1.INTRODUÇÃO
Este artigo traz uma breve reflexão, a partir de autores especializados no assunto, sobre a história das Constituições da República Islâmica do Afeganistão. A escolha desse País foi porque o Afeganistão, por ser secular e repleto de histórias marcantes, tornou-se um lugar desafiador para entender como surgiram suas Constituições. Isso porque, a cada século ou década descrita, tem-se momentos de grandes tensões vividos pela sua população e que influenciaram a elaboração das suas Constituições.
A metodológica aplicada neste trabalho, foi levantamento bibliográfico, a partir de pesquisas extremamente complicadas, não somente por quase não se ter informações sobre as leis mais antigas, pois há pouco material disponível para se pesquisar, como também pela dificuldade em se interpretar as leis dispostas nas Constituições mais atuais. As principais fontes foram artigos, livros e reportagens encontrados no Google Acadêmico e em jornais de grande circulação nacional.
1.REPÚBLICA ISLÂMICA DO AFEGANISTÃO
1.1. Características do País
O Afeganistão é um Estado soberano, localizado entre o sul da Ásia, Ásia Centra e Ásia oriental, fazendo fronteiras à oeste com Irã, ao sul com Paquistão, ao norte com Turcomenistão, o Uzbequistão e o Tadjiquistão (FRANCISCO, 2020; THIER, 2003). O Afeganistão possui uma área total de 652.864 km², formado, predominantemente, por terreno montanhoso, sendo Cabul a sua capital (DURRANI, 2020; POLON, 2020) .
Dada sua importância estratégica para o comércio e para a conquista de novos territórios como a Índia ou estabelecer domínio na Ásia Central, o Afeganistão tem sido, desde a antiguidade, objeto de invasões e conquistas, como por Alexandre, o Grande, e Genghis Khan (FRANCISCO, 2020; PACIEVITCH, 2020).
O povoamento do Afeganistão é relatada desde a pré-história (Paleolítico), com a conversão do País ao islamismo datada no século 8 (BONTURI, 2001; FRANCISCO, 2020; PACIEVITCH, 2020). Nos dias atuais, o País continua sendo alvo de invasões com episódios de disputas recentes, como da antiga União Soviética no século XX e por grupos extremistas, como o Talibã (BONTURI, 2001)
Em relação a sua composição étnica, a composição étnica da população está dividida em: pashtun (38%), tadjiques (25%), hazarás (19%), uzbequeis (6%), outros (12%) (UNDP, 2019a). Os idiomas oficiais são dari e o pachto (FRANCISCO, 2020).
Quanto a sua economia, o Afeganistão é um dos países com maiores problemas sociais do mundo, com população extremamente pobre onde a instabilidade política é um dos agravantes da situação (FRANCISCO, 2020; PACIEVITCH, 2020). O PIB per capita do País é de RS$ 345, menos de um dólar dia (FRANCISCO, 2020). O país é predominantemente rural, com apenas 23% de sua população localizada em centros urbanos, incluindo 3,5 milhões na capital Cabul (ARAUJO, 2020). Enquanto que a outra parte da população, como os agricultores, vivem em aldeias à margem dos rios (FRANCISCO, 2020). Sendo o islamismo é a religião com o maior número de adeptos, cerca de 98% e está previsto na Constituição de 2004 (ARAUJO, 2020; FRANCISCO, 2020).
1.1 Bandeira da República Islâmica do Afeganistão
A atual bandeira do Afeganistão (figura 2) está prevista na Constituição da República Islâmica do Afeganistão (2004), no artigo 19 (UNDP, 2019b). Na parte superior central a frase sagrada "Não há Deus senão Allah, Maomé é seu Profeta”. E em sua parte inferior, o ano de 1919 no calendário solar, e a palavra “Afeganistão” circundado em dois lados por feixes de trigo deve ser inscrito (POLON, 2020).
Em relação ao significado da bandeira atual, o preto se remete ao passado, o vermelho se refere a luta pela independência e o verde representa o progresso, a esperança de um futuro melhor (POLON, 2020). Essa autora ainda traz o conhecimento que no centro da bandeira está o brasão do País e no topo deste, uma imagem de uma mesquita com um “Mihrab”, o qual está defronte com a “Meca” (POLON, 2020).
2. HISTÓRIA DAS CONSTITUIÇÕES DO AFEGANISTÃO 1923 – 2004
O desenvolvimento constitucional no Afeganistão foi marcado por muitos conflitos aos longos dos anos, o que influenciou diretamente a elaboração de suas leis (ARJOMAND, 2005). Do ano de 1923 até 1992 foram elaboradas e promulgadas sete Constituições no Afeganistão e, se contar com a Constituição do ano de 1992, que não foi promulgada, foram então, elaboradas, oito Constituições no País (ARJOMAND, 2005; FRANCISCO, 2020).
Os conflitos citados anteriormente podem ser traduzidos em guerras civis, políticas e golpes militares que ocorreram no Afeganistão, sem mencionar os interlúdios anticonstitucionais, a criação do "Emirado Islâmico do Afeganistão" pelo Talibã, bem como uma longa e multifacetada guerra civil (ARJOMAND, 2005; FRANCISCO, 2020).
2.1 Período da MONARQUIA (1923 – 1973)
Neste período encontra-se a primeira geração de Constituições no Afeganistão, com a formalização e organização de conteúdo de leis gerais e dos Direitos Fundamentais, os quais estavam dispostas, anteriormente, baseadas em leis e culturas do Afeganistão e de Países vizinhos como Índia, além de usar as normas da religião do Islã para aplicar sanções mais severas a seus cidadãos (ARJOMAND, 2005; GODOY, 2020; THIER, 2003)
2.1.1 Ano 1923 - Primeira Constituição do Afeganistão - Sultan Muhammad Khan
A 1ª Constituição e leis do Afeganistão foi originalmente escrita como uma dissertação na Christ’s College, em Cambridge, por um estudante afegão, Sultan Muhammad Khan e publicada em Londres, no ano de 1900 (Thier, 2003). Nessa época, o Sultão observou que as leis do Afeganistão se baseiam em diversas fontes, incluindo antigos costumes e a lei islâmica, empréstimos em tempos modernos da Índia e de outros países vizinhos (ARJOMAND, 2005).
O pequeno movimento constitucionalista entre os afegãos urbanos “A intelligentsia” na primeira década do século XX foi estimulada pelas revoluções constitucionais na Rússia em 1905, no Irã em 1906 e no Império Otomano em 1908 (DANESH, 2015). Nasce, em 1923 a Nova Constituição, promulgada pelo Sultão Amanullah Khan. Foi no seu reinado, que o Afeganistão obteve a independência do Reino Unido sobre seus negócios exteriores. Essa Constituição houveram mudanças sociais e políticas dramáticas (THIER, 2003).
Essa Constituição incorporava os direitos iguais e liberdades individuais, e ampla participação feminina no política (ARJOMAND, 2005). Aboliu a escravidão, tornou a educação primária gratuita, proibiu a tortura e codificou as leis criminais (ARJOMAND, 2005).
2.1.2 Ano 1931 - Constituição Afegã de Nãdir Khan
Uma nova constituição foi aprovada em 1931, após15 anos da construção da primeira Constituição de Amanullah Khan. A Constituição de 1931 “foi em muitos aspectos significativamente mais liberal do que o de 1923”, e, em teoria, tornou o Afeganistão uma Monarquia Constitucional (ARJOMAND, 2005). Essa Constituição introduziu eleições livres, uma imprensa livre e a criação de um Parlamento. No entanto, havia pouco espaço para a participação popular (PASARLAY, 2018; THIER, 2003). Com aprovação da Lei Municipal em 1947, essa Constituição ganhou interlúdio democrático (ARJOMAND, 2005).
2.1.3 Ano 1964 - Constituição Afegã de Zãher Shah
Em 1964, tem-se uma Constituição Democrática, a Constituição Liberal, a terceira Constituição do Afeganistão. Nesse período, o Rei Zahir Shah promulgou uma constituição liberal, que instituiu uma Legislatura Bicameral (PASARLAY, 2018). Houve ampliação dos direitos fundamentais, com o direito a participação popular na política, início dos direitos femininos na política (que desagradou políticos contrários), direitos à permissões de manifestações e direito partidário político (ARJOMAND, 2005; THIER, 2003)
“A constituição de 1964 previa uma Monarquia constitucional, segundo a qual o rei tinha autoridade executiva final (o poder de declarar guerra, assinar tratados e dissolver parlamento, por exemplo)” (THIER, 2003) Essa Constituição possui 11 capítulos e 128 artigos (DANESH, 2015). Pela primeira vez, a constituição de 1964 também institucionalizou a Loya Jirga, a qual pode ser conhecida como superparlamento ou grande Assembleia, uma manifestação da vontade da sociedade afegã que é capaz de representando um governo dissolvido pelo rei (THIER, 2003)
Nessa época, o povo elegeu um terço dos representantes, e o restante foram selecionados indiretamente pelas assembleias provinciais. No contexto de poucas reformas e partidos extremistas, surge o Partido Popular Democrático do Afeganistão (PDPA) (RUBIN, 2020).
O PDPA implementou uma agenda liberal e socialista, passando a substituir as leis religiosas e tradicionais pelas seculares marxista-leninistas (THIER, 2003). O PDPA fez uma série de reformas nos direitos das mulheres, a proibição de casamentos forçados, dando reconhecimento do estado de direito das mulheres ao voto, e introduzindo as mulheres à vida política. O PDPA também realizou a reforma agrária socialista; promoveu o ateísmo de Estado (PASARLAY, 2018; THIER, 2003)
Ano de 1973. Golpe realizado por Sardar Daoud, ex-primeiro-ministro e primo do rei, tomou o poder por golpe, finalizando com a queda da Monarquia, com a revogação da Constituição anterior (THIER, 2003)
2.2 Proclamação da REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO AFEGANISTÃO (1973 – 1992)
2.2.1 Ano 1977 - Primeira Constituição do Afeganistão
É declarada a República Democrática Afeganistão (RDA) sem a participação popular. No ano de 1977, Daoud aboliu a Monarquia, revogou a Constituição de 1964, declarou que o Afeganistão uma República e, para isso, designou uma equipe de 41 membros para escrever e redigir a constituição republicana, a qual possuía 13 capítulos e 136 artigos (DANESH, 2015; THIER, 2003).
Em 1978, Daoud é assassinado pelos setores de oposição marxista. Com o governo em turbulência, houve golpe comunista no País, denominado o ”A Revolução de Saur”, que teve como objetivo a tomada do poder político, no Afeganistão, pelo PDPA, em 27 de abril de 1978 (RUBIN, 2020; THIER, 2003).
Em 1978 - O PDPA convidou a União Soviética (figura 5) para ajudar na modernização da infraestrutura econômica do país, e assinou um acordo com a União Soviética que permita o apoio militar (RUBIN, 2020). Algumas medidas polêmicas na época trazia a emancipação feminina, abolição da burca e a reforma agrária (RUBIN, 2020). Os princípios da República Democrática do Afeganistão mostravam os pensamentos e objetivos do partido comunista de Parchams (DANESH, 2015).
2.2.2 Ano 1980 - Constituição Provisória do Partido Democrata da República do Afeganistão
Com a ocupação soviética no País, essa Constituição foi baseada em leis socialistas e comunistas, o que causou revolta pelos muçulmanos (Thier, 2003). Essa Constituição não conseguiu consagrar a paz a um País tão devastado pela Guerra e por isso, o Presidente foi sucedido pelo Secretário Geral do PDPA, M. Najibullah (RUBIN, 2020).
Essa Constituição introduziu como Princípios Fundamentais a legalização dos partidos políticos, o respeito pela propriedade individual e pessoal (RUBIN, 2020; THIER, 2003). Esses princípios foram baseados nos da Constituição de 1977 e, da mesma forma, mostravam os pensamentos e objetivos do partido comunista de Parchams (DANESH, 2015).
2.2.3 Ano 1987 - Constituição do Presidente Najiballãh
“A sétima constituição do Afeganistão foi aprovada em 1987, pelo Loya Jirga, com 13 capítulos e 149 artigos, durante a presidência do Dr. Najibullah o último presidente do Partido Khalq do regime comunista no Afeganistão” (DANESH, 2015). Este período de guerra civil também testemunhou a instauração e o progresso da Constituição do Presidente Najiballāh, a qual foi inspirada no Governo do Gorbachev (URSS) (DANESH, 2015). As novas leis buscavam finalizar com as Guerras civis a partir da Reconciliação Nacional (ARJOMAND, 2005; DANESH, 2015; THIER, 2003).
2.3 Instalação do ESTADO ISLÂMICO DO AFEGANISTÃO (1992 – 2001)
2.3.1 Ano 1992 - Constituição Islâmica do Afeganistão (Não foi promulgada)
Após a saída das tropas soviéticas do território Afegão, foi necessário elaborar nova Constituição sem ideologia comunista (FRANCISCO, 2020). A Constituição Islâmica do Afeganistão foi proposta por uma equipe de 50 membros a qual ratificou 114 artigos que inseriam ideais muçulmanos e sociológicos e, devido a essas mudanças, essa Constituição não foi assinada e aprovada por políticos e por diferentes camadas da sociedade afegã (DANESH, 2015).
Nesse interim, os partidos políticos se unem e fundam o Estado Islâmico do Afeganistão (THIER, 2003). Todas as referências ao comunismo foram removidas e o Islão virou a religião oficial do Afeganistão e a Sharia virou fontes de lei (THIER, 2003). Nessa instabilidade, o Talibã invade o Afeganistão, não cria constituição, mas diminui direitos fundamentais, como direito à liberdade (LETRA, 2018).
A fase de 1992 a 1996 da Guerra Civil Afegã, a Loya Jirga instala um Governo Islâmico Moderado (Thier, 2003). Os partidos políticos no Afeganistão chegam a um acordo de paz e partilha do poder (Acordos de Peshawar) (PEREIRA, 2011).
A constituição de 1992 é baseada nos princípios e valores do Islã, que estão inscritos na estrutura da Constituição (PEREIRA, 2011). Os primeiros dois artigos da Constituição definem o Afeganistão como uma República Islâmica e reconhecem o Islã como sua religião, enquanto que o artigo 3 proíbe as leis que violam os princípios e regras do Islã no Afeganistão (ARJOMAND, 2005).
Da mesma forma, Arjomand (2005) relata que o projeto de Constituição afirmava categoricamente que “A ordem do estado islâmico do Afeganistão é erigida com base no Texto do Alcorão [:]'Não há comando exceto Deus” e que "o [Šarī`at] do Islã é a única fonte de legislação do país.
Loya Jirga. Estes encontros não têm uma frequência planejada, mas sim são convocados sempre que surge uma disputa ou conflito (ARJOMAND, 2005). Não há prazo para o fim de uma Loya Jirga, e estas reuniões podem de fato durar muito tempo, já que as decisões só são obtidas por consenso, e as argumentações podem durar dias (ARJOMAND, 2005).
Problemas muito diferentes são abordados, como política externa, declarações de guerra, a legitimação dos líderes, e a introdução de novas leis e ideia (BONTURI, 2001)s. Devido as instabilidades trazidas pelas guerras e sistema político desorganizado, o talibã invade o Afeganistão. Sem Constituição forte, e devido as instabilidades trazidas pelas guerras e sistema político desorganizado, o talibã invade o Afeganistão e se instala em 75% do seu território em 1996 (BONTURI, 2001; THIER, 2003)
2.3.2 Ano 1996 – 2001. EMIRADO ISLÂMICO DO AFEGANISTÃO
Os talibãs ao tomaram Cabul, derrubaram o Presidente, e estabeleceram o Emirado Islâmico do Afeganistão (BONTURI, 2001; FRANCISCO, 2020). O novo Governo não revoga a Constituição vigente, porém, atua a partir da imposição de decretos rígidos, chamados “Decretos do Ministério da Virtude e Supressão do Vício”, os quais visavam, principalmente, os direitos das mulheres (ARJOMAND, 2005)
O Talibã procurou estabelecer a lei e a ordem e impor uma interpretação estrita da lei islâmica Sharia (THIER, 2003). “Criado em 1996, o Emirado Islâmico do Afeganistão resultou do domínio talibã no Afeganistão, tendo terminado com a queda do grupo após a invasão dos Estados Unidos ao país em 2001” (ARAUJO, 2020). No exemplo abaixo, tem-se alguns decretos impostos pelo Talibã no Afeganistão entre os anos de 1996-2001:
“Total proibição do trabalho feminino fora de casa. Apenas algumas médicas e enfermeiras estão autorizados a trabalhar nos hospitais de Cabul. Proibidas de estudar em escolas, universidades ou qualquer outra instituição educacional (o Taliban converteu as escolas para meninas em seminários religiosos). Obrigação do uso da burca, vestimenta que as cobre da cabeça aos pés. Açoites públicos contra as mulheres que não escondem seus tornozelos. Apedrejamento público contra as mulheres acusadas de ter relações sexuais fora do casamento. Proibidas de andar de bicicleta ou motos. Proibidas de usar roupas muitos coloridas. Para o Taliban, isso as tornam sexualmente atrativas. Janelas de vidro são pintadas para que as mulheres não sejam vistas do lado de fora de suas casas. É proibido fotografar ou filmar mulheres. É proibido publicar imagens de mulheres em revistas, jornais, livros ou cartazes de qualquer ordem” (FABRIS, GUSTAVO; BORBA, RAFAELE; ZOPPI, 2014).
Bem como, punições em praça pública, destruição de bibliotecas, de televisores e vídeos, além de obrigar os homens a usar barbas e padronizar o corte de cabelo, mudou-se o vestuário masculino e feminino, o novo regime instituiu também regras que restringiram severamente a liberdade das mulheres (GODOY, 2020).
Com a invasão americana no Afeganistão, em novembro de 2001, houve a derrubada do talibã pelas forças aliadas e, a partir das discussões entre a comunidade internacional e representantes das forças anti-taliban, incidiu no Acordo de Bonn e na formação de um governo de transição (THIER, 2003). Nesse ano, com a instabilidade política no País, a ONU impõe sanções contra o Afeganistão. Relatando ser necessário elaborar uma nova Constituição que previsse os Direitos Humanos, assegurar os direitos fundamentais e estabilizasse o sistema político Afegão (THIER, 2003)
2.4 REPÚBLICA ISLÂMICA DO AFEGANISTÃO
No ano de 2004 é elaborada uma nova Constituição que foi aprovada pela ONU (GODOY, 2020). Essa Baseada na Constituição Democrática de 1964, a qual foi projetada para levar em consideração a dinâmica social, política e religiosa do Afeganistão. “Determina-se a obrigação de se vincular à Carta das Nações Unidas, aos tratados e convenções internacionais, bem como à Declaração Universal dos Direitos Humanos” (GODOY, 2020).
De acordo com Arjomand (2005) a nova Constituição mantém o Parlamento Bicameral consistindo de uma Câmara baixa eleita, com pelo menos um assento década província reservada para mulheres, e uma Câmara alta, um terço de cujos membros - divididos igualmente entre homens e mulheres – que são nomeados pelo Presidente, e os dois terços restantes eleitos indiretamente.
“A Constituição do Afeganistão suscita imediata identificação de percepção teológica na medida em que o preâmbulo é antecedido por oração que remete o texto legal à fundamentação divina” (GODOY, 2020). Desta forma, Godoy (2020) relata que “no Afeganistão nenhuma lei pode ser contrária às crenças e provisões da sagrada religião do Islã”.
A soberania nacional do Afeganistão pertence à Nação que a exerce por meio de seus representantes de maneira direta, e ao falar em Nação, em termos constitucionais, entende-se que sejam todos os indivíduos nascidos no País (GODOY, 2020).
A Constituição da República Islâmica do Afeganistão (2004) possui 162 – ARTIGOS, divididos em 12 CAPÍTULOS (UNDP, 2019a). A Constituição reconhece o Islã como religião nacional, se compromete com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a combater o terrorismo e a produção de narcóticos (UNDP, 2019a).
Artigo Dois
A religião sagrada do Islã é a religião da República Islâmica do Afeganistão. Seguidores de outras religiões serão livres dentro dos limites da lei no exercício e desempenho de seus rituais religiosos.
Artigo Três
Nenhuma lei deve infringir os princípios e disposições da sagrada religião do Islã no Afeganistão.
Artigo Seis
O estado é obrigado a criar uma sociedade próspera e progressiva baseada na justiça, preservação da dignidade humana, proteção dos direitos humanos, realização da democracia, obtenção da unidade nacional, bem como igualdade entre todos os povos e tribos e equilíbrio desenvolvimento de todas as áreas do país.
Artigo Sete
O estado deve observar a Carta das Nações Unidas, acordos interestaduais, bem como tratados internacionais aos quais o Afeganistão aderiu, e a Declaração Universal do Homem Direitos. O Estado deve prevenir todos os tipos de atividades terroristas, cultivo e contrabando de narcóticos e produção e uso de tóxicos.
Somente no ano de 2016, a plantação de ópio do Afeganistão foi de 201.000 hectares, aumentando sua produção em 43% em relação a 2009, de acordo com Agência das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC) (NO AUTHOR, 2020; WELLE, 2020a). Para plantio, 328 mil hectares foram utilizados em 2017, 63% a mais do que no ano anterior; novo levantamento da agência da ONU mostra que com isso, produção de heroína pode chegar a 900 toneladas, figura 10 (LETRA, 2018).
- Capítulo Três: O Presidente
O chefe de Estado da República Islâmica do Afeganistão é o presidente. O poder é dividido entre o Presidente, a Assembleia Nacional, a Grande Assembleia (Loya Jirga) e o Supremo Tribunal. Primeira vez, eleição direta para Presidente.
O mandato do Presidente é de cinco anos e, entre os poderes detidos por ele, está o de convocar referendo em matérias de interesse nacional, relacionadas a questões políticas, sociais e econômicas (GODOY, 2020). Por ser um País com muitos grupos étnicos, veda-se que o Presidente comporta-se baseado nos fundamentos linguísticos, étnicos, religiosos ou regionais ao longo de seu mandato (GODOY, 2020)
No Governo de 2020, nas eleições, Ashraf Ghani, foi declarado o vencedor oficial, mas o resultado foi rejeitado por Abdullah Abdullah, que anunciou um governo paralelo, desta forma, no intuito de finalizar duas décadas de guerra civil, assinaram um acordo de compartilhamento de poder (WELLE, 2020b).
Artigo Sessenta
O Presidente será o chefe de estado da República Islâmica do Afeganistão, executando seu autoridades nos campos executivo, legislativo e judiciário, de acordo com as disposições desta Constituição. O presidente terá dois vice-presidentes, primeiro e segundo (...)
Artigo Sessenta e Um
(...) voto livre, geral, secreto e direto (...)
3. ASPECTOS ATUAIS –DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Com as primeiras Constituições elaboradas, houve progresso nas conquistas dos direitos femininos, principalmente no que diz respeito a participação política e liberdade para trabalhar e estudar, no entanto, ao longo dos anos, com guerras civis, invasões e golpes militares, esses direitos foram sendo tolhidos aos poucos (ARJOMAND, 2005; DANESH, 2015).
Sobre essa questão, Garcia (2020) traz que “através de diferentes governos, tais como os Mujahideen e os talibã na parte final do século XX, as mulheres do Afeganistão tiveram muito pouca ou nenhuma liberdade”. Pois, como citado anteiormente, durante o domínio do Talibã, as mulheres não podiam sair, trabalhar e muito menos estudar, sem que fossem espancadas por esse grupo (ARJOMAND, 2005; GARCIA, 2020).
Nesta atual Constituição, houve um retorno dos direitos fundamentais dos cidadãos, como homens e mulheres tendo direitos e deveres iguais, bem como o acesso a educação e empregos, herança de propriedades e a capacidade de escolher um marido (GONÇALVES, 2019).
- Princípios fundamentais na Constituição Afegã de 2004 - Capítulo Dois: Direitos Fundamentais e Deveres dos Cidadãos (art.22- art.58)
A elaboração da Constituição de 2004 trouxe como base os princípios da soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político. Citam-se os direitos fundamentais que chamam atenção pela proximidade com os direitos fundamentais previstos na Constituição Brasileira de 1988.
Artigo Vinte e Dois
Qualquer tipo de discriminação e distinção entre cidadãos do Afeganistão deve ser proibido. Os cidadãos do Afeganistão, homens e mulheres, têm direitos e deveres iguais perante a lei.
Artigo Vinte e Três
A vida é um dom de Deus e também um direito natural do ser humano. Ninguém deve ser privado de exceto por disposição legal.
Artigo Vinte e Quatro
A liberdade é o direito natural do ser humano. (...) O estado deve respeitar e proteger a liberdade, bem como a dignidade humana.
Artigo Trinta e Quatro
A liberdade de expressão é inviolável (..)
Artigo Trinta e Oito
As residências pessoais devem ser imunes à invasão (...)
Artigo Quarenta e Quatro
O estado deve elaborar e implementar programas eficazes para criar e promover uma educação equilibrada para as mulheres, melhorar a educação dos nômades e também eliminar o analfabetismo no país.
Artigo Quarenta e Oito
O trabalho é um direito de todo afegã (...)
Artigo Cinquenta e Dois
O estado deve fornecer gratuitamente cuidados de saúde preventivos e tratamento de doenças, bem como facilidades a todos os cidadãos de acordo com as disposições da lei (...)
Discorrendo sobre os Direitos Fundamentais previstos na Constituição Afegã de 2004, tem-se que a liberdade é consignada como direito natural do ser humano, proíbe-se qualquer forma de discriminação e privilégio (UNDP, 2019b).
“A lei deve ser do conhecimento de todos, que não podem invocar ignorância. O Estado afegão se diz constitucionalmente obrigado a garantir direitos e liberdades de cidadãos que residem no país. Dos estrangeiros exige-se respeito às leis afegãs, e de, anotou-se que esse respeito é determinado nos termos do direito internacional” (GODOY, 2020).
A Constituição Afegã também prevê que o “crime é ação pessoal”, isto é, considera-se a subjetividade do criminoso, proibindo-se a extensão da pena além da pessoa do acusado, ou seja, a detenção do acusado bem como a execução da pena não pode atingir terceiros (GODOY, 2020). A educação é direito de todos os cidadãos afegãos, homens e mulheres, e é obrigação do Estado oferece-lo de maneira gratuita (GODOY, 2020). “Hoje, mais de 3,5 milhões estão matriculadas em escolas primárias e secundárias, e 100 mil frequentam universidades, de acordo com o Departamento de Estado dos Estados Unidos”, figura 11 (GONÇALVES, 2019).
Mesmo estando previstos na Constituição Afegã de 2004, as mulheres continuam tendo seus direitos limitados pelo Estado (EVANS, 2001). A questão dos direitos das mulheres não deve ser vista isoladamente, mas faz parte da necessidade de proteção dos direitos humanos e proteção contra discriminação injusta para todos os cidadãos do Afeganistão (EVANS, 2001).
CONCLUSÃO
Nesta breve pequisa histórica bibliográfica, observa-se que a experiência do Afeganistão com as Constituições é muito recente, com menos de um século, e que essas foram elaboradas sob diferentes sistemas políticas baseados em sistemas monárquicos, democráticos (base parlamentar), absolutistas e autoritários.
De forma geral, consegue-se perceber que, apesar de ser uma Constituição nova, que busca resolver injustiças passadas, como torturas, extinção de direitos básicos, como à vida, à liberdade, ao trabalho ao estudo, ainda não conseguiu estabelecer uma democracia que se baseia na vontade do povo e para o povo.
Quando comparada à Constituição brasileira que é forte, cidadã, onde o poder emana do povo, essa Constituição precisará de muitas modificações para que realmente traga de volta os Direitos Fundamentais do seu povo, como está previsto no seu capítulo II.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BONTURI, João. Conheça a história do Afeganistão. 2001. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u29094.shtml?origin=folha. Acesso em: 10 out. 2020.
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