Trump ultrapassou os limites do decoro

05/01/2021 às 08:44

Resumo:


  • Trump pediu ao secretário de Estado da Geórgia para "achar votos" e recontar os resultados da eleição presidencial de 2020.

  • A conduta de Trump pode configurar crime de responsabilidade, passível de impeachment nos Estados Unidos.

  • O Congresso irá certificar os votos do Colégio Eleitoral em 6 de janeiro, e Trump tentará anular as eleições em que perdeu para Joe Biden.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O ARTIGO DISCUTE SOBRE RECENTE FATO QUE ENVOLVE CRIME DE RESPONSABILIDADE NOS ESTADOS UNIDOS À LUZ DA DOUTRINA AMERICANA.

1. O FATO

Revelou o site R7, que o presidente dos EUA, Donald Trump, pediu que o secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, "ache votos" para que ele seja declarado o vencedor da eleição presidencial de 2020. O pedido foi feito durante uma chamada telefônica de quase uma hora, divulgada neste domingo 3 pelo jornal Washington Post.

No áudio, Trump aparece afirmando, mais uma vez sem provas, que sua derrota na Geórgia foi produto de fraude e pede que os resultados, recontados em três oportunidades desde que a eleição foi realizada em 3 de novembro, sejam "recalculados".

"As pessoas na Geórgia estão bravas, as pessoas no país estão bravas. E não tem nada de errado em dizer que, você sabe, hum, que você recalculou", pede o presidente em um trecho. "Senhor presidente, o problema é que os dados que você tem estão errados", responde Raffensperger.

Em outro, ele pede explicitamente que Raffensperger encontre os votos que ele precisava para vencer no Estado. "Então, veja, tudo o que eu quero fazer é isso. Eu quero encontrar 11.780 votos, que é um a mais do que precisamos", diz Trump.

O secretário de Estado da Geórgia, equivale, em matéria eleitoral, ao de presidente de um Tribunal Regional Eleitoral no Brasil.

É um ataque à democracia. Na ligação, ele manda Raffensperger fraudar o resultado por ser republicano, e com a negativa, ameaça processá-lo judicialmente. A conspiração contra a democracia foi algo corriqueiro ao longo do governo e na apuração, mas este é um ataque direto faltando poucos dias para o fim do governo

Trata-se de algo pérfido vindo de alguém que já perdeu a dignidade e que trouxe para o exercício do cargo público de chefe do executivo federal nos Estados Unidos, vícios de alguém que só pensa em si e em suas vitórias.

Para Trump só a vitória interessa, “custe o que custar”. Isso às custa de um abuso de poder.

É uma tentativa de fraude ao sistema eleitoral americano.


2. O CRIME DE RESPONSABILIDADE

O caso é de crime de responsabilidade.

Instituído o sistema presidencial, com sua característica fixidez de mandatos, foi adotada a técnica da apuração de responsabilidade governamental que lhe é própria, sob visível influência do modelo norte-americano.

Na lição de Pomeroy(An Introdruction to he Constitutional Law of The United States, 1880, quinta edição) , toda vez que o presidente que violou ciente e deliberadamente os termos expressos na Constituição, ou qualquer outra lei, que lhe cometa funções não discricionárias, ou, sendo a função discricionária, exerceu a caprichosa, perversa, leviana ou obcecadamente, impassível ante as consequências desastrosas desse proceder, cabe ao caso o julgamento político, pouco importando se o ato foi declarado felonia ou crime, por lei do Congresso.

Nas palavras de Paulo Brossard(O impeachment, 1992, pág. 48) que pode acontecer que existam negociações temerárias, obstinadas extravagantes, contra os mais óbvios interesses do país, o presidente da República, nos Estados Unidos, pode empurrar o país em situação que somente interesse a sua vaidade, a seu capricho.

O impeachment nessa situação seria inegável.

A falta grave ou má conduta assim como qualquer delito funcional ou falta grave no exercício do cargo, assim como toda ofensa que envolva torpidez moral, cometida no exercício do cargo, ou com ele relacionada, a corrupção, a prevaricação no cargo, são causas para impeachment nos Estados Unidos.

É certo que, no Brasil, Paulo Brossard(obra citada), na linha de Frederico Marques, o crime de responsabilidade acarreta uma sanção política.

Como tal o impeachment é um processo político

A pena política que o Senado impõe ao acolher a acusação da Câmara, consistente na destituição do presidente da República e sua desqualificação temporária para exercer função pública, decorre de poder disciplinar constitucional.

Para isso existe o impeachment como técnica adotada pela Constituição para proteger-se de ofensas do chefe do Poder Executivo. A pena não é criminal, mas política.

Trago aqui as lições de Story, Von Holst, Tucker, Watson, Burdick, Mathews, repetidas no Brasil por Ruy Barbosa(Obras Completas, volume XX, t. II, pág. 72), João Mangueira(Diário do Congresso Nacional, 22 de maio de 1948, pág. 3584), para quem o término do mandato, por exemplo, a renúncia ao cargo trancam o impeachment ou impedem a sua instauração. Não pode sofrê-lo a pessoa que, despojada de sua condição oficial, perdeu a qualidade de agente política. Para tanto, Paulo Brossard(obra citada, pág. 155) citou o caso Betknap, como um caso quase pacífico, que constitui precedente, como informaram Foster, dentre outros. Claro está, porém, que ela é válida nos sistemas através dos quais não se busca senão apurar a responsabilidade política, mediante o afastamento de autoridade claudicante.

Pois bem. As eleições nos Estados Unidos deverão ter um momento final, no dia 6 de janeiro de 2021, quando o Congresso Nacional irá certificar os votos que já foram homologados pelos respectivos governadores.

Para Trump a eleição americana de 2020 não terminou, dentro de seus sonhos megalomaníacos.

O próximo passo será anular as eleições perante o Congresso Nacional.


3. A LEI DE CONTAGEM ELEITORAL

O Congresso aprovou em 1887 a Lei de Contagem Eleitoral. Nos termos desta lei, a determinação de um estado onde há disputas eleitorais é conclusivo na maioria das circunstâncias. O presidente do Senado abre os certificados eleitorais, na presença de ambas as casas. Se o mesmo estado envia vários certificados ao Congresso, então qualquer relatório certificado pelo executivo do estado é contado, a menos que ambas as casas do Congresso decidam o contrário. A interpretação desta lei foi objeto de controvérsias durante o caso Bush v. Gore, relativo à eleição presidencial de 2000.

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Essa instituição oficializa o resultado das eleições nos EUA.

O presidente dos EUA não é eleito por maioria do voto popular. Pela Constituição, o candidato que obtiver a maioria dos 538 votos no Colégio Eleitoral passa a ser o próximo líder da nação. Em 2016, Trump perdeu no voto popular nacional para a democrata Hillary Clinton, mas garantiu 304 delegados no Colégio Eleitoral contra 227 de sua oponente.

O candidato que ganha o voto popular de cada Estado normalmente leva todos os delegados. Neste ano, o Colégio Eleitoral se reúne no dia 14 de dezembro para votar. As duas Câmaras do Congresso se reunirão em 6 de janeiro para contar os votos e nomear o vencedor.

Sendo assim, os governadores certificam os resultados em seus respectivos Estados e compartilham as informações com o Congresso.

Noticia-se que, em 2021, por conta das eleições americanas de 2020 para o cargo de presidente da República estadunidense, Donald Trump vai tentar a última cartada para anular as eleições em que perdeu para o candidato democrata Joe Biden, dentro do labirinto jurídico em que se caracterizou essas últimas atribuladas eleições para o cargo do chefe do Executivo daquele país.

É a tentativa de provar que Biden só foi eleito devido a uma sequência de fraudes sistemáticas no modelo de votação americano, principalmente nas cédulas enviadas pelo correio.

Alguns republicanos dizem que vice-presidente tem poder total para descartar delegados de Biden no colégio eleitoral.

No dia 6 de janeiro, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, presidirá a sessão do Congresso para apurar os votos do colégio eleitoral. Nos últimos dias, líderes do Partido Republicano aumentaram a pressão para que ele ignore a vitória do democrata Joe Biden e escolha delegados fiéis ao presidente Donald Trump.

A Constituição diz que as votações do colégio eleitoral devem ser abertas pelo “presidente do Senado” – ou seja, o vice-presidente dos EUA. A Lei de Contagem Eleitoral, de 1887, acrescenta detalhes importantes, como um cronograma para tabular os votos que limita os poderes do vice.

O vice-presidente Pence deve ser o “presidente da sessão”, o que significa que cabe a ele preservar a ordem e o decoro, abrir os envelopes de votação, invocar qualquer objeção de integrantes do Congresso, anunciar os resultados e, por fim, apresentar o vencedor.

Segundo os estudiosos, nada na Constituição ou na Lei de Contagem Eleitoral dá ao vice-presidente qualquer poder especial. Seu papel é restrito.

O vice-presidente deve anunciar o resultado mesmo quando ele lhe é pessoalmente desfavorável. Foi assim com Richard Nixon, em 1961, após perder as eleições para John Kennedy, em 1960.


CONCLUSÕES

Essa situação causa um quadro de evidente preocupação.

Será que as Forças Armadas irão intervir para garantir a eleição de Biden? Isso é algo inédito na democracia americana.

Ora, a eleição já acabou e Trump perdeu, devendo entregar o cargo a Biden em 20 de janeiro do corrente ano, porque as eleições presidenciais de 2020 foram legitimas e assumirá quem as ganhou.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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