Cancelamentos e linchamentos virtuais de celebridades

Liberdade de Expressão VS Dignidade da Pessoa Humana

11/01/2021 às 16:19
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É possível a reparação civil pelos danos morais sofridos por uma celebridade, em razão de um cancelamento? Quem seria o responsável pelos danos?

Cancelamentos e linchamentos virtuais de celebridades – Liberdade de Expressão VS Dignidade da Pessoa Humana.

- É possível a reparação civil pelos danos morais sofridos por uma celebridade, em razão de um cancelamento? Quem seria o responsável pelos danos?

- INTRODUÇÃO -

É fato notório que tanto a sociedade como um todo, quanto cada indivíduo em si, se desenvolve e evolui ao longo dos anos, muda seus conceitos, pensamentos, comportamentos, gostos e costumes. Acompanhando tais evoluções sociais estão as tecnológicas, às vezes na mesma intensidade e velocidade, às vezes até mais rápido do que nós conseguimos assimilar. Entretanto, é presumível supor que uma influencia a outra, tanto a tecnologia molda nossos comportamentos e atitudes, quanto, às vezes, novas tecnologias surgem para suprir nossos anseios. O mesmo vale para a forma como buscamos entretenimento, afinal, o lazer é uma forma de exercer nossa personalidade e, a forma como optamos por passar o tempo é profundamente influenciada por nossas experiências e contingências. 

Neste diapasão, convergindo às formas de entretenimento disponíveis à população, vemos que, graças ao avanço desenfreado das novas tecnologias, que nos proporcionam acesso à internet com cada vez mais velocidade, inclusão e versatilidade, se criaram uma quantidade maçante de conteúdos, dispersos em várias mídias sociais, gerando muito mais opções do jamais se poderia imaginar a alguns anos atrás.

Assim surgiu a imagem dos influenciadores digitais e criadores de conteúdos para a internet. Youtubers, instagramers, páginas no facebook, usuários do twitter e uma série de novas celebridades. As vezes tão conhecidas ou até mais que as celebridades convencionais. No entanto, em muitos casos, sem precisar de toda uma superprodução por detrás deles. 

É crescente o número de pessoas que vivem exclusivamente daquilo que produzem online. Publicações monetizadas, patrocínios e financiamentos coletivos são algumas das várias formas que uma pessoa popular nas redes sociais pode utilizar para fazer dinheiro com o conteúdo que publica. Estas novas celebridades, justamente por não possuírem uma equipe de apoio, com vários profissionais cuidando da sua imagem, aliado ao fato de haver uma enorme exposição de sua vida íntima, são alvos fáceis para ataques virtuais, muitas vezes promovidos por um grande número de pessoas que se mobilizam para linchar virtualmente aquela pessoa. Infestam as suas redes sociais com ofensas e mensagens depreciativas, bem como tentam boicotar todo o conteúdo por ele produzido e as marcas que o patrocinam. Tal prática é comumente conhecida como cancelamento.

Muitas vezes os cancelamentos ocorrem espontaneamente, graças a alguma publicação polêmica, opinião emitida, ou atitude tomada pelo influenciador, gerando o descontentamento do público. Desde coisas simples como uma frase fora de contexto, até coisas mais sérias, como crimes supostamente cometidos pela celebridade. Entretanto, é muito comum que os linchamentos virtuais a celebridades ocorram coordenados por uma pessoa ou grupo, podendo ser algum outro influenciador que mobiliza seus fãs para atacarem alguém, ou por alguma pessoa anônima, muitas vezes acompanhado da divulgação de alguma situação ou opinião que envolvam a celebridade, podendo, inclusive, ser um evento antigo, sucedido até mesmo antes do alvo dos ataques se tornar famoso. 

Independentemente de quem ou do por que do cancelamento, é inegável pressupor que eles geram sérios danos, não só materiais, em razão da perda de patrocínios, contratos de trabalhos e outras formas de monetização da fama, mas, também, detrimentos à moral e dignidade daquele ser humano. Afinal, existe uma pessoa por detrás de toda a fama e o glamour e, embora a sua vida e imagem sejam consideradas apenas um produto ou um mero entretenimento, é importante considerar que se trata de um ser humano igual a qualquer outro, com todas as suas inseguranças, medos e defeitos.

Ao contrário das mudanças desenfreadas sofridas pela sociedade e pela tecnologia, a legislação caminha a passos lentos, totalmente incapaz de acompanhar os avanços sociais. Fundado na segurança jurídica a lei sacrifica a agilidade.

Assim, o presente artigo busca, com base em princípios e situações análogas, refletir acerca da perspectiva do direito civil e constitucional, sobre a possibilidade de ensejar reparação por danos morais por parte daqueles que incitaram, injustamente, o cancelamento de alguma celebridade. Ressaltando ainda, que não é o objetivo deste texto discutir acerca das pessoas envolvidas ou das justificativas para o cancelamento, limitando-se a discutir apenas a conduta em si e suas possíveis implicações legais.

 

- DANOS MORAIS -

Exordialmente cumpre salientar que não se pode responsabilizar o público pelo simples ato de boicotar as marcas que patrocinam ou ignorar todo o conteúdo publicado pela celebridade cancelada. Afinal, o consumidor é livre para exercer seu direito de escolha daquilo que consome, independentemente dos motivos que o levaram a isso, ainda que tal conduta resulte em danos à saúde mental da vítima. O mesmo, no entanto, não vale em relação às ofensas dirigidas àquela pessoa.

Embora, para muitos, receber uma ou outra ofensa pela internet não seja considerado mais que o um mero dissabor, não se pode minimizar os danos sofridos em um contexto amplo. Uma simples mensagem depreciativa, enviada a uma pessoa que vive exclusivamente da sua própria imagem, aliado à todo o contexto de ver sua carreira prestes a ruir, em meio à milhares de outras mensagens de outras pessoas, igualmente ou até mais ofensivas, pode ser o gatilho para uma série de ansiedades e outros transtornos psicológicos. É importante respeitar os sentimentos de cada um. Cada pessoa tem seus próprios gatilhos emocionais e luta constantemente uma batalha interna que somente ela consegue entender. Sendo inegável dispor que esta conduta pode sim gerar diversos danos de ordem moral a esta pessoa.

O Código Civil tipifica o ato de causar dano, como ato ilícito, assim como garante ao ofendido o direito à reparação.

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

(...)

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” [1]

Apesar da existência do instituto da reparação civil dano moral, nos vemos diante de um novo impasse. Como individualizar a conduta praticada por cada pessoa que participou do ataque?

Como já apresentado neste artigo, dependendo do caso, é possível que os danos provocados à vítima tenham se sucedido não apenas em decorrência de uma ofensa em específico, mas pelo acúmulo de mensagens de ódio e situações que esta pessoa está passando em decorrência do cancelamento. A depender do caso e do conteúdo da mensagem enviada, mover o judiciário objetivando punir cada individuo que contribuiu para o prejuízo sofrido pela vítima poderia não ser uma alternativa viável. Há dificuldades logísticas e práticas, em razão da enorme quantidade pessoas participando do linchamento, sendo um trabalho muito árduo em identificar e processar cada pessoa por cada insulto proferido.

Ademais, é questionável a afirmação de que uma pessoa que publicou uma simples mensagem mau educada ou até mesmo ofensiva seja responsabilizada por todo o estrago á saúde mental da vítima, precisando também individualizar cada conduta e puni-las de acordo com o grau de reprobabilidade de cada uma, gerando um esforço praticamente impossível do judiciário brasileiro alcançar.

No entanto, muitas vezes o cancelamento pode ocorrer por meio do direcionamento de um influenciador que mobiliza seus fãs para atacarem outro, ou por alguém que divulga informações privadas, sejam reais, adulteradas ou deturpadas de seu contexto, com o fim específico de causar a ruína de sua vítima. Neste caso, está clara a conduta que deu inicio a todos os danos causados ao ofendido.

- Linchamento virtual incitado -

É bastante comum que os ataques vituais se iniciem a partir de alguma publicação feita por outra pessoa, podendo ser um print antigo, uma conversa, foto, ou até mesmo um pedido direto de mobilização de seus fãs para atacarem uma pessoa. Nestes casos, é possível responsabilizar o autor da publicação por todos os danos ocasionados, especialmente se forem premeditados.

Embora a grande maioria das mensagens de ódio direcionadas ao alvo sejam emitidas por terceiros, é evidente dizer que toda esta situação foi causada graças à ação maldosa daquele que incitou o ataque, sendo a centelha inicial do incêndio que alastrou a imagem da vítima. Especialmente quando a atitude é premeditada pelo autor.

Neste caso, a ofensa provocada enseja reparação civil, pois ele usou de sua influência na internet para incitar e direcionar os ataques ao autor, sendo assim, a sua conduta é a mais reprovável ali, sendo ele o principal causador de todo o transcorrido. 

- Liberdade de expressão x dignidade da pessoa humana -

Não obstante, nos vemos ante o embate entre liberdade de expressão e dignidade da pessoa humana. Isto pois, embora exista o direito de se expressar e influenciar discursos e comportamentos, este direito vem atrelado à responsabilidade por qualquer ofensa que seu discurso venha a causar. Neste caso, a ofensa foi uma onda de ódio emitida por uma série de pessoas influenciadas pelo discurso, incitado por outrem. A conduta fere, diretamente, a dignidade da vítima, pois afeta consideravelmente e negativamente a sua vida, sua saúde e seu cotidiano, tudo em razão do medo, da ansiedade e da angústia de saber que há tanto ódio, de tantas pessoas, direcionado a ele, o fazendo crer, também, que não lhe será dado nenhuma oportunidade de se defender.

[...] a dignidade da pessoa humana é a qualidade intrínseca e distinta reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa proteção contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano (SARLET, 2007 apud SANTOS e CUNHA, 2014, p. 15).[2]

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Assim, o Estado existe para servir a pessoa e proteger a dignidade do ser. Todos são iguais em dignidade e, portanto, é dever dos indivíduos respeitar reciprocamente a dignidade de cada um. Nessa direção, a dignidade é o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional e deve servir como primeiro comando do intérprete.

Sendo assim, “a partir do momento em que o indivíduo inicia um agrupamento de pessoas objetivando atos de violência virtual, não se trata do exercício de liberdade de expressão e sim em conduta ilícita” (SANTOS e CUNHA, 2014, p. 18). A contumaz desqualificação que o discurso de ódio provoca tende a reduzir a autoridade dessas vítimas nas discussões de que participam, ferindo a finalidade democrática que inspira a liberdade de expressão.

A liberdade de expressão não pode ser exercida se ferir a dignidade humana de outrem, os linchamentos virtuais, por conterem discurso de ódio e incitação à violência física ou moral não são respaldados pela liberdade de expressão. Sendo assim, aquele que incita o linchamento virtual tem direito a liberdade de expressão, mas deve respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana, haja vista que inexiste hierarquia entre os direitos fundamentais.

- direito ao esquecimento -

Uma das formas mais comuns de conseguir mobilizar um exército de manifestantes, indignados com alguma celebridade e dispostos a atacá-la de todas as formas é a de garimpar postagens muito antigas, publicadas pelo alvo em redes sociais. Com sorte, é possível encontrar alguma declaração polêmica sobre o assunto e compartilhá-la ou “printá-la”, mesmo que o autor da publicação não corrobore mais com o pensamento outrora defendido.

Tal prática se blinda legalmente com a fundamentação de que o estopim para o cancelamento se deu por conta de uma opinião emitida pelo próprio cancelado e que não houve conduta ilícita, pois a postagem estava disposta na rede social, disponível ao público em geral.

O ofensor se aproveita do fato de as redes sociais já estarem presentes em nossa sociedade a mais de dez anos, gerando um acúmulo colossal de postagens e informações pessoais antigas. É facilmente possível que hajam publicações muito antigas que, em razão do decurso temporal, das novas experiências e do desenvolvimento natural da personalidade, não condizem mais com o pensamento do dono daquele perfil.

Conforme dispõe o filósofo clássico Heráclito de Éfeso:

O ser é um constante vir-a-ser, vivemos num constante processo de transformação, de nos tornar algo novo, uma versão renovada de nós mesmos. A vida é um fluxo constante, impulsionada pelas forças contrárias, a contradição é o princípio de todas as coisas, é por meio das contradições que o mundo se modifica e evolui. Tudo é um grande fluxo onde nada permanece igual, pois tudo está em contínua mutação. [4]

Embora as publicações estavam ainda dispostas na rede social, não se pode exigir do autor a vigilância extrema a respeito de suas antigas e controvérsias declarações, especialmente aquelas que se sucederam antes da sua fama, visto que, à época, eram direcionadas apenas aos seus amigos que acessavam seu perfil. Não é hábito comum à grande maioria da população, observar e apagar postagens antigas, as quais atualmente discordam, sobre o pretexto de impedir que sejam ressuscitadas, por pessoas com intenções maldosas, com a finalidade de lhe atacar e desmoralizar, gratuitamente.

Ademais, não se pode minimizar a intenção maldosa do ofensor, em se dar ao trabalho de escavar o perfil pessoal da vítima a fim de encontrar qualquer publicação que denegrisse sua honra ante o público. Logo, embora as publicações estejam disponíveis, publicamente, nas redes sociais, estas necessitam de um árduo trabalho de pesquisa para serem encontradas, pressupondo que houve premeditação do resultado e dolo em provocar prejuízo, atitude que por si só enseja reparação.

Novamente nos deparamos com o embate entre liberdade de expressão e dignidade da pessoa humana. É essencial sopesar os princípios e decidir qual enseja maior urgência do judiciário. Sendo assim, necessário se faz analisar a função social de cada conduta praticada e compreender se seria mais benéfico à sociedade como um todo, a proteção da liberdade de expressão de alguém que usa este direito para causar dano a outrem, caracterizando um claro abuso de direito, ou o amparo à dignidade daquele que teve sua honra e até mesmo saúde mental comprometida por conta de uma publicação que traz à tona fatos antigos, sem nenhuma relevância social, bem como valor histórico, possuindo sério valor significativo apenas para a vítima da ofensa?

Acerca do abuso de direito, ressalta-se o Código Civil, que em seu Art. 187, dispõe que “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Nestes termos nos vemos ante o direito ao esquecimento, um princípio trazido do direito europeu, que já foi objeto de diversas demandas jurídicas no Brasil, sendo tema, também, de variada publicação doutrinária brasileira. Conforme dispõe Martinez, o direito ao esquecimento se conceitua:

(..) em linhas gerais, pode ser caracterizado como uma esfera de proteção, uma redoma, que permitiria que uma pessoa não autorizasse a divulgação de um fato que lhe diga respeito, ainda que verídico, por causar-lhe sofrimento ou algum transtorno, levando-se em consideração a utilidade e data de ocorrência em que a informação objeto de proteção foi realizada. A ideia do esquecimento está diretamente ligada ao pensamento de superação do passado, de redenção, possibilitando que um sujeito não tenha o seu direito à privacidade, à intimidade, ao nome, à honra, atingido por fatos já então consolidados no tempo. (MARTINEZ, 2014, p.57-58).[4]

Sendo assim, é inegável dispor que é reconhecido ao cidadão nacional o direito de não ter fatos, declarações ou atitudes tomadas em seu passado, que lhe causem profundo sofrimento psicológico, publicamente lembrados, principalmente quando com o único propósito de danificar sua imagem ante à opinião pública. Entendimento já pacificado no STJ.

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL (CPC/73). AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. MATÉRIA JORNALÍSTICA. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N.º 7/STJ. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL NO ACÓRDÃO RECORRIDO. AUSENTE. NÃO INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N.º 126/STJ. DIREITO À INFORMAÇÃO E À LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. CARÁTER ABSOLUTO. INEXISTÊNCIA. DEVER DE CUIDADO. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO. TUTELA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS JORNALÍSTICAS. INEXIGÊNCIA DA PROVA INEQUÍVOCA DA MÁ-FÉ. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. 1.Ação de indenização por danos morais decorrentes de veiculação de matéria jornalística que supostamente imputou prática de ilícito a terceiro. (...) 4.Os direitos à informação e à livre manifestação do pensamento não possuem caráter absoluto, encontrando limites em outros direitos e garantias constitucionais que visam à concretização da dignidade da pessoa humana. 5.No desempenho da função jornalística, as empresas de comunicação não podem descurar de seu compromisso com a veracidade dos fatos ou assumir uma postura displicente ao divulgar fatos que possam macular a integridade moral de terceiros. 6.O Enunciado n.º 531, da VI Jornada de Direito Civil do Superior Tribunal de Justiça assevera: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. 7.A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem-se manifestado pela responsabilidade das empresas jornalísticas pelas matérias ofensivas por elas divulgadas, sem exigir a prova inequívoca da má-fé da publicação. 8.O valor arbitrado a título de reparação por danos morais, merece ser reduzido, em atenção aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e à jurisprudência do STJ. 9.RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. [5]

É entendimento pacificado, também no STF, que entende que o direito fundamental à liberdade de expressão não deve sobrepor à dignidade da pessoa humana, devendo se fazer um juízo de valor ao caso concreto.

 “Disso se extrai que o ordenamento brasileiro tutela e antepõe o direito ao esquecimento ao direito à liberdade de imprensa diante de publicação de notícia jornalística policial extemporânea, veiculada de forma sensacionalista e/ou manipuladora, a respeito de fato estigmatizante sem ou com interesse público, do qual já se foi inocentado ou se cumpriu pena. (...) Nesse sentido, impõe-se o sopesamento de princípios constitucionais, de maneira que o exercício de um direito não inviabilize outro, de igual valor jurídico.” [6]

- CONCLUSÃO -

Hodiernamente, vivemos em uma sociedade onde estamos cada vez mais interconectados por meio de nossos smartphones e computadores. A internet nos conecta e facilita em muito o contato entre pessoas que outrora seria improvável de acontecer, bem como pode promover uma mobilização imensa de pessoas, todos buscando um mesmo objetivo em comum, podendo ser algo bom ou ruim.

Entretanto a sensação de anonimato que ela traz pode gerar uma desumanização de nossos atos e banalização de condutas que, quando realizadas pessoalmente, poderiam ser consideradas reprováveis.

Ademais, a internet nos fez, deliberadamente, compartilharmos diversos eventos de nossa privacidade ao público, em busca de aprovação. Dando-nos inclusive a oportunidade de monetizar nossa vida íntima, circunstanciando que, qualquer pessoa se torne uma celebridade virtual que, muitas vezes, lucra publicando eventos de seu dia a dia.

Sendo assim, muitas vezes, acabamos vendo aquela pessoa como um mero produto de entretenimento, esquecendo-nos que, ainda que ela, deliberadamente, tenha disponibilizado sua intimidade e imagem ao público em troca da fama e dinheiro, se trata de um ser humano, com todos as suas vantagens, defeitos e individualidades.

Sendo assim, ao não conseguir enxergar a humanidade naquele produto, não medimos esforços em reclamar, esbravejar ou até mesmo ofender aquela pessoa por estarmos descontentes com o “produto” que consumimos.

Muitos se aproveitam deste comportamento para, incitar o ódio e provocar uma onda maçante de ataques e cancelamentos à determinada pessoa, gerando uma situação extremamente danosa à ela, podendo causar até mesmo transtornos psiquiátricos.

Embora ainda não haja nenhuma tipificação ou fundamentação legal no ordenamento jurídico pátrio visando coibir esta conduta, é inegável que o Código Civil prevê a reparação pelos danos causados a alguém, até mesmo aqueles de ordem moral. Logo, há uma extrema necessidade de ponderar e repensar antes de tomar atitudes que possam ofender uma pessoa e, quando este cuidado é negligenciado, torna-se fundamental a compensação pelo dano causado, tanto a título de reparação pelos prejuízos morais, quanto a título pedagógico, configurando um reforço negativo para reprimir a reincidência nestes  comportamentos abusivos.

 

Referências:

[1] Código Civil. 2002, acessado em 20 de setembro de 2020, em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm

[2] SANTOS, Marco Aurélio M.; CUNHA, Renata S. Violência Simbólica nas Redes Sociais: Incitação à Violência Coletiva (Linchamento). In: VII Congresso Brasileiro da Sociedade da Informação Regulação da Mídia na Sociedade da Informação. Anais... São Paulo: Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, p. 10-22, 2014

[3] CARRASCO. Bruno. Heráclito, o filósofo do devir. Acessado em 20 de setembro de 2020 em https://www.ex-isto.com/2017/06/heraclito-filosofo-do-devir.html

[4] MARTINEZ, Pablo Dominguez. Direito ao esquecimento: A proteção da memória individual na sociedade da informação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.

[5] STJ – REsp 1369571/PE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/09/2016, DJe 28/10/2016.

[6] Rcl 34415, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 02/05/2019, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-099 DIVULG 13/05/2019 PUBLIC 14/05/2019.

 

Sobre o autor
Lucas Uehara Pires

Pós graduado em Direito Civil e Processual Civil. Advogado associado ao Escritório Castelo Branco Advogados Associados em Anápolis, GO. Tradutor autônomo pelo Babelcube desde agosto de 2.019.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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