A Lei n. 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, alterou o Código de Processo Penal e introduziu mais uma ferramenta na chamada justiça “consensual” ou “negociada”, a exemplo dos benefícios da transação penal e da suspensão condicional do processo previstos nos arts. 76 e 89 da Lei n. 9.099/1995.
Segundo Guilherme de Souza Nucci, a medida despenalizadora descrita como acordo de não persecução penal – ANPP “atenua, ainda mais, o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública incondicionada”, por se tratar de “reflexo da nova política criminal” (Pacote anticrime comentado: Lei n. 13.964/2019. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 60).
Embora o ANPP tenha trazido benefícios ao autor do delito, uma vez que, em determinadas situações, a ação penal poderá ser evitada, a regra do art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal, impede que a benesse seja aplicada aos crimes cometidos por meio de violência ou grave ameaça. Colhe-se do Código de Processo Penal:
“Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:”.
Apesar da exceção trazida pelo dispositivo legal mencionado, o que vale, em tese, também para as infrações de menor potencial ofensivo, penso que a regra fere o princípio constitucional da razoabilidade, extraído do art. 1º, caput, e do art. 5º, LIV, da CF/1988.
Se a lei permite a concessão dos benefícios da transação penal e da suspensão condicional do processo para infrações penais de menor potencial ofensivo, a exemplo do delito de ameaça - art. 147 do Código Penal (art. 76 e 89 da Lei n. 9.099/1995), não há razão para impedir a aplicação do ANPP para essa espécie de delito.
Importa consignar que delitos de natureza muito mais graves são abrangidos pelo ANPP, de modo que a exclusão do crime de ameaça, por exemplo, fere a lógica.
Sobre o assunto, colhe-se da doutrina:
“Entendemos que a violência ou a grave ameaça que integra infração penal de menor potencial ofensivo não impede o acordo de não persecução penal: se a conduta possibilita a substituição (exclusão) do processo por meio da transação penal (instituto restrito aos casos de menor potencial ofensivo), deve então possibilitar a mesma substituição (exclusão) do processo, a fortiori, em acordo de não persecução penal (instituto mais amplo, que alcança os casos de mediano potencial ofensivo) – ainda que praticada com violência ou grave ameaça.
[...]
A transação penal e o acordo de não persecução penal são ambos mecanismos de negociação penal que possibilitam a substituição (exclusão) do processo, mediante as mesmas condições materiais (restrição de direitos), não sendo coerente nem proporcional a admissibilidade do primeiro (reservado aos casos de menor potencial ofensivo) e a proibição do segundo (abrangente dos casos de mediano potencial ofensivo, de maior danosidade social).
[...]
Assim, a interpretação do “sistema negocial penal” impõe a conclusão de que as infrações penais de menor potencial ofensivo, quando fora da competência dos Juizados Especiais Criminais (deslocamento por conexão ou continência), devem possibilitar o acordo de não persecução penal, ainda que praticadas com violência ou grave ameaça.
A violência ou grave ameaça, quando constitutiva de contravenção penal ou de crime com pena máxima cominada igual ou inferior a 2 anos, foi valorada pelo legislador como de menor potencial ofensivo, para efeito de incidência das soluções consensuais da composição dos danos civis e da transação penal (arts. 74 e 76 da Lei n. 9.099/1995), de sorte que nada justifica o seu afastamento em relação a mecanismos de negociação penal de maior amplitude, como o acordo de não persecução penal (infrações penais com pena mínima cominada inferior a 4 anos)” (Gustavo Junqueira, Patrícia Vanzolini, Paulo Henrique Fuller e Rodrigo Pardal. Lei anticrime comentada: artigo por artigo. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 159-160).
Assim, ainda que a violência ou grave ameaça integre uma infração penal de menor potencial ofensivo, não há razão para a não concessão do acordo de não persecução penal, desde que o agente preencha os demais requisitos legais.
Autor: Fabiano Leniesky, OAB/SC 54888. Formado na Unoesc. Advogado Criminalista. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Pós-graduado em Advocacia Criminal. Pós-graduando em Ciências Criminais.