Existe um dever das instituições de ensino de conceder abatimento na mensalidade em razão da pandemia do Covid-19?

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Ao Judiciário cabe, sempre à luz dos princípios da boa-fé e da função social do contrato, equacionar os danos, conduzindo as partes a uma solução que seja justa para ambas. Eis o desafio que se põe, hoje, na seara contratual, aos operadores do direito.

 

É tema candente, suscitando amplo debate entre os juristas, aquele acerca da (in) existência de um dever das instituições de ensino de renegociar o contrato em razão da pandemia do Covid-19. Neste assunto, chama a atenção, no Judiciário, a multiplicação de ações que visam a redução de mensalidades previstas como contraprestação aos serviços educacionais. Isso leva à indagação deste breve artigo: há um dever das escolas de reajustar as parcelas em razão da pandemia do Covid-19? Quais seriam os requisitos para a procedência do pedido inicial?

A questão já tem gerado decisões díspares, mesmo no âmbito de um único tribunal[1].

Cumpre, assim, oferecer uma posição.

De início, é de se apontar que a tão só prestação à distância de aulas previstas para a forma presencial não pode significar, neste cenário atípico em que se vive, que o contrato esteja sendo descumprido. Deve-se levar em conta, aqui, a teoria da imprevisão, ante o fato de que as instituições de ensino foram forçadas à essa modificação em razão da pandemia – não se tratando, portanto, de uma escolha sua –, inclusive mediante autorização do MEC neste sentido.

Também não se pode presumir que os gastos das instituições de ensino diminuíram significativamente, o que, caso não refutado, deveria levar ao reajuste contratual. Isso porque, ao contrário do que seria intuitivo imaginar, seus dispêndios com a suspensão das aulas presenciais podem não ter decrescido, já que muitos dos estabelecimentos educacionais fizeram robustos investimentos para bem ministrar o conteúdo na forma remota. Além disso, como é consabido, suas maiores despesas consistem na folha de pagamento dos professores, o que não se modificou – tampouco substancialmente a ponto de caracterizar uma desproporção contratual – ante a mudança na forma de veiculação das aulas. Não se olvide, ainda, que grande parte das escolas enfrentam, neste momento, considerável inadimplência e evasão escolar.

Do outro lado da equação, igualmente não se pode concluir que a pandemia afetou financeiramente todos os estudantes. Há aqueles que mantiveram sua renda ou mesmo passaram a ganhar mais durante este período, enquanto outros tiveram diminuição ou perderam o emprego.

Por fim, existem instituições de ensino que já adotaram medidas para minimizar o impacto financeiro da pandemia em seus alunos, viabilizando o pagamento da mensalidade de acordo com a situação econômica de cada discente – concedendo descontos e/ou diferimentos.

Desse modo, não se pode conceder abatimentos padronizados, com base em achatamentos das inúmeras especificidades que tocam a cada contrato de ensino – sejam relacionadas às instituições, sejam referentes aos alunos -, sob pena de consagrar iniquidades e, quiçá, em última instância, inviabilizar economicamente a atividade das instituições de ensino. Impõe-se a análise particularizada da situação de cada escola, discente e contrato, a fim de se apurar concretamente a justiça da revisão contratual.

Nessa tarefa, cumpre verificar se, de um lado, o estudante comprovadamente teve um abalo na sua situação financeira e, de outro, se a instituição de ensino teve uma economia, gerando um desequilíbrio contratual – é desta o ônus de provar que seus gastos não diminuíram no período relativo à pandemia. Deve-se analisar, ainda, se esta já facilitou o pagamento das mensalidades àqueles ou se permaneceu irredutível em viabilizar o adimplemento à luz da modificação da situação financeira de cada discente. Em outras palavras, deve-se usar aqui o binômio necessidade/possibilidade. Destaque-se que também é de se conceder o desconto, independentemente da situação financeira do aluno ou da escola, quando se apurar que esta deixou de cumprir o contrato ao prestar o ensino remoto emergencial de forma precária.

Por fim, cabe destacar que, apesar da possibilidade de revisão judicial, os critérios para tanto, como sugerido, são justificadamente rigorosos – de forma a não inviabilizar economicamente a atividade das escolas –. Dessa forma, o ideal parece ser a negociação direta com a instituição de ensino, pleiteando-se diferimento no pagamento da mensalidade ou novos parcelamentos, o que, em um viés pragmático, é de interesse também das escolas, que neste momento se deparam com alta taxa de inadimplência e evasão escolar.

Em conclusão, sem pretender uma solução pronta e acabada, aplicável indistintamente, o que se almejou aqui apontar é que o cenário geral é crítico tanto para as instituições de ensino quanto para os alunos. Ao Judiciário cabe, sempre à luz dos princípios da boa-fé e da função social do contrato, equacionar os danos, conduzindo as partes a uma solução que seja justa para ambas. É o desafio que se põe, hoje, na seara contratual, aos operadores do direito.

 


[1] Na jurisdição do Estado do Paraná, por exemplo, no processo nº 0000648-54.2020.8.16.0067 foi indeferido, em primeiro grau, o pedido de tutela de urgência por meio do qual a autora buscava a imediata redução do valor da mensalidade paga em contraprestação ao curso de odontologia. Por sua vez, também a título de exemplo, um desconto de 50% foi concedido liminarmente, em primeiro grau, no processo n° 0011940-40.2020.8.16.0001, para aluna do curso de arquitetura e urbanismo.

Sobre o autor
Marcos Augusto Bernardes Bonfim

Pós-graduado em Direito das Famílias e Sucessões pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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