UMA PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR
Rogério Tadeu Romano
Segue o lendário inquérito dos atos antidemocráticos que tem no comando o ministro Alexandre de Moraes.
A sociedade precisa saber o que restará dessa apuração e qual a sua eficácia com relação a defesa da democracia no Brasil.
Parece faltar alguém em Nuremberg.
É preciso apurar a participação do atual presidente da República naqueles atos.
Necessário lembrar mais uma lição de Miguel Reale Júnior. Para quem sabe, como ele, juntar os pontos, não passa despercebido que o presidente tem três obsessões interligadas: apontar sem base alguma os riscos de fraude do sistema das urnas eletrônicas, facilitar o acesso às armas e enaltecê-las como instrumento de exercício da vontade popular e da liberdade individual e cultivar com especial cuidado suas bases de apoio entre policiais e militares de baixa patente.
Segundo revelou Marcelo Godoy, no site do Estadão, em 11 de janeiro do corrente ano, “no Brasil, a infiltração da extrema-direita nas forças policiais e nas Forças Armadas é promovida pelo bolsonarismo. O guru Olavo de Carvalho ofereceu seus cursos online de graça a policiais e a militares. Enquanto alguns militares ainda se preocupam com movimentos sociais e organizações não governamentais, os quartéis são invadidos a partir da base pelo radicalismo bolsonarista, primo-irmão do extremismo trumpista. Em São Paulo, as polícias mantém um acompanhamento da ação de grupos de ódio e de extremistas. A Polícia Civil, por meio de uma delegacia, e a PM pelo Departamento Político de seu Serviço de Inteligência.”
Como informou o Estadão, em sua edição de 11 de janeiro do corrente ano, há um Modelo defendido por aliados de Bolsonaro que propõe criação de patentes e de Conselho de Polícia Civil ligado à União, além de mandatos para comandantes.
Segundo se lê, o Congresso se prepara para votar dois projetos de lei orgânica das polícias civil e militar que restringem o poder de governadores sobre braços armados dos Estados e do Distrito Federal. As propostas trazem mudanças na estrutura das polícias, como a criação da patente de general, hoje exclusiva das Forças Armadas, para PMS, e de um Conselho Nacional de Polícia Civil ligado à União. O novo modelo é defendido por aliados do governo no momento em que o presidente Jair Bolsonaro endurece o discurso da segurança pública para alavancar sua popularidade na segunda metade do mandato.
No caso da Polícia Militar, a sugestão é para que a nomeação do comandante saia de lista tríplice indicada por oficiais e a destituição, por iniciativa do governador, seja justificada por motivo relevante e comprovado. Na Polícia Civil, o delegado-geral poderá ser escolhido diretamente pelo governador, mas a dispensa “fundamentada” precisa ser ratificada pela Assembleia Legislativa ou Câmara Distrital, em votação por maioria absoluta.
Em síntese, entre as mudanças estão a que cria uma lista tríplice para a escolha de comandantes-gerais e a que obriga o governador a justificar a exoneração de um comandante-geral. Hoje, os governadores podem destituir os comandantes sem justificativas. Segundo o relator da matéria, deputado Capitão Augusto (PL-SP), no final do ano, líderes de bancadas assinaram um requerimento de urgência para que a matéria seja votada ainda neste semestre.
Esse projeto é inconstitucional por afrontar o pacto federativo protegido pela Constituição de 1988.
Sobre isso disse o ministro Celso de Mello:
"A padronização nacional dos organismos policiais estaduais, com expressiva redução do poder e competência dos Estados-membros, se implementada, traduzirá um ato de inaceitável transgressão ao princípio federativo", disse Celso de Mello à reportagem. "Não se pode ignorar que a autonomia dos Estados-membros representa, em nosso sistema constitucional, uma das pedras angulares do modelo institucional da Federação. Qualquer proposição legislativa que tenda à centralização em torno da União Federal, com a consequente minimização da autonomia estadual, significará um retrocesso inaceitável em termos de organização federativa."
São projetos apoiados pela chamada “bancada da bala”.
Esse envolvimento perigoso pode arrastar o país para uma aventura de extrema-direita.
Isso é um plano maligno de poder.
Os bárbaros acontecimentos acontecidos no Capitólio, em 6 de janeiro do corrente ano, são um aviso para a democracia no Brasil. O presidente Trump apontou sem provar que houve fraude nas eleições americanas em que foi derrotado por Joe Biden, em 2020. Incitou, após, sua claque para invadir o Parlamento americano, templo da democracia daquele país. Cometeu ato que se enquadra em crime de responsabilidade. Eram milícias de extrema – direita a ameaçar a democracia.
Como bem disse o professor Hussein Kalout em entrevista recente ao Valor Econômico, “o roteiro para o Brasil repetir o cenário dos EUA está pronto”. Ao menos na cabeça do presidente, de seus acólitos e de suas milícias reais e virtuais.
Alertou Carlos Andreazza(O fetiche reacionário de Carlos Bolsonaro) que “o bolsonarismo investe no estabelecimento de uma cultura plebiscitária entre nós; um fetiche por meio do qual o líder populista governaria (reinaria) – prescindindo de instituições intermediárias – em conexão direta, verdadeira, sem filtros deturpadores, com o povo. É assim na Venezuela, onde as hienas, imprensa incluída, foram estranguladas uma a uma.
“Uma legislação aprovada através de plebiscito” nada mais será do que o estabelecimento de um poder paralelo exclusivamente destinado a sufocar o Parlamento, a democracia representativa e, pois, a própria atividade política.”
Observem-se os artigos 22 e 23 da Lei d Segurança Nacional.
O artigo 22 estipula que é crime “fazer, em público, propaganda [...] de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social”. Os dois artigos preveem penas de 1 a 4 anos de reclusão.
Ali se vê:
Art. 23 - Incitar:
I - à subversão da ordem política ou social;
II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;
III - à luta com violência entre as classes sociais;
IV - a prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.
Cito aqui, outrossim, o artigo 16 da Lei de segurança nacional:
Art. 16 - Integrar ou manter associação, partido, comitê, entidade de classe ou grupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o emprego de grave ameaça. Pena: reclusão, de 1 a 5 anos.
Ademais, transcrevo os artigos 17, 18 e 22, I, da Lei de Segurança Nacional:
Art. 17 - Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito.
Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.
Parágrafo único.- Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a metade; se resulta morte, aumenta-se até o dobro.
Art. 18 - Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.
Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.
Art. 22 - Fazer, em público, propaganda:
I - de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social;
.....
O primeiro objetivo que se extrai dos preceitos é o do reforço da ordem constitucional e do Estado democrático, ideal mais alto perseguido pelas organizações políticas, sobretudo do chamado mundo democrático. Lembre-se que somos um país em que o constitucionalismo e a democracia têm encontrado sérios obstáculos, aos quais as nossas instituições nem sempre resistem.
Em segundo lugar, retorna-se à preocupação de inserir no comportamento delituoso as ações agressivas provindas de qualquer quadrante da realidade nacional. São assim puníveis tanto civis como militares.
Com o ato narrado, afronta-se a democracia. Adota-se o princípio da especialidade e aplica-se a lei de segurança nacional ao caso.
A democracia é meio de convivência, despertar do diálogo, sensatez.
O fato narrado poderia ser entendido como um atentado à democracia, ao estado de direito, ao exercício das instituições, inclusive do poder judiciário do Supremo Tribunal Federal, ou seria fruto de um arroubo juvenil?
Só a avaliação da prova, em seu contexto, pode trazer um melhor esclarecimento.
Sem o Poder Judiciário forte, o Poder Judiciário livre e o Poder Judiciário imparcial no sentido de não ter partes, não adotar atitudes parciais, não teremos uma democracia, que é o que o Brasil tem na Constituição e espera de uma forma muito especial dos juízes brasileiros para a garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos.
A Lei 7.170/83, mais conhecida como Lei de Segurança Nacional, foi promulgada pelo regime militar em 1983, com a justificativa de definir crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Portanto, um texto legal criado num regime de exceção, com o objetivo maior de proteger a ditadura que se instalou no país. Porém, essa norma não foi revogada e ainda se encontra em pleno vigor. Analisando seu conteúdo à luz de um Estado democrático de Direito, constitui-se certamente um entulho autoritário que permanece até nossos dias, embora, ao que parece, vinha sendo um tanto esquecida.
É certo que a lei de segurança nacional é plena de enunciados vazios, abertos, que podem levar à sua não efetividade.
A característica mais saliente e significativa da lei de segurança nacional é a do abandono da doutrina da segurança nacional.
O artigo 23, I, da Lei de Segurança Nacional indica o crime de incitar à sublevação da ordem pública ou social.
Estamos diante de crimes formais, de perigo, que exigem o dolo específico e comportam o dolo na forma eventual.
Sem embargo de opinião contrária, é forçoso reconhecer que dispositivos da Lei de Segurança Nacional, editada em 1983, são plenamente eficazes e foram recepcionados pela Constituição de 1988, que prega o Estado Democrático de Direito.
O art. 1.º da lei esclarece: "Esta lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão: I - a integridade territorial e a soberania nacional; II - o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; III - a pessoa dos chefes dos Poderes da União." Criticando o projeto de que resultou o texto definitivo da lei, em parecer aprovado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, Heleno Fragoso sugeriu que esse art. 1.° tivesse a seguinte redação: "Esta lei prevê crimes que lesam ou expõem a perigo: I - a existência, a integridade, a unidade e a independência do Estado; II – a ordem política e social, o regime democrático e o Estado de Direito". Desta forma se teria melhor especificado a objetividade jurídica desses crimes, indicando, com maior precisão, o âmbito da segurança externa e, com mais propriedade, os bens que importa preservar, no âmbito da segurança interna.
O art. 2.° da lei estabelece que devem levar-se em conta, na aplicação da lei, a motivação e os objetivos do agente e a lesão, real ou potencial, aos bens jurídicos anteriormente mencionados, sempre que o fato esteja também previsto em outras leis penais. Isso significa que nos crimes políticos próprios (em que a ação, por sua natureza, se dirige a atentar contra a segurança do Estado), o fim de agir (motivação política) é elementar ao dolo. Nos crimes políticos impróprios (crimes comuns cometidos com propósito político) a aplicação desta lei depende de indagação sobre os motivos (que devem ser políticos) e os objetivos (que devem ser subversivos).E depende também da existência de lesão, real ou potencial, aos bens jurídicos que a lei tutela.
Os crimes contra a segurança interna são crimes contra o Estado de direito democrático. Falando em tese, as tiranias pregam o fim da democracia. A segurança do Estado depende de múltiplos fatores, entre os quais, por exemplo, a pujança de sua economia e o preparo e coesão de suas forças armadas. Quando se fala em crime contra a segurança do Estado, no entanto, pretende-se punir somente as ações que se dirigem contra os interesses políticos da nação. Os crimes contra a segurança do Estado são os crimes políticos. Para que possa caracterizar-se o crime político é indispensável que a ofensa aos interesses da segurança do Estado se faça com particular fim de agir. É indispensável que o agente dirija sua ação com o propósito de atingir a segurança do Estado. Nos crimes contra a segurança interna, esse fim de agir é o propósito político-subversivo. O agente deve pretender, em última análise, atingir a estrutura política do poder legalmente constituído, para substituí-lo por meios ilegais. Pode-se dizer que o fim de agir é aqui um elemento essencial do desvalor da ação neste tipo de ilícito, sem o qual verdadeiramente não se pode atingir os interesses da segurança do Estado. A existência do fim de agir é uma indefectível marca de uma legislação liberal nessa matéria. Mas pode-se também dizer que essa exigência do fim de agir está na natureza das coisas. Não há ofensa aos interesses políticos da nação, se o agente não dirige sua ação deliberadamente para atingi-los.
Da forma como se observa nos movimentos da extrema-direita no Brasil se quer algo similar à ditadura venezuelana, com as forças armadas servindo de apoio ao ditador e o parlamento e o judiciário a seu serviço.
Parte-se do princípio de que a democracia brasileira tem instituições sólidas
Mas, fica a pergunta: O que estará pensando o procurador-geral da República, titular da ação penal pública incondicionada perante o STF para atos delituosos, porventura, cometidos pelo presidente da República, no curso do mandato, e com conexão com o mandato?