A legislação orçamentária e a suplementação orçamentária no âmbito municipal

30/12/2020 às 21:16

Resumo:


  • O direito financeiro regula a atividade financeira do Estado, incluindo receita, despesa, orçamento e crédito público.

  • A Constituição de 1988 estabelece as normas gerais sobre legislação orçamentária, e a Lei 4.320/64 atua como norma geral na ausência de uma Lei Complementar específica.

  • O ciclo orçamentário é composto pelo Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA), sendo essenciais para o planejamento e execução das políticas públicas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A suplementação orçamentária é uma constante no âmbito municipal, no entanto, nao se pode conceber que tal autorização para abertura de crédito suplementar, seja excessivamente elevada ou ínfima a prejudicar a continuidade das funções públicas

I – INTRODUÇÃO

 

A atividade financeira estatal, objeto de estudo do direito financeiro, abrange a receita pública, o crédito público, o orçamento público e a despesa pública, instrumentos esses cujas regras são regulamentadas para permitir ao gestor público o devido planejamento considerando que o gasto público deve estar de acordo com a receita pública.

A Constituição Federal de 1988 estabelece as regras gerais sobre a legislação orçamentária, a exemplo, da competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre direito financeiro e orçamento prevista no art. 24, I e II, observando que o Município, também, tem competência para tratar do tema a fim de suplementar à legislação federal e estadual no que couber nos termos do art. 30, II, da CF.

Ainda, a CF/88 remete para Lei Complementar estabelecer as normas gerais sobre direito financeiro, a exemplo, do procedimento de aprovação da legislação orçamentária, nos termos do art. 165, §9º, I, todavia, referida lei não foi ainda editada e, em consequência, a Lei nº 4.320/64, faz esse papel, tendo sido recepcionada pela Constituição superveniente com status de Lei Complementar.

Há um ciclo orçamentário que se inicia pelo Plano Plurianual, passa pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, encerrando na Lei Orçamentária Anual, normas essas com finalidades distintas, mas que devem estar integradas para que se possa realizar o efetivo planejamento do gasto público a partir das receitas estimadas, a fim de atender as necessidades da coletividade.

O PPA - Plano Plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias são inovações da Constituição Federal de 1988 e, portanto, tornou-se obrigatório a realização de um planejamento de médio prazo permitindo a continuidade da execução de obras públicas e na prestação de serviços públicos.

Por sua vez, a lei orçamentária anual é o instrumento no qual se estima as receitas e fixa as despesas para o próximo exercício financeiro, servindo de instrumento para a autorização do gasto público e, nesse contexto, o presente ensaio abordará um aspecto polêmico que envolve a LOA, qual seja, a autorização para a suplementação orçamentária que ocorre nas hipóteses em que a despesa foi insuficientemente dimensionada.

Para tanto, inicialmente será pontuado as diferenças entre PPA, LDO e LOA, em sequência, será pontuada a lei orçamentária no âmbito municipal, as espécies de créditos adicionais e respectiva suplementação, concluindo pela tendência da mudança cultural de considerar a legislação orçamentária como mera formalidade.

A metodologia adotada é bibliográfica realizada a partir de artigos jurídicos e doutrina, além da análise pontual da legislação e da jurisprudência nacional relacionada à temática, a fim de refletir o impacto do devido planejamento orçamentário nas políticas públicas municipais.

 

II – A LEGISLAÇÃO ORÇAMENTÁRIA

O PPA - Plano Plurianual é uma inovação na Constituição Federal de 1988, tratando-se de ferramenta de planejamento formalizado através de lei com vigência de 04 (quatro) anos, cujo prazo não coincide com o mandato do Chefe do Poder Executivo, na qual deverá ser estabelecido o programa de governo.

Em consequência, no primeiro ano de mandato o Chefe do Poder Executivo (Prefeito, Governador ou Presidente) deverá observar o PPA aprovado na gestão anterior, devendo encaminhar nesse primeiro ano o seu projeto de PPA, o qual, aprovado, passará a viger a partir de 1º de janeiro do segundo ano de mandato.

A lógica aqui é observar a continuidade do planejamento, notadamente, no que se refere às despesas de capital, impedindo que o atual gestor possa, simplesmente, abandonar as obras e serviços em execução, observando que é possível que o PPA seja alterado, mas, para tanto, há necessidade de encaminhar novo projeto de lei, ficando a cargo do Poder Legislativo aprovar ou não essa alteração.

No termos do art. 167 da CF/88, no PPA deverão estar previstos, de forma regionalizada, as diretrizes, as metas e objetivos para as despesas de capital e outras a ela relacionadas, além das despesas relativas às programas de natureza contínua, observando que qualquer investimento que ultrapasse um exercício financeiro deve estar previsto no PPA.

Fato é que a CF/88 estabelece regras gerais para a legislação orçamentária e regras específicas para a legislação orçamentária federal, não obstante, neste ponto, tais parâmetros, no que couber, devem ser observados nas esferas estadual, distrital e municipal.

Por exemplo, no âmbito municipal, a CF/88 impõe o Plano Diretor como instrumento básico de política pública de desenvolvimento e expansão urbana, tratando-se de lei obrigatória para municípios com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes e, portanto, a legislação orçamentária municipal deve ser elaborada de forma que observe o plano diretor municipal, permitindo que as políticas públicas de médio e longo prazo sejam coerentes com o crescimento ordenado e com infraestrutura adequada a fim de reduzir as desigualdades no âmbito territorial do município.

A LDO, também, é uma inovação da CF/88 e serve de elo entre o PPA e a LOA - Lei Orçamentária Anual, na qual deverá constar: a) as metas e as prioridades; b) as despesas de capital para o exercício financeiro seguinte; c) as orientações para a elaboração da LOA; d) alterações da legislação tributária; e, e) política de aplicação das agências oficiais de fomento.

A LDO deve ser aprovada no primeiro semestre de cada ano, cujo projeto deve ser encaminhado até 15 de abril para o Poder Legislativo, observando que a sessão legislativa não será interrompida sem a aprovação da LDO, considerando que ela serve de norte para a elaboração do projeto da LOA, observando que, diferente do informado por alguns doutrinadores, a vigência da LDO não é anual, considerando que vigora no exercício financeiro de sua aprovação e no exercício financeiro seguinte.

Uma aplicação da LDO está relacionada ao aumento de remuneração de servidores, não bastando à previsão na LOA, devendo, também, está prevista na LDO nos termos do art. 169, §1º da CF, salvo quando se tratar de empresa pública e sociedade de economia mista.

A LOA – Lei Orçamentária Anual é a lei que irá estimar as receitas e fixar as despesas para o próximo exercício financeiro, devendo o seu projeto ser encaminhado até 31 de agosto para o Poder Legislativo e aprovado até o encerramento da sessão legislativa, a fim de que entre em vigor em 01 de janeiro do exercício financeiro seguinte, tratando-se de lei temporária porque vigora, em regra, de 01 de janeiro a 31 de dezembro, que vem a se confundir com o ano civil.

Pelo princípio da exclusividade, a LOA somente poderá tratar de receitas e despesas, não podendo conter matéria estranha ao orçamento, entretanto, a CF permite que conste da LOA autorização para suplementação orçamentária e para a realização de operação de crédito, inclusive, por antecipação de receitas.

Importa registrar que há um microssistema informativo para a elaboração da legislação orçamentária previsto na Constituição Federal e complementado pela Lei nº 4.320/64 e pela Lei Complementar nº 100/01.

O estabelecimento de prazos para o encaminhamento dos projetos da legislação orçamentária deveria estar estabelecido em Lei Complementar, ainda não editada, aplicando-se o contido no art. 35, §2º do ADCT, o que pode trazer inconsistências quanto ao planejamento, a exemplo, do primeiro ano de mandato do Chefe do Poder Executivo, o qual deverá encaminhar o projeto de LDO, sem que tenha, ainda, aprovado o seu projeto de PPA.

A iniciativa para propor a legislação orçamentária é do Chefe do Poder Executivo, no entanto, não há aqui discricionariedade, tratando-se de atuação vinculada, caracterizando crime de responsabilidade caso o gestor, intencionalmente, seja relapso com os prazos para encaminhar os respectivos projetos de PPA, LDO e LOA.

Quando os projetos de PPA, LDO e LOA chegam ao Poder Legislativo, primeiramente, passam pela comissão permanente que irá analisar a compatibilidade das regras contidas nos projetos com a CF e, no âmbito federal, haverá uma comissão mista de deputados e de senadores que analisará o projeto perante a qual poderão ser apresentadas emendas individuais, de comissão permanente e de bancadas.

Na literalidade da CF/88 a LDO não pode ser rejeitada considerando que a sessão legislativa não pode ser interrompida sem a sua aprovação, diferente da LOA que pode, inclusive, ser rejeitada, situação em que o Chefe do Poder Executivo dependerá da aquiescência específica do Poder Legislativo para a assunção e custeio de despesas.

Aprovada e sancionada a LOA, estará autorizado o gasto público para determinado exercício financeiro, no entanto, tal gasto depende da efetiva realização das receitas, o que será verificado durante a execução orçamentária, havendo instrumentos para que se promova a adequação da despesa de acordo com a efetiva receita, notadamente, através da abertura de créditos adicionais.

 

III – O ORÇAMENTO NA REALIDADE MUNICIPAL

As regras, acima sintetizadas, com relação à legislação orçamentária se aplicam de igual forma no âmbito municipal e, dessa forma, todo ano deverá ser encaminhado um novo projeto de lei orçamentária que deverá estimar as receitas e fixar as despesas para o próximo exercício financeiro.

Um diferencial nos municípios decorre da aplicação do art. 44 do Estatuto das Cidades que estabelece o princípio da gestão participativa na elaboração da legislação orçamentária que consiste na realização de debates, audiências públicas e consultas públicas como condição obrigatória para a aprovação da legislação orçamentária na Câmara Municipal.

Quanto às despesas não há total liberdade para a sua fixação considerando que boa parte do orçamento municipal vincula-se ao custeio de despesas constitucionalmente e/ou legalmente estabelecidas.

Nesse cenário, da receita municipal estimada devem ser destinados para a educação, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento), para a saúde, no mínimo, 15% (quinze por cento), para a folha de pagamento, no máximo, 60% (sessenta por cento), o que evidencia a pouca flexibilidade do gestor municipal para planejar investimentos na cidade e para manter a estrutura municipal funcionando adequadamente.

Lado outro, as fontes das receitas municipais decorre, basicamente, da arrecadação dos próprios tributos, da cobrança de preços públicos, de transferências obrigatórias e de transferências voluntárias.

A verdade é que boa parte dos Municípios brasileiros não sobrevivem tão somente da arrecadação dos próprios tributos e da cobrança de preços públicos e, dessa forma, dependem das transferências de recursos dos respectivos Estados e da União.

No caso das transferências obrigatórias, a exemplo, do Fundo de Participação dos Municípios, os repasses realizados pela União dependem do volume da arrecadação tributária federal no que se refere ao Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados e, dessa forma, a eventual queda de receita desses impostos afeta o repasse de recursos públicos para os Municípios.

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No Supremo Tribunal Federal havia entendimento de que a concessão de benefícios fiscais não poderia implicar em diminuição do cálculo do repasse de receitas tributárias constitucionalmente asseguradas aos Municípios, a significar que o repasse teria que ser realizado pelo valor cheio sem considerar a perda decorrente da desoneração ou isenção, no entanto, tal entendimento foi superado, vide:

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E FINANCEIRO. FEDERALISMO FISCAL. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS – FPM. TRANSFERÊNCIAS INTERGOVERNAMENTAIS. REPARTIÇÃO DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS. COMPETÊNCIA PELA FONTE OU PRODUTO. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA. AUTONOMIA FINANCEIRA. PRODUTO DA ARRECADAÇÃO. CÁLCULO. DEDUÇÃO OU EXCLUSÃO DAS RENÚNCIAS, INCENTIVOS E ISENÇÕES FISCAIS. IMPOSTO DE RENDA - IR. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI. ART. 150, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. Não se haure da autonomia financeira dos Municípios direito subjetivo de índole constitucional com aptidão para infirmar o livre exercício da competência tributária da União, inclusive em relação aos incentivos e renúncias fiscais, desde que observados os parâmetros de controle constitucionais, legislativos e jurisprudenciais atinentes à desoneração. 2. A expressão “produto da arrecadação” prevista no art. 158, I, da Constituição da República, não permite interpretação constitucional de modo a incluir na base de cálculo do FPM os benefícios e incentivos fiscais devidamente realizados pela União em relação a tributos federais, à luz do conceito técnico de arrecadação e dos estágios da receita pública. 3. A demanda distingue-se do Tema 42 da sistemática da repercussão geral, cujo recurso-paradigma é RE-RG 572.762, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 18.06.2008, DJe 05.09.2008. Isto porque no julgamento pretérito centrou-se na natureza compulsória ou voluntária das transferências intergovernamentais, ao passo que o cerne do debate neste Tema reside na diferenciação entre participação direta e indireta na arrecadação tributária do Estado Fiscal por parte de ente federativo. Precedentes. Doutrina. 4. Fixação de tese jurídica ao Tema 653 da sistemática da repercussão geral: “É constitucional a concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos ao Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados por parte da União em relação ao Fundo de Participação de Municípios e respectivas quotas devidas às Municipalidades.” 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 705423, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 23/11/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-020  DIVULG 02-02-2018  PUBLIC 05-02-2018) GRIFO NOSSO

 

Decerto que a concessão de incentivos fiscais quanto ao IPI, seja de forma geral, seja para setores específicos, impacta diretamente nos repasses destinados aos Municípios e, em consequência, em sua execução orçamentária.

Para além das transferências obrigatórias, os Municípios ficam na dependência de transferências voluntárias de recursos públicos estaduais e federais para a realização de obras públicas e implantação e/ou expansão de serviços públicos, no entanto, é possível que tais recursos sejam prometidos, formalizados e não sejam repassados em decorrência de algumas variáveis na execução orçamentária federal e estadual, notadamente, o contingenciamento de despesas.

Tais fatores evidenciam que a elaboração e a execução orçamentária não são instrumentais estáticos sofrendo influências diversas, principalmente, das políticas econômicas governamentais e, portanto, é uma prática comum que a legislação orçamentária seja alterada durante a sua vigência, desde que observados alguns limites constitucionais e legais, para a sua adequação à realidade econômica.

 

IV – AUTORIZAÇÃO DE SUPLEMENTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA

A aprovação da legislação orçamentária é concebida a partir de uma realidade projetada que poderá efetivamente não ocorrer, especialmente, no que se refere à Lei Orçamentária Anual, cujo projeto é aprovado no exercício financeiro anterior a sua vigência.

A receita estimada, por exemplo, poderá se confirmar durante a execução orçamentária ou ser maior do que a estimada ou ser menor do que a efetivamente aprovada na LOA e, por tal razão, a execução orçamentária é dinâmica a exigir, durante o exercício financeiro, adequações na legislação orçamentária.

Lado outro, é possível durante a execução orçamentária o surgimento de novas despesas, não previstas na LOA, ou de despesas previstas, mas com montante mal dimensionado e, para tanto, há a previsão da abertura de créditos adicionais que tem relação com as despesas imprevisíveis, não previstas ou insuficientemente previstas a exigir, respectivamente a abertura de créditos extraordinários, especiais ou suplementares, cujas regras estão previstas nos artigos 40 a 46 da Lei nº 4.320/64.

Os créditos adicionais são um gênero que abrange:

  1. Créditos extraordinários – são abertos para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública nos termos do art. 167, §3º da CF e art. 41, III da Lei nº 4.320/64;
  2. Créditos especiais – são abertos para despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica nos termos do art. 41, II da Lei nº 4.320/64;
  3. Créditos suplementares – são abertos para reforço de dotação orçamentária nos termos do art. 41, I da Lei nº 4.320/64;

Interessa no presente ensaio, particularmente, tratar dos créditos suplementares que se destinam a reforço de dotação orçamentária, a significar que a respectiva despesa foi prevista lei orçamentária, mas projetada em montante menor do que o efetivamente necessário, o que será constatado a partir da execução orçamentária.

A abertura de créditos adicionais depende de autorização legislativa, no entanto, com relação ao crédito suplementar, também, denominado de suplementação orçamentária, o art. 165, §8º, CF permite que essa autorização já seja estabelecida na própria LOA e, em consequência, a abertura do respectivo crédito será realizada no decorrer do exercício financeiro através de Decreto, conforme se infere do art. 42 da lei 4.320/64.

Quanto à suplementação orçamentária, dois pontos merecem atenção.

O primeiro ponto é a previsão de abertura da referida suplementação na LOA sem estabelecer um parâmetro ou estabelecendo percentual excessivo que, por vezes, chegava a 100% (cem por cento) do montante aprovado na LOA, o que descaracterizava a própria finalidade de planejamento e de controle ínsita à legislação orçamentária, visto que o Poder Legislativo, praticamente, assinava um cheque em branco para o Poder Executivo no que se refere ao gasto público.

Do Tribunal de Contas do Estado Mineiro vale destacar trecho de consulta respondida no ano de 2008[1] sobre o tema:

 

Com esses fundamentos, e alicerçado nos princípios do planejamento e da transparência, respondo negativamente à primeira questão formulada, no sentido de que não pode a Lei Orçamentária ou mesmo outro diploma legal no Município, admitir a abertura de créditos suplementares, sem indicar o percentual sobre a receita orçada municipal, limitativo à suplementação de dotações orçamentárias previstas no Orçamento. GRIFO NOSSO

 

Mas, afinal, qual seria o percentual razoável para autorização de suplementação orçamentária?

Como dito, por vezes, já está estabelecido na LOA o percentual de 100% (cem por cento) com base no valor do orçamento aprovado e, da mesma forma, é possível localizar leis municipais com percentuais acima de 50% (cinquenta por cento).

Há tempos o Tribunal de Contas Mineiro vem recomendando aos Poderes, Executivo e Legislativo, municipais que não prevejam na LOA abertura de suplementação orçamentária acima de 30% (trinta por cento) para que não se descaracterize o orçamento, não obstante, se verifica em decisões mais recentes o entendimento de que o percentual de 30% (trinta por cento) já seria elevado, o que não importa, necessariamente, em rejeição das contas, mas recomendação para melhor aprimoramento do planejamento[2].

Há quem defenda que o limite percentual para suplementação orçamentária deve corresponder à expectativa inflacionária no período[3]:

 

A ordem jurídico-orçamentária é lacunosa no que se refere à regulamentação do procedimento de autorizar, na própria LOA, a abertura de créditos adicionais suplementares. Isso não implica tolerância com abusos resultantes de autorizações desenfreadas; em tempos de regime de gestão fiscal responsável, a Lei Complementar nº 101/00 (LRF) exige ação planejada na Administração Pública (art. 1º, §1º). O certo é que, quanto maior o percentual autorizado na lei orçamentária acima da expectativa da inflação, maior será a evidência de falta de planejamento, organização e controle do ente da Federação; esses elementos são reveladores de uma gestão política inaceitável.

 

Com o devido respeito, vincular a autorização da suplementação orçamentária à expectativa da inflação não é a melhor solução, primeiro porque, como dito, o percentual inflacionário é uma mera expectativa que pode ou não se realizar e, portanto, o erro nessa projeção não seria o bastante, por si só, para caracterizar a falta de planejamento e, segundo, utilizando-se de um argumento pragmático, quem iria imaginar, quando da elaboração do projeto de lei orçamentária em 2019, o qual, por disposição constitucional, deveria ser encaminhada para o Poder Legislativo até 31/08, a pandemia COVID 19 que nos impactou no ano de 2020.

O certo seria trabalhar sem créditos adicionais, sejam suplementares, especiais ou extraordinários, mas, para tanto, a projeção orçamentária de receitas e despesas contidas no projeto da LOA teria que ser realizada com total exatidão, o que é praticamente impossível, notadamente, no âmbito municipal considerando a dependência das transferências obrigatórias, cujo repasse poderá sofrer redução caso as receitas estaduais e federais não ser realizem, e voluntárias, cujo repasse pode sofrer contingenciamento.

A par das considerações, a autorização e aprovação na própria LOA de um percentual de até 20% (vinte por cento) para a suplementação orçamentária é, sob o ponto de vista jurídico, razoavelmente aceitável porque permite uma maior flexibilidade do gestor no decorrer da execução orçamentária sem a necessidade de depender de autorizações pontuais do Poder Legislativo para a realização de despesas, o que pode gerar atrasos em virtude da tramitação do processo legislativo.

Caso seja ultrapassado tal percentual, nada impede que o Prefeito encaminhe projeto de lei, devidamente justificado, solicitando nova suplementação, a qual deverá ser analisada com a devida cautela e ponderação pela Câmara Municipal e aprovada somente se for essencial para à continuidade dos serviços públicos, a fim de não caracterizar a abertura de créditos ilimitados.

Referido percentual de 20% (vinte por cento) de autorização na LOA para suplementação orçamentária é um parâmetro, mas não um padrão que deverá ser cegamente observado, devendo analisar as particularidades de cada Município, observando que quanto menor o percentual utilizado para fins de suplementação, maior a demonstração de efetivo planejamento na projeção das despesas e receitas municipais.

Ainda, trata-se de uma autorização para a abertura de crédito suplementar, não significando que necessariamente será utilizada durante a execução orçamentária. 

O segundo ponto, ao contrário da autorização ilimitada para a suplementação orçamentária, seria a autorização em percentual insuficiente e não condizente com a dinâmica da execução orçamentária e, por vezes, se verifica em alguns casos, a autorização na LOA para suplementação orçamentária no percentual de 1%, 2%, 3%, etc... o qual é aprovado, na maioria dos casos, em consequência de emenda parlamentar reduzindo o percentual inicialmente contido no projeto da LOA encaminhado pelo Poder Executivo.

Tal situação é recorrente quando o chefe do Executivo não tem o apoio da maioria dos membros da Câmara de Vereadores e, dessa forma, a autorização de suplementação em percentual reduzido é uma das formas de dificultar ou inviabilizar a gestão, situação que pode ser comprovada quando se adota uma redução substancial ou drástica quando comparado com o histórico da média das suplementações orçamentárias em anos anteriores, caracterizando a ausência de razoabilidade e a pessoalidade na conduta dos membros da Câmara Municipal em aprovar uma suplementação pífia.

Em tal situação, uma das soluções é o Prefeito encaminhar novos projetos de lei com pedido de autorização para suplementação orçamentária específica para determinada despesa, no entanto, a tramitação do processo legislativo poderá afetar ou praticamente inviabilizar a realização da despesa durante o exercício financeiro, ficando o Prefeito a mercê da Câmara Municipal para que possa governar, gerando a malfadada barganha política para que a suplementação orçamentária seja aprovada.

Outra situação seria a possibilidade do Prefeito Municipal ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade[4] a fim de provocar o controle por parte do Poder Judiciário no que se refere à violação de princípios da impessoalidade, razoabilidade, da proporcionalidade e da eficiência, princípios estes que, atualmente, permitem ao Poder Judiciário avançar sobre a discricionariedade administrativa e, da mesma forma, sobre a discricionariedade legislativa, considerando que tal conduta acaba por violar a independência entre os Poderes visto que desconsidera, totalmente, a dinâmica que envolve a execução orçamentária e, além disso, a previsão de suplementação orçamentária na própria LOA encontra respaldo na própria CF.

Sobre o tema, oportuno indicar, como paradigma, medida cautelar concedida pelo Tribunal de Justiça do Maranhão em ADIn:

Constitucional. Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 1.813/2020, do Município de Imperatriz/MA. Alegação de vício formal e material de inconstitucionalidade. Previsão de abertura de créditos adicionais suplementares. Alegação de ingerência na atividade administrativa. Emenda parlamentar que modifica Projeto de Lei que autoriza a abertura de créditos adicionais suplementares, reduzindo, consideravelmente e sem justificativa, o percentual de limite para abertura de tais créditos, bem como prevendo a submissão do respectivo procedimento a uma nova autorização legislativa. Situação de calamidade pública. Necessidade de movimentação orçamentária. Demonstração do periculum in mora. Deferimento da medida cautelar. 1.De acordo com a sistemática processual vigente, para obter a tutela cautelar é preciso a comprovação, num primeiro olhar, da plausibilidade do direito substancial invocado (fumus boni iuris) e a possibilidade, a priori, de consumação do dano (periculum in mora). 2.Demonstrado de plano a existência de razões relevantes capazes de evidenciar a presença dos requisitos autorizadores da medida cautelar vindicada, é de rigor o seu deferimento. 3. Medida cautelar deferida. (TJMA – PJE – ADIn nº 0807105-44.2020.8.10.0000 – Tribunal Pleno – Rel. Des. José Luiz Oliveira de Almeida – DJ 29/07/2020)

 

No referido caso, emenda parlamentar aprovada pela Câmara Municipal reduziu a autorização para a abertura de crédito suplementar de 50% (cinquenta por cento) para 2% (dois por cento) e, além disso, projeto de lei solicitando alteração do limite de 2% para 15% (quinze por cento) foi rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça e, portanto, sequer foi submetido à votação em plenário[5], inviabilizando a execução orçamentária.

A tese é polêmica e encontra resistência no Poder Judiciário visto que na ação direta de constitucionalidade irá buscar, liminarmente, a suspensão dos efeitos da emenda parlamentar aprovada que reduziu, substancialmente, o percentual contido no projeto da LOA quando comparado com os anos anteriores e, no mérito, requerer a declaração de inconstitucionalidade da alteração parlamentar proposta, no entanto, dificilmente haverá julgamento do mérito em vista da temporariedade da legislação orçamentária, o que certamente acarretará a perda do objeto[6] da ação.

Lado outro, tal situação deixa o Prefeito no limbo, caso haja real necessidade de realização de despesas sem que haja autorização legislativa, ficando sujeito à rejeição da prestação de contas pelo Tribunal de Contas e, em consequência, pela Câmara Municipal, além de responder, possivelmente, por improbidade administrativa.

Está dentro das funções do Poder Legislativo fiscalizar o gasto público, nada impedindo que a Câmara Municipal, na análise do projeto da LOA, propor, através de emendas de algum ou alguns dos vereadores, a redução do percentual autorizativo para a abertura de suplementação orçamentária, mas tal competência deve ser utilizada com a devida ponderação, a fim de que tal instrumento não seja utilizado para fins de, notadamente, dificultar a execução orçamentária.

 

VI – CONCLUSÃO

           

A legislação orçamentária e, notadamente, a LOA não pode mais ser concebida como simples peça contábil com a previsão de receitas e de despesas, mas como efetivo instrumento de planejamento governamental.

Nesse cenário, as despesas e as receitas não podem mais ser elaboradas e previstas de forma aleatória na LOA, mas a partir de um necessário e adequado estudo da realidade das finanças públicas, retratando com a maior fidelidade possível o gasto público a ser projetado.

Naturalmente que é impraticável exigir a exatidão com relação ao montante das receitas e das despesas quando da elaboração da peça orçamentária, até porque concebida em ano anterior de sua execução, não sendo possível antever os fatos, a exemplo, de uma crise econômica.

A fim de permitir a adequação das receitas e das despesas durante a execução orçamentária é que a Constituição Federal permite, por exemplo, a abertura de créditos adicionais, destacando-se como uma de suas espécies o crédito suplementar que visa corrigir dotação orçamentária com recursos mal dimensionados.

Em nosso ordenamento jurídico, principalmente, no âmbito municipal existia uma cultura que pode ser sintetizada a partir da seguinte questão: Para que perder tempo na elaboração realista da LOA se é possível, durante a sua vigência, promover a sua alteração? Para tanto, utilizava-se da previsão para suplementação orçamentária cujo percentual chegava a 100% (cem por cento) do montante do orçamento aprovado.

Tal cultura vem sendo alterada, notadamente, após a Lei de Responsabilidade Fiscal exigindo dos gestores públicos municipais um melhor planejamento do gasto público e, em consequência, os Tribunais de Contas não tem mais admitido um percentual demasiadamente elevado para suplementação orçamentária e, em nosso entendimento, um parâmetro razoável para autorização na LOA para a abertura de crédito suplementar seria de até 20% (vinte por cento), observando que não se trata de um padrão, podendo haver particularidades que permita utilizar um percentual menor ou maior.

Lado outro, a autorização para suplementação orçamentária em percentual ínfimo a partir de uma redução drástica quando considerado o histórico dos anos anteriores, por vezes, é utilizado para dificultar ou inviabilizar a gestão pública, perpetuando a política do “toma lá, dá cá”, o que, da mesma forma, é prejudicial para a coletividade, considerando que o gestor não terá como efetuar gastos sob o risco de ter as contas rejeitadas e responder por improbidade administrativa, situações que exigem uma análise mais aprofundada, inclusive, por parte do Poder Judiciário quando provocado, por exemplo, através de ação direta de inconstitucionalidade.

A par das considerações, a suplementação orçamentária é uma constante que decorre da dinâmica da execução orçamentária, no entanto, não se pode conceber na atual quadra que tal autorização para abertura de crédito suplementar, quando prevista na própria LOA, seja extremamente elevada ou, ao contrário, seja extremamente ínfima, devendo haver ponderação, a fim de que os membros da Câmara Municipal exerçam, de forma efetiva, o seu papel de fiscal do gasto público, sem que a utilizem tal prerrogativa como moeda de troca.

VII - REFERÊNCIAS

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 5ª Ed. Salvador: Juspodivm. 2013.

FURTADO, J. R. Caldas. Elementos do Direito Financeiro. 2ª Ed. Belo Horizonte: Fórum. 2010.

MOTTA, Sylvio. Direito constitucional: Teoria, Jurisprudência e Questões.  28. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2006.

PISCITELLI, Tathiane. Direito financeiro – 6. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2018.

RAMOS FILHO, Carlos Alberto de Moraes. Direito Financeiro Esquematizado. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 20ª Ed. rev. e atual. até EC 95/16 e de acordo com o NCPC: Rio de Janeiro: Renovar, 2018.

 

 


[1] TCEMG - Consulta nº 742472, Cons. Wanderley Ávila, Pleno, aprovada em 07/05/2008.

[2] TCEMG – Prestação de Contas nº 1054252, Cons. Substituto Victor Meyer, DJ 12/09/19.

[3] FURTADO, J. R. Caldas. Elementos do Direito Financeiro. 2ª Ed. Belo Horizonte: Fórum. 2010. p. 149.

[4] O Supremo Tribunal Federal alterou seu entendimento para permitir o controle abstrato de constitucionalidade sobre a legislação orçamentária quando materializam atos de aplicação primária da Constituição. (ADI 5449 MC-Ref, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2016)

[5] https://anpm.com.br/noticias/procuradoria-geral-de-imperatriz-conquista-autonomia-do-municipio-sobre-o-remanejamento-de-50-do-orcamento-anual-por-meio-de-decisao-do-pleno-do-tjma. Acesso em 30/12/2020

[6]ADIN - LEI DISPONDO SOBRE ABERTURA DE CRÉDITO ADICIONAL SUPLEMENTAR A ORÇAMENTO NÃO MAIS VIGENTE - EXAURIMENTO DA EFICÁCIA - PERDA DE OBJETO - EXTINÇÃO DO PROCESSO.  (TJMG -  Ação Direta Inconst  1.0000.03.402997-5/000, Relator(a): Des.(a) Edelberto Santiago , CORTE SUPERIOR, julgamento em 08/02/2006, publicação da súmula em 15/03/2006)

 

Sobre o autor
Fabiano Batista Correa

Advogado, Professor de Direito Administrativo, Gestão Pública, Direito Constitucional e Direito Tributário

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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