinguem.
Os fatos (lato sensu) podem ser classificados em: fatos naturais (fatos stricto sensu) e fatos humanos (atos jurídicos lato sensu).
Os fatos naturais se dividem em ordinários (nascimento, morte, maioridade, decurso do tempo) e extraordinário (terremotos, raio, tempestades e outros fatos que em geral incluídos nos casos fortuitos ou força maior).
Os fatos humanos dividem-se em lícitos e ilícitos.
Os lícitos são os que a lei defere os efeitos almejados pelo agente.
Praticados em conformidade com o ordenamento jurídico, produzem os efeitos jurídicos voluntários, desejados pelo agente.
Ilícitos ainda que contrários ao ordenamento jurídico, mesmo assim repercutem na esfera jurídica produzindo efeitos involuntários (quando não dolosos) impostos por esse ordenamento.
Aliás, o vigente Código Civil Brasileiro traz novidade muito curiosa no que tange ao art. 185, responsável pela inclusão dos atos jurídicos lícitos, resultado da vitória de Miguel Reale sobre Caio Mário da Silva Pereira, na acirrada polêmica sobre o correto sentido do conceito de “ato jurídico”.
A boa parte da doutrina não considerada como jurídico o ato ilícito, embora este produza efeitos como a responsabilidade civil.
Hoje, se admite que os atos ilícitos integrem a categoria dos atos jurídicos, pelos efeitos que produzem (geram a obrigação de reparar o prejuízo) vide o antigo art. 159 do CC de 1916 ou o art. 186 do CC.
Os atos lícitos ainda dividem-se em: stricto sensu (ou meramente lícitos) e o negócio jurídico. Ambos existem uma manifestação volitiva amparada pela lei e capaz de gerar efeitos (jurígenos).
No ato jurídico, o efeito da manifestação de vontade está predeterminado em lei (como por exemplo, a notificação que constitui em mora o devedor, notificação para rescisão contratual).
Porém, às vezes o efeito do ato jurídico não é buscado e nem imaginado pelo agente, mas decorre de uma conduta que sofre uma
sanção pública.
Ato jurídico é potestativo é imposto inderrogável, pois que engendra efeitos na esfera de interesses independentes de sua vontade.
O fundamento do ato jurídico é a vontade real do sujeito que se declarou nas condições definidas em lei, capaz de produzir imediata ou futuramente, determinado efeito, como criar, conversar, alterar, transferir ou extinguir direitos ou obrigações.
Desse modo, vontade e declaração integram o ato jurídico, porque vontade indeclarada, de propósito oculto, e irrelevante para o direito, e declaração sem vontade real, como a resultante de dolo ou do erro, não cria vínculos jurídicos.
Correm no campo da doutrina duas teorias são capazes de justificar continuamente o ato jurídico: a teoria da vontade e a da declaração.
A teoria da vontade, liderada por Savigny, diz que a declaração é simples sinal exterior da vontade real, devendo, portanto ser pesquisada, nos seus verdadeiros propósitos, através dos disfarces ocorrentes e possíveis das palavras e dos símbolos.
Tal pesquisa da vontade seria assaz auspiciosa e dificílima.
A teoria da declaração rebela-se porque se substitui a vontade psicológica pela vontade formal jurídica que na declaração se concretiza, eliminadas, desse modo, as auspiciosas sondagens da vontade real de caráter interno e subjetivo. Também levada ao extremo, a teoria da declaração desfecharia num literalismo grosseiro e não aceitável.
Por agente capaz entende-se é aquele que se encontra perante a lei em condições de declarar sua vontade. A capacidade exigida aqui não é só a geral, mas também a especial. Ressalte-se que a capacidade civil desceu para 18 anos.
Além dos tipos clássicos de capacidade, a de direito e a de fato, há também a capacidade negocial e a especial. A capacidade negocial é aquela exigida como um plus, além da genérica, para realização de atos jurídicos específicos. O referencial não é etário, as vezes são circunstâncias culturais tais como saber ler e escrever, ouvir, e, etc.
Capacidade especial é a aquela exigida para a realização de determinados atos, normalmente fora da esfera do Direito Privado.
Aqui, o referencial será a idade que pode ou não coincidir com a maioridade civil. Assim, para votar e casar é 16 anos, para movimentar contas bancárias é 16 anos, para o serviço militar é 17 anos, e, etc.
Pessoas existem, porém, a quem a lei não reconhece a capacidade de agir ou de exercício.
São os absolutamente incapazes, a saber: (art.3º.do CC) Os menores de 16 anos , os que por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos, os que, mesmo por causa transitória não puderem exprimir sua vontade (como o surdo-mudo inexpressivo, ausentes).
Os relativamente incapazes são (a saber: previsto no art. 4º.do CC) os maiores de dezesseis e menores de 18 anos; os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, (pelo Decreto 891, de 25 de novembro de 1938, e os psicopatas pelo art. 26 do Dec. 24.559, de 3 de julho de 1934), art.1.185 do CPC/1973 correspondente ao artigo 756 do CPC/2015.
Os toxicômanos pela Lei 4.294/21, foram equiparados aos psicopatas, criando o Dec-Lei 891/38, no art.30,§ 5º, duas espécies de interdição, conforme o grau de intoxicação(limitada, que é similar à interdição dos relativamente incapazes, e a plena, semelhante à dos absolutamente incapazes), e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; os excepcionais, os pródigos. Ressalva ainda em parágrafo único que a capacidade dos índios será regulada por legislação especial. (Lei 6.001, de 19/12/73 Estatuto do Índio, CF/88, arts.22, XIV, 49, XVI,
129, V, 210 §2º, 232, 109, XI, 231, 176 §1º).
É importante frisar que no direito pátrio não existe incapacidade de direitos, porque todos se tornam, ao nascer com vida, capazes de adquirir direitos. Existe tão somente incapacidade de fato ou do exercício (art. 2º, do CC). A capacidade é a regra e a incapacidade a exceção.
A incapacidade descrita nos incisos II e III, do art. 3º, mister se faz que haja manifestação judicial a respeito.
Ratifica o novo codex civil que ao nascituro possui uma expectativa de direito. Ocorrendo a personalidade jurídica, a pessoa torna-se sujeito de direito, transformando-se em direitos subjetivos as expectativas de direito que a lei lhe havia atribuído na fase de concepção. Inclusive para Arnold Wald, o nascituro teria personalidade condicional.
Correspondendo a incapacidade numa restrição legal ao exercício de atos da vida civil, restrição de caráter protetora, pois que a vontade dos incapazes nem sequer é autêntica às suas necessidades.
Em diversos dispositivos na sistemática civil brasileira demonstram o sistema de proteção aos incapazes, como por exemplo, o poder familiar (ex- pátrio poder), a tutela, curatela, à prescrição e outros.
Nesta proteção não está incluída a restitutio integrum (benefício de restituição), pois se o negócio jurídico for validamente celebrado (com observância de todos os requisitos de representação, e da assistência) não se poderá anulá-lo, mesmo que posteriormente, demonstre ser prejudicial ao menor.
Incorporou-se o instituto da lesão enorme e enormíssima como causa invalidante do negócio jurídico, o que já havia sido feito pelo CDC o Código de Consumidor, explicitou-se a representação, a reserva mental, o abuso de direito e da prova[1] dos fatos jurídicos. Manteve-se a influência pandectista para a conceituação do negócio jurídico.
As incapacidades podem ser supridas por meio da representação que ocorre quando alguém autorizada pela lei, pratica os atos jurídicos em nome do incapaz.
São representantes legais: o pai e a mãe dos filhos menores de 16 anos, é o tutor dos órfãos menores impúberes, é o curador, dos insanos com maioridade, os surdos-mudos, e etc. Os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado.
É anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo. (ex vi art.117 CC).
O representante é obrigado provar às pessoas, com quem tratar em nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem.
É anulável o negócio concluído em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou.
O prazo a contar da conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade, é de 180 dias, o prazo de decadência para pleitear-se a anulação prevista neste artigo (ex vi art. 119 do CC).
Os relativamente incapazes têm a incapacidade suprida ou pela assistência ou pela autorização (ato pelo qual o relativamente incapaz obtém a autorização de quem legalmente pode concedê-la para realizar certo ato jurídico).
Ao declarar sua vontade, o agente dá seu consentimento ao negócio, que não pode ser prejudicado por nenhum dos defeitos do ato jurídico tais como o erro, dolo, coação, e a simulação.
No dizer de Fiúza defeito é todo vício que macula o ato jurídico, tornando-o passível de anulação. Os mais graves defeitos, viciam o ato de forma definitiva e os menos sérios podem ser remediados pelas partes interessadas.
São previstos no art. 166 do CC, in verbis:
“É nulo o negócio jurídico quando: I celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV não revestir a forma prevista em lei; V for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a validade; VI tiver por objetivo fraudar a lei imperativa; VII a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.”
São defeitos relativos ou leves os listados no art.171 do CC, a incapacidade relativa doa gente do agente, os vícios do consentimento (erro, dolo, coação) o estado de perigo, a lesão e a fraude contra credores, além de outros, previstos na legislação de maneira difusa.
Por objeto do ato jurídico deve ser lícito, possível (ou seja, ter natureza e existência judicialmente reconhecida). Se for impossível o objeto, seja física ou juridicamente, dar-se-á a nulidade absoluta do ato jurídico.
E em boa hora, o Código Civil de 2002 acrescenta o que já ermitava consagrado em doutrina, há de ser o objeto lícito, possível, determinado ou determinável que atende à clareza do negócio.
Quanto à forma dos atos jurídicos convém ressaltar os que integram a substância do ato (a forma ad solemnitatem) tais como a escritura pública para a alienação de bem imóvel, o testamento; e os que se revestem de formalidade ad probationem tantum que é exigida apenas como prova do ato, por exemplo, o assento do casamento no livro de registro art. 1.536 do CC.
Todavia, existem os atos ditos não solenes ou de forma livre, não reclama nenhuma formalidade para seu aperfeiçoamento podem ser inclusive celebrados pela forma verbal.
Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. (art.108 CC). Continua a ser a forma livre do ato a regra, e a exceção à forma especial ou solene que a lei ou o próprio negócio jurídico exigir. (ex vi art. 109 CC).
Algumas vezes, a forma é essencial à validade do ato e em outras é simplesmente um meio de prova, se a formalidade é da essência do ato, este não valerá, por exemplo, quanto aos débitos inferiores a dez vezes o salário mínimo, o CPC admite a prova exclusivamente testemunhal (art.401 CPC/1973 correspondente ao artigo 443 do CPC/2015), mas a existência do contrato independe da forma escrita e desde que as partes cumpram as suas obrigações o contrato mesmo de valor superior a dez salários mínimos será perfeito e acabado, embora não tenha a forma escrita.
A nova legislação trazida distinção entre as formalidades exigidas pelo ato para sua existência e as que são exigidas para prová-lo.
O CC de 2002 traz dois novos institutos como causa de invalidação do negócio jurídico, o estado de perigo (art. 156 CC) e a lesão (art.157 CC). Configura-se o estado de perigo quando alguém, por exemplo, vende um bem imóvel por preço vil, em razão de premente cirurgia de uma pessoa de sua família. Tal venda poderia ser anulável por se encontrar o vendedor em estado de perigo.
Já a lesão à pessoa assume uma prestação desproporcional em função de premente necessidade ou inexperiência. Tal instituto tende a evitar negócios jurídicos onde impera a má fé de uma das partes, onde não ocorre a observância do princípio da boa fé objetiva.
O negócio, contudo, pode ser convalidado e for ofertado suplemento suficiente, ou se a parte favorecida estiver de acordo com a redução do proveito.
Apreciações sobre o fato e o direito
Do brocardo jus ex facto oritur sublinha-se a relação de criação existente entre direito e fato. Nas palavras de M. Virally há entre eles uma relação dupla. Também há entre eles uma relação de aplicação: o direito se realiza nos fatos. É mais evidente ao observarmos a atuação do juiz que aplica aos fatos as regras de direito que os regem.
Deve-se investigar como pode passar de uma certa situação fática para a regra de direito, ou vice-versa. Há um constante vaivém do direito aos fatos, registre-se a vocação dos fatos para serem regidos pelo direito e sendo este destinado a reger os fatos.
É justificável, portanto que quando o direito e o fato sejam isolados um do outro em numerosos mecanismos jurídicos, como a prova, o princípio do dispositivo, o controle de constitucionalidade e, etc. e que sejam muito frequentemente confundidos na realidade, quando se trata de apreender situações concretas no sistema jurídico.
Na via traçada e consagrada pelos juristas desde a Antiguidade continuando adentro da Idade Média, o raciocínio jurídico continua baseado no silogismo sendo este um suporte genérico para qualquer aplicação do direito.
Segundo o Dicionário Básico de Filosofia de Hilton Japiassú e Danilo Marcondes in litteris: o silogismo (do latim syllogismus, do grego syllogismos) Método de dedução de uma conclusão a partir de duas premissas por implicação lógica.
Para Aristóteles, considerado o primeiro formulador da teoria do silogismo, “o silogismo é um argumento em que, estabelecidas certas coisas, resulta necessariamente delas, por serem o que são, outra coisa distinta do anteriormente estabelecido.” (Primeiros analíticos, I, 24). Ex: “Todos os homens são mortais, todos os gregos são homens, logo, todos os gregos são mortais”.
A conclusão se obtém assim por um processo de combinação dos elementos contidos nas premissas através do termo médio (no exemplo, “homens”), que permite relacionar os outros termos (no exemplo; “gregos” e “mortais”) aí contidos formando uma nova proposição. Segundo as regras do silogismo não é possível que as premissas sejam, verdadeiras e a conclusão seja falsa.
Aristóteles classifica todos os tipos possíveis de silogismos válidos em três figuras ou esquemas. Na primeira figura, o termo médio é sujeito na premissa maior (a que contém o termo de menor extensão); na 2ª, o termo médio é predicado em ambas as premissas; na 3ª, o termo médio é sujeito em ambas as premissas.
Atribui-se ao filósofo e médico Claudico Galeno (c.130-c. 200) uma 4ª, figura em que o termo médio é predicado na premissa maior e sujeito na menor. No exemplo acima, temos um silogismo categórico, em que as premissas as asserções, isto é, proposições que afirmam ou negam algo.
Podemos ter também silogismos modais cujas premissas são proposições que envolvem modalidade e silogismos hipotéticos, cujas premissas incluem proposições hipotéticas.
A teoria do silogismo de Aristóteles sofreu uma série de modificações e desenvolvimentos na escola aristotélica e na escolástica. No período moderno sua importância vai sendo progressivamente menor até dar lugar no séc. XIX à lógica matemática e aos cálculos proposicionais e dos predicados formulados inicialmente por Frege.
A premissa maior é a regra de direito e, a menor o caso concreto. A conclusão oriunda da comparação; constitui a sentença pela qual se aceita ou se rejeita a aplicação, no caso concreto, do efeito jurídico implicado pela maior.
A determinação de quais as regras jurídicas aplicáveis aos fatos pressupõe que tais fatos estejam estabelecidos e qualificados para que possam ser apreendidos pelo sistema jurídico. E seus efeitos jurídicos expressam a reação do direito positivo à situação que eles representam.
A dificuldade essencial reside na determinação das premissas, a lei leva em consideração um fato, um leque de circunstâncias no qual é colocado o homem, para daí se extrair as consequências jurídicas.
O fato primeiro é o ato humano que se prende por causalidade ao efeito jurídico que, conforme os casos, foram deliberadamente buscados ou, ao revés, não foram desejados.
Se for estabelecido o homicídio, seu autor é passível de pena de reclusão criminal.
Diferentemente do que acontece, por exemplo, com uma lei física, a realização de um efeito jurídico supõe a reunião de várias e complexas condições.
Com os fenômenos físicos, o efeito é automático já o vínculo de causalidade entre o fato e o direito opera-se somente no plano das representações intelectuais. Na órbita jurídica, o efeito não segue inevitavelmente a causa, o homicida nem sempre é descoberto, preso e condenado, apesar do fato ser absolutamente punível.
Ademais, o fato não produz sozinho, os efeitos de direito. É curial que exista uma regra jurídica que se aplique a tais fatos, e então tais efeitos e assim se construa a premissa maior do silogismo.
É necessário também que a autoridade determine a regra aplicável a esses fatos e extraia deles suas consequências.
Com as premissas, erguem-se duas principais dificuldades: uma para determinar a menor, a situação de fato que tem de ser estabelecida.
E, para detectar a maior, identificar nessa situação noções, regras e instituições jurídicas, ou seja, conceituá-las.
A prova, a priori, parece ser um mecanismo lógico de verificação da realidade de um fato ou de uma alegação. Tal concepção de prova despreza o contexto e a objetividade da prova judiciária e que a diferencia da prova científica.
Na Ciência do Direito, a investigação da verdade é muitas vezes ocultada por imperativos da segurança jurídica.
O objetivo da prova é maior que convencer o juiz do que o de estabelecer a verdade objetiva. A verdade é investigada na paixão do processo que se traduz num processo dialético. E não na serenidade fria de um laboratório.
A prova é administrada dentro dos limites de um prazo razoável necessário à intervenção de uma decisão e para qual deve ser considerada suficiente ou insuficiente. Já que, ao juiz não é permitido sob pena de denegação de justiça, abster-se de julgar.
“A prova judiciária não é como a científica obra de um pesquisador que a concebe e testa. A prova judiciária é resultado do concurso de várias pessoas, o juiz e as partes.(Lévy-Bruhl Aspects sociologiques du droit, M. Riviére et Cie, 1955).
Uma análise crítica do direito da prova baseada no efeito das técnicas jurídicas da prova e não nas finalidades do direito da prova que se concentra mais na legitimidade dos mecanismos de prova do que propriamente na investigação da verdade real e objetiva.
A existência de provas pré-constituídas e a determinação do ônus da prova servem para legitimar decisões judiciais ainda que a verdade processual ou judiciária seja tão somente uma verdade relativa e condicionada.
A prova com o objetivo central a criação de uma convicção no juiz foi por muito tempo uma “prova mística” notadamente em matéria penal.
Nas sociedades primitivas a prova era um apelo aos deuses, aos poderes sobrenaturais para lhes pedir que apontassem o culpado; consistente nas “ordálias”, nos juízos de Deus, onde as provas eram impostas aos suspeitos para se conhecer a verdade.
Nos julgamento de Deus aquele que triunfar nessas provas, é porque Deus assim o designou como quem diz a verdade ou defende uma causa justa. Tais julgamentos foram praticados até o Concílio de Latrão (1215) e até hoje as ordálias são praticadas em algumas sociedades primitivas. E o juramento se inspira no mesmo espírito.
Nas ditas sociedades evoluídas, o sistema de provas racionais substituiu progressivamente o sistema de provas místicas. O progresso culminou ou com a abolição da tortura e a rejeição da soberania absoluta da confissão (regina probatorum) em direito penal.
Os progressos tecnológicos e científicos demonstraram que tanto na seara cível como a penal, a fragilidade dos depoimentos, o valor dos indícios, a qualidade de novos meios de prova que já não visam apenas a convencer o juízo, mas também estabelecer a realidade objetiva.
Duas concepções de provas persistem possíveis conforme nos atermos à convicção do juiz baseado (no conjunto das informações que lhe puderam ser dado) ou exigimos verdadeiras provas materiais, diretas e objetivas conforme os moldes pré-constituídos.
Em toda matéria, não basta ter razão, ser titular de um direito ou estar em certa situação jurídica; é curial prová-lo; na ausência de provas, tudo passa como se o direito ou a situação invocada não existisse ou como se a pessoa estivesse errada.
Alegado e não provado; tratar-se-ia de mera alegação infundada. As noções distintas de direito e prova cuja independência se firma na proporção da liberdade de prova[2].
Portanto, quanto maior for a maleabilidade do direito da proba, sendo maior liberdade de prova, mais a prova se aproximará da verdade. Porém, a liberdade favorece aos excessos, atrasos e falsas provas; falso testemunho e outras falsificações.
Conforme o particular das matérias, cumpre ao direito modular as provas levando em contra a aptidão ou a resistência dos fatos à prova, conforme a natureza deles.
Certos fatos se furtam à prova, à míngua dos meios de investigação suficientemente seguros. Outros fatos escapam, pois ocorrem sem testemunhas, e não deixam vestígios, são cobertos pelo sigilo profissional ou técnico, e não se prestam bem a uma estimativa ou ainda, colidem com a consciência individual.
De certo quando a prova é dificílima ou impossível o direito renuncia à prova e recorre a presunções cuja utilidade depende do objeto da prova.
Para melhor identificarmos a presunção na sistemática cível brasileira, analisemos os arts. 8º, 212 v, 1598, 1.597 CC/2002 e, ainda o art. 335 do CPC/1973 correspondente ao art. 375 do CPC/2015.
É clássico o busilis do objeto da prova. A prova versa somente sobre os elementos de fato. As partes não precisam provar a existência ou o mesmo o alcance das regras jurídicas aplicáveis a tais elementos, supõe-se que o juiz conhece o direito, e a invocação das partes sobre certas regras é apenas para sugerir aplicação delas e, não para provar-lhes a existência.
A indicação é meramente elucidativa e não forçosamente obrigatória a sua aplicação. Tanto que o juiz com seu livre convencimento pode extrair diverso entendimento da pretensão exposta.
Do brocardo “Da mihi factum, dabo tibi jus”, incumbe às partes estabelecer na justiça os fatos necessários ao sucesso de suas pretensões. E nisto, o Código de Processo Civil francês em seu art. 9º e 6º, menciona expressamente.
A princípio, o juiz não pode fundamentar sua decisão nos fatos que não estão em debate, ao menos no sistema acusatório.
É o juiz que diz o direito (art. 12 do CPC francês) e dispõe de lautos poderes de iniciativa e de qualificação.
As pretensões das partes se fundamentam em dois tipos de elementos, os de fato correspondente ao “edifício do direito”, dependem das partes, com uma participação maior ou menos ativa do juiz, seguindo os sistemas.
Os elementos do fato são constituídos pelos fatos e atos jurídicos que servem de base a uma pretensão, e deles depende o desfecho do processo.
Já os elementos do direito são as regras jurídicas suscetíveis de serem aplicadas, a esses fatos. A distinção entre o fato e o direito fica, porém, abalada quando se trata de aplicar as leis estrangeiras, regras consuetudinárias ou usos.
Quanto ao direito estrangeiro compete às partes que os invocam estabelecer a existência e o conteúdo deles.
Os fatos que se devem provar são somente os contestados. Um fato reconhecido ou não contestado não necessita de ser provado, pois é tido como verdadeiro. E, nesse sentido, corrobora o art.334 do CPC/1973 correspondente ao artigo 374 do CPC/2015.
O que pode acarretar deformações da realidade objetiva, mas admite-se, em geral, que as partes devem ter o domínio do “edifício de fato” de seu processo.
Exceto no caso de fraude processual engendrada pelos litigantes, o juiz cível não tem de controlar de ofícios as situações de fato sobre as quais estão de acordo as partes.
A prova de direito pode somente versar sobre fatos pertinentes e admissíveis. E a admissibilidade da prova depende de sua conformidade com o sistema de direito.
De um lado o sistema jurídico às vezes proíbe certas provas em nome de valores essenciais ou de ordem pública. Como, por exemplo, a autoridade da coisa julgada que proíbe contestar o que foi definitivamente julgado.
De outro lado, o direito da prova pode tanto se reportar a um sistema de liberdade no qual as partes possuem sem hierarquia de princípio livre escolha de procedimentos de prova, quanto a um sistema de prova legal que limita a prova a certos procedimentos e lhe impõe o alcance; já outros modos de produção de provas são inadmissíveis.
O direito anglo-saxão comporta várias exclusionary rules, apesar de reconhecerem a importância dos depoimentos. Ele reserva ao direito de prova (evidence law) um lugar considerável que se deve a razões históricas e técnicas a um só tempo.
Foi perante o juiz que o direito inglês conquistou muito das liberdades e forjou o sistema jurídico. Onde o adjective law (a lei adjetiva) conserva uma importância preponderante. E isto repercute nos países de direito misto como no Canadá.
A prova só deve ser produzida, caso revelar-se útil ao desfecho processual. A pertinência da prova é medida de economia processual e supõe uma adequação de seu objeto da prova ao objeto do litígio.
Os fatos alegados devem ter relação direta com que está sendo julgado e a prova deve obter uma demonstração apropriada.
O juiz só admite prova dos fatos nos quais as partes fundamentam suas pretensões e dos elementos aptos para justificá-los.
Nos países da América do Sul especialmente os tribunais se omitem, de controlar a pertinência da prova, o que só avoluma o processo e favorece as manobras protelatórias.
A pertinência da prova depende do vínculo entre os fatos alegados e os fatos cuja prova é oferecida. Também se deve saber se é possível substituir uma prova direta por presunções.
A presunção é um modo de raciocínio jurídico em virtude do qual se induz, do estabelecimento de um fato, um outro fato que não resta privado.
Há uma distinção entre as presunções legais e as de fato (ou de homem). Legais ou de fato, as presunções correspondem a situações de resistência dos fatos à prova. Inferem-se fatos desconhecidos através de fatos conhecidos.
Algumas delas como a presunção de boa fé impõe a quem alega, prová-la nem que seja por exclusão. A presunção de inocência em direito penal proteger, as pessoas contra a arbitrariedade; a presunção de legalidade da coisa decidia pela administração pública facilita o exercício da função pública.
A presunção legal concede a uma das partes em nome de considerações de política jurídica e de certos valores que se tende a proteger. As presunções interessam tanto ao fundo do direito quanto ao direito de prova.
Quando a lei presume que a criança nascida durante o casamento tem como o pai o marido da mãe, labora uma dispensa à criança de estabelecer sua filiação, o que seria muito difícil de fazer.
Desloca assim o objeto da prova, pois em vez de ter de estabelecer a filiação da criança, ela só impõe estabelecer o nascimento durante o casamento da mãe daí deduz-se a filiação a propósito do pai. Enfim tal presunção favorece a família legítima. Apesar de que tais adjetivos não mais se compadecem face ao texto constitucional brasileiro vigente.
As presunções simples ou juris tantum podem, contrariamente às presunções irrefragáveis, chamadas também de presunções absolutas, ou juris et jure.
Quanto maior o progresso técnico facilita a prova, mais fácil é o restabelecimento da verdade. Os progressos da genética permitem hoje estabelecer com quase exatidão a uma filiação colocando em xeque a presunção de paternidade.
A melhoria dos meios de provas atenua proporcionalmente o artifício das presunções simples. As verdadeiras presunções absolutas que não podem ser infirmadas nem mesmo pela confissão ou juramento, são fundadas em considerações de ordem pública.
É o caso da presunção da autoridade da coisa julgada que garante a segurança jurídica necessária a decisões judiciais definitivas.
Em compensação, as presunções de fato apenas são meros meios de prova. No terreno probatório, o juiz utiliza-as somente para forjar sua convicção. São, pois inumeráveis e aplicáveis a todos os tipos de fatos, ao passo que as presunções legais devem ser especialmente previstas.
E se apoiam em diversos indícios que vão desde as constatações materiais, perícias[3] até pareceres jurídicos. O juiz dispõe de plena liberdade de apreciação no tocante as presunções de fato. Em alguns casos, somente admissíveis nos casos em que a lei acolhe a prova testemunhal.
Em síntese, o estabelecimento dos fatos embora se procure atingir a realidade sobre a qual se deva aplicar-se a regra jurídica, é enquadrado pelo sistema jurídico que leva em conta as necessidades ou impossibilidades materiais e outros princípios de direito, considerações de políticas jurídicas e exigências puramente técnicas que acabam por deformar ou deturpar a imagem da realidade.
Tais diversos fatores de distanciamento são cada vez maiores uma vez que a apreensão do fato pelo direito pressupõe que, uma vez estabelecidos os fatos e consumada a descrição deles, eles recebem uma qualificação jurídica.
Um fato não pode galgar efeitos jurídicos por suas qualidades intrínsecas, é preciso que uma norma jurídica lhe atribua uma qualidade que lhe falta, ou seja, um significado particular.
O direito contemporâneo reconhece importantes efeitos jurídicos ao concubinato, que continua, porém, uma simples situações de fato, com exceção dos direitos reconhecidos ao concubinos por diversos textos legais recentes e da provável consagração próxima de um estatuto jurídico específico; ele aproxima a união livre do matrimônio quando lhe toma as aparências mais peculiares que são a estabilidade e a notoriedade.
Assim as exigências da proteção jurídica conduzem a fazer o fato triunfar sobre o direito, portanto, a corrigir os efeitos normais deste, em circunstâncias em que a ordem social o exige.
Mas acontece também que para sua coerência técnica ou para proteção de certos valores ou de certas instituições, a ordem jurídica em vez de acatá-las, rejeite as realidades concretas.
É comum o direito substituir a realidade pela ficção que corresponde a um procedimento de técnica jurídica pelo qual se considera como existente uma situação manifestamente contrária à realidade e que permite deduzir dela consequências jurídicas diferentes daquelas que resultariam da simples constatação dos fatos.
No direito sucessório temos a ficção da continuação da pessoa do falecido pela dos herdeiros que permite evitar toda a ruptura na propriedade dos bens sucessórios.
Assim também o filho natural legitimado ou mesmo o filho adotado é apresentado como filho legítimo. Destaque-se que a Constituição Federal Brasileira equiparou todos os filhos suprimindo os adjetivos discriminatórios e os equiparando em direitos e deveres para todos os fins.
Portanto, a ficção consiste em submeter uma realidade social ao poder da mente, absorvendo-a num conceito de maior ou menor artificialidade.
É uma alteração voluntária do real, um artifício jurídico destinado a produzir resultados úteis.
François Geny bem assevera que falseando deliberadamente a realidade das coisas, as ficções redundam em sujeitar a vida social a preceitos julgados desejáveis.
As funções das ficções jurídicas nos mais variados sistemas jurídicas e, principalmente pela larga utilização feita pelo direito romano.
Classicamente é reconhecida uma função histórica e uma dogmática. Na primeira, a ficção teria permitido introduzir na vida social, regras jurídicas novas.
Seria assim uma extensão do direito existente. O direito une assim o futuro ao passado com a vantagem de manter o estatismo do direito.
Pela ficção da personalidade moral das sociedades, a propriedade dos bens pertencentes À sociedade pôde ser considerada uma propriedade individual.
A ficção é uma homenagem prestada aos princípios jurídicos servindo para enquadrar as soluções jurídicas nos sistemas do direito positivo fechado. Assim as ficções teriam, portanto, uma ficção dogmática permanente.
Também cumprem funções de técnica jurídica por sua utilidade dogmática e mecânica conforme os casos de naturezas histórica e teleológica.
Por sua função teleológica as ficções tendem proteger ou promover certas instituições, certos princípios, certos valores. A adoção ou a naturalização são bons exemplos dessas ficções.
As ficções podem, assim, contribuir para represar a derivada dos fatos sociais e para salvaguardar valores julgados essenciais.
A doutrina alemã mostrou com Savigny e Ihering os preciosos serviços que as ficções prestaram ao direito romano. Também o direito inglês mostra tal importante contribuição.
Importantes autores como Ihering e Windscheid, os franceses, como Saleilles e Demogue reconheceram-lhe um lugar importante na elaboração do direito.
Gény mostrou que, embora a ficção deva ser rejeitada quando se trata de descobrir “dado”, ela conserva um papel importante de instrumento terminológico e deve-se mesmo conservá-la no terreno conceptual.
Ripert sustentou também que é preciso desconfiar de uma habilidade técnica grande demais que permite dissimular a violação dos princípios e introduzir no direito, elementos artificiais que lhe modificam o sentido e o alcance.
As ficções não podem ser aprovadas, se são apenas um procedimento contrário ao bom senso.
A factividade material do direito sua, praticabilidade pressupõe evitar um sério divórcio entre direito e os fatos. Nossa era vivencia a revolta dos fatos contra o direito que arruína a efetividade do direito e consagra a anarquia ou provoca o autoritarismo.
Mas na indispensável continuidade do direito no ajuste que se impõe entre o positivismo sociológico e o idealismo e dentro da perspectiva da coerência dos sistemas jurídicos, as ficções continuam sendo uma preciosa ferramenta e o que melhor opera a conjunção harmônica do fato com o direito.
A distinção entre o fato e o direito é, porém, artificial em alguns casos como na interpretação dos contratos. Ou em casos de lei estrangeira é uma questão de fato, o que é contestável.
Tal artifício talvez ateste a indissociabilidade essencial entre o fato e o direito.
A confissão é o reconhecimento que uma pessoa faz, quanto ao fato alegado pela outra, e, em benefício desta. Pode ser judicial ou extrajudicial, conforme se realize no curso do processo ou fora dele. No primeiro caso, constitui prova plena para todos os atos cuja validade não seja dependente de requisito formal.
É, sem dúvida, a mais convincente das provas daí reputar-se como probatio probantissima, pois que a adesão da parte à veracidade do fato invocado contra ela própria é em si mesmo a negação da contradita e da controvérsia. Deve ser pronunciada pela própria parte, mas vale também a que é efetuada por seu procurador ou representante desde que munido de poderes especiais.
A confissão uma vez feita em juízo, se reputa indivisível, no sentido de que a parte que invoca a confissão do adversário tem de aceitá-la por inteiro. Não lhe é lícito cindi-la e, aproveitar o que lhe convém, repudiando-a na parte que lhe seja desfavorável.
Não obstante o peculiar valor da confissão há fatos que a lei não admite que se provem por meio desta.
Assim, nas ações de divórcio e anulação de casamento, como nas de nulidade de testamento, não pode o juiz proferir sentença baseada em confissão real ou ficta do fato alegado, porque há aí um interesse público em jogo, insuscetível de transação privada.
Ao lado da confissão, admitia o direito o juramento sendo um meio probatório solene e consistente numa afirmação ritual da veracidade do fato invocado, era existente em nosso direito positivo anterior (Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850), e guarda reminiscência da era medieval, quando o utilizava com frequência e proveito em razão do fervor religioso e podia-se realizar em Juízo em caráter supletivo.
Todavia, este mesmo caráter religioso perdeu sua razão de ser com a laicização do direito ainda que existe excepcionalmente em algumas legislações.
A presunção segundo o grande mestre Caio Mário da Silva Pereira é a ilação que se tira de um fato certo, para prova de um ato desconhecido inspirado em Clóvis Beviláqua.
Não é propriamente uma prova, e, sim um processo lógico por via do qual a mente atinge a uma verdade legal.
Na base de uma presunção há de estar sempre um fato, provado e certo; não tolera o direito que se presuma o fato, e dele se induza a presunção, nem admite que se deduza a presunção da presunção.
Segundo a tradicional divisão, estas podem ser comum (praesumptio homins) aquela que a lei não estabelece, mas funda-se no que ordinariamente, acontece de outro lado, as presunções legais, criadas pelo direito positivo para valerem como prova do fato, ou da situação jurídica.
Resultam as presunções legais da experiência e correspondem àquilo que normalmente acontece, e assim tem-se erigido em técnica legal probatória.
As presunções legais, a seu turno se subdividem em absoluta e relativa. As primeiras são aquelas que não se admite prova em contrário. É uma dedução que a lei extrai, necessariamente, de um fato certo, e que não comporta contradita, ainda mesmo no caso de não corresponder à verdade.
Há um interesse de ordem pública em que seja tido pro veritate, e impede apareça o interesse privado fundado na prova de que não é verdade.
Já a praesumptio iuris tantum (relativa) pode ser ilidida, e só prevalece enquanto não contraditada por outra prova. Vigora muito frequentemente a presunção relativa em matéria de interesse privado (como no caso de remissão de dívida decorrente da devolução do título ao devedor).
Entre as irrefragáveis presunções se inscreve a coisa julgada que na definição da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, art. 6º, §3º, é a decisão judiciária de que já não caiba recurso.
Compete ao processo civil formular os requisitos da res iudicata, cabe ainda à Ciência do Direito processual definir o que é coisa julgada material e formal, sendo do campo do direito judiciário a incumbência de precisar as condições subjetivas e objetivas da res iudicata, e, ainda a lei processual estabelecer quando a sentença não é mais atacável.
O civilista estuda a res iudicata dentro da escala de provas, e, estatui que importa numa presunção de verdade. O fato afirmado, ou a relação jurídica declarada pela decisão definitiva, não comporta contradita.
Assim, não pode a coisa julgada ser altera nem sequer por norma legislativa porque na sistemática brasileira é defeso ao legislador votar leis retroativas e, a Constituição Federal em art. 5º, XXXVI, assenta expressamente que a lei não prejudicará a coisa julgada.
Não pode nem mesmo ser alterada por outra sentença, porque a exceptio rei iudicate, levantada como prejudicial, requer a apreciação liminar do juiz e constitui obstáculo a novo iudicum de mérito.
E não pode ser negada pela parte a quem é oponível, porque é uma garantia oferecida pela ordem jurídica ao indivíduo, no sentido de facultar-lhe a dispensa de comprovar, em Juízo ou fora dele, aquilo que constituiu objeto da parte dispositiva do julgado.
A autoridade da res iudicata reside perante as partes ou seus sucessores, enquanto o mesmo objeto, e pela mesma causa petendi por traduzir a presunção de verdade inexorável, significando que o que foi decidido é verdade – res iudicata pro veritate habetur.
Não cabe argumentar erro judiciário, e nem mesmo a falibilidade do homem que sentenciou porque, não se pode ambicionar a construção da verdade absoluta ou verdade ideal.
Deve se contentar com a verdade legal ou judicial que é a resultante do que ficou apurado no processo e proclamado pelo juiz, e é esta a verdade que é tida como insuscetível de alterada, acrescentando in verbis: “A coisa julgada faz, do branco, preto, e do quadrado, redondo”. Para acentuar-se a ineficácia de qualquer tentativa em contraditá-la dispensado de dar outra prova em cujo favor milita”.
Modernamente se reflete sobre a apreciação de processos técnicos como meio probatório, a reprodução de voz por gravadores eletrônicos, a exibição de película cinematográfica, a fotografia, o Videotape e o videocassete.
Em princípio seu valor probante é inegável. Com a gravação de som e mesmo de imagens se podem fixar as conversas e depois reproduzi-las na vivacidade dos diálogos, presta-se, entretanto, a deturpações, supressões de trechos, enxerto de declarações e, uma série de edições que podem produzir sem deixar o menor vestígio.
Por tal fato, não é tão possível aceitá-la como meio probatório, senão com o máximo de cautela. Também a filmagem e a fotografia são suscetíveis de alterações. Todavia, a quem tiver de fazer uso desses e de outros processos técnicos, agir com moderação e prudência, e, sobretudo não se impressionar com sua aparente exatidão, pois podem facilmente ocultar manipulações e fraudes.
Tanto assim que o Anteprojeto de Código de Obrigações laborado pelo brilhante professor Caio Mário e outros doutrinadores insignes em seu art. 19 previa “que a prova resultante da reprodução mecânica de som e imagem, admitida como plena, somente se confirmada pela confissão”
Fora daí, recebe-se tais meios probatórios com extrema cautela, e o CPC neste assunto inferiu expressamente que se admitindo a reprodução mecânica da imagem e do som, ressalvando que, se for impugnada à autenticidade o juiz ordenará perícia (ex vi art. 383 do CPC/1973 correspondente ao art. 422 CPC/2015[4]).
De todo jeito, enfim, o direito e o fato se entrelaçam e justificando sua missão maior de propiciar a pacífica convivência social.
Referências
GÉNY, F. Sciense et technique en droit privé postif, tomo III, 1955.
JAPIASSÚ, H., et Marcondes, Danilo. Dicionário básico de filosofia, 3ª, edição ver. ampliada, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 1996,
págs 247,248.
LÉVY-BRUHL, H. Aspects sociologiques du droit, ed. M. Riviére et Cie, 1955.
MARTY, G. La distinction du fait du droit, Toulouse, 1929.
MOTULSKY, H. Príncipes d‘une réalisation méthodique du droit prive, Lyon, 1948.
PERELMAN, Chaim Le fait est le droit, 1961; Logique juridique – nouvelle rhétorique, 1965.
PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil. Rio de Janeiro. Forense. 2000.
ROGER, J.C. La preuve civile. 2ª.ed.,Y Blais, 1995.
VIRALLY, M. La pensée juridique., ed., L.G.D.J, 1960.
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VIRALLY, M. La pensée juridique., ed., L.G.D.J, 1960.
Considerações sobre ato ilícito
O conceito de ilícito é de extrema generalidade e complexidade no plano jurídico até mesmo porque é atuante em todas as suas ramificações. Simplificando grosseiramente dizem que o ilícito é tudo aquilo que é contrário ao Direito, até porque se entende este como proteção do que é lícito.
Tal simplificação remonta às máximas romanas: “Honeste vivere, altere non laedere, suun cuique tribuere”, que significa: “Viver honestamente, não prejudicar a outrem, atribuir-se o que é seu”.
A summa divisão que se elabora quanto à ilicitude, distinguindo o que é ilícito civil e o que é ilícito penal é mais de cunho didático do que científico. Pode mesmo coincidir sobre um mesmo fato, é o caso, por exemplo, do motorista que faz uma conversão em local proibido e, provoca um acidente automobilístico com vítima fatal.
A diferença fundamental entre os ilícitos reside na aplicação do sistema sancionatório, pois o direito penal pode afetar a liberdade da pessoa do infrator, como o direito de ir e vir, enquanto que o âmbito civil irá atingir sua esfera pessoal, sua subjetividade, mas preferencialmente o seu patrimônio.
O fato é que o comportamento contrário à norma tipifica uma ilicitude. Concluímos que o ilícito civil é transgressão do dever jurídico quer seja legal, quer seja negocial.
A definição do ato ilícito outrora contida no art. 159 do Código Civil de 1916 acarreta a obrigação de reparar o dano assim, em sua etiologia, o ato ilícito é, fonte de obrigação, embora sua consequência independa da vontade do agente, resulta de ação ou omissão sua.
Esclarece Caio Mário da Silva Pereira para haver a caracterização do ato ilícito deve ocorrer certos elementos: a) violação do direito ou dano causado a outrem.; b) ação ou omissão do agente.; c) culpa.
A ilicitude da conduta está no procedimento contrário a um dever preexistente (neminem laedere). Destaca o mestre português Luís A. Carvalho Fernandes apud Lotufo que tanto o direito civil como o direito penal referem-se muitas vezes à mesma matéria, embora sob justificativas diversas.
Na esfera criminal, os ilícitos podem ser definidos como crimes ou contravenções e, ao puni-los, faz aplicação de sanções mais graves chamadas penas. Mas esses mesmos atos, enquanto envolvam a violação de interesses de pessoas singularmente consideradas, pertinem também ao direito civil.
A ilicitude comportamental pode advir tanto da norma jurídica, na norma contratual concebida dentro da égide da autonomia privada. Ao contrário do ato jurídico, que é uma declaração de vontade, o ato ilícito é um ato material (ato ou omissão) que, infringindo dever legal ou contratual, causa dano a outrem.
Assim o ato ilícito pressupõe sempre uma relação jurídica originária lesada e a sua consequência é uma responsabilidade, ou seja, o dever de indenizar ou ressarcir o dano causado pelo inadimplemento do dever jurídico existente na relação jurídica originária.
O não-cumprimento do dever na relação jurídica, pelo sujeito passivo, implica em lesão do direito do sujeito ativo, que pode recorrer ao Estado, a fim de obter não só a prestação devida, mas ainda, o ressarcimento dos prejuízos decorrentes do inadimplemento.
Orlando Gomes acautela ser relevante distinguir a atividade infringente da norma jurídica, da atividade que lesa interesse legítimo de outrem, cuja satisfação depende de sua iniciativa. Se alguém deixa de honrar pagamento com dívida assumida, prejudica o credor, mas não pratica ato ilícito propriamente dito, embora que seu procedimento importe numa violação de regra contratual que ordena ao devedor o adimplir da obrigação livremente contraída.
Assim a transgressão a uma norma contratual não deixa de ser uma espécie de ilicitude, mas não se traduz propriamente numa transgressão direta e frontal à lei. Deparamos que o dever jurídico decorrente de norma legal evidentemente não pode ser ignorado por ninguém. Esse é o dogma fundamental do direito previsto no art. 3o, LICC para sua eficácia, sob pena de inexistindo, não ser viável qualquer sistema jurídico.
Licitude vale como elemento essencial e constitutivo do ato jurídico, seu objeto há de ser lícito.; se lícito não for, não haverá ato jurídico propriamente dito, senão fato voluntário que somente produz as sanções ou cominações impostas por lei.
Vicente Raó distingue com clareza os atos ilícitos de objeto contrário à ordem pública, às disposições imperativas da lei e aos bons costumes, dos ilícitos que se consideram por serem viciados por dolo civil, ou de culpa. Os primeiros são nulos.; anuláveis são os segundos.
É dos primeiros, isto é dos moralmente ilícitos, ou como desejava Coelho da Rocha que os qualificava como moralmente impossíveis, com amparo em Windscheid (Pandectas, vol. I, § 81) designava como declarações de vontade “cujo conteúdo se acha em contradição com a lei moral”.
Observe-se que no sistema pátrio não há qualquer referência às antigas figuras do quase-delito e do quase-contrato que eram existentes no direito romano e que já foram abandonadas na BGB que prestigiou um conceito único, o ato ilícito.
Jamais será caracterizado como o ato ilícito se remanesceu apenas na mera esfera íntima da pessoa, ou só na declaração de vontade. Efetivamente, deve haver uma conduta, um comportamento, uma exteriorização material que enseja a percepção por terceiro.
É curial, nesse sentido, Ulhoa ao relatar que são externalidades do homem (grifo nosso) ou seja, ação ou omissão de qualquer pessoa que infere com interesses, bens e situação de outras pessoas.
A externalidade é negativa se a ação de uma pessoa prejudica a outra, e será positiva, se beneficia. O que caracteriza a externalidade é a inexistência de compensação entre as pessoas envolvidas. Caso contrário, ocorre a hipótese de compensação de prejuízos ou ganhos, dar-se-á a internalização da externalidade.
Há inúmeros exemplos de externalidades que não comportam internalização. E, Ulhoa bem exemplifica referindo-se à capital paulista, como o caminhar por uma de suas famosas avenidas urbanas, ao respirar, o ar denso e poluído pela emissão de gás carbônico dos ônibus e carros que nela trafegam.
Apesar de notoriamente nocivo aos pulmões do doutrinador, as empresas de transportes que exploram tal atividade no município paulista e demais proprietários dos veículos particulares nada lhe devem a título de indenização.
Outro bom exemplo e bem trivial é o incômodo produzido pelo forte odor de tinta fresca aplicada na pintura do apartamento do vizinho, ou a lentidão do tráfego urbano na hora do rush, ou pelos arredores de shopping center.; os transtornos causados pelas greves legais.; a frustração de não assistir o filme pelo fato da sala de projeção já estar lotada, são todos inúmeras externalidades negativas que não comportam nenhuma internalização, logo, não redundando em nenhuma obrigação de indenizar.
Ulhoa sublinha com propriedade que as normas de responsabilidade civil cuidam exatamente da internalização das externalidades. A referida internalização opera-se em sociedades complexas tais como as contemporâneas, e por meio de regras jurídicas reprimem o enriquecimento sem causa.
A responsabilidade civil é classificada doutrinariamente como obrigação não negocial (grifo nosso) posto que não deriva nem de contrato e nem de ato unilateral de vontade. Origina-se do ato ilícito ou de fato jurídico.
O fato de ser não-negocial, a referida obligatio não a impede que entre os sujeitos envolvidos, não possa mais tarde existir um negócio jurídico, não sendo este o fundamento da obrigação de reparar o dano.
Temos, pois que a vontade deve integrar o conceito de ato ilícito. Mas, não apenas a vontade capaz de caracterizar o dolo, mas mesmo diante da negligência, imprudência ou imperícia com que se conduz o agente, o objetivo desejado não é alcançado, mas sim, o ato que causa a lesão a outrem.
Frisa com pertinência San Tiago Dantas: “não é por querer o evento que o ato se torna doloso: é por ser querida a ação”. Enquanto que o comportamento reflete negligência, imprudência ou imperícia caracteriza a culpa stricto sensu, significando a inexistência de comportamento devido e conforme a previsão legal, por isso, previamente conhecido e que deve ser observado.
O elemento subjetivo do ato ilícito lembra o conceito lato de culpa onde se inclui o dolo pertinente ao âmbito privado, e a culpa é referida como sendo aquiliana por abranger ação (in faciendo) ou omissão (in omittendo).
Em várias hipóteses no sistema normativo, desde a Antiguidade, vige uma presunção de culpa em razão da pessoa com as coisas, ou com seus pressupostos, o que vem sendo denominado, de forma pouco feliz e apropriada, como responsabilidade objetiva.
São as hipóteses como as dos arts. 932, 936 e 937 do Código Civil de 2002. Depreende-se do art. 186 C.C., que o ato do qual há de resultar lesão para outrem, isto é deve, produzir o dano.
A alteração da conjunção de “ou” para “e” (grifo nosso) no bojo do vigente art. 186 em comparação ao teor do art. 159 do Código Civil de 1916, implicou estabelecer relação direta com a responsabilidade civil, distinguindo-se das hipóteses de ilicitude que não levam à responsabilidade civil, pela ausência do dano, mas que não ficam imunes à incidência do Direito.
É o outro elemento que se tem para a completar caracterização do ato ilícito civil. Logo, em doutrina, se tem que o ato ilícito é ação, ou omissão (comportamento) de alguém que, mediante culpa, viola norma jurídica e causa dano a outrem.
O dano tanto pode ser material ou patrimonial como moral, pode ser dano emergente, ou ainda, lucro cessante, mas deve estar ligado ao ato, mediante o qual se convenciona denominar de nexo causal.
É de se salientar que o ato ilícito implica em regime jurídico submetido à responsabilidade civil, portanto, em princípio, há dever do praticante do ilícito em promover o retorno ao status quo ante (anterior ao ocorrido), ou pela indenização, ou pelo ressarcimento.
Orlando Gomes como apoio de Trabucchi esclarece que o negócio ilícito é alcançado pela ineficácia, e se caracteriza pela causa, ou motivo determinante desconforme com o sistema normativo, ou pela inidoneidade do objeto e o comportamento das partes.
Portanto, a ilicitude negocial não prospera, e pode ser atribuída a ambas partes e o direito veda-lhe a produção de efeitos. O ato ilícito em princípio, é praticado por uma parte que causa dano à outra.
A consequência fundamental da ilicitude é a referida responsabilidade civil que gera a necessária reparação que pode ser da mesma natureza da prestação ou de natureza diversa. O surgimento do dever de reparar possui evidente estrutura obrigacional.
Um ato praticado despido de vontade não produzirá ato ilícito. Mas isto não significa que o dano não ocorreu e que o mesmo não deva ser reparado. O art. 188 do C.C. /2002 enumera as hipóteses de atos que podem efetivamente causar danos, mas que não são considerados como ilícitos.
Tal elenco é taxativo, sendo vedada a interpretação extensiva e nem mesmo analógica. São: A legítima defesa (mais particularmente sobre o tema, leia meu artigo citado nas referências), o estado de necessidade, e o exercício regular de direito, e mesmo não expresso o consentimento do ofendido.
Mesmo na seara penal excluem a ilicitude do fato. São também comumente denominadas de excludentes da responsabilidade civil são: força maior, caso fortuito e ato de terceiro, culpa exclusiva da vítima.
Quem sofre dano, não está obrigado a empobrecer com o mesmo. A todos é garantido o direito de permanecer na sua condição de integridade física e moral, tanto quanto patrimonial.
As hipóteses de exclusão de responsabilidade civil, além de serem excludentes, têm de ser interpretadas com rigor, pois levam a um choque de princípios, que no caso concreto tem que ser dirimido pelo juiz, com base no princípio da proporcionalidade, também conhecido como da ponderabilidade.
O denominado dano moral que sempre existiu e, já era reconhecido tanto pela doutrina como pela jurisprudência brasileira como indenizável, ou pelemos, compensável. Apesar de grande resistência doutrinária por parte da parcela da magistratura. No entanto, com a expressa previsão constitucional, a discussão deixou de existir quanto à indenizabilidade, e tem ficado restrita à questão da avaliação do dano moral.
Configurado como dano que deve ser demonstrado cabalmente, não se admitindo a mera alegação de que o ato ilícito decorreu uma dor, um sentimento negativo e, etc.
Lembremos que a súmula do STJ que expressa que até a pessoa jurídica pode ser também indenizada por dano moral, Renan Lotufo, no entanto, tem entendimento diverso.
Não é que se queira purismo de linguagem, o que se objetiva em preservar a denominação de dano moral para as pessoas humanas e a questão de valoração.
A extramaterialidade do dano sempre existiu na seara das pessoas jurídicas, mas nunca no sentido de ligação com valores éticos decorrentes da dignidade humana. Sempre foram, na verdade, considerados bens imateriais das pessoas jurídicas a clientela o ponto comercial, a marca, a fama, entre outros e, isto sempre compôs sua patrimonialidade.
Tais elementos sempre foram ligados diretamente à atividade econômica, enquanto a retomada da dignidade humana veio mais como resultado da Segunda Grande Guerra Mundial e, a conseqüente instalação da chamada “Era dos Direitos”, por Norberto Bobbio que culminou com a Declaração Universal dos direitos fundamentais passando a ser incorporada constitucionalmente hoje em dia por 157 países, isto contabilizado apenas até o ano de 2000.
O que pode e deve ser indenizado para as pessoas jurídicas, não é exatamente dano moral, é a lesão patrimonial de bens imateriais, mas cujo valor não se pode equiparar aos sentimentos humanos que integram a personalidade humana.
Merece destaque a figura do abuso de direito já que é bem próximo ao conceito de ato ilícito. O abusivo exercício de um direito possui teor impactante e faz com que não queira haja reação sancionatória pelo sistema jurídico.
No entanto, o Código Civil de 2002 que pouco inovou, pelo menos nessa seara apresentou um efetivo avanço. Não só positivando o conceito de abuso de direito como também consagrando que tudo em Direito deve ser relativizado até o exercício de direitos.
No Brasil, a monografia mais brilhante acerca do direito de vizinhança e que bem ilustra esse relevante conceito, é do inesquecível San Tiago Dantas que foi um dos primeiros professores a abordar o assunto: “abuso de direito” no que fora seguido pelos doutrinadores como Serpa Lopes, Caio Mário, Sílvio Rodrigues, Limongi França e mais recentemente por Carlos Alberto Bittar e, ainda Silvio Salvo Venosa.
A dúvida que se aponta diante do abuso de direito, se este é tão reprimível quanto o ato ilícito. Questão tormentosa e que ganhou espaço no direito francês particularmente no que tange ao direito de propriedade. Mas hoje está plenamente consagrado o princípio da função social para uma série de direitos absolutos e personalíssimos.
Planiol ao traçar o que chamou de teoria moderna do uso abusivo dos direitos, aludiu que este não pode ser, a um só tempo paradoxalmente, ao mesmo tempo conforme o direito e contrário ao direito. Mas, na lição dos irmãos Mazeaud é que se avulta a ideia mais límpida e que aponta que a noção de abuso de direito, esta não passa de uma aplicação extensiva da noção de culpa.
A noção de abuso de direito não fora prontamente aceita em doutrina. Embora hoje seja presente em várias legislações. Foi Marcel Planiol que veemente se insurgiu contra a teoria do abuso de direito, sintetizando que os atos jurídicos são lícitos ou ilícitos, inexistindo um tertius genus.
Duguit e Josserand deram grande colaboração para essa teoria e, afirmavam que nenhum direito assegurado por lei pode ser exercido com único objetivo de prejudicar outras pessoas, se não houver proveito para seu titular.
A concepção do abuso de direito mais se aproxima do ato emulativo do direito romano. A concepção objetiva não se ocupa das intenções do agente, e considera ilícito o exercício do direito sem observância de sua finalidade social, econômica ou moral.
Na concepção subjetiva, o abuso se tipifica em ser emulação, pela vontade de prejudicar (dolo). Dentro da ótica objetiva, quem abusa ao exercer seu direito, o desvia de sua finalidade ou desconsidera as regras de convivência em sociedade.
Exercer um direito para causar um prejuízo é, com efeito, cometer uma culpa delitual caracterizada pela má intenção de causar prejuízo a outrem. Francisco Amaral conceitua o ato ilícito como ato praticado como infração de um dever legal ou contratual, de que resulta dano para outrem.
Ilustrativo é o exemplo trazido por Ulhoa a respeito de abuso de direito que apesar se referir ao início do século passado em França (mais precisamente em Compiègne), onde o fazendeiro vizinho de certa propriedade havia erguido, na divisa das terras com o hangar de seu vizinho, umas altas colunas de madeira com varas de ferro pontiagudas erguidas em grande altura. Pelas condições do lugar, a estranha divisória tornou a manobra dos dirigíveis extremamente perigosa e houve mesmo um deles perfurado pelas pontas das varas da divisória.
O fabricante dos equipamentos moveu processo contra o vizinho para obrigá-lo a retirar ou alterar a divisória. Mas a justiça francesa rechaçou os argumentos do fazendeiro, decidindo a questão em favor do construtor dos dirigíveis. Considerou que o direito de propriedade, malgrado o previsto no Código Civil francês, esbarrava em outros limites além dos legais. Já se alumbrava, naquela época, a função social da propriedade a limitar o exercício do direito de propriedade.
A importância da caracterização, estudo e disciplina do ato ilícito reside no fato de este ser uma relação jurídica cujo objeto é o ressarcimento do dano causador. E na obrigação de indenizar inclui-se no conceito amplo da responsabilidade civil, um dos mais relevantes setores do direito contemporâneo, a relevância do ato ilícito reside no fato de ser o elemento primacial da teoria da responsabilidade civil, como conjunto de princípios e normas que definem ato ilícito e sua autoria e obrigam a reparação do dano causado a outrem.
Orozimbo Nonato consagrou que os atos ilícitos constituem a categoria principal e dos fatos jurídicos. São jurígenos como lhe chama o professor Paulino Neto e, compreendem os atos jurídicos e, os atos ilícitos.
Assim sendo, os atos ilícitos, produzem consequências de direito e se dividem em dolosos e culposos. Nos primeiros, a ação é desejada e voluntária enquanto que nos segundos, resulta de negligência ou imprudência.
Repisando, na configuração do ato ilícito, congregam-se os seguintes elementos como a existência de ação ou omissão do agente.; a contrariedade à ordem jurídica.; a penetração na esfera jurídica de outrem com a produção do evento danoso e a imputabilidade do agente, além é claro do nexo de causalidade.
Conforme o ato ilícito seja ou não contratual, teremos a responsabilidade civil contratual e extracontratual que é a clássica divisão nos sistemas civis contemporâneos.
Sustenta Silvio Rodrigues que o conceito de abuso de direito provém da evolução do conceito de responsabilidade civil. Já Pedro Baptista Martins por sua vez, adota a orientação eclética admitindo que esta provenha da culpa como do desvio da destinação social do direito exercitado de forma abusiva.
O ato ilícito tem correlata a obrigação de reparar o mal. Se permanecer meramente abstrata ou teórica, não interessa senão à moral. Mas, quando se tem em vista a efetiva reparação do dano, toma-o direito a seu cuidado e então, constrói a teoria da responsabilidade civil.
Formam-se duas correntes: uma, que afirma ser de ordem pública, o princípio definidor da responsabilidade civil, também chamada de escola francesa (grifo nosso) e, outra que afirma ter sido este instituído para a salvaguarda de um interesse privado (a chamada escola belga), e, por conseguinte, admite sua derrogação pela vontade das partes. E aí, ainda, se insere o busilis acerca da chamada cláusula de não indenizar.
Sustenta Caio Mário, mestre dos mestres, que a cláusula de não indenizar é aceitável desde que não haja dever de reparação instituído em lei de ordem pública.; quando não seja expressamente proibida em lei.; e no caso de haver o agente causado o dano não intencionalmente.
Afirma o nobre jurista que a doutrina moderna, seguida pelo Código Civil de 2002, cogita em responsabilidade sem culpa, quando a obrigação de reparar o dano sofrido independe de apuração de culpa do agente, e, nesse propósito se constrói a doutrina da responsabilidade objetiva (teoria do risco).
Da leitura do art. 186 do C.C., em comparação com art. 159 do C.C. de 1916, evidencia-se um deslize como professa Caio Mário que necessita de esclarecimento, a fim de sanear as dúvidas. Nos seus elementos, constitui ato ilícito a violação do direito ou dano causado. De sua redação subtrai-se a etiologia da conjugação de uma e de outro.
Ademais, o novo codex retirou da cláusula geral do art. 186 a consequência da reparação do dano, indo incluí-la no art. 927 constante mais no Título da Responsabilidade Civil.
Assim o princípio da responsabilidade por fato próprio é a ideia originária, e em seu evoluir, foi criada a responsabilidade pelo fato de terceiros e das coisas, que De Page denomina de responsabilidade complexa.
No campo objetivista é que se situa a teoria do risco proclamando ser de melhor justiça que todo aquele que disponha de um conforto oferecido pelo progresso ou que realize certo empreendimento portador de utilidade ou prazer, deva também suportar os riscos de seus atos, sem cogitação da ideia de culpa, e, portanto, o fundamento da responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para ideia de risco.
Alguns doutrinadores o encaram como risco-proveito, que se fundo no princípio pelo qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável.; ora mais genericamente como risco criado, a que se subordina todo aquele, sem indagação de culpa, expuser alguém a suporta-lo.
A teoria do risco não substitui a da culpa, e deve conviver ao seu lado. Por pretender mais equanimidade na distribuição dos encargos, o justo e o injusto, nem promove separação entre o indivíduo que procede ao arrepio da lei, admitindo que agente indistintamente responda por conduta culposa, como pelos efeitos imprevisíveis do ato não culposo.
É preciso fixar a causa da responsabilidade que deve residir em fundamento ético de apuração direta ou indireta da culpa. Para a teoria do risco, o fato danoso gera a responsabilidade pela simples razão de prender-se à atividade do seu causador, argumentam alguns que o fato danoso está intimamente ligado ao exercício da atividade, e este nasce, em verdade, nasce do choque das duas atividades.
Assim, não é bem que se escolha, em substituição ao critério da culpa, conclui Colin e Capitant. É velha parêmia que relata: quem aufere bônus, deve arcar com ônus...
A teoria do risco é uma realidade admitida no direito moderno, e o sistema pátrio já a colhia francamente em alguns casos, expressos em lei, onde a responsabilidade se define pura e simplesmente sem culpa.
Entre nós, foi a legislação de acidentes no trabalho. Daí a obrigação de reparar do empregador nos acidentes do trabalho definindo-se como tal qualquer lesão corporal, perturbação funcional ou doença que cause a morte ou a perda total ou parcial, temporária ou permanente da capacidade para o trabalho.
Outro exemplo de responsabilidade sem culpa por alargamento jurisprudencial é o dever de reparar o dano imposto ao que explora indústria insalubre, ou perigosa. Trava-se uma responsabilidade civil ponderada, pois o empregado acidentado por ocasião do trabalho tem sempre direito à indenização.; mas esta, é limitada na forma das tabelas aprovadas pelo legislador.
Salienta Silvio Salvo Venosa que a ilicitude prevista no art. 186 do C.C. /2002 diz respeito a infringência de norma legal, violação de dever de conduta, por dolo ou culpa, que tenha resultado prejuízo de outrem.
Por dolo, aduz o Código Penal é a situação em que o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo (distinguindo-se assim o dolo específico, do dolo eventual). Já no tange à culpa estatuída no art. 186 do C.C. pelas expressões negligência ou imprudência e, o Código Penal, no art. 18, acrescenta imperícia, onde sempre se contém um ato voluntário determinante de resultado voluntário e previsível.
Quando o resultado é imprevisível, não há culpa, pois, o ato entra no campo de caso fortuito ou força maior, onde não vige a indenização alguma.
Outras modalidades de culpa também podem ser citadas como assevera Venosa, a culpa in eligendo que é a decorrente da má escolha ou eleição do representante ou preposto.; a culpa in vigilando que é que decorre da ausência, de fiscalização, é necessária ou decorre da lei, é o que ocorre nos casos do patrão com relação aos empregados.; os atos ilícitos do preposto fazem surgir o dever de indenizar o proponente. Pode também ocorrer em relação à coisa, como por exemplo, o indivíduo que dirige o veículo sem a devida manutenção dos equipamentos de segurança do veículo.
A culpa in custodiendo consiste na ausência da devida cautela com relação a uma pessoa, animal ou coisa. É o caso do pit bull que não é devidamente conduzido e guardado por seu dono, e causa dano ao pedestre posto que o cão se encontrava inadvertidamente solto na rua.
Há a tendência, continua a sublinhar Venosa (vol. I, p. 596) que a cada dia mais se avoluma, a de se alargar o conceito de culpa para propiciar maior âmbito na reparação de danos.
Daí a criação da culpa presumida, tendo em vista o dever genérico de não prejudicar. Sob esse fundamento, chega-se a teoria da responsabilidade objetiva que escapa à culpabilidade, que outrora era o centro da responsabilidade subjetiva.
A base dessa teoria tende melhor à justiça social, mas não pode ser indiscriminadamente aplicada para que não recaia noutro extremo da injustiça.
É no campo da teoria objetiva que se situa a teoria do risco, pela qual cada um deve suportar riscos da atividade a que se dedica, devendo indenizar, quando causar o dano. Salienta que o novo Código Civil assume posição arriscada nessa direção, conforme prevê o parágrafo único do art. 927 do Código Civil.
Na responsabilidade por fato de terceiro, o conceito de culpa recebe tamanha elasticidade que em essência é removido ao segundo plano, pois vige o dever de repara ainda que não tenha havido culpa (in vigilando, in eligendo, in custodiendo), contentando-se com a demonstração do fato danoso e da relação jurídica de paternidade, de tutela, curatela ou preposição ou representação.
É critério abolitivo da aferição objetiva da culpa, que desloca o fundamento da responsabilidade para outra seara.
Prossegue Venosa a respeito do abuso de direito criticando o vocábulo “abuso” que fornece a noção de excesso, aproveitamento de uma situação contra pessoa ou coisa de maneira em geral. Explicita que juridicamente o abuso de direito significa o fato de se usar um poder, uma faculdade, de um direito ou mesmo de uma coisa além do razoavelmente permitido pelo Direito e pela sociedade. É o dolo de aproveitamento contido no exercício abusivo do direito.
Brilhantemente sintetiza o doutrinador, há no abuso de direito, sob a máscara de ato legítimo esconde-se uma ilegalidade. Trata-se de ato jurídico aparentemente lícito, mas que levado a efeito sem a devida regularidade ocasiona resultado tido como ilícito.
Seu justo oposto é o exercício regular do direito que se traduz por ser excludente de responsabilidade, tanto como a culpa exclusivamente da vítima, o caso fortuito ou força maior.
No entanto, na responsabilidade civil visando promover o maior equilíbrio nas relações sociais que possível, por vezes o autor do dano não será o responsável ou pelo menos não o único responsável pela indenização.
Trata-se da responsabilidade por fato de outrem que se distingue bem claramente da responsabilidade primária por fato próprio.
O codex civil estabeleceu que os pais, o tutor, o curador, o empregado e comitente responderão por atos praticados dos filhos, pupilos, assistidos, empregados ou prepostos ainda que não haja culpa de sua parte (grifo nosso) conforme bem expressa o art. 933 do C.C.
Cria-se, ressalta Venosa uma responsabilidade objetiva, apartada da noção de culpa, situação que hoje se apresenta unicamente com relação aos empregadores em função da Súmula 341 do STF.
A responsabilidade civil por fato de outrem de perfil complexo possui eixo embrionário na responsabilidade civil (que era nitidamente subjetiva) traz o compartilhamento dos deveres genéricos de não lesar a ninguém.
Os alemães afirmavam firmemente que não contém aí exceção ao princípio de culpa e nem crivam a responsabilidade por culpa alheia. Em verdade, cogita-se de responsabilidade civil própria e, não por culpa alheia. Pois, mormente, esta referida culpa deve-se presumir, desde que as circunstâncias não afastem tal presunção.
Destaque-se que é uma presunção relativa aonde é cabível a prova em contrário.
A culpa do responsável se dá na medida em que não se exerce o dever de vigiar, fiscalizar, custodiar, supervisionar o serviço os atos, os procedimentos, ou ainda, com escopo destinar o encargo a quem possa exercê-lo probamente.
No texto atual do art. 186 do C.C. não consta a referência à culpa que outrora constava na segunda parte do art. 159 do Código Civil de 1916, mas não se deve concluir que não se exige o elemento culpa na caracterização do ato ilícito.
Mas, certamente o vigente texto codificado com essa proposital omissão desejou melhor se adequar ao sistema de responsabilidade civil estabelecido pelos arts. 927 a 954 do C.C. Pois como são inúmeros as hipóteses legais de responsabilidade civil sem a indagação de culpa (vide parágrafo único do art. 927 do C.C.) por sua natureza a atividade admitir risco para direitos de outrem.
Igualmente o art. 928 do C.C. que prevê a responsabilidade do absolutamente incapaz, ou ainda adiante, no art. 931 do mesmo diploma legal que fixa a responsabilidade civil objetiva dos empresários e das empresas pelos danos causados pelos seus produtos em circulação.
Culpabilidade inclui o dolo, e a culpa stricto sensu. A conduta culposa também se pode manifestar tanto através de uma ação (imprudência ou imperícia) como de omissão (negligência).
Negligência se traduz pela ausência de cautela, é um não-fazer de cuidados necessários à impedir a causação do dano. É a conduta humana em que o agente atua com ausência de precaução ou indiferença em relação ao ato realizado. Esta pressupõe um preexistente dever jurídico. A negligência é uma conduta negativa (omissão).
A imprudência é a violação de regras de conduta ao realizar ou fazer alguma coisa. É a conduta positivada em que o agente pratica fato perigoso.
Exemplifica com propriedade Gianpaolo Paggio Smanio, o disparo da arma ao limpá-la que vem a matar alguém, ou ainda, um “empurrão” que fez a pessoa cair e morrer.
A imperícia que é também chamada de culpa profissional ou técnica é a falta de aptidão no exercício de arte ou profissão. O médico, o engenheiro, farmacêutico, ente outros profissionais, necessitam de aptidão prática e técnica para o exercício de suas atividades. Logo, quando se afastam dessa prática ou técnica, ocasionando dano a outrem, praticam ato ilícito culposo.
Exemplificando novamente o proficiente Smano destaca: o engenheiro que constrói casa sem alicerces que ministra remédio, sem os cuidados necessários e causa choque anafilático no paciente que morre.
Cumpre esclarecer que erro profissional não é imperícia é o caso que se revela no médico que emprega determinada técnica cirúrgica com base em diagnóstico errôneo. A imperícia é a não observância de cuidados devidos, a falta de aptidão profissional.
Resumidamente, ensina Aguiar Dias apud Orlando Gomes, através de ideias aproximativas, sintetiza magistralmente: que a negligência é desídia, imprudência é temeridade e imperícia é a falta de habilidade.
O critério para aferição da diligência exigível do agente, e, portanto, para a caracterização da culpa, é o da comparação de seu comportamento com o do homo medius, ou do bom, do homem ideal que age com diligência, prevê o mal e precavidamente evita o perigo.
É relevante sublinhar que a questão da culpa como elemento do ato ilícito é muito complexa. Doutrinadores dividem a culpa em contratual se o dever jurídico violado resultou de contrato.; e extracontratual, ou chamada também de aquiliana, se o dever jurídico independe de vínculos obrigacionais, decorrendo de um princípio geral de direito.
Leclerq é exagerado e confunde culpa com lesão ao direito alheio. Informa Orlando Gomes que o conceito de culpa formulado por esse doutrinador pela primeira vez, em audiência na Bélgica em 1927, no exercício de sua função de procurador. Prosseguiram aperfeiçoando o conceito Esmein e De Page, dentre outros.
Enuncia Leclerq que todo aquele que atenta contra direito de outrem viola a obrigação de não lesar a ninguém. E essa violação é necessariamente culposa. À primeira vista, essa concepção de culpa nos conduz aos mesmos resultados da teoria objetiva da responsabilidade civil.
Ampliando a concepção de culpa, e admitindo-a mesmo sem imputabilidade moral, que dispensa a relação de causalidade entre o ato e o dano.
É a teoria da culpa preexistente bem consagrada no Código alemão (BGB), Código suíço e no polonês de obrigações.
É presumida a culpa do empregador ou preponente pelos atos danosos de seu empregado ou preposto, como se encontra bem assentado na Súmula 341 do STF.
É também presumida a culpa na responsabilidade do transportador de passageiros (Dec. 2.681/1912). Daí, a jurisprudência dominante entender que mesmo a culpa de terceiro não elide a responsabilidade civil do transportador pelo acidente com o passageiro (Súmula 187 do STF).
Responde objetivamente ainda pela reparação do dano o Estado quando seus agentes no serviço público causem danos a particulares. Nessa seara o elemento culpa é irrelevante, indaga-se apenas sobre o nexo causal existente entre o serviço público e o prejuízo experimentado pela vítima.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 ampliou mais esse tipo de responsabilidade incluindo os concessionários de serviços públicos (arts. 37§ 6o).
Os graus de culpa que se apresenta de forma tradicional, a saber: culpa lata ou grave que é aquela em que o agente atua de maneira incompatível com o comum dos homens. Nesta o agente atua com extrema displicência, assumindo o risco do resultado que, embora não previsto, era perfeitamente previsível.
Já a culpa leve é aquela em que a conduta do agente ocasiona dano que poderia ser evitado com atenção ordinária. A culpa levíssima é aquela que o agente só poderia evitar o dano realizado, se tivesse tomado extraordinária atenção.
Atualmente a referida classificação é relevante tendo em vista os termos do parágrafo único do art. 947 do C.C. que prevê em caso de excessiva desproporção entre a gravidade de culpa e dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.
O art. 945 do C.C. ainda admite que se a vítima tiver de alguma forma concorrido culposamente para o evento danoso, a indenização cabível será fixada tendo-se em vista a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.
Temos ainda, o critério de classificação da culpa in abstracto e culpa in concreto, na qual se procura saber qual o parâmetro a ser utilizado pelo ordenamento jurídico para aferir a culpa doa gente, isto é, se deve levar em conta a situação concreta que está submetida à apreciação do Judiciário, considerando as circunstâncias do ato ilícito praticado, ou, ao contrário, deve tomar como parâmetro o comportamento do bom ai de família.
Doutrinadores acreditam que o sistema pátrio adota o critério in abstracto no que diz respeito ao ilícito extracontratual. Também é possível que a culpa não seja exclusivamente do autor da conduta lesiva, mas também, da própria vítima. É a chamada culpa concorrente da vítima.
O Código Civil de 2002 inovou novamente ao prever a hipótese, que esta culpa concorrente da vítima deve ser avaliada pelo juiz no momento da fixação da indenização devida.
Note-se que a concorrência de culpa não há exclusão do ilícito, mas apenas mitigação do quantum indenizatório. Não existe o ato ilícito sem dano. O dano é ofensa a um bem jurídico. Pode ser patrimonial ou material, ou ainda, simplesmente extrapatrimonial ou moral.
O dano moral doutrinariamente é consagrado inclusive dentro do direito positivo nacional, onde é nítida a distinção e independência do dano moral e do dano patrimonial.
A priori, a identificação do dano moral se faz por exclusão daí, denominar-se extrapatrimonial em franca contraposição ao dano patrimonial, ou como prefere Aguiar Dias, já alcunhado por alguns como o “pai da responsabilidade civil brasileira”, “quando o dano não corresponde às características de dano patrimonial”.
Pontes de Miranda com seu eruditismo habitual aduz que o dano não-patrimonial é o que é, só atingindo o devedor, como ser humano, não lhe atinge o patrimônio.
A expressão dano moral bem como a expressão germânica schmerzengeld (dinheiro de dor) tem concorrido para sérias confusões acadêmicas. Alguns utilizaram-na em sentido amplíssimo significando dano à normalidade da vida. E, finalmente, há o senso estrito de dano, que é o dano à reputação, a fama, ao bom nome social da vítima. (Tratado de Direito Privado, XXVI, §3.107, p.30-31).
A rigor, pondera Orlando Gomes não existe mesmo dano moral, pois por definição dano é lesão patrimonial de alguém que o sofre contra sua vontade. A equidade justifica plenamente a inclusão do dano extrapatrimonial bem ao lado do dano patrimonial. Parece-me que a terminologia mais adequada seria chamá-lo de extramaterial.
Cumpre distinguir a bom tempo, a lesão ao direito personalíssimo que repercute no patrimônio da que não repercute. O atentado ao direito à honra e à boa fama de alguém pode determinar prejuízos na ordem patrimonial do ofendido ou cause-lhe apenas sofrimento moral. A expressão dano moral deve ser utilizada somente para definir agravo que não produz qualquer efeito patrimonial.
Se há danos ao patrimônio ainda que por mera reflexão, o dano deixa de ser extrapatrimonial. E define com contundência Orlando Gomes que dano moral é, portanto, o constrangimento experimentado pela vítima em função de lesão em direito personalíssimo, ilicitamente produzida por outrem.
No passado o referido dano moral já enfrentou ferrenhos opositores que se fulcravam em bons argumentos para seu não reconhecimento: a saber, primeiro o de que a dor não admite compensação pecuniária.; segundo, da impossibilidade de se aquinhoar o dano moral (ou o pretium doloris – o preço da dor).
A compensação do dano moral possui assim dupla função.; a de expiação e a de satisfação em relação à vítima. Apesar de contestarem seu caráter puramente expiatório, sublinhando mais que sua finalidade não é acarretar perda patrimonial do culpado e, sim efetivamente proporcionar vantagem ao ofendido.
Face ao dano moral não se dá propriamente o ressarcimento em sua acepção técnica-jurídica pois o direito de reclamar a compensação caduca se a ofensa desaparece. A reparação do dano moral é admitida em algumas legislações e podem ser qualificadas em dois grupos: no primeiro grupo situam-se as legislações que prevê norma genérica, com força de princípio. O Código de Obrigações suíço filiou-se a esse primeiro grupo.
Já o segundo grupo, enquadram-se as codificações que só permitem a reparação do dano moral nos casos expressamente previstos (numerus clausus). Tal orientação foi seguida pelo Código Civil alemão, pelo Código de Obrigações da Polônia e ainda pelo italiano. Outros, finalmente, silenciam completamente, sem conter qualquer dispositivo alusivo ao dano moral.
Código Civil de 1916 era omisso, embora Clóvis Beviláqua, Eduardo Espínola, Hermenegildo de Barros, Aguiar Dias, Wilson Melo da Silva entendessem pelo reconhecimento do dano moral e sua respectiva compensação.
Não é fácil a determinação do nexo causal, e se esforça muito a doutrina diante da hipótese de ocorrerem causas sucessivas e/ou simultâneas. Sem dúvida, importa investigar o fato determinante do dano, quando concorrem várias causas, sucessiva ou simultaneamente.
A doutrina se divide em três critérios: primeiro, pela equivalência das condições.; segundo da causalidade adequada e a terceira o da causalidade imediata.
Pela equivalência das causas temos que qualquer dos fatos pode ser considerado como hábil e eficiente a causar o dano. Não é necessário que o dano seja consequência forçosa e imediata do fato que concorreu para a produção do dano. Basta ser condição sine qua non para produção do dano, para o efeito de ser considerado como suficiente para causar o dano.
Já pelo critério da causalidade adequada, verifica-se qual é a causa idônea e que propõe a inevitabilidade do dano. É o caso de quem em virtude de lesão corporal e, após a internação hospitalar vem a falecer em decorrência de infecção hospitalar.
Se ao contrário, o dano advém de efeitos ou circunstâncias extraordinárias, que escapam à experiência corrente, não há causalidade. O ato deve, em abstrato, ser a condição essencial para se realizar o dano.
Pela causalidade adequada, considera-se causa do dano o fato do qual deriva mais proximamente, tem sido essa teoria utilizada os litígios da responsabilidade contratual. O requisito da imediatez permite que se excluam os danos indiretos, remotos conforme consigna Pothier. O nexo causal se estabelece entre o dano e o fato que foi sua causa necessária, ou seja, direta.
Antunes Varela opina de que o Código Civil pátrio optou pelo critério da causalidade adequada, não contrariando essa tese o disposto do art. 1.060 do C.C. de 1916 hoje reproduzido no art. 403 do Código Civil de 2002.
A regra pode ser aplicada à indenização do dano proveniente do ato ilícito e, portanto, à responsabilidade extracontratual, apesar de sua não- literalidade. O fato danoso pode ainda derivar do exercício de direito, mas pode gerar também responsabilidade se caracterizar situações definidas pela teoria do abuso de direito.
Ademais, há certa classe de pessoas, a quem a lei impõe deveres especiais, como o de: vigilância, custódia, guarda e controle. È a infração de tais deveres que determina a responsabilidade por fato danoso causado por indivíduos ou coisas que estão adstritos a sua guarda.
De qualquer modo, no Direito Civil brasileiro prevalece a atipicidade dos atos ilícitos. Para delimitarmos o conceito de ato ilícito, precisamos delimitar o conceito de violação de direito.
No ordenamento jurídico a proteção de direitos absolutos como o direito à vida, à integridade física, à honra (direitos da personalidade), o direito de propriedade.
A proteção desses direitos absolutos ocorre independentemente da relação jurídica determinada em face de alguém.
Qualquer lesão a um desses direitos configura o ato ilícito, justificando o pedido de reparação pelos danos sofridos. A linha divisória entre o lícito e o ilícito nas condutas humanas depende da valoração dos interesses em jogo, bem como o princípio da utilidade pública para, por exemplo, delimitar a concorrência leal (dentro das regras do jogo) em relação à concorrência desleal, ao estabelecer os limites da liberdade da imprensa em face dos direitos da personalidade (honra, privacidade, imagem, etc).
Deve o ordenamento jurídico decidir diante de um dano, se o lesado deve suportar o dano sofrido, como uma consequência inevitável de nossa sociedade, ou, ao contrário deve ser ressarcido e, em tal caso, por quem.
O ato ilícito é um simples corolário do princípio neminem laedere. E bem, ao lado dos contratos e dos atos unilaterais de vontade está o ato ilícito como fonte de obrigações. E via de regra, a obrigação de repara o dano significa uma obrigação de dar que tem por objeto o pagamento de certa soma de numerário, representando a equivalência monetária do dano sofrido.
Também é possível surgir o ressarcimento em virtude de contrato, no caso de inadimplemento de uma das partes (art. 389 do C.C.). A principal fonte da obrigação de ressarcir é o ato ilícito extracontratual que surge em função de lesão a um interesse tutelado pelo ordenamento jurídico, do qual deriva prejuízo para o lesado.
Em se tratando de contratos benéficos responde o agente por simples culpa o contraente a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Entretanto, nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo exceções previstas em lei no art. 392 do C.C.
É o caso do desforço imediato que visa a defesa legítima do direito de propriedade, em face do esbulho. Desde que o titular do direito esteja respondendo a agressão atual ou iminente e injusta, e que empregue meios moderados (conforme o art. 25 do C.P.), não há ilicitude do ato.
No estado de necessidade que se configura com a deterioração ou destruição de coisa alheia, ou lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente (não confundir com o estado de perigo que é defeito do negócio jurídico).
É bastante restrita a possibilidade do ofensor em estado de necessidade eximir-se da responsabilidade de indenizar, pois a escusabilidade do estado de necessidade sofre as restrições dos arts. 929 e 930.
No estado de necessidade sempre há o sacrifício do direito de uma pessoa para salvar o de outra do perigo de se perder. Mas, para operar a exclusão da ilicitude, o ato de remoção do perigo deve ser necessário e não pode exceder aos limites do indispensável para atingir esse objetivo.
Não se exige que seja que o valor ameaçado seja inferior ao salvaguardado. Quando, porém o direito sacrificado refere-se à lesão em pessoa, pode configurar-se a ilicitude se o bem exposto a perigo era uma coisa. O dano causado em estado de necessidade não isenta seu causador, mesmo que tenha sido absolvido na esfera criminal, é o que deduz de boa parte da jurisprudência.
Quem pratica ato ilícito deve indenizar o dano a que der causa (responsabilidade civil fundada em culpa própria). Mas também, se imputa, em alguns casos, a obrigação de indenizar a quem praticou atos lícitos (responsabilidade objetiva).
O art. 188 do Código Civil de 2002 faz remissão forçosa aos arts. 23 a 25 do Código Penal Brasileira. É possível que mesmo a conduta lícita cause dano a outrem, é quando estaremos no campo da exclusão de ilicitude.
São hipóteses albergadas no direito pátrio: A) a legítima defesa; b) estado de necessidade.; c) exercício regular do direito.; d) consentimento do ofendido.
A legítima defesa é uma das formas de autotutela consistindo uma exceção ao princípio que ninguém pode fazer justiça pelas próprias mãos. É admitida em casos expressos e taxativos em que a lei admite que o próprio titular do direito subjetivo o defenda pessoalmente e diretamente, sem recorrer à prestação jurisdicional. Inclui o uso moderado dos meios necessários para repelir injusta, atual ou iminente agressão, a direito seu ou de outrem.
Questão vexata em doutrina é saber se aquele que se encontra em legítima defesa deve ou não ressarcir o dano que porventura ocasionou a terceiro. O excesso da legítima defesa está previsto como indenizável.
Alguns defendem que na legítima defesa, não vige o dever de indenizar, tal como se dá no estado de necessidade. Outros doutrinadores, no entanto, alegam que se a agressão ocorreu contra o agressor, não há o devedor de indenizar, mas se por qualquer motivo vier a atingir a terceiro que não o agressor, cabe o dever de indenizar.
Convém ressaltar que a legítima defesa putativa não é causa excludente de dever de indenizar. O estado de necessidade é conceito bem identificado no art. 24 do CP e seus requisitos são:
a) que a situação de perigo não tenha sido provocada pelo necessitado.;
b) que o mal causado seja maior do que aquele que se pretende evitar.;
c) que as circunstâncias tenham tornado a reação absolutamente necessária.;
d) que a reação não exceda aos limites do indispensável para remoção do referido perigo.
e) que não exista, por parte do necessitado, o dever de enfrentar o perigo.
Não há unanimidade na doutrina se os danos devem ser indenizados pelos agentes que se encontrava em estado de necessidade. Esclarece o novo codex civil que a lesão pode ser dirigida tanto à coisa alheia como também à pessoa.
O consentimento do ofendido apesar de não expressamente elencado no direito positivo também opera a causa de exclusão de responsabilidade, desde que incidente em direitos disponíveis. É evidente sobre direitos personalíssimos e indisponíveis o consentimento será irrelevante. É discutível se poderíamos incluir aí o caso a permissão dos participantes do Big Brother Brasil (reality-show).
Todavia, há direitos de personalidade que admitem o consentimento. É o caso exemplificado por José Maria Leoni Lopes de Oliveira, da mulher que anuiu a ser fotografada nua para certe revista. Não há de se cogitar em violação ao direito de intimidade ou à imagem.
É a interrupção do nexo de causalidade que justifica a existência de causas de exclusão de responsabilidade civil que ocorre no caso de culpa exclusiva de vítima, caso fortuito ou de força maior.
A maior parte da doutrina não distingue entre caso fortuito e força maior, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir (conforme o parágrafo único do art. 393 do C.C.).
Também o Código Civil atribui os mesmos efeitos tanto ao caso fortuito como o de força maior, equiparando-os, mas prevê uma exceção no caso de ilícito contratual se o devedor estiver em mora.
Carvalho de Mendonça ensina que, no Direito Romano, o fortuito caracteriza-se pela imprevisibilidade, ao passo que o caso de força maior tinha por traço a invencibilidade.
Havia, pois distinção entre as duas figuras, conquanto fossem sempre enumeradas em conjunto. Segundo o doutrinador, a lei pátria também a distingue. Caso fortuito seria o fato previsível. Envolveria um elemento subjetivo: a não-imputabilidade ao devedor.; e outro objetivo: a impossibilidade de cumprimento da obrigação, e seria mais amplo que a força maior, compreendendo-a como gênero compreende a espécie. (Doutrina e Prática das Obrigações, pp.36-37).
Para estabelecer a identidade entre o fortuito e força maior, torna-se necessário conceitua-los, onde se contrapõem as teorias objetiva e subjetiva. A primeira delas, equipara-os à ausência de culpa, ou seja, dar-se-ia o fortuito sempre que a inexecução não se pudesse imputar ao devedor.
Critica-se tal concepção, pois redundaria na realidade, na inutilidade do conceito, além de promover a exoneração do devedor pela impossibilidade meramente relativa, se não-culposa.
Já para a corrente objetiva, a característica essencial do fortuito recai sobre a sua inevitabilidade (Arnoldo Medeiros da Fonseca, Caso fortuito, pp. 80 e 133). Insere-se, pois, nessa acepção, o fato irresistível que impede o cumprimento da obrigação (fato do príncipe).
Arnoldo Medeiros da Fonseca sustenta, que são dois os elementos componentes do caso fortuito: um objetivo, qual seja, a inevitabilidade, traduzida na impossibilidade de superar o acontecimento, e entendida como absoluta, sem quaisquer considerações acerca das condições pessoais do devedor, porém apreciada em concreto, isto é, à luz das circunstâncias em que o obrigado se viu envolvido.; e outro subjetivo, referente à ausência de culpa.
A ausência de culpa, conclui o citado autor, é, portanto, gênero do qual o fortuito é espécie. Exige-se também que o evento seja inevitável. São dois os requisitos do fortuito, como condição de liberação do devedor: a necessidade, como resulta claro do texto do parágrafo único do art. 393 C.C., uma vez que só exclui a responsabilidade o fato do qual a inexecução seja resultado obrigatório.; a inevitabilidade (Caio Mário da Silva Pereira).
Têm os autores concluído que a imprevisibilidade não se exige. Esta é tomada em consideração não como requisito autônomo, mas na medida em que o evento imprevisível mostra-se por isso mesmo, inevitável (neste sentido: Caio Mário da Silva, e Arnoldo Medeiros de Fonseca.; Em sentido contrário: Sérgio Cavalieri Filho, que entende ser este traço diferenciador entre o fortuito e a força maior, e Darcy Bessone).
Pode-se definir ato ilícito em função do direito positivo ou subjetivo. Ulhoa alega que quando a consequência prevista para ato jurídico é a punição do sujeito que o pratica, então este, se praticado, é ilícito.
O ato ilícito tem sido referido como contrário ao direito ou contra a ordem pública. Mas essas fórmulas embora correntes são imprecisas. E submete-se a sanções que são de três tipos: as penais, as administrativas e as civis.
Ilícito e ilicitude redundam em conceitos generalistas e abrangem não só conceitos do direito privado, mas também os fundamentos do direito público.
O ato ilícito é aquele que a norma jurídica descreve como pressuposto de uma sanção que pode ser civil (normalmente, a indenização dos danos), penal (normalmente, a perda da liberdade ou a prestação de serviços à comunidade) ou administrativa (normalmente, multa).
O ato ilícito é definido pelo critério de contraposição ao direito subjetivo, que é a opção adotada pelo Código Civil em seu art. 186. Consagra que será ilícita a conduta que desrespeita o direito titularizado por outrem.
Identificamos elementos próprios do conceito de ato ilícito adotado pelo direito positivo pátrio a culpa e o dano, e nesse sentido, recomendo a leitura de meu artigo intitulado “Culpa e dano”.
Lembrando sempre que a culpa em sentido lato engloba também o dolo, e ainda acepção estrita que contém a negligência, imprudência e a imperícia.
Exemplifica Ulhoa que comete ilícito e se submete à obrigação de indenizar quem divulga sobre determinada pessoa, quando esta a desejava manter reservada, viola o direito à privacidade e causa-lhe dano extrapatrimonial. Quem mata um filho, causa aos pais danos tanto patrimoniais como simultaneamente extrapatrimoniais (a dor da perda de um descendente).
Sinteticamente podemos relacionar nítidas fases pelas quais passou a teoria da responsabilidade civil que fora pouco a pouco suavizando o rigor de se exigir a prova de culpa do agente até desembocar na teoria do risco, como última etapa da evolução:
1ª. Procurou-se facilitar a prova da culpa, jurisprudencialmente passou-se a examinar combenignidade a prova de culpa produzida apela vítima, extraindo-a de circunstâncias do fato e de outros elementos identificáveis.;
2ª. Admissão da teoria do abuso do direito como to ilícito.; a jurisprudência e, mormente o Código Civil de 2002 passou a responsabilizar pessoas que abusavam de seu direito, desatendendo à finalidade social para a qual foi criado, lesando a terceiro.;
3ª. Estabelecendo de hipóteses de presunção de culpa (Súmula 341 do STF) e dispositivos do CDC e lei sobre a responsabilidade de estradas de ferro, e, nesses casos, sempre invertem o ônus da prova, favorecendo processualmente a situação da vítima.
Para livrar-se da presunção de culpa, o causador da lesão patrimonial ou moral é que teria de produzir prova de inexistência de culpa ou de caso fortuito.
Mais adiante, no direito francês acabou-se por admitir na responsabilidade complexa por fato das coisas, a chamada teoria da culpa na guarda, que inicialmente era apenas aceita por presunção júris tantum de culpa por parte do agente, presunção essa vencível e que posteriormente, evolui, sob o ensinamento doutrinário de Aubry e Rau, para a presunção juris et jure, irrefragável. E então se começou a pisar efetivamente no território do risco.
Na quarta fase, ocorre admissão de maior número de casos de responsabilidade contratual (principalmente sobre os transportes em geral) que favorecem a vítima no tocante à prova e, em face do inadimplemento contratual.
Na quinta e derradeira fase é quando se dá adoção da teoria do risco quando não se cogita mais em culpa, bastando prova da relação de causalidade entre a conduta e o dano.
Duas perguntas permeiam a maiêutica da responsabilidade civil: quem deverá ressarcir pelo dano? E como se recomporá o status quo ante e a indenização do dano?
As implicações da responsabilidade não são fenômeno exclusivo e particular da ciência jurídica, mas de todos os domínios da vida social.
Não à toa Josserand alardeava ser a responsabilidade civil a “grande vedete do direito civil”, na verdade, como absorve vários diferentes ramos do Direito, realmente pertence à Teoria Geral do Direito, embora sofra adaptações conforme seja aplicável ao direito público ou direito privado, no entanto, seus princípios basilares, fundamento e o regime jurídico os mesmos, só ocorrendo diferenciação concernente às matérias.
É natural que seja um território de acirradas batalhas doutrinárias ou filosóficas tendo em vista o campo ilimitado de aplicação da responsabilidade civil, o que tona a temática de difícil sistematização.
Orlando Gomes, com sua natural perspicácia baiana, enfoca que os fatos antijurídicos se distinguem conforme o modo pelo qual se manifesta em desconformidade entre o ato e a norma.
A referida desconformidade se apresenta como pura e simples inobservância de preceitos ordenatórios do ato jurídico do agente, ora como violação de normas assecuratórias de direitos universais, ora como antijuridicidade qualificada em razão do desfavor da lei por motivo de política legislativa.
A desconformidade pura da lei traduz-se em desobediência à lei para a validade do ato. Lembremos que o mestre baiano sagazmente ensina que a ordem jurídica reage, decretando o ato como nulo, e, ipso facto, negando-lhe eficácia.
No entanto, é bem diferente quando ocorre a violação promovida pelo ato infringente resultando dano à outra pessoa. Pois a referida violação implica em lesão, surgindo a obrigação de reparar o dano para quem o produziu. Esse é o domínio da ilicitude que é um dos aspectos mais relevantes da antijuridicidade.
Os fatos antijurídicos não se esgotam apenas nas espécies de antijuridicidade subjetiva. Existem situações que consideradas pela lei, resultantes de fatos jurídicos “stricto sensu” ou de atos jurídicos. Como, por exemplo, um acontecimento natural, tal como a avulsão ou qualquer ato resultante de dano sem culpa do agente. Cogita-se, nessa hipótese de antijuridicidade objetiva.
Mas a antijuridicidade subjetiva difere cabalmente da antijuridicidade objetiva. Assim para que esta se configure é necessário que o ato seja imputável ao agente. Já antijuridicidade objetiva, é irrelevante o comportamento do agente, ademais pode ser provocada por um fato stricto sensu, enquanto que a antijuridicidade subjetiva é sempre consequência de um ato voluntário.
O conhecimento desses diversos aspectos da antijuridicidade é indispensável à perfeita caracterização do ato ilícito. Pelo confronto, delimita-se, com maior firmeza, o campo da ilicitude. Ato ilícito, portanto, é necessariamente uma ação humana. A norma violada pelo agente há de ser das que conferem direitos absolutos e unilaterais.
Deste modo, temos o agente infrator como devedor, e a vítima do dano como credor, mas o ato ilícito delineia uma obrigação que não é contraída voluntariamente como a de quem contrata, por exemplo.
A feição atual sobre a configuração externa do ato ilícito, significando sanção pertinente a quem o comete é a indenização que outrora no Direito romano em sua fase primitiva se apresentava como vingança privada, vindo mais tarde mesmo a patrimonialização dessa pena não atingiu o refinamento conceitual da indenização.
De forma que o pagamento devido do agente conservou o caráter de multa privada ajustada entre as partes. E devida a essa natureza, não se permitia à generalização da regra.
A partir, porém, da Lex Aquilia iniciou-se a tendência para generalização com fundamento atinente ao damnum injuria datum, que regulava, de início, a responsabilidade daquele que, sem direito ou escusa legal, causasse dano à propriedade alheia. Bem mais tarde, alargou o pretor a aplicabilidade da norma, atingindo mesmo quando o dano fosse causado corpori.
A Lei Aquilia teria introduzido o elemento culpa como fundamento da responsabilidade, sendo assim elemento estrutural do delito civil, mas apesar de grandes progressos o direito romano não construiu uma teoria geral de responsabilidade.
Aliás, a teoria geral da responsabilidade é fruto do Código de Napoleão e, mais particularmente de seu art. 1.382, firmando a regra geral de que fica obrigado a reparar o dano àquele que o causar por sua culpa.
O ato ilícito como fonte de obrigações, assim o é em face da lei que em última análise, e contra a vontade do agente o faz sujeito passivo, ou seja, devedor, da obrigação, impondo-lhe o dever de prestar indenização à vítima.
Nem todo ato infringente da lei é ilícito, e Ferrara apud Orlando Gomes aponta a doação entre cônjuges como exemplo. É mister que o ato resulto prejuízo para alguém. Mas não é ilícito apenas quando cause dano, mas sempre que expresse certa conduta, independentemente de qualquer consequência a outrem.
Não se pode confundir fato ilícito com fato danoso. Existem fatos que causam prejuízo a outrem, mas não são ilícitos.
O dever de indenizar surge mesmo quando não haja o cometimento de ato ilícito, tal particularidade se expressa melhor na chamada responsabilidade objetiva.
Cumpre esclarecer, afinal, que a ação antijurídica consista em violação de um direito personalíssimo de outrem e do direito de propriedade (que compreendem os da personalidade e os direitos reais). A configuração do ato ilícito corresponde à lesão de um direito absoluto, isto é, um direito que todos devem respeitar, como a vida, a liberdade, a saúde e a honra.
Toda lesão culposa de um desses direitos subjetivos obriga aquele que praticou a indenizar suas consequências patrimoniais, configurando ato ilícito stricto sensu. Mas o conceito de ato ilícito não se circunscreve a tais violações.
Além desses, o Código alemão (BGB) qualifica como civilmente delituosos os atos que constituem violação das disposições legais de proteção e ainda os praticados contra os bons costumes, dos quais resultem dano a outrem. Ouro fator, é que sem culpa, não há ato ilícito.
E nesse caso o elemento culpa refere-se tanto ao dolo quanto à culpa inserida pela negligência, imprudência ou imperícia.
Outra distinção preciosa é que não se deve confundir o dever de indenizar (uma consequência legal doa to ilícito) com o conceito deste próprio. Uma coisa é ser obrigado a pagar indenização, outra é atribuir a alguém ato ilícito.
Consigna Orlando Gomes, que o ato ilícito é a ação ou omissão culposa, pela qual, lesando alguém direito absoluto de outrem ou determinados interesses especialmente protegidos, fica obrigado a reparar o dano causado.
Em síntese, um comportamento antijurídico de efeitos previsto em lei, uma reação da ordem jurídica contra os que violam normas de tutela de direitos existentes independentemente de qualquer relação jurídica anteriormente existente entre agente e vítima.
Resume Orlando Gomes que o elemento material ou objetivo do ato ilícito é o dano e, o elemento subjetivo é a culpa e devem estar vinculados por nexo causal. O ilícito civil só adquire substância se é fato danoso. Se há infração das regras de trânsito, mas daí não defluir qualquer prejuízo, apesar de antijurídico, não comete ilícito civil.
A ofensa injusta ao direito de outrem (injúria na acepção civilista) é, indispensável à sua configuração. Na lição de Chironi em duas ideias se desdobra o conceito de ato ilícito: a exterioridade da violação (fato material, positivo ou negativo).; a lesão do direito alheio.
De resto, o fato danoso deve ser voluntário, como alude Antunes Varela, necessário que sendo o que quisesse ou soubesse das suas consequências. Desta forma, a omissão pode ser causa de dano indenizável, se havia obrigação de agir.
·.
O delito civil está unificado na figura do ato ilícito. Não mais se justifica a distinção entre delito e quase-delito. Pouco importa se o ato ilícito era doloso ou culposo, pois seu efeito jurídico é o mesmo.
O delito civil importa na infração de norma que tutela interesse privado e a sanção impõe ao transgressor a restituição da integridade do direito lesado, consistindo no dever de reparar o dano causado.
Apesar de toda independência entre responsabilidade civil e responsabilidade criminal, quando a sentença criminal condenada é inexorável sua influência sobre a ação civil que busca a reparação indenizatória, é obviamente peremptória. A própria sentença servirá de título executivo judicial que pode ser liquidado na jurisdição civil. Nesse particular é salutar a consulta a Adroaldo Furtado Fabrício e, ainda Araken de Assis.
No fundo a ordem jurídica ao tecer a responsabilidade civil pretende concluir e assumir seu duplo sentido: de proteger o lícito e reprimir o ilícito.
É enorme a discricionariedade do julgador no acolhimento do caso fortuito e da força maior. Vige um excessivo rigor dos tribunais em acolher tais excludentes.
Não se pode com absoluta segurança se adotar um critério standard para a configuração de caso fortuito e força maior, com razão salienta Sílvio Rodrigues que excessiva severidade dos tribunais, num país como o nosso onde é pouco difundido o seguro de responsabilidade, majora a incidência dos casos em que o agente embora agindo sem culpa, causa dano a outrem e é obrigado a indenizar. Configurando-se assim somente a transferência da desgraça da vítima para a pessoa do agente que também inocente acaba por suportar pesada punição.
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[1] Por fim, verdadeiramente inovadora é a criação, pelo atual CPC, de uma seção específica destinada aos documentos eletrônicos, artigos 439 a 441. Nos termos do art. 439 do novo CPC, a utilização de documentos eletrônicos no processo convencional dependerá de sua conversão à forma impressa e da verificação de sua autenticidade, na forma da lei.
O art. 440, por sua vez, determina que o juiz aprecie o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor. Por fim, o art. 441 estabelece que serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica.
O que se verifica, portanto, é que o legislador do atual CPC reconheceu a validade dos documentos assinados digitalmente, acompanhando as mudanças ocorridas na sociedade, que inclusive ensejaram a edição das Leis nºs 11.419, de 19/12/2006 (que dispõe sobre a informatização do processo judicial, alterando diversos dispositivos do CPC de 1973) e 12.682, de 09/07/2012 (que dispõe sobre a elaboração de documentos em meios eletromagnéticos).
[2] O parágrafo único do artigo 435 do atual CPC inova ao permitir a juntada posterior de documentos formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que tornam conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produziu comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente, incumbindo ao juiz, em qualquer caso, avaliar a conduta da parte.
Na juntada de documentos após a inicial ou a contestação, ao critério do juiz, a conduta da parte poderá ser avaliada e punida se o caso, de acordo com as regras de litigância de má-fé. Isso implica dizer que não pode a juntada ser feita com o intuito de surpreender a parte contrária ou o juízo, ardilosa e maliciosamente, devendo o julgador permitir a juntada de documento nos autos apenas quando nenhum gravame houver à parte contrária. Portanto, a exigência expressa da justificativa é válida, pois fortalece à parte a obrigação de desincumbir-se da manipulação dos fatos.
[3] A prova pericial “é aquela pela qual a elucidação do fato se dá com ao auxílio de um perito, especialista em determinado campo do saber, devidamente nomeado pelo juiz, que deve registrar sua opinião técnica e científica no chamado laudo pericial – que poderá ser objeto de discussão pelas partes e seus assistentes técnicos”.
[4] O artigo 422, caput e parágrafos, do CPC/2015, traz uma novidade, ao atribuir a qualidade de prova documental a qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, a cinematográfica e a fonográfica, o que inclui as fotografias digitais extraídas da internet e as mensagens eletrônicas na forma impressa.
De acordo com Nelson Nery, sabedor da facilidade de falsificar documentos eletrônicos, deveria o legislador exigir maior cautela na admissão de fotografia digital como meio de prova, tendo em vista que a autenticação eletrônica nem sempre está disponível, e a maior responsabilidade sobre o poder probatório da fotografia acabará recaindo sobre o perito.
Quanto ao e-mail, não se sabe quem será competente para apresentar a versão original da mensagem.
O que fica subentendido do teor do parágrafo 3º do art. 422 é que a parte contrária àquela que juntou o impresso aos autos deverá apresentar a versão que detém em seu poder. Lembrando que e-mail é documento privado e não goza de fé pública, devendo ser submetido à apreciação da parte contrária.