Direito e Pandemia

O uso da cloroquina sob a perspectiva da bioética

04/01/2021 às 20:46
Leia nesta página:

A cloroquina, embora sem muita comprovação científica, promete ser uma eficiente arma no combate ao Coronavírus. No entanto, por ser experimental, muito se questiona a sua utilização sob o prisma da bioética.

1 - Introdução

O mundo todo vive uma crise em proporções estratosféricas, não apenas de saúde, mas também econômica e até mesmo social. Juntamente com a pandemia, emergiram outras adversidades relacionadas aos nossos comportamentos individuais e sociais, que outrora não seriam tão prejudiciais quanto estão sendo agora. Entre estes comportamentos está a forma como divulgamos e consumimos informação.

Vivemos na era da informação, onde podemos ter acesso a qualquer tipo de conhecimento, em qualquer área com um simples toque. Tal comodidade também nos trouxe certos dissabores, dentre eles, destaca-se, a nossa falta de condicionamento às situações onde há obscuridade de informações, gerando certa intolerância ao desconhecido, e o excesso de informações os quais somos bombardeados a todo o momento em todos os meios sociais, muitas delas irrelevantes, falsas e/ou conflitantes, gerando a imprescindibilidade de termos um filtro para selecionar os dados que assimilamos, o que muitas pessoas não tem.

Tais adversidades são potencializadas graças ao delicado momento que convivemos hodiernamente. Isto pois o mundo inteiro está passando por uma situação de pandemia, onde um tipo novo de coronavírus está gerando enorme comoção social em razão da sua facilidade de propagação e letalidade. Entretanto, por se tratar de um vírus recentemente descoberto e, até então com poucos estudos a respeito, há muito pouca informação acerca de tudo o que o circunda, sintomas, efeitos, tratamentos, vacinas, transmissão, etc.

Ocorre que o ser humano, em sua essência, teme o desconhecido. Viver em um mundo de dúvida nos causa desconforto. Sendo assim, buscamos sempre respostas rápidas e definitivas, apegando-nos à certas crenças - muitas vezes infundadas ou com pouca comprovação científica - esquecendo-nos de nossos filtros de informações.

A ciência por outro lado percorre um outro caminho. O método científico vive pela dúvida. Não há crenças ou respostas definitivas, a ciência se baseia em extensa pesquisa, fundada em estatísticas e dados, para só então alcançar uma conclusão mais provável para a questão. A problemática de tudo é que toda esta pesquisa demanda muito esforço e tempo, e, no cenário atual, tempo é vida.

2 - A cloroquina e hidroxicloroquina

Pouquíssima informação concreta se tem a respeito do novo coronavírus que tanto amedronta a sociedade contemporânea. Sendo assim, uma grande quantidade de recursos está sendo direcionado em pesquisas a seu respeito objetivando encontrar, em tempo recorde, maneiras eficientes de tratamentos, vacinas, cura e erradicação do vírus.

Dentre estas pesquisas, destaca-se a relacionada ao tratamento utilizando o fármaco conhecido como cloroquina ou hidroxicloroquina. Tratam-se de medicamentos já muito utilizados no Brasil, principalmente, no tratamento de malária, outra enfermidade bastante comum em nosso país.

Ambos são medicamentos derivados da 4-aminoquinolonas, recomendados para o tratamento de malária, lúpus eritematoso sistêmico e discoide, artrite reumatoide e artrite reumatoide juvenil e condições dermatológicas provocadas ou agravadas pela luz solar.

A posologia da cloroquina varia entre 50mg a 150mg, enquanto a da hidroxicloroquina é de 400mg. Possuem meia-vida de eliminação de aproximadamente 60 dias, no caso da cloroquina, e de 50 dias, no caso da hidroxicloroquina, ambos com depuração predominantemente renal. Os resíduos dos medicamentos podem perdurar semanas ou meses no organismo.[1]

Tais medicamentos atingiram o mainstream da mídia tradicional, bem como dos blogs e compartilhamentos em redes sociais, muito graças à incessante publicidade feita pelo próprio Presidente da República, aliado ao fato de ser um medicamento bastante comum no sistema de saúde brasileiro e que muitas das pesquisas relacionadas a este fármaco estarem sendo realizadas em terras tupiniquins.

Entretanto é preciso ter cautela em relação ao medicamento, pois, em razão dos inflamados discursos presidenciais, dos inúmeros compartilhamentos de seus benefícios e de toda a comoção social que este composto está gerando, é possível que gere uma alta demanda do medicamento no mercado, dificultando o acesso àqueles que necessitam em razão de outras enfermidades. Ademais é importante também ressaltar os variados efeitos colaterais que o medicamento traz: complicações cardiovasculares, renais, motoras, visuais, intestinais e até mesmo psiquiátricas:

As manifestações tóxicas estão relacionadas com efeitos cardiovasculares (hipotensão, vasodilatação, supressão da função miocárdica, arritmias cardíacas, parada cardíaca), e do SNC (confusão, convulsões e coma). As doses terapêuticas usadas no tratamento oral podem causar cefaleia, irritação do trato gastrointestinal, distúrbios visuais e urticária.
Doses diárias altas (> 250 mg), resultando em doses cumulativas de mais de 1 g/kg de cloroquina base, podem resultar em retinopatia e ototoxicidade irreversíveis. O tratamento prolongado com altas doses também pode causar miopatia tóxica, cardiopatia e neuropatia periférica, visão borrada, diplopia, confusão, convulsões, erupções, quineloides na pele, embranquecimento dos cabelos, alargamento do complexo QRS e anormalidade da onda T, porém com a interrupção do fármaco estas reações diminuem.
Em casos raros podem ocorrer hemólise e discrasias sanguíneas. Nas dosagens habituais, os efeitos adversos da cloroquina são geralmente leves e reversíveis. Inclusões ou depósitos na córnea podem ser encontrados em (30 a 70) % dos pacientes. O uso prolongado e altas doses podem resultar toxicidade grave, às vezes irreversível, incluindo retinopatia. A retinopatia pode progredir, mesmo após suspensão da droga. Se detectada precocemente pode ser reversível, mas geralmente é permanente e, em casos raros, pode levar à cegueira.
Os sinais precoces da retinopatia são o aumento generalizado da granulosidade e o edema da retina. A lesão progride para uma área central de despigmentação da mácula, circundado por um anel concêntrico de pigmentação. Estreitamento de arteríolas, palidez do disco óptico, atrofia óptica, pigmentação incompleta da retina e lesões maculares, como edema, atrofia, pigmentação anormal e perda do reflexo foveano podem ser encontrados[2].

2.1 - Pesquisas

Embora todo o clamor social, dado ao curto período de tempo associado à falta de recursos para a pesquisa científica no Brasil, até o dia 23 de março foram concluídas apenas duas pesquisas. Na primeira delas e também a mais citada pelo presidente e outros veículos de mídia que defendem o uso da substância, observou-se a remissão de 70% dos pacientes, que foram medicados com a cloroquina, em até seis dias, enquanto naqueles em que não houve a introdução do medicamento, apenas 12,5% tiveram remissão antes do sexto dia. No segundo estudo, o resultado divergiu, nesta pesquisa, não houve diferença na remissão viral dos pacientes que receberam a cloroquina com os que não receberam.

Até o dia 23 de março de 2020, foram identificados dois estudos clínicos, com resultados divergentes, sobre o uso de hidroxicloroquina (107,112). Os dois estudos são pequenos e com alto risco de viés, principalmente associado à falta de mascaramento. O estudo de Gautret et al. (107) mostrou que a administração de 600 mg/dia de hidroxicloroquina levou à remissão viral de 70% dos pacientes (n= 22), no sexto dia de tratamento, enquanto o grupo controle obteve o percentual de 12,5% (n= 20) (p= 0,001). Adicionalmente, no dia 6 após a inclusão, 100% dos seis pacientes tratados com combinação de hidroxicloroquina e azitromicina tiveram remissão viral (107). No entanto, o estudo de Chen et al. (112) não encontrou diferença na taxa de negativação da carga viral após sete dias (86,7% versus 93,3%; p> 0,05), ao comparar o grupo que recebeu hidroxicloroquina 400mg/1x dia por 5 dias (n= 15) com o grupo controle (tratamento convencional, n= 15). Após 14 dias, todos os 30 pacientes apresentaram o exame negativo [3]

Nestes termos, é importante ressaltar que, embora toda a comoção social para a utilização da cloroquina, ainda se trata de um medicamento experimental, com muito pouca pesquisa relacionada e pouco conclusiva, tendo em vista a divergência nos resultados dos estudos. É aconselhável então que a equipe médica que decida utilizar o medicamento, se atente às contraindicações e efeitos colaterais, filtrando bem os pacientes e observando todos os efeitos do tratamento.

3 - Bioética

Embora seja um tratamento experimental e com pouca comprovação científica, graças ao grande número de compartilhamentos em mídias sociais, bem como a notável repercussão dada pela mídia tradicional, é comum surgirem pacientes, contaminados pelo novo coronavírus, exigindo o tratamento com a cloroquina.

Ademais, o caos gerado pelo número crescente de casos no Brasil, ocasionando um catastrófico aumento de óbitos relacionados tanto à Covid-19 quanto à superlotação dos leitos hospitalares, vem obrigando os profissionais de saúde a cogitarem atitudes desesperadas e a apostarem em medidas incertas, mas que prometem evitar o aumento das mortes nos hospitais. Dentre estas apostas, está a cloroquina.

Sendo assim, a discussão ética e jurídica a respeito da responsabilidade dos profissionais de saúde pelas atitudes e escolhas feitas no tratamento da infecção do SARS-Cov 2, vem sendo cada vez mais inevitável e meritória. Logo, compreender a perspectiva dos princípios da bioética a respeito do uso da cloroquina e outros tratamentos experimentais é fundamental para complementar o debate.

3.1 - Uso de tratamento experimental

Exordialmente, é relevante destacar as várias resenhas dispostas nos veículos de mídia brasileiros, muitas contradizendo umas às outras, embora todas pautadas em preceitos bioéticos.

Isto acontece, pois, a depender do tema em discussão, os princípios em que se baseia a bioética podem ser subjetivos, gerando amplas interpretações. Ou seja, o fato de serem contrárias, não significa que essa ou aquela matéria seja enviesada ou fake news.

O princípio basilar da bioética é o da beneficência e não-maleficência, conforme dispõe o capítulo I do Código de Ética Médica[4]. Embora pareça um conceito fácil e direto, não o é. Uma mesma ação pode ter um resultado beneficente, maleficente ou indiferente, dependendo das partes envolvidas, da circunstância em que essa atitude foi tomada e da situação em que os elementos estão vivendo.

Convergindo para o tema proposto neste artigo, temos a seguinte situação: um medicamento que promete reduzir em muito o tempo de tratamento do paciente, com risco de efeitos colaterais altamente danosos e pouca comprovação científica de sua eficácia, mas em um momento delicado, de pandemia e caos generalizado, onde em muitos locais, há o completo colapso do sistema de saúde, exigindo apostas altas e atitudes drásticas e rápidas.

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Nestes termos, para muitos especialistas, o tratamento mediante introdução de cloroquina ou hidroxicloroquina se trata de tratamento experimental viável.

Neste diapasão, a Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial dispõe acerca da possibilidade de utilização de tratamento experimental, porém dá ressalvas à terapia. É necessário que o médico que cogite a terapia busque, primeiramente conselho especializado, seguido do consentimento informado do paciente ou representante e, posteriormente, esta intervenção deverá ser objeto de pesquisa para avaliar a segurança e o resultado do tratamento. Tudo conforme o art. 37 da Declaração de Helsinque:

No tratamento de um determinado paciente, onde intervenções comprovadas não existem ou outras intervenções conhecidas se mostraram inefetivas, o médico, depois de buscar conselho especializado, com consentimento informado do paciente ou de representante legalmente autorizado, pode usar uma intervenção não comprovada se em seu julgamento ela oferece esperança de salvar a vida, restabelecer a saúde ou aliviar sofrimento. Esta intervenção deve, em seguida, tornar-se objeto de pesquisa desenhada para aliviar sua segurança e eficácia. Em todos os casos, a nova informação deve ser registrada e, quando apropriado, tornada disponível publicamente.[5]

Ainda com relação ao tratamento de medicamento experimental, mesmo que em outros contextos e em outra época, os tribunais brasileiros também já entendem da mesma maneira, conforme dispõe precedente junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

Ressalto que, ainda que o medicamento prescrito não encontre previsão na ANVISA, para tratamento específico da doença do autor (purpura), isso não significa que há uma proibição em relação à utilização do medicamento pelo segurado, tendo em vista que, frise-se, o medicamento pode ser receitado pelo médico especialista.[6]

A discussão se acalora quando analisamos outros dispositivos do CEM. Especialmente em relação ao capítulo III, que trata da responsabilidade do médico. Conforme dispõe o artigo 1º do capítulo III do CEM, o médico se responsabilizará pessoalmente pelos danos que causar aos pacientes, por ação ou omissão que se caracterizar como imperícia, imprudência ou negligência. Ademais, o art. 4º veda ao profissional de saúde “deixar de assumir a responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que solicitado ou consentido pelo paciente ou por seu representante legal”. Sendo assim, para alguns especialistas, aplicar tratamento com tão pouca comprovação científica, que cause efeitos colaterais altamente danosos, como é o caso da cloroquina, se caracteriza como imprudência, responsabilizando o médico por danos que possam ocorrer em decorrência do tratamento, caso se comprove ineficaz. Entendimento o qual desestimularia a utilização do fármaco para tratamento da Covid-19.

Por fim, o Código de Ética Médica Brasileiro prescreve em seu parágrafo único, do artigo 102, do capítulo XII, em relação à tratamento experimental:

A utilização de terapêutica experimental é permitida quando aceita pelos órgãos competentes e com o consentimento do paciente ou de seu representante legal, adequadamente esclarecidos da situação e das possíveis consequências.[7]

Sendo assim, o Conselho Federal de Medicina deu fim à discussão (provisoriamente), expedindo as “Notas Informativas ns. 5/2020-DAF/SCTIE/MS, de 27 de março de 2.020 e 6/2020-DAF/SCTIE/MS, de 01 de abril de 2.020”[8], autorizando o uso de cloroquina e hidroxicloroquina, bem como o documento chamado “Diretrizes para Diagnóstico e Tratamento para Covid-19”, de 06 de abril de 2.020, que dispõe:

Considerando iniciativas de pesquisa com o uso da substância cloroquina (107,113,114) e a disponibilidade deste medicamento no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), foi publicada a NOTA INFORMATIVA Nº 6/2020-DAF/SCTIE/MS, de primeiro de abril de 2020, orientando sobre a possibilidade de uso do medicamento, em casos confirmados e a critério médico, como terapia adjuvante no tratamento de formas graves, em pacientes hospitalizados, sem que outras medidas de suporte sejam preteridas. Ressalta-se que essa iniciativa corrobora com a inserção de instituições brasileiras nos estudos clínicos em curso, como, por exemplo, o Solidarity trial da OMS (111). No entanto, a sugestão de uso da cloroquina e respectivas doses pode ser modificada a qualquer momento, a depender de novas evidências científicas[9]

Ademais, ressalta a promulgação da Lei n. 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, da Medida Provisória n.º 926 e no Decreto nº 10.282, ambos de 20 de março de 2020. Sendo assim, provisoriamente, a depender de novas evidências científicas, enquanto tais disposições se mantiverem, não se pode responsabilizar os profissionais da saúde que, respeitando os requisitos dispostos nos mencionados dispositivos e notas (somente em casos graves), bem como o consentimento informado dos pacientes ou representantes, façam uso da cloroquina e/ou hidroxicloroquina para tratar pacientes afetados pela Covid-19.

3.2 - Autonomia das partes

Ainda a respeito da bioética, vemos que outro de seus preceitos basilares é justamente o respeito à autonomia. Um indivíduo, sob manifestação de sua vontade, sem estar em qualquer circunstância que influencie sua consciência, é livre para escolher o que pode ser conduzido em seu corpo, devendo obviamente ser informado e esclarecido quanto aos efeitos de sua escolha.[10]

De maneira uníssona, a autonomia tem sido tratada na Bioética como o seu princípio informador ou o seu fundamento. (...) na Medicina firmou-se o conceito largamente difundido que todo paciente tem o direito ínsito de proteger a sua própria inviolabilidade física e psíquica e o direito de, por auto-determinação, conduzir o que pode ser feito com o seu próprio corpo, incluindo os atos de disposição tanto para depois da morte como em vida.(...)
A tal ponto a autonomia tem sido decantada que os autores especialistas em Bioética, denominados "bioeticistas", consideram que o paciente, dotado de razão, deve e pode escolher, com base na "lei moral", o tipo e a forma de tratamento que mais lhe convém, ou seja, que mais lhe apetece, mesmo contra a sua saúde, desde que a sua capacidade de decidir não esteja afetado.[11]

É relevante a reflexão acerca da concepção de vontade do paciente na perspectiva da bioética. Assim, ressalta-se que, a simples expressão de aceitação, não é suficiente para se aplicar qualquer tipo de procedimento. É fundamental, para a confirmação da vontade, que o paciente detenha o chamado consentimento informado ou consentimento esclarecido, ou seja o ato de decisão do paciente ou seu representante, mediante toda informação e explicação necessária a respeito dos procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem realizados.[12] Sendo assim, considera-se um indivíduo apto a decidir sobre seu tratamento, quando consciente de sua decisão, mediante conhecimento e reflexão da situação e suas consequências, e sem nenhum controle externo ou influência coercitiva.

Qualquer intervenção médica preventiva, diagnóstica e terapêutica só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido do indivíduo envolvido, baseado em informação adequada. O consentimento deve, quando apropriado, ser manifesto e poder ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer momento e por qualquer razão, sem acarretar desvantagem ou preconceito[13].

O próprio Código de Ética médica penaliza o profissional que se utiliza de sua autoridade para limitar a autonomia de escolha em relação ao bem-estar e saúde do paciente, devendo este respeitar a escolha do enfermo ou de seu representante.

Capítulo I
(...)
XXI - No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.
(...)
É vedado ao médico
(...) Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.[14]

Ressalta-se, no entanto, que não se trata de uma decisão unilateral do paciente. O médico é quem dá a última palavra em relação ao tratamento, com base nos seus ditames de consciência e nas previsões legais. Logo, caso o médico entenda não ser aplicável, seja por não se adequar aos requisitos propostos nas legislações provisórias anteriormente mencionadas, ou em razão de sua própria consciência, não lhe é obrigado a se utilizar de nenhum tipo de tratamento experimental ainda que diante de exigência do paciente.

O que vem acontecendo com muita frequência, são reclamações de pessoas que, por acreditarem em toda a publicidade feita sobre o medicamento, exigem que seja introduzido em si ou em seus familiares, tendo suas exigências frustradas. É importante entender que por se tratar de medicamento experimental e uma fase bem inicial, a própria lei faculta a utilização do tratamento e ainda dispõe certos requisitos para tal.

4 - Conclusão

Conforme discorrido ao longo deste singelo artigo, temos que, embora muito se tem discutido a respeito do tratamento à base de cloroquina ou hidroxicloroquina, muito pouco se sabe a respeito. Excluindo-se toda a promoção realizada pela mídia, bem como todas as opiniões e publicidades feitas pelo Presidente da República e seus apoiadores, o que temos é um medicamento com muito pouca comprovação de sua eficácia, possibilidade de efeitos colaterais agressivos, mas em um momento ímpar na história mundial, onde medidas desesperadas estão sendo tomadas.

Sendo assim, a União emitiu documentos informativos, bem como legislação diversa que autoriza, provisoriamente, a utilização do fármaco em casos que atendam aos requisitos dispostos na respectiva legislação promulgada. Ademais, conforme os documentos propostos pelo ministério da saúde, pela legislação provisória da União, bem como decretos internacionais sobre biodireito, todos os dados e resultados obtidos com o tratamento devem ser objeto de pesquisa sobre a eficácia dos medicamentos. Tornando o tratamento medida essencial para agilizar os resultados das pesquisas.

Por fim, ressalta-se a importância da autonomia dentro dos princípios fundamentais da bioética. O médico, com base nos requisitos legais e nos ditames de sua própria consciência, ponderando acerca da necessidade e risco do tratamento, poderá propor ou não, o tratamento experimental para a Covid-19, bem como, o paciente ou seu representante, mediante manifestação expressa de sua vontade, munido de toda a informação necessária para formar seu consentimento e opinião.

Embora não seja obrigatório, é fundamental como forma de garantia dos médicos e instituições de saúde que seja colhida a assinatura do paciente ou seu representante em um termo de esclarecimento e responsabilidade. Comprovando o consentimento informado do paciente, a sua aceitação evitando quaisquer transtornos que venham a ocorrer futuramente, em razão do uso da medicação. Nestes termos, segue uma minuta para que os profissionais da saúde utilizem para esta finalidade.

REFERÊNCIAS:

[1]Diário Oficial da União. Nota técnica sobre a utilização de tratamento antiviral para infecções por covid-19. Página 88, seção 1, edição 76. Publicada em 22 de abril de 2.020, disponível em http://www.in.gov.br/web/dou/-/nota-tecnica-sobreautilizacao-de-tratamento-antiviral-para-infeccoes-por-covid-19-253343459

[2]Reações adversas e efeitos colaterais do Difosfato de Cloroquina, acessado em maio de 2.020, disponível em https://consultaremedios.com.br/difosfato-de-cloroquina/bula/reacoes-adversas

[3]Ministério da Saúde. Diretrizes para tratamento e diagnóstico da COVID-19. Página 35. Acessado em maio de 2020, em https://portalarquivos.saúde.gov.br/images/pdf/2020/April/07/ddt-covid-19.pdf

[4]Resolução do CFM n. 1.931/09, acessado em maio de 2.020, disponível em http://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/código%20de%20etica%20medica.pdf

[5]Parágrafo 37 da Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial, traduzida por JORGE, Miguel Roberto. Disponível em: <https://www.wma.net/wp-content/uploads/2016/11/491535001395167888_DoHBrazilianPortugueseVersionRev.pdf> Acesso em 26 jul 2018.

[6]MACHADO. Alfeu, Acórdão 955606, Unânime, Relator: 1ª Turma Cível. TFDF, Data de Julgamento: 20/7/2016.

[7]Resolução do CFM n. 1.931/09, acessado em maio de 2.020, disponível em http://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/código%20de%20etica%20medica.pd

[8]Disponível em https://www.saúde.gov.br/images/pdf/2020/marco/30/MS---0014167392---Nota-Informativa.pdf

[9]Disponível em https://portalarquivos.saúde.gov.br/images/pdf/2020/April/07/ddt-covid-19.pdf

[10]PIRES. Lucas Uehara. Apotemnofilia e o direito brasileiro. Unievangélica. 2.018. p. X.

[11]GOGLIANO, Daisy. Autônomia, bioética e direitos da personalidade. Artigo retirado da Revista de Direito Sanitário. vol. 1.110 e 111 p. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/rdisan/article/download/13078/14880> Acesso em 26 jul 2018.

[12]Recomendação n. 1/2016, do Conselho Federal de Medicina, acessado online em 26/07/2018, em https://portal.cfm.org.br/images/Recomendacoes/1_2016.pdf

[13]Artigo 6º, alínea a, da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.uniceub.br/media/150195/Declara%C3%A7%C3%A3o_Universal_Bioetica_Direitos_Humanos_DUBDH.pdf> Acesso em 26 jul 2018.

[14]Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.931/2009. Disponível em https://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/código%20de%20etica%20medica.pdf Acesso em 27 de janeiro de 2019.

[15]Diário Oficial da União. Nota técnica sobre a utilização de tratamento antiviral para infecções por covid-19. Página 88, seção 1, edição 76. Publicada em 22 de abril de 2.020, disponível em http://www.in.gov.br/web/dou/-/nota-tecnica-sobreautilizacao-de-tratamento-antiviral-para-infeccoes-por-covid-19-253343459

Sobre o autor
Lucas Uehara Pires

Pós graduado em Direito Civil e Processual Civil. Advogado associado ao Escritório Castelo Branco Advogados Associados em Anápolis, GO. Tradutor autônomo pelo Babelcube desde agosto de 2.019.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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