O Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Jundiaí e Região, réu na ação n° 1012828-59.2020.8.26.0309 em trâmite na 5ª Vara Cível de Jundiaí, veiculou, em outdoor, comentários desabonadores ao Banco Santander. Mais especificamente, o réu dirigiu críticas ao gerenciamento da instituição financeira durante a pandemia do Covid-19, destacando que, apesar de seu lucro de aproximadamente 6 bilhões de reais no primeiro semestre de 2020, a empresa demitiu funcionários, impôs metas a seus colaboradores, e “cortou direitos”. Esta, então, ingressou com a presente ação pretendendo a retirada dos outdoors, bem como compensação em danos morais.
O d. magistrado de origem indeferiu o pedido liminar de retirada dos mencionados outdoors, decisão essa que foi combatida por meio do agravo de instrumento de n° 2221187-51.2020.8.26.0000. Em seu recurso, o Banco Santander alegou que
“o réu pratica reiteradamente conduta que deve ser vedada, nos termos dos artigos 17 e 20 do Código Civil e indenizada, nos termos do artigo 186 do mesmo diploma e 5º, IX da Constituição Federal; b) de cinco expressões utilizadas em outdoor colocado pelo réu, uma retrataria fatos não abusivos, outra seria controversa e com grande conotação, outras duas supostamente retratariam fatos narrados em notícias recentes e outra não foi analisada pelo Juízo; c) com relação à expressão “corta direitos”, sua ampla conotação é um dos principais fatores a causar danos à sua imagem, pois leva a entender que estariam sendo cortados direitos sem qualquer motivo, sem indicação de quais seriam esses direitos; d) a afirmação ignora deliberadamente diversas medidas positivas tomadas em relação aos funcionários, pois foi antecipado o pagamento do 13º salário, não houve nenhuma redução de vencimentos de funcionários, houve renovação do quadro funcional, foi integralmente adiantada parcela do PLR que somente seria paga em março de 2021, foi disponibilizada telemedicina a todos os funcionários e estagiários e dependentes até dezembro de 2020, em convênio firmado com o Hospital Albert Einstein, atitudes louváveis em um país que conta 13 milhões de desempregados; e) com relação à sociedade, realizou doação, juntamente com outras instituições bancárias, de R$ 50.000.000,00 para a compra de 15 milhões de máscaras, integra programa de prorrogação automática de parcelas de empréstimos e criou ofertas de crédito para pessoas jurídicas, aquecendo a economia em tempos de crise; f) não há contexto para a afirmação “demite funcionários” ou apontado o caráter das demissões realizada, devendo ser considerado que a simples ocorrência de demissões não é ato ilícito e é direito potestativo do empregador eventual reestruturação de sua equipe; g) a expressão “#SantanderRespeiteOBrasil” envolve pedido com forte potencial de inflamar cidadãos a ela expostos e denota desrespeito que não pode ser comprovado; h) a afirmação “cobra metas” foi reconhecida pelo Juízo como representativa de atos não abusivos pelo Juízo e a expressão “lucra 5,9 bilhões” não representa ilícito, ressaltando que o contexto em que colocadas majora deliberadamente o efeito da mensagem veiculada com o claro objetivo de prejudicar sua imagem, condutas que ultrapassam os limites da liberdade de expressão, não sendo possível a utilização do permissivo constitucional para a veiculação de imagens descontextualizadas, não havendo falar em liberdade de ofensa; i) resta claro o prejuízo à sua imagem, que deve ser obstado nos termos dos artigos 497 do Código de Processo Civil e 12 do Código Civil, por claras as violações aos artigos 17, 20 e 52 do Código Civil, sendo possível zelar pela integridade material e reputação de sua marca, nos termos do artigo 130, III, da Lei nº 9.279/95; j) a atuação com o objetivo de informar, sem nenhuma prova das condutas abusivas ou ilícitas implica em manifesto abuso do suposto direito à liberdade de expressão e manifestação, o que por si só autoriza a aplicação do artigo 187 do Código Civil, sendo certo que as características da mensagem e os meios de veiculação impedem a realização de um direito de resposta adequado, capaz de reverter os danos sofridos”.
A 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, a partir de voto de relatoria do Des. João Carlos Saletti, deu provimento ao r. agravo, determinando a remoção do outdoor referido no processo e suas reproduções porventura instaladas, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Para tanto, fundamentou que
“o modo em que construída a mensagem, agregados todos os seus elementos, acaba por impor uma relação de causa e consequência que leva à interpretação de que a conduta do Banco, durante a pandemia, é desumana e visa exclusivamente a auferir altos lucros, obtidos a despeito do corte de direitos, ou à custa desses cortes, a estipulação de metas de desempenho e demissões de funcionários. A liberdade de expressão e, por conseguinte, de crítica, tem largos limites que, no entanto, não podem ser ultrapassados. A imagem de uma empresa, perante a sociedade em geral, é dos bens mais valiosos para ela [...] o conteúdo do outdoor, mesmo não veiculando fatos inverídicos, os refere fora de contextos que permitam sua integral compreensão. Busca descrever ou revestir o modus operandi do Santander como desumano e imoral, o que se torna mais grave ao considerar o panorama mundial da pandemia Covid-19. A assertiva, sem base comprobatória inequívoca, assume aspecto difamatório, com claros e evidentes prejuízos à imagem da empresa, passando ao largo do propósito da expressão livre da opinião, que deve se dar de modo responsável e produtivo. Diante desse quadro, entendo ser o caso de conceder a tutela provisória de urgência”.
Eis a decisão que ora se analisa criticamente.
Pois bem.
No caso concreto, tem-se uma colisão entre duas posições que, prima facie, são protegidas pela Constituição Federal como garantias fundamentais. De um lado, a liberdade de expressão do réu. De outro, o direito à honra objetiva da autora.
Ambas posições são extraíveis de princípios constitucionais, que não guardam hierarquia entre si.
Não obstante, o Supremo Tribunal Federal já houve por diversas vezes afirmar que “tais liberdades [de expressão] possuem uma posição preferencial” (nesse sentido, vide a Reclamação Constitucional 22.328). Isso se dá em virtude da essencialidade do direito de se expressar a qualquer sociedade que se diga democrática.
A isso some-se o fato de que, quando há conflitos entre princípios, diferentemente do que ocorre com o embate entre regras – ocasião em que prevalece o tudo ou nada –, há que se buscar a conciliação entre eles através da ponderação. Isto é, a atividade jurisdicional deve estar voltada à maximização, tanto que possível, de ambos princípios.
Essas duas premissas, quando visualizadas em conjunto, nos levam a afirmar que a censura, ou seja, a retirada dos outdoors, deve ser excepcionalíssima, merecendo aplicação quando se estiver diante de situações-limite, em que o direito violado for de elevada importância e o atentado de extrema gravidade, de forma que nenhuma outra medida possa ser apta a aplacar a ofensa.
Nesse desiderato, é de se recordar que a ordem constitucional pátria disponibiliza, para além da excepcionalíssima inibição da divulgação da informação – que jamais pode ser prévia, mas sempre posterior à sua circulação –, o direito de resposta, bem como a responsabilização civil e penal dos subscritores do conteúdo ofensivo, devendo tais medidas serem preferíveis em relação à primeira.
Nesse sentido a jurisprudência do STF:
“Direito Constitucional. Agravo regimental em reclamação. Liberdade de expressão. Decisão judicial que determinou a retirada de matéria jornalística de sítio eletrônico. Afronta ao julgado na ADPF 130. Procedência. 1. O Supremo Tribunal Federal tem sido mais flexível na admissão de reclamação em matéria de liberdade de expressão, em razão da persistente vulneração desse direito na cultura brasileira, inclusive por via judicial. 2. No julgamento da ADPF 130, o STF proibiu enfaticamente a censura de publicações jornalísticas, bem como tornou excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões. 3. A liberdade de expressão desfruta de uma posição preferencial no Estado democrático brasileiro, por ser uma pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades. 4. Eventual uso abusivo da liberdade de expressão deve ser reparado, preferencialmente, por meio de retificação, direito de resposta ou indenização. Ao determinar a retirada de matéria jornalística de sítio eletrônico de meio de comunicação, a decisão reclamada violou essa orientação. 5. Reclamação julgada procedente. (Rcl 22328, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 06/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-090 DIVULG 09-05-2018 PUBLIC 10-05-2018)
Dito isso, vislumbra-se, na hipótese, que o réu teceu comentários ríspidos acerca da conduta do Banco Santander face a seus colaboradores durante a pandemia, insinuando tratar-se de uma gestão empresarial desumana, o que fez empregando frases como “demite funcionários”, “cobra metas”, “corta direitos” e “SantanderRespeiteOBrasil”. No entanto, a despeito da crítica rigorosa, ainda que tivesse havido violação à honra objetiva da autora – o que não é o caso, como se abordará adiante – isso, por si só, como se viu, não basta para formar a convicção acerca da necessidade de retirada do conteúdo opinativo do ar.
Isso porque, os comentários veiculados pelo réu em seu outdoor se tratam de válidas opiniões que, independentemente de qualquer juízo acerca de seu mérito, não desbordam do debate ideológico ínsito a qualquer ordem democrática. E, principalmente, não se pode olvidar que o Banco Santander emprega milhares de funcionários apenas na cidade de Jundiaí e Região, área de atuação do sindicato réu, sendo que, portanto, este desempenha atividade de relevante interesse público na defesa dos direitos trabalhistas de seus associados.
Nessa esteira, há não apenas o interesse público na própria livre divulgação de informações, isto é, a fundamentalidade do direito à divulgação de opiniões em si, mas também, no caso, releva seu conteúdo crítico acerca de supostos atentados a direitos fundamentais para cuja defesa o sindicato ré se destina.
Por fim, como destacado pela própria decisão sob análise, não se veiculou, no outdoor em questão, informações propriamente falsas. Como supramencionado, em virtude da elementaridade da liberdade de expressão, e sob pena de transformar o Judiciário em um odioso censor de ideias que podem ou não ser veiculadas, o conceito de “verdade” a ser adotado deve, aqui, ser subjetivo. Isto é, a verdade deve ser aferida a partir do ponto de observação de quem a divulga. Diante disso, não parece, na hipótese, estar de má-fé o réu, divulgando informações sabidamente inverídicas, quando insinua ter sido desumana a gestão de pessoal feita pelo Santander durante a pandemia. O que ele faz é propagar suas interpretações, baseadas em suas legítimas convicções ideológicas, acerca de condutas comprovadamente praticadas pelo Banco Santander. É preciso lembrar que, como destacou o juízo de origem e não impugnou a empresa autora, esta de fato lucrou 6 bilhões no primeiro semestre de 2020[1], demitiu ao menos 20% de seus funcionários[2], cobrou metas de seus colaboradores e reduziu salários. Não se constata, assim, finalidade outra na veiculação do outdoor que não a externalização de uma opinião política do sindicato réu acerca deste conjunto de práticas.
Em adição, entendo que não houve violação à honra objetiva da autora – o que, repita-se, por si só não seria suficiente para a determinação de retirada do outdoor, sendo preferíveis as medidas de responsabilização criminal e/ou cível de seu subscritor, bem como a garantia do direito de resposta.
A pessoa jurídica, é certo, tem seu patrimônio moral constituído, como ensina a doutrina, pelo seu bom nome e reputação perante a sociedade.
Todavia, no caso concreto eles não foram, per si, violados pelo réu.
Entendo como questão fulcral o fato de que não é possível, na hipótese, dissociar as conclusões supostamente excessivas das premissas estabelecidas pelo requerido.
Suas ponderações finais, no sentido de que o Banco Santander estaria sendo desumano com seus funcionários, são consequência do entendimento do sindicato réu acerca da inadequação da conduta da autora ao, repise-se, demitir funcionários, cobrar metas e cortar salários durante a pandemia. Trata-se, assim, de uma gestão empresarial que está em conflito com sua convicção ideológica - crença essa que o sindicato réu pretende seja, a partir do debate de ideias, adotada por outros, e nisso colhe legítimo interesse, como bem nos ensina José Afonso da Silva, ao lembrar que
“a liberdade de pensamento é o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pensa em ciência, religião, arte, o que for. Trata-se de liberdade de conteúdo intelectual e supõe o contato do homem com seus semelhantes, pelo qual o homem tenta, por exemplo, participar a outros suas crenças, seus conhecimentos, sua concepção de mundo, suas opiniões políticas ou religiosas, seus trabalhos científicos. Nesses termos, caracteriza-se como exteriorização do pensamento no seu sentido mais abrangente”.
Dito de outra forma, quem lê referido outdoor apenas julgará negativamente o Banco Santander caso aceite as premissas do réu, de que a demissão de funcionários, cobrança de metas e corte de salários durante a pandemia consubstanciam uma gestão empresarial desumana. Caso rejeite-as, poderá se manter neutro ou até julgar positivamente a instituição financeira autora.
É dizer, o outdoor é apenas o veículo para que terceiros, tomando conhecimento das condutas praticadas pelo Banco Santander, formem sua opinião – positiva, indiferente, ou negativa – acerca da instituição financeira ré.
Nem se diga que estes leitores não tiveram acesso ao contexto dessas medidas, sendo, assim, “manipulados” pelo referido outdoor, pois isso já foge à alçada do réu, que não pode controlar o acervo informacional com que as pessoas recepcionam seus comentários. Entendimento diverso implicaria, ademais, em presumir a debilidade e desinteresse do leitor, que pode buscar maiores informações sobre o tema, o que, no entanto, não diz respeito ao réu.
O que, com isso, se enfatiza, é que não há, com a publicação em apreço, mácula à reputação da requerente, pois: a) não foram veiculadas informações sabidamente falsas ao se afirmar ter sido “desumana” a gestão empresarial do Santander; b) diversas foram e serão as reações dos leitores; c) e, principalmente, ante o fato de que seus reflexos à honra da autora serão dependentes, essencialmente, da circunstância de partilharem ou não das legítimas convicções ideológicas do réu.
Por tudo isso, compreendo que estava correta a decisão a quo que manteve o outdoor em exposição, de sorte que o recurso de agravo não merecia ser provido.
Por derradeiro, mesmo que tal não tenha sido objeto da decisão atacada, adiciono que a indenização por dano moral é pedido que também não merece prosperar. Além de, como esclarecido, não ter havido lesão, não se pode olvidar que, mesmo a condenação ao pagamento dessa verba, ainda que mantida a manifestação de opinião, poderia ter um efeito silenciador. A rigor, impor-se-ia um censor financeiro às ideias, já que, aqueles menos abastados economicamente, poderiam se ver temerosos de, ao manifestarem suas legítimas convicções ideológicas, experimentarem uma condenação em pecúnia, acabando por optar por não fazê-lo. De outra banda, tem-se que, ainda que a autora pleiteie a proteção de sua reputação, em se tratando de um agente econômico o que ela reclama é, indiretamente, a tutela de interesses patrimoniais, que, no caso, devem ceder face à liberdade de expressão do réu, interesse essencial à qualquer ordem democrática.
Assim, não se podendo dizer tenha o conteúdo apontado como discrepante ofendido a honra objetiva da autora, e estando de outro lado interesse dos mais relevantes à democracia, é de se rechaçar, futuramente, também o pleito autoral por indenização a título de danos morais.