A dicotomia entre os princípios da Reserva do Possível e do Mínimo Existencial

Breve estudo de caso

10/01/2021 às 15:56
Leia nesta página:

O princípio da Reserva do Possível não poderá servir de escusa para o Estado deixar de assegurar o mínimo existencial a qualquer cidadão, nas quais são passíveis medidas judiciais a fim de efetivar tais direitos, primordiais à dignidade da pessoa humana.

É dever do Estado assegurar aos seus cidadãos a efetiva aplicação dos direitos fundamentais. Por sua vez, a Carta Magna elenca em seus dispositivos um rol de direitos socioeconômicos e culturais, que visam a garantia de condições essenciais, inerentes à sobrevivência digna de um ser humano.

Ocorre que os limites orçamentários do Estado são escassos, na qual lhe incube gerenciar com eficiência os recursos aplicados na execução de políticas públicas. Neste cenário, a Administração Pública encontra-se limitada financeiramente para atender a todas os anseios pleiteados pela população.

Isto posto, o princípio da reserva do possível limita a aplicabilidade dos direitos básicos, eis que o Poder Público fica compelido a realizar somente o que lhe é cabível, ante a gestão dos recursos econômicos disponíveis.

Cumpre ressaltar que este princípio não poderá servir de escusa para o Estado deixar de assegurar o mínimo existencial a qualquer cidadão, nas quais são passíveis medidas judiciais a fim de efetivar de tais direitos, primordiais à dignidade da pessoa humana.

Neste sentido, colaciona o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - REQUISITOS PRESENTES- Nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil de 2015, a tutela de urgência será concedida quando estiverem evidenciados a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.- A autonomia entre os entes federados na gestão do SUS permite que o cidadão demande em face do ente federal, estadual ou municipal, em relação ao qual trava relação jurídica direta.- É dever dos entes públicos promover, solidariamente, o atendimento necessário à plena realização do direito à saúde dos cidadãos, nos termos do art. 196 da Constituição da República de 1988.- O direito à saúde deve ser preservado prioritariamente pelos entes públicos, vez que não se trata apenas de fornecer medicamentos e atendimento aos pacientes. Trata-se, mais, de preservar a integridade física e moral do cidadão, a sua dignidade enquanto pessoa humana e, sobretudo, o bem maior protegido pelo ordenamento jurídico pátrio, qual seja, a vida.- A teoria da reserva do possível não pode ser usada pela Administração quando possa comprometer o mínimo existencial dos cidadãos.- A astreinte tem caráter coercitivo e não sancionatório, que busca compelir o devedor a cumprir sua obrigação de fazer ou não fazer, como dispõe o artigo 497 do Código de Processo Civil/15. O art. 537 do mesmo Diploma legal possibilita a imposição de multa diária - astreinte - com a finalidade de promover a efetividade de decisão judicial, a fim de assegurar o resultado prático de suas decisões. (Agravo de Instrumento - Cv 1.0042.16.003832-1/002, 4ª Câmara Cível, rel. des. Dárcio Lopardi Mendes, 09/07/2020)

O julgado do TJMG retromencionado trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Município de Arcos em face da decisão, nos autos da Ação Ordinária para fornecimento de medicamentos cumulada com pedido de tutela antecipada, que deferiu a tutela provisória de urgência, determinado o fornecimento do fármaco Cabozatinibe (Cabmetyx), 40mg.

Em suas razões o agravante manifestou que o pedido se referia a um medicamento de altíssimo custo, para tratamento de câncer, em torno de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) mensais. Além disso, fora sustentado que o medicamente pleiteado impactaria no orçamento municipal, o que não seria razoável atender um cidadão em detrimento de todos os munícipes. Por fim, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por maioria, negaram provimento ao recurso.

Ora, a Constituição Federal preconiza em seu art. 6º que a saúde é um direito social. Na mesma toada o art. 196 desse dispositivo considerou a saúde como direito de todos e dever do Estado mediante a implementação de políticas sociais e econômicas para esta consecução.

Observa-se que o caso em comento alude sobre o requerimento de tratamento de saúde, com o referido medicamento postulado, em que fora argumentado pelo Município a análise da cláusula da reserva do possível para não dispender recursos orçamentários em atendimento à uma única pessoa.  

Por conseguinte, o cidadão que necessitar da manutenção de direitos basilares, deve solicitar a tutela estatal para a salvaguarda de seu direito, na qual eventualmente poderá ser negado pelo ente público. Todavia, a invocação da reserva do possível não pode ser utilizada para o Estado se eximir de suas obrigações prestacionais, sendo imprescindível considerar as peculiaridades do caso concreto, com o objetivo de priorizar as demandas mais importantes da sociedade.

Sobre o autor
Carlos Almeida

Carlos Henrique Vieira de Almeida é advogado (OAB/MG nº 218.374). MBA Gestão Jurídica da Saúde e Hospitalar pela Defensoria Popular do Brasil (2021-2022). Pós Graduado em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes (2021). Bacharel em Direito pela Instituição de Ensino Superior Nova Faculdade (2020).

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