O entendimento do STF na ADI nº 6625 tem reflexo na relações trabalhistas?

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A decisão traz nova releitura ao art. 8º da Lei nº 13.979/20 que vinculava a sua vigência ao prazo estabelecido no Decreto nº 06/20 e agora, estando desvinculadas ao prazo final do estado de calamidade pública. O mesmo serve para as relações trabalhistas?

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6625, proposta pelo partido Rede Sustentabilidade, teve pedido liminar parcialmente deferido pelo Ministro relator Ricardo Lewandowski para prorrogar a vigência das medidas sanitárias excepcionais para prevenção e enfrentamento da pandemia da Covid-19.

Segundo o Ministro relator, existe a necessidade de prorrogação da vigência das medidas sanitárias, tendo em vista a imprevisão para vacinação da população e a crescente nos números de infectados pela doença, o que justifica a prorrogação do estado de calamidade pública. Lewandowski ainda afirma que o surto do coronavírus está longe de acabar, o que justifica a necessidade de esticar a aplicação das medidas sanitárias de prevenção [1]:

“(...)a insidiosa moléstia causada pelo novo coronavírus segue infectando e matando pessoas, em ritmo acelerado, especialmente as mais idosas, acometidas por comorbidades ou   fisicamente   debilitadas.   Por   isso, a   prudência   -   amparada   nos princípios da prevenção e da precaução, que devem reger as decisões em matéria de saúde pública - aconselha que as medidas excepcionais abrigadas na Lei n° 13.979/2020 continuem, por enquanto, a integrar o arsenal das autoridades sanitárias para combater a pandemia.”

A decisão monocrática traz, em verdade, uma nova releitura ao artigo 8º da Lei nº 13.979/2020 que anteriormente vinculava a sua vigência ao prazo estabelecido no Decreto nº 06/2020 sendo, a partir de então, desvinculadas ao prazo final do estado de calamidade. Mas e quanto as relações trabalhistas, há algum reflexo da decisão proferida na ADI nº 6625 nos contratos de trabalho afetados pela pandemia?

Antes de tudo é importante esclarecer as mudanças ocorridas no mundo jurídico ao longo desses 10 (dez) meses de pandemia e observar a larga alteração legislativa nesse período.

Em um primeiro momento foi publicado o Decreto Legislativo nº 06/2020, reconhecendo a existência do estado de calamidade pública em virtude da pandemia mundial provocada pela Covid-19. Após reconhecida a calamidade pública, foi a vez de entrar em ação a Lei nº 13.979/2020, essa objeto da ADI nº 6625, cujo texto dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

Após isso, inúmeras medidas provisórias foram editadas e dentre elas a MP nº 936 que, posteriormente, foi convertida na Lei nº 14.020/2020, cujo texto dispõe sobre as relações trabalhistas, a criação do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, a criação do auxílio e benefício emergencial, além de dispor sobre medidas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública. Ainda, o Poder Público prorrogou os prazos determinados na Lei nº 14.020/2020, através dos Decretos nº 10.422/20, 10.470/20 e 10.517/20. Este último conferia prazo máximo para utilização do benefício e auxílio emergencial a duração do estado de calamidade pública conferido no Decreto nº 06/2020, qual seja, 31/12/2020.

Em tese, finalizado o ano de 2020, os programas emergenciais acabariam e, com isso, os empregados que estivesse sob o regime de redução de jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho, por força da Lei nº 14.020/2020, deveriam, automaticamente, retornar aos seus postos de trabalho em status igual ao período pré pandemia.

Ocorre que, com a decisão liminar proferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski no último dia 30, muito se questionou sobre possíveis reflexos na Lei nº 14.020/2020 e se a dilação de prazo do estado de calamidade pública, conferida na ADI nº 6625, também se aplicaria nas relações travadas com escopo na lei supra.

Importante esclarecer que o estado de calamidade pública, conceituado como situação atípica provocada por um desastre – aqui relacionado a evento de causa natural – que compromete e afeta a normalidade do funcionamento social, provocando danos e prejuízos à sociedade, afetando a economia, a segurança e o desenvolvimento humano, e reconhecido no Decreto nº 06/2020 é o mesmo que motiva o texto das Leis nº 14.020/2020 e 13.919/2020, essa última objeto da ADI nº 6625.

Em ambos os casos o reconhecimento e a decretação de estado de calamidade pública objetiva a prevenção, constituindo-se de medidas que permitam ao Estado contornar a crise momentânea provocada pelo desastre uma vez que, reconhecida a situação emergencial, a legislação permite a tomada de uma série de medidas para restaurar a normalidade.

Contudo, tal fato não tem o condão de conferir extensão automática dos efeitos da decisão liminar proferida pelo Ministro Lewandowski a toda e qualquer norma que tenha como escopo o estado de calamidade pública. Em verdade, Lewandowski é claro em sua decisão quando informa que, tão somente o artigo 8° da Lei n° 13.979/2020, é que sofrerá dilação de prazo, sendo considerado o período compreendido entre a decisão e o dia 31/12/2021 como reconhecido o estado de calamidade pública, não fazendo menção a qualquer outro dispositivo contido nesta e nem em outra legislação.

Assim sendo, as medidas sanitárias constante nos dispositivos informados expressamente na decisão do Ministro é que permanecem vigentes, permitindo ao Poder Público a continuidade da adoção das medidas preventivas, como isolamento, quarentena, determinação de realização compulsória de exames médicos, uso obrigatório de máscaras de proteção individual, restrição excepcional e temporária, por rodovias, portos ou aeroportos, de entrada e saída do país e locomoção interestadual e intermunicipal, fornecimento gratuito de máscara a funcionários e colaboradores,  atendimento preferencial dos profissionais de saúde e de segurança pública em estabelecimentos de saúde, dentre outras.

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Ocorre que, a pandemia infelizmente não acabou. A economia não voltou ao status “normal”, as medidas de restrição continuam em vigor, a impossibilidade de realizar determinadas atividades comerciais continua e as famílias ainda precisam de ajuda. Não há uma mágica. Não há um botão de liga e desliga que, se acionado, põe fim a necessidade de fornecer a empregados e empregadores uma ajuda financeira que dê fôlego as empresas, mantenha os empregos e permita que a economia gire. Infelizmente.

Se assim fosse, apenas declarar que não há mais situação de emergência e pôr fim ao estado de calamidade pública com uma data simbólica, como feito no Decreto nº 06/2020, seria o suficiente para voltarmos ao status a quo ante, onde não existia pandemia, desconhecíamos o vírus mortal e a economia, bem ou mal, seguia funcionando de alguma forma.

E é, também por isso, que não prorrogar o estado de calamidade pública, abrangendo e alargando as datas previstas do decreto supra, como um todo - o que consequentemente significa dizer a não prorrogação dos benefícios estabelecidos na Lei nº 14.020/2020 - agravará de maneira assombrosa as relações trabalhistas que se mantiveram até aqui, culminando numa enxurrada de desemprego que já consta com taxa altíssima de, segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 14,1 milhões de desempregados no terceiro trimestre de 2020 [2].

Como é sabido, o Direito do Trabalho foi elevado ao patamar de direitos fundamentais na CF/88, o que significa dizer que, assim como o direito à saúde, à dignidade, à alimentação, a promoção da defesa do trabalhador deve ser vista como sendo um direito fundamental, passando a ser dever do Estado promovê-lo e respaldado no princípio da pessoa dignidade humana.

É o que se depreende da do art. 7º CF/88, que confere aos trabalhadores urbanos e rurais, direitos que visem a melhoria de sua condição social, tais como, o valor social do trabalho, a livre iniciativa, a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária e a prevalência dos direitos humanos.

No cenário atual é dever do Estado fornecer aos cidadãos instrumentos para o exercício pleno dos seus direitos, perseguindo medidas que evidenciem a fragilidade dos trabalhadores e salvaguarde os seus direitos, bem como promova normas legais de preservação e manutenção da economia, a fim de que o país volte a ser capaz de gerar renda e o crescimento seja retomado, mesmo após toda a quebra da cadeia produtiva ocasionada pela Covid-19 sem que, para isso, imponha aos trabalhadores a supressão das suas garantias constitucionais.

Muito embora boa parte da população esteja em estado de negação, continuamos em meio a pandemia da Covid-19, cujos casos confirmados da doença aumentaram significativamente nos últimos meses, de modo que os cuidados adotados no início do ano - tempo em que se confirmou o cenário pandêmico – continuam sendo necessários, sobretudo considerando o fato de que estamos em meio a uma segunda onda de contaminação, conforme vêm alertando os especialistas [3].

E dentre esses cuidados, há também a necessidade de manutenção dos empregos e a promoção de medidas que assegurem renda aos trabalhadores que, de alguma forma, tenham os seus contratos de trabalho afetados pela pandemia o que, sem dúvidas, não ocorrerá com o encerramento do auxílio e benefício emergencial, bem como o fim da possibilidade de redução de jornada e de salário e de suspensão temporária de contrato de trabalho, instituídos pela Medida Provisória nº 936/2020, convertida na Lei nº 14.020/2020.

Os dispositivos legais que não foram objeto do pedido da ADI nº 6625 não serão afetados pela decisão monocrática proferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski, o que significa dizer que as relações trabalhistas originadas pela Lei nº 14.020/2020 não sofrerão, pelo menos em um primeiro momento, alteração na vigência do estado de calamidade que foi encerrado no último dia do ano de 2020.

Dessa forma, os acordos de suspensão temporária dos contratos de trabalho e os de redução de jornada e de salário estão, automaticamente, finalizados, uma vez que a decisão de Lewandowski, proferida nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6625, estendeu tão somente a vigência de dispositivos da Lei nº 13.979/2020, prorrogando a vigência das medidas sanitárias excepcionais para prevenção e enfrentamento da pandemia da Covid-19, não tendo qualquer reflexo em outras legislações.

 

 

_______________________________________

[1] Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15345351846&ext=.pdf. Acesso em 10/01/2021.

[2] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php. Acesso em 14/12/2020.

[3] Disponível em: [1] https://canaltech.com.br/saude/brasil-ja-enfrenta-segunda-onda-da-covid-19-alerta-pesquisador-da-usp-174857/. Acesso em 14/12/2020.

 

Sobre a autora
Adrielle de Oliveira Barbosa Ferreira

Advogada atuante nas áreas Trabalhista, Cível e Consumerista. Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Católica doSalvador - UCSal. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Sócia no Ricardo Xavier Sociedade de Advogados. Professora de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na UNIMAM -Centro Universitário Maria Milza. Mentora para a 1 fase do Exame de Ordem.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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