Reabilitação Criminal e a Inconstitucionalidade Perante o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e seu Direito à Intimidade

05/01/2021 às 15:49
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O presente artigo tem por objetivo apresentar um instituto pouco conhecido pelo senso comum que é a Reabilitação Criminal, mas que em sua essência é de extrema importância para a proteção dos direitos fundamentais daquele que um dia foi condenado.

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo apresentar um instituto pouco conhecido pelo senso comum que é a Reabilitação Criminal, mas que em sua essência é de extrema importância para a proteção dos direitos fundamentais daquele que um dia foi condenado e que, após seu cumprimento, requer que seja “apagada” de sua ficha de antecedentes criminais o crime cometido. É evidente a discriminação sofrida por um ex-presidiário e a clara exclusão social que o mesmo sofre, contudo a reabilitação criminal vem somar e fazer cumprir uma das principais garantias constitucionais que é a dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Reabilitação. Dignidade. Desigualdade. Direitos Humanos.

Introdução

O princípio da Dignidade da pessoa humana está disposto no artigo , inciso III da Constituição da Republica Federativa do Brasil que dispõe “constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana;”

Antes de conceituarmos o instituto da reabilitação criminal, faz-se necessário percebermos que a principal garantia constitucional que é a dignidade da pessoa humana, quando abordada, inúmeras vezes é tratada de forma equivocada ou sem a devida profundidade que a ela compete. Não há dúvidas que o motivo se dá a extrema complexidade que esse tema compreende.

Ao analisarmos a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, nota-se que já em seu preâmbulo houve uma preocupação em explicitar o sentido do princípio:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo [...] Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla;

Apesar da dificuldade no conceito, Sarlet (2001, p.60) define com maestria:

[...] dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humano[...]

Contribuindo com tal afirmação, Piovesan (2004, p.92) diz:

É no valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, dignidade da pessoa humana como verdadeiro super princípio a orientar o Direito Internacional e o Interno.

Percebe-se que todas as afirmações levam a um denominador comum: a dignidade da pessoa humana é um princípio que norteia uma proposta mínima de garantia para a existência digna, uma vez que é de valor absoluto e irrelativizada, protegendo, portanto, o indivíduo contra as mazelas estatais e desequilíbrio da sociedade.

Conceito de Reabilitação Criminal

A reabilitação criminal é uma ação, desconhecida pelo senso comum, que visa assegurar ao condenado que já cumpriu pena o sigilo dos dados referentes à sua condenação, resguardando assim, seus direitos à igualdade e à intimidade

O grande professor Cleber Masson (2016, p. 505) define de forma clara:

Reabilitação é o instituto jurídico-penal que se destina a promover a reinserção social do condenado, a ele assegurando o sigilo de seus antecedentes criminais, bem como a suspensão condicional de determinados efeitos secundários de natureza extrapenal e específicos da condenação, mediante a declaração judicial no sentido de que as penas a ele aplicadas foram cumpridas ou por qualquer outro modo extintas. Busca reintegrar o condenado que tenha cumprido a pena na posição jurídica que desfrutava anteriormente à prolação da condenação. Tem, portanto, duas funções: (1) assegurar ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação (caput); e (2) suspender condicionalmente os efeitos da condenação previstos no art. 92 do CP (parágrafo único).

Tal instituto visa que a reinserção na sociedade seja de forma digna, ausente de preconceitos e constrangimentos, possibilitando que a vida em sociedade reinicie com possibilidades reais, dentre outras, de emprego e de integração. Para que isto ocorra, devem ser resguardados em sigilo, dados sobre a condenação do indivíduo.

Requisitos para a reabilitação criminal

Os requisitos para a reabilitação estão dispostos principalmente em dois diplomas legais: No artigo 94 do Código Penal:

Art. 94 - A reabilitação poderá ser requerida, decorridos 2 (dois) anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o período de prova da suspensão e o do livramento condicional, se não sobrevier revogação, desde que o condenado: I - tenha tido domicílio no País no prazo acima referido; II - tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado; III - tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida. Parágrafo único - Negada a reabilitação, poderá ser requerida, a qualquer tempo, desde que o pedido seja instruído com novos elementos comprobatórios dos requisitos necessários.
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E no artigo 202 da Lei de Execução Penal (LEP), Lei n.7.210/1984:

Art. 202. Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.

Ambos garantem ao condenado o direito de sigilo de passagens criminais quando consultada no âmbito civil. As principais diferenças entre elas é o tempo necessário para adquirir o sigilo e seus requisitos para tal. O artigo 94 impõe o prazo de 2 (dois) anos a partir do dia que sua pena seja extinta mais uma série de outros requisitos, como por exemplo ter morado no País no prazo acima referido, demonstrar bom comportamento público e privado. Já no artigo 202 da LEP, permite-se a reabilitação de forma instantânea, ou seja, pode-se adquirir sigilo das informações para fins civis, assim que extinguir o cumprimento da sua pena.

De maneira teórica, o caráter instantâneo do artigo 202 da LEP acaba quando se trata de efetividade prática, não tendo a eficácia descrita. Muitas vezes o sigilo demora a acontecer e, mesmo quando isso ocorre, ainda há casos de acesso a essas informações ocultas por ente que não diz respeito ao âmbito judiciário.

Entendemos que artigo 202 da LEP, sendo ela uma Lei Especial, não só prevalece sobre o Código Penal, como também é uma lei mais benéfica ao acusado “Novatio Legis in Mellius”, que tem seu respaldo pelo artigo XL da CF:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Porém, vale ressaltar que a LEP não revogou o instituto da reabilitação por completo, ele apenas dá a garantia - à pessoa que já teve sua pena cumprida - de que não constarão em registros e folhas corridas a sua condenação e para tal não seria necessário preencher os requisitos da reabilitação do artigo 94 do CP.

CONCLUSÃO

O artigo  da Constituição Federal versa sobre Direitos e Garantias Fundamentais, não só assegurando a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, mas também é o eixo da convivência em sociedade e entre indivíduos. Nos casos de sigilo de antecedente quebrado, surge uma inconstitucionalidade do direito de igualdade do indivíduo e também do seu direito à intimidade, à honra e à preservação da imagem. Em última análise, até mesmo a liberdade acaba sendo ferida, afinal, a sociedade recrimina, repudia e isola o ex-condenado que fica constrangido de se apresentar em determinados lugares. Intimidade sempre desigual com os outros indivíduos devido sua passagem penal, que gera preconceitos com o condenado para fins civis gerais, principalmente para a procura de empregos, o ápice da reintegração social, que é prejudicado pela quebra de sigilo.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição Federal de 1988. Brasília, DF: Senado, 2002.

BRASIL, Decreto-2.848, de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código PenalBrasília, DF: Senado.

BRASIL, Lei Nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução PenalBrasília, DF: Senado.

Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/1948%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20Universal%20dos%20Direitos%20Humanos.pdf. Acesso em: 02 de março de 2020.

MASSON, Cléber. Código Penal Comentado. 4ª ed. Rio de Janeiro. MÉTODO, 2016.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos, O Princípio da dignidade da pessoa humana e a Constituição de 1988, 2004

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Elaboração de artigo para conclusão da Pós Graduação em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes, sendo aprovado com nota 9.0.

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