INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo aclarar as controvérsias a cerca da desobjetificação dos animais a fim de demonstrar que os mesmos são seres sencientes o que significa dizer que são capazes de sofrer, sentir prazer, e possuem interesse em manter-se vivos. Embora eles não possuam inteligência equivalente a dos humanos, os mesmos fogem de situações que lhes infligem dor e buscam situações que lhes causem sensação de bem-estar, o que nos leva a questionar que são seres conscientes.
Portanto a primeira seção tem como objetivo analisar o contexto histórico da relação entre homem e animal, além da analise do atual tratamento destinado a eles, bem como algumas leis estaduais, municipais e nacionais.
Já na segunda seção tem-se o conceito de senciência, além de reforçar a necessidade de tutelar o direito dos animais, para garantir-lhes dignidade. Na terceira seção faz-se um comparativo com a legislação de Portugal, bem como as mudanças que ocorrerão e as que devem ocorrer no direito e na sociedade.
A elaboração do presente trabalho se dará por meio da metodologia dedutiva, onde se há de abordar a temática de proteção a vida e dignidade dos animais, prevalecendo assim a tutela do direito dos animais.
Sendo uma pesquisa bibliográfica, com embasamento em livros, artigos científicos, revistas e o atual projeto de lei da Câmara n° 27 de 2018, onde irão ser analisados os direitos já existentes e os que surgiram com o projeto de lei para a tutela da vida e dignidade dos animais durante sua vida.
O problema no qual o trabalho se volta é que com o novo entendimento de que animais não mais são considerados coisa, e sim sujeitos de direito embora despersonificados tem-se com isso os seguintes questionamentos: Em que aspectos a desobjetificação dos animais modifica o direito e quais são as definições trazidas para o tratamento dos animais no âmbito jurídico pelo Projeto de Lei 27, de 2018?
Com a nova visão que se têm dos animais, os mesmos passarão a ter maior notoriedade no campo jurídico. Com isso há que se falar nas seguintes hipóteses:
Apresentando como Projeto de Lei trata as punições, o rigor e o possível aumento de pena para aqueles que as descumprirem.
Definido as possibilidades de adquirirem maiores direitos visto que como coisa eram considerados apenas como um bem útil aos seres humanos, porém tendo se provado que são seres capazes de sentimentos os mesmos tenham maior garantia de viverem com dignidade.
Buscando a implementação de políticas públicas, para a divulgação e implementação do projeto, que com a iniciativa do meio jurídico em mudar o status dos animais de semoventes para sencientes ocorre também uma conscientização da sociedade em relação ao seu tratamento para com eles visto que o Direito traz consigo certo temor ao impor regras que norteiam o comportamento humano.
1 HUMANOS E ANIMAIS
1.1 Contexto histórico da relação entre homem e animal
Desde os primórdios, os animais têm acompanhado o homem no decorrer de sua existência, e, por sua vez, atribuídos diversos significados para ele. Conforme cita a autora Jade Lagune, em sua obra Direito dos animais sob os aspectos da guarda compartilhada e dano moral em caso de lesão do animal, houve a inclusão dos animais com o desenvolvimento social, mesmo que lentamente, ao frisar o tratamento que é dado pelos homens aos mesmos, representando em pequenos avanços no que tange a essa inclusão. Por sua vez, na Roma Antiga, os animais eram tidos como sujeitos das relações de apropriação, e, em outros lugares do mundo, tais como Egito e Índia, eles chegavam a ser cultuados como divindades (AGUIAR, 2018).
Como cita Scarpi (apud AGUIAR, 2018, p.3):
Hórus é o deus falcão, mas por vezes é representado por um sol alado, destinado a tornar-se a encarnação da realeza; Hathor, cujo nome significa ‘a casa de Hórus’, é representada pela vaca; Anúbis, divindade responsável por cuidar dos mortos, tem um aspecto canino; Apis, o touro; Bastet, interpretada pelos gregos como Afrodite, é deusa primeiro leoa e depois gata; Sobek é o crocodilo, Thot, o deus da sabedoria e senhor da escrita, tem aspecto de um íbis. A esse complexo grupo de seres que temos o hábito de chamar de divindades estão associados animais correspondentes, que se tornavam destinatários de um culto, dando lugar a uma verdadeira zoolatria, bastante difundida.
Na Idade Média, há casos em que os animais eram tratados como réus, sendo acusados da prática de crimes ou considerados como causadores de danos. No entanto, no século XVIII, no ápice da Idade Moderna, temos a inserção dos animais com reconhecimento social, pois eles começaram a coabitar com os humanos e sendo reconhecidos na relação de afeto entre estes (AGUIAR, 2018).
Com isso, passou-se a notar que a importância dos animais na vida dos homens teve um aumento considerável, tendo em vista que os animais os ajudavam em atividades domésticas, em reabilitação de pessoas doentes, dentre diversas contribuições desses para a sociedade, como o uso de cães para busca e apreensão de drogas ou cães de resgate, cães guias, entre outros. Acrescido a essa mudança de tratamento da sociedade para com os animais, está o grande valor afetivo que o homem tem adquirido por eles, visto que, hoje, fala-se dos animais como membros igualitários de famílias, equiparando-se a um filho para alguns.
Porém, incialmente, pautou-se a conduta do homem em relação a natureza nos saberes religiosos e científicos, em que o homem tinha a crença de sua superioridade perante os demais seres de outras espécies, mesmo que, atualmente, se fale em uma maior preocupação humana para com a natureza. O que se percebe é que, ainda perdura o modelo de exploração sob a natureza para consumo humano (BEHLING; CAPORLINGUA, 2019).
O antropocentrismo sustenta que a dignidade é um valor intrínseco do humano, em razão da nossa espécie ser a única dotada da capacidade de pensar e agir de acordo com a razão. Para Menezes e Silva (2016), ela nada mais é do que uma manifestação do narcisismo humano, na qual o animal, objeto de tutela ambiental, tem valor instrumental para a preservação de acordo com as vantagens diretas ou indiretas que propicia às comunidades humanas. (MENEZES apud BEHLING; CAPORLINGUA, 2019, p. 1).
Friza-se que a maior motivação humana quanto a preservação dos animais era o seu uso e exploração nas atividades humanas, porém essa motivação tem ficado cada vez mais distante, visto que fala-se em senciência, ou seja, a capacidade de sentir do animal, além de sua aproximação familiar para com os humanos.
1.2 Análise da atual relação entre homem e animal
Como foi dito no tópico anterior, a maneira com que se tratavam os animais ou como ainda se tratam determinadas espécies, depende de um contexto histórico- social, o qual está evoluindo com o passar dos anos, para uma relação de maior proximidade, como assevera Delarissa (apud MORAES; MELLO, 2017, p. 2):
Ao ser domesticado, o animal passa a interagir de forma diferente com o humano, sendo incorporado como membro da família. Se analisarmos a atual constituição dos lares, verificamos o aumento de famílias que adotam seres de outras espécies, como gatos, cachorros, entre outros.
Com isso, tem-se a percepção de que, com a proximidade dos animais com o ser humano, houve uma domesticação de algumas espécies, tornando o desejo das famílias de possuírem um animal como membro das mesmas, o que pode ser comprovado pela pesquisa feita pelo IBGE:
O Instituto Pet Brasil divulga dados atualizados sobre a população de animais de estimação em todo o território nacional. De acordo com números levantados pelo IBGE e atualizados pela inteligência comercial do Instituto Pet Brasil, em 2018 foram contabilizados no país 54,2 milhões de cães; 39,8 milhões de aves; 23,9 milhões de gatos; 19,1 milhões de peixes e 2,3 milhões de répteis e pequenos mamíferos. A estimativa total chega a 139,3 milhões de animais de estimação. Em 2013, a população pet no Brasil era de cerca de 132,4 milhões de animais, últimos dados disponíveis quando a consulta foi feita pelo IBGE. (INSTITUTO PET, 2019).
Nota-se com a pesquisa do IBGE, que há uma enorme população animal em nosso meio, por essa razão, é que não se pode ignorar a presença dos animais e a necessidade de tutelá-los.
1.3 A importância dos animais para os humanos e a necessidade de protegê-los
Com esse aumento de animais domésticos, entra em questão o seguinte ponto que nos traz Faraco (apud MORAES; MELLO, 2017, p.2):
Tal comportamento implica uma responsabilidade maior do ser humano com relação aos animais, que agora dependente do homem, precisam de cuidados fisiológicos e afetivos. O cão, que antes vivia como seus antepassados lobos, em matilhas, perde a sua liberdade para o homem em um processo de total dependência de seus cuidados.
Como mencionou Faraco, na obra de Helenara e Magda, com a retirada dos animais de suas matilhas, entre outros grupos, e sua inserção no cotidiano do homem, processo esse que ocorreu gradativamente desde os primórdios da humanidade, deve-se ressaltar a necessidade de um cuidado maior da parte do homem para com os animais, buscando respeitar suas necessidades, tanto fisiológicas, quanto no que tange em sua dignidade, a fim de que se garantam seus direitos.
1.3.1 Lei Estadual nº 20.629/19
Foi aprovado recentemente, em Goiânia, o projeto de Lei que tem como alvo punir atos de crueldade que sejam praticados contra os animais domésticos e os domesticáveis, representado no projeto de Lei nº 4.585/2018, de autoria do deputado Karlos Cabral do PDT. Esse projeto de Lei foi sancionado pelo governador Ronaldo Caiado, na Lei nº 20.629/19, sendo aprovada na Assembleia Legislativa e publicada no dia 08/11/2019, e, vigorando após 30 dias desde sua publicação.
A Lei traz em seu texto, exemplos de maus-tratos como o abandono em ambientes hostis ou vias públicas, agressão aos animais, privá-los de alimentar-se, mantê-los presos de forma inadequada e que os exponha a perigo; além de trazer em seu texto formas devidas de tratar os animais, bem como fornecer a eles condições necessárias e dignas de alojamento, considerando espaço suficiente para sua livre movimentação, onde os mesmos não estejam expostos ao sol com frequência que possa causar dano a sua saúde, e, também, onde lhes seja fornecido água e alimentação abundantemente, além de local ventilado.
Nesse sentido, àqueles que infringirem a Lei terão uma possível apreensão do animal, além de proibição de criação e manutenção de animais em guarda do agressor, bem como multas que variam entre R$ 800 a R$ 5 mil reais por animal agredido ou por ocorrência dos maus-tratos.
1.3.2 Lei Ordinária Municipal nº 3.456
Aparecida de Goiânia, também, possui lei que trata sobre maus-tratos aos animais. Considera-se maus-tratos todo ato decorrente de falta de prudência, imperícia ou ato que, de vontade própria, seja praticado a fim de causar danos a saúde e necessidades naturais dos animais, ou seja, aquelas que causem danos físicos e mentais aos mesmos.
Em seu artigo 2º, a lei apresenta as formas de maus-tratos acima comentadas como manter os animais presos e em condições que lhe causem desconforto, além de privá-los de suas necessidades básicas, bem como alimentação e água, além de abandoná-los. (APARECIDA DE GOIÂNIA, 2019).
Portanto, manter os animais em locais que não seja proporcionado a eles conforto, alimento, dentre outros meios básicos para que vivam com dignidade ou abandonar os mesmos, são meios cruéis de maus-tratos contra os animais, além de estar previsto no mesmo artigo que espancamento, lapidação, machucá-los com substância quimica, dentre outros, castigá-los mentalmente ou envenená-los também o são. (APARECIDA DE GOIÂNIA, 2019).
Causar dano físico a um animal, independente da forma utilizada para causar tal dano, é outro meio impiedoso de tirar-lhes a vida e dignidade, e, que conforme a lei citada, deve ser um ato punível.
A multa aplicada em caso de descumprimento de quaisquer desses incisos poderá chegar até o valor de 200.000,00 reais. Havendo, também, sanções restritivas de direitos, como exemplos é a cassação de registro, licença, permissão, autorização ou alvará. Nos casos de multa se arrecadarão os valores para o fundo municipal, com a finalidade de que sejam aplicados em programas e ações que se voltem à defesa e proteção dos animais, bem como na construção de hospitais veterinários no município, conforme Lei 3.417 de 06/06/2018.
1.3.3 Lei Nacional nº 14064 de 2020
A lei sancionada em 29 de setembro de 2020 pelo Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, traz alterações à lei nº 9605 de 12 de fevereiro de 1998, dispondo a lei sobre o aumento de pena quanto aos crimes de maus tratos a cachorros e gatos, trazendo ao artigo 32 o inciso 1º onde cumina-se pena de dois a cinco anos, multa e proibição da guarda, nos crimes que forem cometidos as duas espécies anteriormente citadas. (BRASIL, 2020)
O surgimento da mesma já traz progresso para essas espécies, porém não existe ainda tal respaldo as demais; analisando as situações recentes de queimadas que ocorrem no país, notamos o sofrimento de diversas espécies de nossa fauna, e o descaso político para com os mesmos, em se tratando de dignidade e respeito a vida dos animais, não há que se falar apenas em animais domésticos, todas as espécies merecem respaldo jurídico maior, seria pois necessário voltar o olhar para os animais que estão morrendo vítimas dessas queimadas e tomar medidas efetivas para garantir-lhes a dignidade de não terem seus habitats destruídos e suas vidas ceifadas.
2 ANIMAIS COMO SERES SENCIENTES
2.1 Conceito de Senciência
No capítulo anterior vimos que a relação homem e animal tem se estreitado consideravelmente ao longo dos anos, tornando-os afetivamente mais próximos e necessários uns aos outros, mas é especismo dizer que, a proteção dos animais, é devido à sua necessidade aos humanos, e, não, à sua vida e dignidade. Com isso, aprofundaremos nesse capítulo sobre este assunto.
Cabe observar que, há uma nova gama de estudos voltados para a melhor compreensão da capacidade dos animais de sentir, trata-se da capacidade que os mesmos possuem de senciência, podendo eles sentir prazer, dor, e ainda, outros que acreditam que essa capacidade abrangem outros sentimentos. A senciência significa possuir um bem estar emocional, ou seja, o interesse em permanecer vivo e em ter qualidade de vida, embora os animais não possuam capacidade de pensar em quantos anos vão viver é do seu interesse a permanência de sua vida, utilizando sensações de dor e sofrimento para escapar de situações que lhe impõe perigo como cita Francione (apud LAGUNE, 2018).
Para Francione os animais são plenamente capazes de sentir dor e prazer, portanto, os mesmos possuem interesse não só em permanecerem vivos, como, também, na qualidade dessa vida, mesmo que sua inteligência não possa ser equiparada a dos humanos, não há que se negar que eles possuam consciência quanto a essa necessidade de prolongar sua existência. Com isso, podemos dizer que os mesmos são felizes quando possuem uma vida digna, ao receberem os cuidados e carinhos dos quais necessitam, e, também, pode-se notar a tristeza neles estampada quando são vítimas de maus-tratos e privados de suas necessidades básicas, sendo expostos às situações que lhes causem riscos.
Para o direito, devido à sua senciência, os animais são dignos de ingressar na categoria de seres que merecem consideração moral, ou seja, o Projeto de Lei da Câmara nº 27, de 2018, se adequa à situação atual da sociedade no que diz respeito aos animais.
Nesse sentido, o artigo 82, do Código Civil Brasileiro, ao tratar os animais apenas como um bem móvel é de extrema ignorância, conforme vemos o atual contexto em que se encontra a sociedade, e, o PL 27/2018 veio, justamente, para acompanhar esta evolução que a sociedade viveu ao longo dos anos.
Com isso, tem-se a possibilidade de nos adequarmos às necessidades e carências que necessitam os animais.
2.2 Capacidade de senciência dos animais
Senciência trata-se da capacidade de sentir. Existem alguns estudos acerca do tema, como o realizado na Universidade de Cambridge no dia 7 de julho de 2012, por neurocientistas, neurofarmacologistas, neurofisiologistas, neuroanatomistas e neurocientistas computacionais cognitivos, em que os mesmos buscaram analisar a consciência e comportamento, tanto de humanos, como de animais não humanos. (LOW; PANKSEEPP; REISS et al., 2012).
Estudo acerca da consciência em animais traz a compreensão do quão importante e necessário é que o direito venha a tutelar os mesmos. Há uma parte do estudo que diz o seguinte:
[...] circuitos neurais que suportam estados comportamental-eletrofisiológicos de atenção, sono e tomada de decisão parecem ter surgido evolutivamente ainda na radiação dos invertebrados, sendo evidentes em insetos e em moluscos cefalópodes (por exemplo, polvos). (LOW; PANKSEEPP; REISS et al., 2012, p. 1).
O que nós faz levar em consideração alguns aspectos evolutivos dos animais não humanos que se assemelham aos dos humanos, havendo, também, outros trechos do mesmo estudo, realizado por Low, Pankseepp e Reiss et. al. (2012) que irão comprovar o que foi citado acima, onde ele diz que o sistema neurologico das aves também apresenta um caso notavel de evolução, que pode ser paralela a consciência humana, sendo também as redes emocionais e microcicuitos dos mamiferos mais complexos do que se acreditava em tempos passados.
Os pássaros pega-rabuda em particular demonstraram exibir semelhanças notáveis com os humanos, com grandes símios, com golfinhos e com elefantes em estudos de autorreconhecimento no espelho. (LOW; PANKSEEPP; REISS et al., 2012, p. 1).
Então, percebemos que os animais possuem algumas características, as quais, tempos atrás, pensávamos pertencer somente aos humanos, e com o avanço da ciência não seria de se espantar que fossem descobertas mais características em comum de ambas as espécies, visto que o mesmo estudo traz a seguinte frase: “Evidências de que as sensações emocionais de animais humanos e não humanos surgem a partir de redes cerebrais subcorticais homólogas fornecem provas convincentes para uma qualia afetiva primitiva evolutivamente compartilhada.” (LOW; PANKSEEPP; REISS et al., 2012, p. 1).
Justificando, portanto, a capacidade de senciência dos animais, pois conforme o estudo feito por profissionais da neurociência em uma Universidade mundialmente renomada nos demonstra a proximidade evolutiva das diferentes espécies. Eles trazem em sua conclusão final que embora os animais não possuam neocórtex, isso não os impede de ter afeto, demonstrado por estudos a cerca de seus substratos neuroanatômicos, quimicos e fisiologicos os animais podem sim manifestar comportamentos intencionais, portanto a consciência não é caracteristica exclussiva do ser humano, pois diversos animais possuem substratos neurológicos, bem como citado por Low, Pankseepp e Reiss (2012) em seu estudo.
Nesse sentido, podemos concluir que não só os humanos agem conforme intencionam, uma vez que a consciência, também, é característica dos animais proveniente de seu substrato neurológico. E, assim, podemos adentrar ao direito cientes da importância de proteger a vida e dignidade dos animais, pois, por mais que eles não falem por si só, os mesmos são capazes de sofrer com os danos que nós humanos temos causado aos de suas espécies.
2.3 A necessidade de tutelar os direitos dos animais
O direito é responsável por cuidar dos mais fracos, daqueles que não podem por si só se defender. Visto isso, há que trazermos para esse contexto, também, os animais. O direito tem como objetivo principal proteger aqueles que se encontram em um estado de vunerabilidade, portanto, aqueles que sozinhos não possuem meios de se defender, havendo necessidade de intervenção do estado, temos exemplos no direito civil, no que tange a responsabilidade civil, onde a tutela integralmente recai sobre o patrimônio jurídico das vitimas de ato ilicito, além de exemplos no direito penal, com o principio in dubio pro réu, onde se houver dúvidas quanto a veracidade dos fatos, se favorece o réu, dentre exemplos em diversas areas do direito. (LAGUNE, 2018)
Visto que o direito tem como principal função proteger os mais vulneráveis, e os animais se encaixam nesse padrão de vulnerabilidade, a citação traz em si a necessidade de tutelar seus direitos a fim de protegê-los quando os mesmos não podem fazê-lo.
Para tanto, devem ser protegidos os interesses daqueles que não podem se defender sozinhos, devido sua vulnerabilidade e impossibilidade de fazê-lo.
O ser humano tem em sua natureza o especismo, o que significa dizer que o mesmo considera aquele que não for de sua espécie como sendo inferior, podendo ser explorados, devido sua incapacidade de protestar contra tal exploração, necessita de quem “fale” por eles, devendo o direito tomar essa posição, evolução essa que começa quando os animais deixam de ser considerados coisas e passam a ser sujeitos de direitos.
3 A DESOBJETIFICAÇÃO ANIMAL NA LEGISLAÇÃO
3.1 Comparativo entre a legislação portuguesa e brasileira
Visto a necessidade de tutelar o direito dos animais, e provada sua senciência, cabe agora analisar a forma como a desobjetificação dos mesmos afetará a legislação futuramente e em que aspectos produzirão mudanças nas diversas relações que o homem tem com os animais.
Para tal, há que se comparar a legislação brasileira com países que já haviam adotado leis semelhantes, sendo um deles Portugal que é ligado com o Brasil de forma crucial historicamente, bem como diz Gonçalves, em sua obra repercussão jurídica do projeto de lei 27/2018: animais como sujeitos de Direito:
A questão de o Brasil ter sido uma colônia de Portugal até 1822, quando se tornou independente, ocasionou uma grande influência do direito português no brasileiro. A similaridade de estruturas, instituições e ordenamento jurídico torna sempre razoável a comparação entre os dois países. (GONÇALVES, 2020).
Embora sejam países com costumes distintos, devido a colonização do Brasil ter se dado por Portugal, temos ainda nos dias atuais influências portuguesas, não seria diferente com as leis brasileiras, inclusive as que se referem aos direitos dos animais.
Portugal, em 2016, adotou a tendência mundial e, aprovou por unanimidade da Assembleia da República, a Lei n° 8/2017, a qual instituiu modificações no Código Civil português no que diz respeito ao status jurídico dos animais. Consoante o novo artigo 201° - B do mencionado diploma legal,“os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza”. (SANTOS apud GONÇALVES, 2020, p.14).
No Brasil foi levantado o debate a cerca da desobjetificação dos animais apenas em 2018, sendo ainda projeto de Lei, em Portugal por meio de Lei em 2016 os animais já não mais poderiam ser considerados coisa, o que abriu em ambos os países debates a cerca dos direitos que resguardam os animais, dando mais ênfase também aos debates já existentes, porém por ser um tema recente, o Brasil caminha a passos lentos, não incluindo todas as espécies na proteção até agora destinada principalmente a animais domésticos.
Segundo Ribeiro (2018 apud GONÇALVES, 2020, p. 32), tal diploma não restou imune às críticas, que despontaram, logo então, refratadas no parecer do Conselho Superior da Magistratura o qual afirma não entender o motivo “para se considerar legítima a exclusão do âmbito de proteção da norma, os casos de violência ou maus tratos injustificados infligidos a um burro, a uma vaca, a um cavalo ou a um veado”, concordando com o modelo alemão, no qual a Lei de Proteção dos Animais amplia a proteção a todos os animais vertebrados. Isto é, por qual motivo restringir as punições somente aos maus-tratos a animais de companhia?
Foram levantadas em Portugal as mesmas críticas a respeito da inclusão de demais espécies do reino animal, mostrando que ainda há um longo caminho a se percorrer na legislação brasileira sendo discutidas a integração de demais espécies e uma proteção integral aos animais.
3.2 Mudanças no tratamento da sociedade para com os animais
Com o levantamento de tal debate, há o questionamento a cerca do tratamento do ser humano para com os animais e as mudanças que a desobjetificação dos mesmos irá causar.
O Direito tem como uma de suas funções moldar a sociedade por meio de leis que inibem a ação de agressores, assassinos, dentre outros; com a mudança no status dos animais haverá maior conscientização da sociedade mesmo que por temor de que os animais merecem tratamento apropriado, ou ao menos não devem ser alvos de maus-tratos.
Se já não podem mais ser considerados objetos que estão à disposição do ser humano, há que se falar em extinguir a comercialização de animais, pois parte-se do mesmo princípio de que se não é permitida a venda de seres humanos, por terem um determinado grau de consciência e sentimentos da mesma forma deve ser ilegal a venda de animais.
Outra mudança que merece menção é em relação aos trabalhos realizados por animais, existem tarefas que embora o ser humano já tenha se desenvolvido a ponto de criar tecnologias inovadoras, apenas os animais são capazes de desenvolver, como cães de busca, cães guias, dentre outras; o que leva a necessidade de fiscalização dessas atividades, para que não haja exploração e sofrimento do animal; além da substituição do animal por outros meios que possibilitem a conclusão das tarefas, bem como carros, caminhonetes, etc, para substituir animais que são usados para transportes de pessoas ou cargas.
3.3 Mudanças que ocorrerão no judiciário com a desobjetificação dos animais
Como é de se esperar, um assunto tão recente gera mudanças na sociedade e com o impacto social causado pelo Projeto de Lei no 27/2018 surgem também mudanças no ordenamento jurídico e no entendimento dos tribunais, como cita Gonçalves, Iasmyn em sua obra Repercussão jurídica do Projeto de Lei 27/2018: animais como sujeitos de direito, essas mudanças ainda são imprevisíveis, por estar ainda em tramitação, não se sabe ao certo quais serão suas repercussões, havendo então a necessidade de uma analise a cerca das brechas que poderão surgir, visto que essas podem desencadear uma omissão na proteção exigida em diversas areas do direito, podendo acarretar em desarmonia. (GONÇALVES, 2020).
A eventual aprovação do PL 27/2018 deve, obrigatoriamente, conduzir a uma nova interpretação da situação jurídica dos animais. Assim, mesmo não se verificando alterações legislativas posteriores, a aprovação do PL 27/2018 deve servir de base para uma modificação no modo como a academia, a doutrina e os tribunais encaram o enquadramento jurídico desses seres. Isto é, o PL 27/2018 pode ser o primeiro passo concreto, seguro e gradativo da ampliação de direitos dos animais, mas, para assegurar a sistematicidade da Ciência Jurídica em relação a este assunto, além do esforço de evolução da doutrina e da jurisprudência, é provável que sejam necessárias reformas legislativas nesse âmbito. (GONÇALVES, 2020, p.25-26).
Além do estudo quanto às questões até hoje já levantadas, haverá também a necessidade de reformas nas Leis que já tratavam anteriormente dos direitos dos animais, para evitar assim ambiguidade, choque entre Leis e trazer maior clareza a como proceder a fim de garantir a defesa da vida e dignidade dos animais.
Certamente que haverá julgados que poderão aclarar as dúvidas que surgirem, assim como já existem alguns que reforçam a necessidade de proteger os animais, bem como o seguinte:
REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. OMISSÃO DO MUNICÍPIO. CONTROLE, PROTEÇÃO E TRATAMENTO DE ANIMAIS DE RUA. SAÚDE PÚBLICA E AMBIENTAL. INTERVENÇÃO JUDICIAL.1. Todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.2. Apurada a omissão do Município no tocante as normas sanitárias de proteção, abrigamento e controle de animais errantes, mister a manutenção da sentença que julgou procedente a ação civil pública, estabelecendo obrigação de fazer para o efetivo controle da situação, sob pena de multa.3. A alegação genérica de ausência de orçamento não afasta a obrigação do Município em implementar políticas públicas necessárias a manutenção da fauna local.REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO DESPROVIDAS. (TJGO, Apelação / Reexame Necessário 5391534-80.2018.8.09.0074, Rel. Des(a). CARLOS HIPOLITO ESCHER, 4ª Câmara Cível, julgado em 08/09/2020, DJe de 08/09/2020). (BRASIL, 2020, p.1)
Onde o municipio de Ipameri alegou não possuir orçamento para que houvesse a possibilidade de implementação de politicas de proteção aos animais da região, porém o recurso foi desprovido, mostrando que os animais também são detentores de direitos e merecem usufruir de um ambiente equilibrado.
CONCLUSÃO
O desenvolvimento do presente estudo possibilitou a análise dos efeitos que poderão ser causados pelo Projeto de Lei 27/2018, além de levantar debates a cerca do tratamento que a sociedade tem para com os animais, em relação à exploração nas atividades que beneficiam apenas os humanos.
Trazendo também discussões a cerca da inclusão de todas as espécies de animais sem fazer distinção dos animais silvestres e dos domésticos, visto que todos são capazes de sentir e tem um grau de consciência que os faz se interessar em manterem-se vivos e viverem com bem estar, então não há motivos para a distinção entre espécies, visto que isso é apenas uma questão cultural de especismo, já que na India vacas são consideradas animais sagrados e no Brasil temos o hábito de nos alimentarmos de carne bovina, extrair o leite das vacas, dentre outras formas de exploração animal. Cabe salientar que todos os países certamente têm seus costumes em relação a determinados animais, cabe aos humanos buscarem evoluir e compreender que embora os animais não tenham a mesma capacidade de intelecto que nós humanos possuimos, eles são capazes de expressar sentimentos que nós humanos expressamos, não estando essa caracteristica condicionada apenas aos animais de estimação, portanto o presente trabalho visa possibiitar esse questionamento e evolução quanto aos sentimentos do reino animal.
Além de questionar o rigor que é dado ao tratamento daqueles que infringem as Leis de proteção aos animais, visto que o que se tem até os dias atuais como maior punição é a prisão de até cinco anos para aqueles que maltratarem gatos e cachorros, o que já é especismo, além de insuficiente, visto que os animais importam para o planeta tanto quantos os seres humanos, se não mais, visto que os animais não causam a degradação do ambiente em que vivem, fazendo na verdade o oposto, são os seres que mais contribuem para a preservação do planeta, e a mehor forma de inibir a ação de possiveis agressores é trazendo uma pena que imponha maior temor aqueles que infrigirem as leis de proteção animal.
O assunto neste estudo abordado traz em si algumas polêmicas, já que cada pessoa tem uma visão acerca da importância que deve ser dada aos animais, como exemplo há aqueles que comem carne normalmente e aqueles adeptos ao veganismo por enxergarem os animais como iguais, existem aqueles que enxergam os animais como membros de suas famílias, tendo para com eles o mesmo carinho e cuidado que direcionam para um filho, embora hajam aqueles que não empatizam com os animais e sua causa, há a necessidade de impulsionar tal debate, haja vista que a cada dia que passa aprofundamo-nos mais nos estudos dos comportamentos e mente dos animais, portanto mesmo para aqueles que não compactuam com a causa animal, devem reconhecer que os animais são seres sencientes e portanto devem ser respeitados, afinal não é o fato de não possuir empatia pela causa que dá premissa para enfrigir-lhes dor ou sofrimento, ou não reconhecer os seus direitos.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Jade Lagune Lanzieri. Direito dos animais sob os aspectos da guarda compartilhada e dano moral em caso de lesão do animal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
APARECIDA DE GOIÂNIA. Lei Municipal nº 3456 de 15 de fevereiro de 2019. Estabelece no âmbito do Município de Aparecida de Goiânia, sanções e penalidades administrativas para aqueles que praticarem maus-tratos aos animais e dá outras providências. Aparecida de Goiânia, 2019. Disponível em:
<https://leismunicipais.com.br/a/go/a/aparecida-de-goiania/lei- ordinaria/2019/346/3456/lei-ordinaria-n-3456-2019-estabelece-no-ambito-do- municipio-de-aparecida-de-goiania-sancoes-e-penalidades-administrativas-para- aqueles-que-praticarem-maus-tratos-aos-animais-e-da-outras-providencias>. Acesso em: 19 nov. 2019.
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