BREVES COMENTÁRIOS: O MILITAR DA RESERVA REMUNERADA E O VÍNCULO HIERÁRQUICO DISCIPLINAR

03/01/2021 às 20:36
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Análise realizada sobre a existência, ou não, do vínculo hierárquico funcional dentro do conceito dos militares na reserva remunerada das IMEs de Minas Gerais; mais especificadamente na interpretação do inciso II, do art. 2º - do CEDM/MG.

Conforme o magistrado Paulo Tadeu Rodrigues Rosa preceitua, o militar que se encontra na inatividade, na reserva, ou reformado, mantém um vínculo estreito com as Instituições Militares, e em algumas situações ainda continua sujeito aos regulamentos ou códigos disciplinares, com exceção dos reformados, em algumas Corporações, e as disposições estabelecidas no Código Penal Militar. [RODRIGUES ROSA, 2013]       

Mesmo com balizada opinião jurídica, por outra vertente, também existe parte da doutrina sustentando que, apenas os militares na reserva remunerada que se encontrem empregados em serviço ativo que podem ser alcançados pela sanção disciplinar, na mesma direção da lei substantiva penal castrense, a saber o Código Penal Militar que assim se posiciona:

 

Art. 12. O militar da reserva ou reformado, empregado na administração militar, equipara-se ao militar em situação de atividade, para o efeito da aplicação da lei penal militar.       

 

Nota-se, do artigo transcrito, que mesmo o militar da reserva somente se equipara ao militar em atividade quando empregado na Administração Militar, fora dessa hipótese não há como comparar ou equipará-lo ao militar ativo.

Noutras palavras: sob essa ótica, o militar da reserva que somente se sujeita às sanções penais castrenses, – às penas legais substantivas castrenses – se, e somente se, empregado pela administração militar (ou em situações especialíssimas) – de lembrar que, para ser empregado na administração militar, prescinde de prévia convocação para esse fim, mediante ato administrativo governamental de reversão ao serviço ativo da corporação.         

Sobre esse aspecto, importante detalhar que na “gestão disciplinar”, além da figura do subordinado, essencial a figura também do superior hierárquico funcional. Obviamente, entre as duas configurações deve existir o laço “hierárquico disciplinar de subordinação”, sendo esta a engrenagem que permitirá a responsabilização disciplinar. Nesse sentido, cabe um questionamento: a quem estaria subordinado direta e funcionalmente o militar da reserva?     

Observe que, aceitando a legalidade impositiva da sanção disciplinar ao militar da reserva surge questionamento central à formação da afirmativa: a quem estaria subordinado o militar da reserva, administrativa, funcional e operacionalmente falando? Nesse tema, a resposta é simples: Joialson Fernandes de Gouveia, ao fazer apontamentos sobre o tema responde ao questionamento acentuando que:    

 

Desse modo, da assertiva acima do ilustrado publicista Álvaro Lazzarini, infere-se que, não basta ser superior hierárquico, é imprescindível que haja relação de subordinação funcional direta, para que se dê ensanchas à aplicação do poder disciplinar punitivo, o qual decorre do Poder Hierárquico Funcional sobre o subordinado transgressor e desde que haja o cometimento da falta pelo subordinado. [GOUVEIA, 2015]                                     

 

O doutrinador, coronel da Polícia Militar do Estado de Alagoas, continua sua interpretação, quando, analisando parte do RDPMAL, afirmando que o reformado, em hipótese alguma, pode ser sancionado disciplinarmente, acrescentando, ainda, o inativo da reserva, aduzindo o seguinte:

 

Logo, como já afirmamos em 2000, reiteramos em 2003, e aditamos à isenção também o inativo da reserva (I - quando transferido para reserva remunerada, permanecem percebendo remuneração do Estado, porém sujeitos à prestação de serviço ativo, mediante convocação, aceitação e designação) é de se concluir que, da situação de inatividade, há de se excluir o PM Inativo da reserva e/ou reformado de sujeição ou submissão aos preceitos do RDPMAL, i.e., ele está isento da incidência não só dos artigos 9º e 10, mas, sobretudo, do próprio art. 11, que define a competência de aplicação do RDPMAL (…). [GOUVEIA, 2015]

 

Isto posto, se o militar da reserva estando em atividade pratica ou contra si é praticado crime militar ele se equipara ao militar em situação ativa, para o efeito da aplicação da lei penal militar, é este o fim teleológico dos preceitos transcritos. Fora desse compasso, vai além do olhar administrativo.

As esferas substantiva penal e administrativa são distintas, diversas e independentes ainda que, por vezes, se complementam, in casu de condenação à pena restritiva de liberdade superior a dois anos por crime militar e/ou crime comum (se doloso contra a vida) conquanto será o castrense submetido ao julgamento do referido conselho de ética e disciplina, na esfera administrativa – Justificação, se oficial, e Disciplina, se praça – o qual deverá ser ratificado e homologado, na órbita judicial, pelo Tribunal de Justiça Militar.           

Não havendo o vínculo hierárquico funcional, define-se, pois, que todas as autoridades militares são incompetentes funcionais para punir disciplinarmente e fundado no CEDM, o militar da reserva. Finalmente, donde se infere que é lícito concluir que aquele inativo é isento de sanção disciplinar castrense, mesmo em casos específicos.

Assim, sobre a responsabilização disciplinar dos militares da reserva, este Autor não acredita na possibilidade constitucional, estando na inatividade, em ser alcançado por uma sanção disciplinar. Isso porque, soa óbvio que o STF, ao redigir a Súmula nº 55, determinando que “Militar da reserva está sujeito a pena disciplinar”; apenas está qualificando o militar que mesmo na reserva, encontra-se empregado no serviço ativo, ou aquele condenado penalmente pelo Judiciário com a perda do cargo (posto ou graduação), necessitando, apenas de confirmação administrativa à ordem judicial.

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Nesse sentido tem-se ainda o magistério de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, conforme trabalho publicado no site Conjur, que entre outros argumentos defende o seguinte:

 

Sendo de caráter contributivo, é como se o servidor estivesse “comprado” o seu direito à aposentadoria; ele paga por ela. Daí a aproximação com o contrato de seguro. Se o servidor paga a contribuição que o garante diante da ocorrência de riscos futuros, o correspondente direito ao benefício previdenciário não pode ser frustrado pela demissão. Se o governo quis equiparar o regime previdenciário do servidor público e o do trabalhador privado, essa aproximação vem com todas as consequências: o direito à aposentadoria, como benefício previdenciário de natureza contributiva, desvincula-se do direito ao exercício do cargo, desde que o servidor tenha completado os requisitos constitucionais para obtenção do benefício. [DI PIETRO, 2016]

 

Por outro lado, o art. 63 – do Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais, destaca “sobre a incapacidade de militar para permanecer na situação de atividade ou inatividade”. Nesse aspecto, forçoso interpretar que, o alcance buscado – no âmbito dos militares da reserva e inativos – ultrapassa a mera questão disciplinar strito sensu.

Note que, as faltas destacadas com a possiblidade de instauração direta do Processo Demissionário, são, prima facie, transgressões que não se encontram vinculadas apenas ao ciclo interno militar. São transgressões que atingem, inclusive a seara ética-social, e não apenas funcional. Sob tal aspecto, estando na reserva remunerada, em processo que vise a perda do posto ou da graduação (diverso da demissão), o militar não poderá ser alcançado pela norma sancionadora. Simplesmente por uma questão hierárquica (pois esta não existe na situação).

No caso, este Autor acredita que tão somente pelo confronto ético-social existente, poderá advir a “sanção administrativa”. Todavia, como o próprio termo conclui, se tratará de infração administrativa, visto não se tratar de infração disciplinar, esta dependente de um fator hierárquico. Assim, mesmo estando o critério disciplinar em utilidade do atual conceito do Direito Militar Estadual, no Estado de Minas Gerais, há uma necessidade urgente de regulamentar as faltas administrativas não disciplinares que podem ser cometidas estando o militar já na reserva.

Perceba que, as regras processuais nesse caso, devem ser diversas àquelas utilizadas aos militares da ativa; visto que, não se discutirá no Processo a existência de uma transgressão disciplinar, mas tão somente a vinculação, em tese, do ato cometido com a roupagem funcional pré-existente.  

Cabe perceber ainda que, não havendo no caso o embate hierárquico disciplinar, a medida a ser imposta como sanção não pode ser decretada pelo Comandante-Geral da IME, sendo que este, não tem vínculo hierárquico funcional como o militar na reserva. Este vínculo é apenas de circunspecção estatal e não funcional; sendo assim, a autoridade competente o Chefe do Executivo estadual, que a partir de uma secretaria própria poderá realizar o processo.

Por outro lado, tendo a transgressão que deu início ao Processo Disciplinar ocorrido com o militar ainda em atividade, certo é que, este poderá ser alcançado pela norma sancionadora, inclusive sobre os seus proventos. Todavia, se o militar já preencher o requisito da idade máxima para o serviço ativo 60 (sessenta) anos de idade, mesmo que norma o alcance, a sanção demissionária não poderá vincular-se ao seu direito adquirido. 

 

FONTES BIBLIOGRÁFICAS:

RODRIGUES ROSA, Paulo Tadeu. Comentários aos arts. 1º a 37 - do Código Penal Militar, Decreto - lei 1001, de 1969. Pág. 21. Disponível em: <www.tjm.mg.jus.br>. Acesso em: 16/06/2020.

 

GOUVEIA, Joilson Fernandes de. Do cabimento do Habeas Corpus e do Mandado de Segurança nas prisões e detenções disciplinares ilegais na PMAL. Disponível em: <http://www.jusmilitaris.com.br>. Acesso em: 13/08/2020.

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Interesse público: cassação da aposentadoria incompatível com regime previdenciário dos servidores. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/>. Acessado em: 20/11/2020.

Sobre o autor
Eder Machado Silva

Advogado. Militar da reserva da PMMG. Bacharel em Filosofia. Especialista em Direito Militar, Direito Constitucional e em Direito Processual Civil. Mestre em Direito. Doutorando em Direito Constitucional Comparado, pelo Centro Alemão de Gerenciamento de Projetos Jurídicos (ZRP) – em Leipzig na Alemanha. Membro Efetivo-Curricular da Academia de Letras João Guimarães Rosa – da PMMG. Professor universitário. Autor de livros jurídicos (E-mail: [email protected]).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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