Tratamento fiscal das empresas em recuperação judicial no projeto que visa alterar a LRFE

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O Projeto de Lei nº 4.458/2020, recentemente aprovado no Senado Federal, trouxe algumas inovações relacionadas ao tratamento fiscal dado às formas de reestruturação de dívidas no âmbito de recuperações judiciais ou extrajudiciais, de maneira a compatibilizá-lo ao objetivo maior de viabilizar a saúde financeira das empresas, contribuindo para o efetivo soerguimento de empresas em grave estado financeiro.

I – PARCELAMENTO DO CSLL E IRPJ

A primeira das inovações diz respeito à possibilidade de parcelamento do imposto de renda e do CSLL decorrente do ganho de capital na venda de ativos em RJ ou na falência. Esta é a redação dada pelo artigo 6º-B, que já constava no Projeto endereçado à Câmara dos Deputados, in verbis:

Art. 6º-B Não se aplica o limite percentual de que tratam os arts. 15 e 16 da Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995, à apuração do imposto sobre a renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre a parcela do lucro líquido decorrente de ganho de capital resultante da alienação judicial de bens ou direitos, de que tratam os arts. 60, 66 e 141 desta Lei, pela pessoa jurídica em recuperação judicial ou com falência decretada.

Art. 50.

§ 4º O imposto sobre a renda e a CSLL incidentes sobre o ganho de capital resultante da alienação de bens ou direitos pela pessoa jurídica em recuperação judicial poderão ser parcelados, com atualização monetária das parcelas, observado o seguinte:

I - o disposto na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002; e

II – a utilização, como limite, da mediana de alongamento no plano de recuperação judicial em relação aos créditos a ele  sujeitos.

Vamos pensar em uma hipótese na qual a empresa em recuperação tenha adquirido um imóvel anos antes de ter requerido a sua recuperação judicial. Caso haja valorização deste imóvel no curso da recuperação judicial, e em havendo expressa previsão de alienação judicial deste bem no plano de recuperação judicial, com a venda de tal ativo, poderão ser parcelados o IRPJ e o CSLL apurados com base nos ganhos em razão das vendas.

Registra-se que o art. 109 da Lei nº 12.973/14, já permitia que ganhos apurados na venda de ativos por determinadas pessoas jurídicas em liquidação ordinária, judicial ou extrajudicial, ou em regime de falência, sejam compensados sem aplicação da referida trava. Entretanto, tal compensação só pode ocorrer se os recursos obtidos com a venda dos ativos sejam para pagamentos de dívidas com a União.

Veja-se que a possibilidade parcelamento de CSLL e IRPJ na venda de ativos na Recuperação Judicial e na falência não tem por escopo somente beneficiar a recuperanda, mas também todo o mercado de venda de ativos provenientes de empresas em recuperação, estimulando a economia especialmente dos fundos que lidam com distressed assets.

II – TRIBUTAÇÃO DIFERENCIADA NA RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDAS

Na visão do Fisco, com a redução da dívida apresentada no plano de recuperação judicial haveria a incidência da contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) – entendimento juridicamente questionável.

Visando corrigir esta distorção, o Projeto insere inovadora previsão no sentido de afastar a limitação e compensação de 30% referentes ao IRPJ e CSSL.

Como se sabe, a norma tributária vigente limita a compensação de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL a até 30% do resultado tributável do exercício (a denominada trava de 30%), não havendo exceção para empresas em recuperação judicial ou mesmo em processo de falência.

A respeito do tema, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta COSIT nº 21/2013, registrando seu entendimento no sentido de que: “O perdão de dívidas, consabidamente, configura receita para a pessoa jurídica devedora e caracteriza o fato gerador do imposto de renda (…), pois se está diante de um acréscimo patrimonial – resultante da diminuição de um passivo. Essa receita, igualmente, integra a base de cálculo da CSLL (…) e, em princípio, da Contribuição para o PIS/Pasep (…) e da Cofins (…)”.

Contudo, pela redação do artigo 50-A do Projeto, não se aplica mais a limitação de 30%, possibilitando com que as empresas em recuperação judicial compensem o IRPJ e o CSLL em sua totalidade, o que poderá beneficiar os contribuintes sujeitos à apuração pelo lucro real.

Como se não bastasse, na visão do Fisco, sobre o valor do haircut haveria a incidência da contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) – entendimento que sempre foi contestado juridicamente pelos contribuintes.

Entretanto, o Projeto estabelece que as receitas decorrentes da renegociação no processo de recuperação judicial não serão computadas na base de cálculo de PIS/Cofins, entendimento que pode dar verdadeiro alívio às empresas que estão com a saúde financeira abalada.

III – SUBSTITUIÇÃO DE ATOS CONSTRITIVOS DA RECUPERANDA

O Projeto permite ao juízo da Recuperação Judicial a substituição de atos de penhora sobre bens essenciais à manutenção da atividade empresarial. A disposição parece ser uma medida alternativa adequada para equilibrar a capacidade de geração de receita (princípio da preservação da empresa) com o interesse creditório do Fisco, o qual, muito embora não se submeta ao procedimento recuperacional, não deve ignorá-lo.

No que tange à temática de substituição de atos constritivos de bens considerados “essenciais” à recuperanda, o Projeto é omisso em algumas indagações importantes. Afinal: quem irá indicar o bem a ser substituído? E a suposta violação à hierarquia entre o juízo da execução fiscal e o juízo da recuperação? Na prática, e se não houver bens a serem substituídos pela recuperanda?

Parece que a melhor solução a estas indagações é realizar um controle dos atos expropriatórios a serem substituídos, desde que os credores sejam instados a se manifestarem sobre a possibilidade de modificação do bem constrito.

IV – PARCELAMENTO DOS DÉBITOS TRIBUTÁRIOS

O artigo 68 da Lei 11.101/2005 estabelece que as Fazendas Públicas podem instituir, mediante lei específica, regra sobre o parcelamento de seus créditos.

O Código Tributário Nacional, por sua vez, no parágrafo terceiro do artigo 155-A afirma que: “lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial”.

Acontece que a tal lei específica somente surgiu em 2014, com o advento da Lei nº 13.043/2014, em seu artigo 10-A, dispôs sobre a possibilidade de parcelamento de débitos tributários com a Fazenda Nacional em até 84 (oitenta e quatro) parcelas mensais.

Nesta toada, visando aumentar ainda mais o prazo de parcelamento para empresas em recuperação judicial com débitos tributários, uma outra medida que ganhou aplausos da comunidade jurídica está na possibilidade de o devedor parcelar seus débitos para com a Fazenda Nacional (inclusive de natureza não tributária) em até 120 parcelas (144 para microempresas e empresas de pequeno porte), atendidos alguns patamares mínimos — por exemplo, em parcelas de 0,5% do valor total da dívida até a 12ª parcela. Tal adesão se dará por termo de compromisso.

No tocante aos débitos administrados pela Receita Federal do Brasil (RFB), o Projeto possibilita a liquidação de até 30% com o abatimento de prejuízos fiscais acumulados, parcelando-se o saldo restante em até 84 vezes.

Noutro giro, se a empresa devedora optar por incluir débitos em discussão administrativa ou judicial nessas modalidades de parcelamento, deverá comprovar a desistência de impugnações, recursos e ações judiciais, conforme o caso, bem como a renúncia quanto às alegações de direito correspondentes. Tal como se dá nas modalidades habituais de parcelamento (Refis e outros), a medida é bastante questionável, por obrigar o contribuinte a abandonar questionamentos possivelmente legítimos e válidos.

Há disciplina específica para o parcelamento, ainda, para tributos retidos na fonte e para o imposto sobre operações financeiras (IOF).

Vale registrar que o parcelamento configura hipótese de suspensão do crédito tributário, nos termos do CTN, de modo que, a prevalecer essa previsão do projeto, deverão ser suspensas as execuções fiscais em curso contra o devedor.

Além disto, destaca-se a interessante disposição constante no Projeto para que o devedor em recuperação judicial apresente proposta de transação tributária à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), medida alinhada com os recentes avanços na disciplina da transação em matéria tributária, relegada por décadas, conquanto autorizada pelo Código Tributário Nacional (CTN). O projeto, inclusive, remete às normas sobre o assunto estabelecidas pela Lei nº 13.988/2020.

Nesse sentido, segundo o projeto, a empresa devedora poderá propor a liquidação de seus débitos fiscais inscritos em dívida ativa em até 120 meses, com limite máximo de 70% de reduções. A apresentação da proposta suspenderá o andamento das execuções fiscais.

Para a admissibilidade da proposta, a PGFN deverá levar em consideração princípios como o da isonomia; capacidade contributiva; preservação da atividade empresarial; razoável duração dos processos e outros, além de se pautar por parâmetros como a recuperabilidade do crédito; e proporção entre passivo fiscal e total das dívidas da sociedade.

Apesar de todas essas normas favoráveis às empresas em recuperação judicial que possuem passivo fiscal, é importante constatar que mesmo com a Lei de 2014, que trouxe importante possibilidade de parcelamento dos débitos tributários, que a possibilidade de parcelamento dos tributos não deve servir de estimulo para a total inadimplência dos contribuintes, o que é visto na praxe judicial com certa ocorrência.

Isto porque “para que haja o parcelamento nos moldes da referida lei é necessário que o devedor aceite todas as cobranças feitas pela Fazenda, renunciando a qualquer discussão ou questionamento” e, “isso deve ser feito para todos os créditos, inclusive para aqueles que sequer foi citado”[1].

Além disto, cabe constatar que “não cabe ao Poder Judiciário, nos procedimentos recuperatórios, traçar políticas tributárias distintas daquelas previstas na legislação pertinente”[2].

Desta forma, não se pode perder de vista que o parcelamento dos débitos tributários não deve ser visto como subterfúgio para que as empresas em recuperação não regularizem seus passivos fiscais.

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V – PEDIDO DE FALÊNCIA PELO FISCO

Ainda no campo das mudanças legislativas ocorridas no âmbito fiscal, está a possibilidade do Fisco requerer a falência, nos termos do inciso VI do artigo 73: “quando identificado o esvaziamento patrimonial da devedora que implique liquidação substancial da empresa, em prejuízo de credores não sujeitos à recuperação judicial, inclusive as Fazendas Públicas”.

Tal norma foi bastante criticada pela comunidade jurídica em geral, em razão da vagueza do texto. Afinal, o que seria uma situação de “esvaziamento patrimonial”?

Muito embora haja a vagueza no texto do Projeto de Lei, o que deverá ser bastante balizado pelo Poder Judiciário, também é importante ressaltar que a alteração objetiva forçar com que as empresas fiquem mais atentas ao pagamento dos tributos, pois a realidade demonstra que muitas utilizam das normas de parcelamento para ficarem inadimplentes com o Fisco.

Por outro lado, é verdade que a Fazenda Pública goza de inúmeras garantias, privilégios e preferências para fazer valer seu direito creditório.

Contudo, faz-se mister ter em mente a opinião apresentada pelo comercialista Marcelo Sacramone:

Quanto ao argumento de que o Fisco poderia comprometer o desenvolvimento econômico nacional com diversos pedidos de falência, não há diferenciação do Fisco com os demais credores. A possibilidade mais célere de exigência do crédito, sob pena de decretação de falência poderia incentivar os credores a manterem sua condição fiscal regularizada, com ganhos econômicos para toda a coletividade. Ademais, o empresário que não consegue desempenhar sua atividade econômica com o devido recolhimento de seus tributos e demais encargos compromete a circulação de riqueza e gera uma distorção no sistema de mercado ao tentar obter tratamento menos oneroso em relação aos seus concorrentes. O pedido de falência permitiria manter a higidez do mercado, a concorrência em igualdade de condições entre todos os agentes e recolhimento regular de tributos, em benefício do desenvolvimento econômico nacional[3]

Diante deste prisma, e tendo em vista que todos os contribuintes são sujeitos a regularizarem e estarem em dia com suas obrigações fiscais, às empresas em recuperação judicial não é lícito fugirem desta regra, sob pena do sistema econômico entrar em verdadeiro colapso.

Não se ignora que a previsão legal na Lei de Recuperação Judicial e Falências de um aumento no parcelamento dos débitos tributários traz um fôlego maior para as empresas em recuperação judicial, o que vai de encontro com o espírito da legislação falimentar.

Entretanto, é necessário ter em vista que o parcelamento dos débitos não exclui a responsabilidade das empresas devedores em quitá-los, sendo certo que em determinadas situações, há a possibilidade de decretação até mesmo da falência do devedor, o que está previsto no Projeto de Lei que caminha para a sanção ou veto do Presidente da República.

VII – CONCLUSÕES

Pela análise da redação final do Projeto nº 4.458/2020, que atualmente está para a sanção ou veto da Presidência da República, com grandes esperanças de ser sancionado na íntegra, podemos notar que várias foram as alterações no que tange ao tratamento fiscal dado às empresas em recuperação judicial.

Tem-se que a previsão legal de parcelamento dos tributos incidentes sob o ganho de capital com a venda de ativos na Recuperação Judicial, é medida que visa fomentar o mercado de distressed assets, além de também beneficiar as empresas em crise.

A possibilidade de compensação de tributos na totalidade e a não incidência de PIS e COFINS com a renegociação de dívidas foi bastante elogiada pela comunidade jurídica, haja vista que as cobranças de tributos nestas situações sempre envolveu discussões judiciais bastante imbricadas.

De outra banda, a possibilidade de aumento no parcelamento dos débitos tributários, por mais que seja medida de grande alívio financeiro para as empresas em recuperação, não pode ser tomada como uma simples esquiva para inadimplemento dos débitos tributários, o que prejudicaria toda a sociedade e o desenvolvimento econômico nacional.

Se realmente sancionado pela Presidência da República e convertido em lei, o Projeto poderá representar uma certa modernização da legislação recuperacional e falimentar, tornando a relação entre Fisco e contribuinte mais adequada ao princípio da preservação da empresa, sem prejuízo à eficácia na recuperação dos créditos tributários, com a implementação de mecanismos já consagrados na legislação fiscal (como os parcelamentos) e outros mais modernos (caso da transação tributária), prestigiando também o mercado de venda de ativos.

 

[1] Vide parecer ministerial firmado pela Exmª. Procuradora de Justiça Maria da Glória Villaça Borin Gavião de Almeida nos autos do agravo de instrumento n. 2109677-09.2015.8.26.0000.

[2] TJ-SP - AI: 22642072920198260000 SP 2264207-29.2019.8.26.0000, Relator: Ricardo Negrão, Data de Julgamento: 01/07/2020, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 01/07/2020

[3] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva Jur, 2018. p. 370.

Sobre o autor
Vitor Gomes Rodrigues de Mello

Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Advogado em São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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