O direito da criança portadora de Síndrome de Down à ser acompanhada por professor de apoio especializado na rede pública de ensino

Resumo:


  • A Lei 12.764/2012 assegura direitos a pessoas com Transtorno do Espectro Autista, incluindo o direito a acompanhante especializado quando necessário, mas não menciona explicitamente direitos similares para pessoas com Síndrome de Down.

  • Apesar disso, a educação inclusiva é um direito garantido pela Constituição Federal, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação e pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, exigindo adaptações necessárias para garantir acesso, permanência, participação e aprendizagem em sala de aula regular.

  • A necessidade de um professor de apoio para crianças com Síndrome de Down deve ser avaliada individualmente por um profissional psicopedagogo, e a designação desse apoio deve ser uma medida excepcional, baseada nas condições intelectuais específicas do aluno.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

No Judiciário pátrio, avolumam-se demandas que pretendem a designação de professor de apoio especializado, na rede pública de ensino, à criança portadora de Síndrome de Down. O presente artigo pretender ofertar balizas para tais pronunciamentos judiciais.

A Lei 12.764 de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, prevê, em seu parágrafo único do art. 3º, que “em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista [...] terá direito a acompanhante especializado”.

 

Inexiste, no entanto, semelhante disposição que expressamente assinale este direito à pessoa portadora de Síndrome de Down, o que leva à indagação deste artigo: tal normativa seria extensível a estes?

 

A resposta, aqui, é positiva, mas há que se observar determinados critérios.

 

Uma criança com Síndrome de Down tem um impedimento de natureza intelectual que, em interação com barreiras sociais, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. É, em outras palavras, e com apoio na definição da Lei 13.146 de 2015 (EPD), pessoa com deficiência.

 

A educação a ela prestada deve, consoante a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, e o EPD (art. 208, III, da CF; art.  art. 4º, III e art. 58, §1º, da Lei 9394/96; arts. 27 e 28 do Estatuto da Pessoa com Deficiência), ser especializada, contando com as adaptações necessárias a garantir seu acesso, permanência, participação e aprendizagem, de forma inclusiva, em todos os níveis e modalidades de ensino, preferencialmente em sala de aula regular[1].

Densificando estas disposições constitucionais e infraconstitucionais, a Resolução nº 4[2] de 2 de outubro de 2009 do Conselho Nacional da Educação prevê que os alunos com necessidades especiais – transtorno globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação – devem ser matriculados nas classes comuns de ensino regular, sendo que o atendimento educacional especializado (AEE) a que se refere a legislação acima será realizado, prioritariamente, em salas de recursos multifuncionais, no contraturno[3].

Disso se extrai que a inclusão do aluno com deficiência na sala de aula regular é preferencial à sua colocação em rede especial de ensino (seja sala especial, seja APAE), devendo esta ser utilizada quando o déficit cognitivo que lhe acomete for de tal modo grave que desaconselhe sua pronta inserção no meio social.

 

Ainda, disso se retira que, incluído em sala regular, o atendimento especializado deve ser prestado ao portador de deficiência por meio de aulas no contraturno, na sala de recursos multifuncionais.

 

No entanto, questão fulcral é que, quando tal não se fizer suficiente a garantir o atendimento especializado aos alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento, deixando de assegurar o sistema inclusivo de educação, o Estado deve prestar acompanhamento individualizado com professor de apoio, sob pena de negar toda a gama de direitos públicos subjetivos mencionados.

Há, em resumo, um enorme contributo que a criança portadora de Síndrome de Down pode extrair da vivência com os colegas em uma sala de aula regular, que torna desaconselhável sua transferência para a sala especial ou a APAE, mas, ao mesmo tempo, tal infante pode precisar de um apoio suplementar. Para que seu aprendizado seja eficiente, e sua inclusão seja concreta, a criança com Síndrome de Down não raro exigirá uma ajuda adicional em sala de aula, com um professor que, após as lições usuais do regente, trabalhe com estratégias individualizadas de ensino (principalmente repetição e técnicas para prender sua atenção), considerando o déficit intelectual que lhe acomete.

 

Essa carência, entretanto, sob pena de onerar desnecessariamente os cofres públicos, deve ser atestada individualmente, por meio de parecer elaborado por profissional psicopedagogo, que funcione no processo como auxiliar do juízo. Isto é, não basta o atestado de que a criança é portadora de Síndrome de Down, pois tal doença tem gradações. Deve-se analisar, concretamente, a necessidade de designação de um professor de apoio individualizado – atestando a insuficiência da sala de recursos multifuncionais para suprir a demanda do aluno – quando, for o caso, haverá um direito a tanto, posição jusfundamental extraída do conjunto normativo supracitado.

 

Repita-se: é fundamental que a conclusão se baseie no caso concreto do aluno, após específica análise. A necessidade de um professor de apoio, suplementar à sala de recursos multifuncionais, apenas pode ser desenlace obtido após detido estudo das condições intelectuais do particular discente, não devendo se estender indistintamente a todos os portadores de Síndrome de Down. Frise-se: a seriedade no trato com as despesas públicas nos leva a afirmar que a disponibilização de professor de apoio deve ser medida excepcional e exigente de todos os requisitos delineados neste texto, cuja aferição impõe-se seja feita a partir de um exame especializado.

 

Por fim, destaque-se que impor ao município ou estado a adoção de tal medida não implica em invadir a esfera de competência do Poder Executivo, nem substituir-se ao Legislador, mas exercer atividade que é própria do Poder Judiciário.

 

Se o Executivo não cumpre o seu dever de, mediante políticas públicas, garantir o acesso à educação à pessoa com deficiência, com absoluta prioridade, proporcionando meios que materializem o direito constitucionalmente assegurado, nada impede o Judiciário de – e tudo o impele à – determinar a sua concretização, sobremodo nas hipóteses de constatada omissão ilegal dos órgãos competentes, evitando-se o comprometimento da eficácia dos direitos sociais garantidos pela Lei Maior.

 

 

 

 

 

 

 

 


[1]

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.

 

Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino;

 

Art. 58.  Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.      

    

§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.

 

Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.

 

Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação.

 

Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:

 

I - sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida;

 

II - aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena;

 

III - projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia;

 

IV - oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas;

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V - adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino;

 

VI - pesquisas voltadas para o desenvolvimento de novos métodos e técnicas pedagógicas, de materiais didáticos, de equipamentos e de recursos de tecnologia assistiva;

 

VII - planejamento de estudo de caso, de elaboração de plano de atendimento educacional especializado, de organização de recursos e serviços de acessibilidade e de disponibilização e usabilidade pedagógica de recursos de tecnologia assistiva;

 

VIII - participação dos estudantes com deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar;

 

IX - adoção de medidas de apoio que favoreçam o desenvolvimento dos aspectos linguísticos, culturais, vocacionais e profissionais, levando-se em conta o talento, a criatividade, as habilidades e os interesses do estudante com deficiência;

 

X - adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado;

 

XI - formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio;

 

XII - oferta de ensino da Libras, do Sistema Braille e de uso de recursos de tecnologia assistiva, de forma a ampliar habilidades funcionais dos estudantes, promovendo sua autonomia e participação;

 

XIII - acesso à educação superior e à educação profissional e tecnológica em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas;

 

XIV - inclusão em conteúdos curriculares, em cursos de nível superior e de educação profissional técnica e tecnológica, de temas relacionados à pessoa com deficiência nos respectivos campos de conhecimento;

 

XV - acesso da pessoa com deficiência, em igualdade de condições, a jogos e a atividades recreativas, esportivas e de lazer, no sistema escolar;

 

XVI - acessibilidade para todos os estudantes, trabalhadores da educação e demais integrantes da comunidade escolar às edificações, aos ambientes e às atividades concernentes a todas as modalidades, etapas e níveis de ensino;

 

XVII - oferta de profissionais de apoio escolar;

 

XVIII - articulação intersetorial na implementação de políticas públicas”.

 

[2] http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf

 

[3]Art. 1º Para a implementação do Decreto nº 6.571/2008, os sistemas de ensino devem matricular os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas classes comuns do ensino regular e no Atendimento Educacional Especializado (AEE), ofertado em salas de recursos multifuncionais ou em centros de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos. Art. 2º O AEE tem como função complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem.

Art. 3º A Educação Especial se realiza em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, tendo o AEE como parte integrante do processo educacional.

Art. 4º Para fins destas Diretrizes, considera-se público-alvo do AEE: I – Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial.

(...)

Art. 5º O AEE é realizado, prioritariamente, na sala de recursos multifuncionais da própria escola ou em outra escola de ensino regular, no turno inverso da escolarização, não sendo substitutivo às classes comuns, podendo ser realizado, também, em centro de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com a Secretaria de Educação ou órgão equivalente dos Estados, Distrito Federal ou dos Municípios.” Destaquei.

 

 

Sobre o autor
Marcos Augusto Bernardes Bonfim

Pós-graduado em Direito das Famílias e Sucessões pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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