- INTRODUÇÃO
Muito se discute acerca das dificuldades que a sociedade enfrentará no pós-coronavírus. Pelas amedrontadoras estatísticas a economia estará devastada com milhares de desempregados e empresários falidos. Entrementes, me pego refletindo, às vezes, no impacto que este evento histórico, vivenciado por toda a humanidade, terá na cultura e no comportamento das pessoas no mundo todo.
Ainda que os aspectos econômicos que iremos enfrentar sejam relevantes e passíveis de profunda reflexão, há um fator que pouco vejo ser comentado pela mídia popular. De que maneira, as experiências que estamos vivendo durante esta pandemia global, influenciarão nosso comportamento?
Uma pergunta deveras capciosa, que sequer ouso responder para mim mesmo quando me vem à cabeça, mas me vejo obrigado a refletir e ponderar, em meu subconsciente, sobre este tema. Não posso dizer com certeza como será a sociedade pós-pandemia, mas palpito que muito provavelmente teremos mudanças.
- Eventos que marcam culturas
Ao ponderar sobre nosso futuro, mas sem ostentar um tom nostradâmico, perscruto acerca de acontecimentos passados que foram fatores determinantes na modelagem de alguns comportamentos adquiridos por indivíduos e sociedades espalhados pelo globo.
Um exemplo disso está no 11 de setembro. Tal evento é fundamental para a história da aviação mundial, pois determinou uma mudança drástica em todos os protocolos e regulamentos que tratem a respeito, em todos os lugares do mundo. Outro exemplo mais próximo ao que vivenciamos é o do surto de H1N1, popularmente conhecido como gripe aviária. Antes da gripe, não se tinha tanta preocupação com a higiene, sequer tinha sabão nos banheiros de vários estabelecimentos- com algumas exceções -mal se sabia da existência de álcool em gel. Contemporaneamente, no entanto, é comum vermos recipientes de álcool em gel, para uso público, em academias, escolas e outros locais passíveis de aglomeração.
Ademais, o velho costume do brasileiro de fazer compras para o mês todo, herdado de nossos pais que vivenciaram a era da inflação galopante que pairava sobre o país, é outro bom exemplo de como, além de genes, herdamos comportamentos de nossos ascendentes.
Guerras e outros atentados, como o 11 de setembro, podem ter sido imensamente marcantes na vida daqueles que viveram aquilo, mas não tanto para quem apenas testemunhou por meio de noticiários ou pela internet. A pandemia instaurada pelo novo coronavírus difere de todos estes episódios passados, na medida em que, na história da humanidade, são raros os acontecimentos que não foram apenas assistidos ou testemunhados, mas vivenciados por toda a humanidade. Sendo assim, arrisco dizer que há uma grande possibilidade de marcar uma profunda mudança no modo de vida de incontáveis indivíduos no mundo todo.
- Advocacia pós-apocalíptica
Não me aventuro a palpitar a respeito dos comportamentos adquiridos pelas diferentes sociedades e culturas no mundo, nem ao menos de nosso país, mas na qualidade de advogado, atuante antes e, até então, durante a pandemia. Me obrigo a pensar em como o novo coronavírus impactará a forma como se atua no direito brasileiro.
- TRADIÇÕES E TABUS JURÍDICOS
Culturalmente, os agentes do direito, sempre se apegaram veementemente às tradições e aos costumes. Ainda que em muitos casos, lutemos por inovações e mudanças na sociedade, às vezes, apegamo-nos à valores ultrapassados e práticas já defasadas. Várias tecnologias e ferramentas inovadoras, incluídas em nossa sociedade há muito tempo, poderiam, facilmente, serem incluídas ao dia a dia das práticas jurídicas, embora não o sejam.
Não obstante já tenhamos avançado bastante no uso das inovações contemporâneas, ainda há muito o que evoluir. Um bom exemplo disso estão nas videoconferências, uma tecnologia já disponível há décadas, aprovada e regulamentada pelo CNJ há aproximadamente 7 anos, mas ainda pouco utilizada pelos tribunais, muito disso, devido ao pensamento, digamos,defasado de alguns magistrados.
- PRESSÃO PARA INOVAR
Estamos presenciando um importante marco evolutivo para o direito, não em termos de legislação, mas de novas práticas jurídicas. O novo coronavírus nos isolou em nossas casas, impedindo-nos de realizar atividades comuns do dia a dia. Consequentemente, para que possamos exercer nossa atividade laboral, tivemos que nos render às novas tecnologias e abandonar velhas tradições.
Os grandes e luxuosos escritórios tiveram que ser abandonados, dando lugar a um quarto pequeno e confortável. As repartições do judiciário, outrora imponentes e requisitadas, agora seguem desabitadas. Estamos sendo forçados a utilizarmos as novas tecnologias, há muito presentes em nossa comunidade, para trabalharmos. Aplicativos, legal techs, redes sociais e aparelhos eletrônicos nunca foram tão utilizados pelos operadores do direito como estão sendo agora. Até mesmo os mais tradicionalistas, relutantes e avessos às novidades, estão sendo obrigados a se render a elas.
Por fim, todo esse caos pandêmico nos leva a uma importante reflexão. O quanto nossas práticas são defasadas e defeituosas. Embora sempre entusiasta dos avanços tecnológicos, também tinha minhas limitações a serem transpassadas pela necessidade. Hoje percebo o quanto as inovações poderiam nos auxiliar, facilitar nossas vidas e tornar a justiça mais inclusiva à população.
- Advogando no futuro
As inovações nos trarão também algumas dificuldades. Muitos se perguntam: Se não for com tanta frequência ao fórum e outros órgãos públicos, cheios de pessoas perdidas e desamparadas, como farei minha captação? Como agregarei valor às minhas consultas, sem meu escritório luxuoso, com uma mobília cara e uma estante cheia de livros grossos com capas azul royal e dourado? E por fim, como farei para ser visto?
É meritório discorrer acerca das adversidades da nova advocacia. É fato que as videoconferências e o home office facilitam nossas vidas, nos permitem ter acesso a clientes em locais distantes e abrangem o acesso à justiça. Entretanto estas tecnologias podem acabar nos distanciando das pessoas, impedindo a captação de novos clientes.
Para enfrentar o ostracismo é fundamental, para o novo advogado, se adaptar e atualizar. Não basta mais nos mantermos atualizados a respeito das novas leis, jurisprudências e normas pragmáticas aplicadas nos tribunais. O advogado do futuro poderá ser atrasado, mesmo quando se mantém atualizado, isto pois não basta mais entender apenas do direito, seu conhecimento deve ser multidisciplinar, é necessário conhecer sobre publicidade, marketing digital, redes sociais e até mesmo de programação.
Não obstante as novas tecnologias nos obstrua de sermos vistos nos fóruns e cartórios, nos dá a possibilidade de alcançarmos o mundo inteiro, por meio de redes sociais, escritórios digitais, podcasts, youtube, legal techs, entre outras formas.
O advogado do futuro não seguirá mais o padrão cujo estereótipo foi firmado a séculos. Os grandes, luxuosos e opressores escritórios darão lugar a um quarto pequeno e aconchegante, com uma escrivaninha, um notebook e uma cama desorganizada. Os ternos caríssimos serão substituídos por um pijama confortável. O advogado da boa lábia, galanteador, que conquista clientes no fórum, nas repartições, até em filas de bancos e de supermercados, perderá lugar para o advogado youtuber, influencer, expert em redes sociais e que faz lives e webinars.
- CONCLUSÃO
Relutemos ou não, é fato que, independente da pandemia e do isolamento, as mudanças são inevitáveis. A prática jurídica já evoluiu muito de alguns anos para cá, mas ainda há muito a evoluir. Enquanto muitos previam que tais mudanças viriam de forma lenta e gradativa, a pandemia mundial do Covid-19 nos atingiu e se tornou o nosso marco evolutivo, nossa era do gelo. Fomos obrigados a abrir a caixa de pandora e, agora, ela não pode mais ser fechada. Saímos da caverna, tomamos a pílula vermelha e saímos da Matrix, agora, não dá mais para voltar atrás e fingir que tudo isso nunca aconteceu.
Não posso afirmar com toda a certeza que todos os advogados tradicionalistas serão imediatamente dizimados logo ao final da pandemia. Os escritórios tradicionalistas e relutantes às mudanças serão abandonados. Arrisco palpitar que, ao final da pandemia, aqueles que não souberem se adaptar, que acreditarem que tudo voltará a ser como era antes, vão sentir o peso da mudança.
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Autoria: Lucas Uehara Pires. Advogado integrante da equipe de advogados do escritório Castelo Branco Advogados Associados. Formado pela Universidade Unievangélica de Anápolis. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela mesma instituição. Entusiasta por novas tecnologias, embora tenha resistido muito em usar redes sociais. E com preguiça de arrumar a própria cama.