OS PERIGOS DA PESCA COM REDES DE ARRASTO E UMA DECISÃO DO STF SOBRE O TEMA

19/01/2021 às 14:21
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O ARTIGO DISCUTE O TEMA SOB O ENFOQUE DO DIREITO CONSTITUCIONAL E DO DIREITO AMBIENTAL COMENTANDO DECISÃO DO STF EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

OS PERIGOS DA PESCA COM REDES DE ARRASTO E UMA DECISÃO DO STF SOBRE O TEMA

Rogério Tadeu Romano  

I – O FATO 

A decisão do ministro Kàssio Nunes Marques permitiu a pesca com redes de arrasto numa faixa de 12 milhas náuticas do litoral do Rio Grande do Sul, que cobre uma área total de 13,3 mil km². Essa modalidade de pesca estava proibida desde 2018 por uma lei gaúcha que instituiu medidas para promover a pesca sustentável no estado. Elaborada em discussão com pescadores, pesquisadores e a sociedade civil, a lei foi aprovada por unanimidade. 

"As populações locais de pequenos pescadores vivem da pesca artesanal, os quais, em regra, não dispõem de outro meio de subsistência para si e suas famílias. Com a proibição da pesca nas 12 milhas marítimas, tiveram suas vidas afetadas e provavelmente perderão sua principal fonte de renda", comenta o ministro. 

A decisão atende a ação direta de inconstitucionalidade do Partido Liberal (PL) para sustar efeitos da Lei 15.223, que instituiu a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca no Rio Grande do Sul, no que diz respeito à pesca de arrasto. 

A liminar concedida em favor da pesca industrial atende a uma ação direta de inconstitucionalidade do Partido Liberal (PL) que havia sido rejeitada pelo antecessor de Nunes Marques no STF, Celso de Mello, em 2019. O partido apresentou um pedido de reconsideração, agora aceito pelo novo ministro, que considerou ser competência privativa da União o direito de legislar sobre o mar territorial. 

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, negou o pedido de liminar para que a pesca industrial de arrasto fosse retomada na costa do Rio Grande do Sul. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6218 postulava a suspensão imediata da proibição da pesca de arrasto na faixa marítima da zona costeira do estado, que por sua vez foi estabelecida pela lei gaúcha nº 15.223/2018, que institui a Política Estadual Desenvolvimento Sustentável da Pesca. 

II – O ESTADO MEMBRO E A COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR EM TEMA QUE ENVOLVE MEIO AMBIENTE 

Em sendo matéria de direito ambiental, o estado membro tem competência concorrente para legislar com a União Federal, dentro do que chamamos de pacto federativo. 

À União cabem apenas os poderes que, explícita ou implicitamente, a Constituição lhe reservou; aos Estados, tudo o mais, já ensinaram, dentro outros, Manoel Gonçalves Ferreira Filho(Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 1/204,1990, Saraiva). Aos Estados cabem todos os demais poderes, exceto aqueles que a Constituição Federal confere, explícita ou implicitamente, aos Municípios. 

Esse o entendimento histórico na matéria, que vem desde a Constituição de 1891, que estabeleceu no artigo 65

Art 65 - É facultado aos Estados: 

........ 

2º) em geral, todo e qualquer poder ou direito, que lhes não for negado por cláusula expressa ou implicitamente contida nas cláusulas expressas da Constituição

No mesmo sentir, teve-se o artigo , parágrafo quarto, da Constituição de 1934, e, na Constituição de 1946, o artigo 18, parágrafo primeiro. Na Constituição de 1967, tinha-se o artigo 13 com a redação modificada pela E. Constitucional nº 1/69

Essa a linha adotada no sistema constitucional dos Estados Unidos, a partir da Emenda X, onde se lê: “Os poderes não delegados aos Estados Unidos por esta Constituição, nem por esta proibidos aos Estados, são reservados respectivamente aos Estados e ao povo”. Isso foi transplantado aos Estados Federais. No México isso inscreveu-se na Constituição de 1957, artigo 117. Tal foi acolhido na Argentina, na Constituição de 1853 (artigo 104), e outros sistemas federativos, como o da Suíça, em 1948 (artigo 3º), na Alemanha, pela Constituição de Bonn (artigo 70), na linha da Constituição de Weimar. 

Na doutrina brasileira histórica, tem-se o que já dizia João Barbalho, comentando aquele artigo 65 da CF de 1891. Para ele, essa disposição era a chave-mestra da federação, sendo a regra áurea da discriminação de competências. 

Disse ainda Carlos Maximiliano (Comentários à Constituição brasileira, páginas 705-6): 

“Tudo o que se não atribui à União expressa ou implicitamente, nem se proíbe, nos Estados é da competência destes.” 

Fala-se que a lei estadual invadiu competência legislativa federal por legislar sobre área de mar territorial brasileiro. 

Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), frequentemente referida pelo acrónimo em inglês UNCLOS (de United Nations Convention on the Law of the Sea), é um tratado multilateral celebrado sob os auspícios da ONU em Montego BayJamaica, a 10 de Dezembro de 1982, que define e codifica conceitos herdados do direito internacional costumeiro referentes a assuntos marítimos, como mar territorial, zona econômica exclusiva, plataforma continental e outros, e estabelece os princípios gerais da exploração dos recursos naturais do mar, como os recursos vivos, os do solo e os do subsolo. A Convenção também criou o Tribunal Internacional do Direito do Mar, competente para julgar as controvérsias relativas à interpretação e à aplicação daquele tratado. 

O texto do tratado foi aprovado durante a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que se reuniu pela primeira vez em Nova York em dezembro de 1973, convocada pela Resolução no. 3067 (XXVIII) da Assembleia-Geral da ONU, de 16 de novembro do mesmo ano. Participaram da conferência mais de 160 Estados. 

Brasil, que ratificou a Convenção em dezembro de 1988, ajustou seu Direito Interno, antes de encontrar-se obrigado no plano internacional. A Lei n. 8.617, de 4 de janeiro adota o conceito de zona econômica exclusiva para as 188 milhas adjacentes. 

A Convenção regula uma grande província do direito internacional, a saber, o direito do mar, que compreende não apenas as regras acerca da soberania do Estado costeiro sobre as águas adjacentes (e, por oposição, conceitua o alto-mar), mas também as normas a respeito da gestão dos recursos marinhos e do controle da poluição

Em dezembro de 1973, foi convocada a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Direitos do Mar, com a presença de 164 Estados(membros e não-membros da ONU), que logrou adotar uma Convenção sobre o Direito do Mar, mediante a votação de 130 Estado-a-favor, 4 contra(Estados Unidos da América, Venezuela, Israel e Turquia) e 17 abstenções tendo sido assinado em Montego Bay, na Jamaica, em 10 de dezembro de 1982. 

A antiga Convenção sobre Alto Mar de Genebra, de 1958, definia, em seu artigo 1º, Alto Mar como o vasto espaço marítimo situado além do mar territorial, não pertencendo nem a este nem às águas interiores do Estado costeiro e por este motivo, “compreende as zonas contiguas e as águas situadas sobre a plataforma continental e fora do limite do mar territorial”. 

Por sua vez, a Convenção de Montego Bay, de 1982, em seu artigo 86, definia que o alto mar é entendido como todas as partes marítimas, “não incluídas na zona econômica exclusiva, no mar territorial ou nas águas interiores de um Estado, nem as águas arquipelágicas de um Estado arquipelágico”. 

As águas arquipelágicas no interior das ilhas mais exteriores de um Estado arquipelágico (como a Indonésia ou as Filipinas) também são consideradas águas interiores. Sobre suas águas interiores, além de jurisdição idêntica à do mar territorial, o Estado costeiro pode até mesmo impedir a passagem inocente

A Convenção fixa o limite exterior do mar territorial em 12 milhas náuticas (22 km), definindo-o como uma zona marítima contígua ao território do Estado costeiro e sobre a qual se estende a sua soberania. Cria, ademais, uma zona contígua também com 12 milhas náuticas, dentro da qual o Estado costeiro pode exercer jurisdição com respeito a certas atividades como contrabando e imigração ilegal, e uma zona econômica exclusiva (ZEE), tendo como limite externo uma linha a 200 milhas náuticas (370,4 km) da costa e como limite interno a borda exterior do mar territorial, na qual o Estado costeiro tem soberania, no que respeita a exploração dos recursos naturais na água, no leito do mar e no seu subsolo. O Estado costeiro exerce também jurisdição sobre a zona em matéria de preservação do meio marinho, investigação cientifica e instalação de ilhas artificiais. 

Para efeitos da medição da distância à costa, as baías e estuários são fechadas por linhas retas (chamadas linhas-de-base), para o interior das quais fica a porção marinha das águas interiores. As ilhas e estados arquipelágicos têm direito a definir a sua ZEE, mas excetuam-se as ilhas artificiais ou plataformas, assim como os rochedos sem condições de habitabilidade. A Convenção estabelece ainda que o limite da ZEE de estados com costas fronteiras, cuja distância, em alguma porção, seja inferior a 400 milhas, deve ser a linha média entre as suas costas, o que deve ser estabelecido por acordo entre os Estados. No que respeita aos Estados sem litoral, a Convenção estabelece que esses países têm direito de participar, em base equitativa, do aproveitamento excedente dos recursos vivos (não recursos minerais, portanto) das zonas econômicas exclusivas de seus vizinhos, mediante acordos regionais e bilaterais. 

Segundo a Convenção, os navios estrangeiros estão sujeitos à jurisdição do Estado em cujas águas se encontrem; excetuam-se os navios militares e os de Estado, que gozam de imunidade de jurisdição. Os navios estrangeiros encontrados no mar territorial e na ZEE gozam do chamado "direito de passagem inocente", definida como contínua, rápida e ordeira. No entanto, o Estado costeiro tem o direito de regulamentar este tipo de passagem, de modo a prover a segurança da navegação, proteção de equipamentos diversos e a proteção do meio ambiente. 

É certo que que, no sistema de repartição constitucional de competências, inclui-se na esfera de atribuições normativas do Congresso Nacional o poder de legislar, em caráter privativo, sobre “limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do domínio da União” (CF, art. 48, inciso V), o que também compreende, no modelo de poderes constitucionalmente enumerados e outorgados à União Federal, competência para legislar, “privativamente”, sobre direito marítimo (CF, art. 22, I), regime de navegação marítima (CF, art. 22, X) e defesa marítima (CF, art. 22, XXVIII). 

Daí é certo, por óbvio, que não cabe a um estado membro determinar a largura do mar territorial pátrio. 

Mas, observe-se o artigo 24, VI, da Constituição Federal, onde há condução de um verdadeiro condomínio legislativo entre essas unidades federativas. 

Ensinou Pontes de Miranda(“Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 01, de 1969”,tomo II/169-170, item n. 3, 2ª ed., 1970, RT), que, nas hipóteses referidas no já mencionado art. 24 da Constituição, a União Federal não dispõe, quanto a elas, de poderes ilimitados que lhe permitam transpor o âmbito das normas gerais, para, assim, invadir a esfera de competência normativa dos Estados-membros, não é menos exato, de outro, que o Estado-membro, em existindo normas gerais veiculadas em leis nacionais (como a Lei nº 11.959/2009, que instituía  Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca), não pode ultrapassar os limites da competência meramente suplementar, pois, se tal ocorrer, o diploma legislativo estadual incidirá, diretamente, no vício da inconstitucionalidade. 

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Cabe à União Federal disciplinar sobre normas gerais. Pois bem: há diploma legislativo de caráter nacional (Lei nº 11.959/2009) sobre atividades pesqueiras, que estipulou vedação à utilização, em quaisquer circunstâncias, de métodos de pesca considerados de índole predatória, como se vê do teor do art. 6º do estatuto legal em questão. 

Ressalte-se, outrossim, de outro lado, que  a Lei Complementar nº 140/2011, de caráter nacional – editada com fundamento no parágrafo único do art. 23 da Constituição da República, define as regras gerais de colaboração e os instrumentos de coordenação que orientam as ações de cooperação institucional entre a União Federal, os Estados-membros, o Distrito  Federal e os Municípios no exercício da competência comum relativa à proteção do meio ambiente, à defesa da flora e da fauna, inclusive marinhas, e ao combate à poluição em qualquer de suas formas(CF, artigo 23, VI e VII), notadamente no que concerne à preservação contra impactos ecológicos negativos resultantes da atividade pesqueira de índole predatória(nociva à incolumidade do patrimônio ambiental). Em sendo assim, qualquer outro ente federal possui competência material para, em conformidade com as normas gerais editadas pela União, fazer cumprir a Política Nacional do Meio Ambiente no território estadual. É o que se tem do artigo 8º, XX, da norma federal editada, LC nº 140/2011. 

III – OS EFEITOS NOCIVOS DA PESCA DE ARRASTO   

A chamada pesca de arrasto é a exercida por uma ou mais embarcações, denominadas arrastões, que rebocam redes, com ou sem portas, diretamente sobre o leito do mar(arrasto pelo fundo) ou entre este a superfície, não existindo na rede nem nas portas qualquer dispositivo que as proteja de avarias provocadas por contato eventual com o fundo(arrasto pelágico), com a finalidade de capturar peixes ou outra fauna marinha com destino ao consumo humano ou à industrialização(LgP DR 43, de 17 de julho de 1987, artigo 4º). 

Diversa é a pesca desembarcada que é realizada sem o auxílio de embarcação e com a utilização de linha de mão, tarrafa, puçá, caniço simples, molinetes, etc. 

Pesquisas associaram a pesca de arrasto a impactos ambientais relevantes, como a captura de grandes quantidades de espécies não visadas, chamadas coletivamente de “capturas acessórias”, assim como a destruição de leitos de águas rasas. Uma nova pesquisa publicada em ações pela Proceedings of the National Academy of Sciences revelou que esse método também está provocando consequências de longo prazo e alcance no fundo do oceano e além. 

O dano causado pela pesca de arrasto nos leitos de águas profundas significa o esgotamento de uma importante fonte de alimentos e a destruição de berços de muitas espécies. 

A pesca de arrasto não apenas destrói imediatamente a meio fauna, mas também prejudica a camada rica em carbono que é a fonte de energia primária dela. Esse material então fica suspenso na água e leva muito tempo para descer novamente ou é movimentado por correntes oceânicas para regiões ainda mais profundas do oceano, longe dos micro-organismos que dependem dele. 

Muitos países impuseram restrições à pesca de arrasto de profundidade. Por exemplo, os E.U.A baniram a pesca de arrasto de profundidade da maioria de sua costa do Pacífico em 2006. 

Em sendo assim a pesca de arrasto (pesca efetuada pelos arrastões) é alvo de legislação rígida em muitos países devido a ser muito perigosa para a conservação das espécies piscícolas, dado que o seu uso desregrado pode conduzir à extinção de várias espécies de peixes e crustáceos (mediante, por exemplo, o uso de malhas excessivamente finas, o que impede que os peixes juvenis possam escapar à captura). 

A pesca de arrasto é a modalidade de pesca de mais alto impacto negativo para os habitats do fundo do mar. Redes são arrastadas para capturar espécies que vivem próximo ao fundo e, ao fazê-lo, destroem ecossistemas e capturam pescados que não possuem ainda o tamanho adequado para comercialização. Esses animais são descartados mortos, o que prejudica diretamente outras pescarias que poderiam capturá-los após terem cumprido seus ciclos de crescimento e reprodutivo. 

A pesca de arrasto, em virtude da utilização de redes de malha fina, de reduzido tamanho, culmina por capturar e devolver às águas um grande número de peixes pequenos, já sem vida, das principais espécies, entre elas corvinas, pescados e pescadinhas. 

De acordo com os estudos realizados a partir da análise de dados obtidos por expedições científicas, na área das 12 milhas náuticas existem, pelo menos, 66 espécies de peixes, das quais 22 estão ameaçadas de extinção. Essas espécies teriam a mortalidade por pesca reduzida pelo afastamento do arrasto de fundo.  

IV – A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO E A ADOÇÃO DO PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO EM SEDE DE DIREITO AMBIENTAL  

A decisão historiada do ministro Kássio Nunes Marques, com o devido respeito, afronta ao princípio da proibição do retrocesso. 

J.J. Gomes Canotilho(“Direito Constitucional e Teoria da Constituição”,p. 338/340, item n. 3, 7ª ed., 2003, Almedina) ensinou: 

“O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de retrocesso social. A idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contrarrevolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos(ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação),uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo.  A‘ proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. O reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais de propriedade, subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas. A violação no núcleo essencial efectivado justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada justiça social.” 

A proibição do retrocesso é princípio máxime no direito ambiental. 

O direito à integridade do meio ambiente constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder deferido não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, atribuído à própria coletividade social. 

Bem acentuou o ministro Celso de Mello(ADI 6218 MC / RS), em julgamento acima apontado, que os impactos potenciais gerados pela aplicação da Lei gaúcha, especialmente no que se refere à constatação técnica de que a pesca de arrasto, em virtude da utilização de redes de malha fina, de reduzido tamanho, culmina por capturar e devolver às águas um grande número de peixes pequenos, já sem vida, das principais espécies (corvinas, pescados e pescadinhas), sendo certo, ainda, a partir da análise de dados obtidos por expedições científicas, que, na área das 12 (doze) milhas náuticas, existem, pelo menos, 66 (sessenta e seis) espécies de peixes, cabendo destacar, por relevante, que, entre elas ,“estão 22 espécies ameaçadas de extinção que teriam a mortalidade por pesca reduzida pelo afastamento do arrasto de fundo”, cuja proibição – tal como ora instituída pela Lei gaúcha – “já é realidade em países modelos de gestão pesqueira em nível mundial”. 

Sem dúvida, a atividade econômica (e profissional) não pode ser exercida em conflito com os princípios constitucionais destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente (CF, art. 170, VI). 

Há, pois, a devida homenagem ao princípio do desenvolvimento sustentável, um dos pilares do direito ambiental. 

Há, para o caso, a aplicação do princípio da precaução.  

O princípio da precaução, formulado na Conferência de Bergen para a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada de 8 a 16 de maio de 1990, determina que diante de ameaça séria ou irresistível ao meio ambiente, a ausência absoluta de certeza científica não deve servir de pretexto para a demora na adoção de medidas para prevenir a degradação ambiental. 

O objetivo do Princípio da Prevenção é o de impedir que ocorram danos ao meio ambiente, concretizando-se, portanto, pela adoção de cautelas, antes da efetiva execução de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras de recursos naturais. 

O Princípio da Precaução, por seu turno, possui âmbito de aplicação diverso, embora o objetivo seja idêntico ao do Princípio da Prevenção, qual seja, antecipar-se à ocorrência das agressões ambientais. 

Enquanto o Princípio da Prevenção impõe medidas acautelatórias para aquelas atividades cujos riscos são conhecidos e previsíveis, o Princípio da Precaução encontra terreno fértil nas hipóteses em que os riscos são desconhecidos e imprevisíveis, impondo à Administração Pública um comportamento muito mais restritivo quanto às atribuições de fiscalização e de licenciamento das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais. 

O Princípio da Precaução (vorsorgeprinzip) surgiu no Direito Alemão, na década de 1970, mas somente foi consagrado internacionalmente na “Declaração do Rio Janeiro”, oriunda da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada em 1992, encontrando-se presente no Princípio 15 daquela, no sentido de que “de modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades” e que “quando houve ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. 

Também foi o Princípio da Precaução expressamente previsto na Convenção da Diversidade Biológica e na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática. 

O Princípio da Precaução está claramente presente no art. 225, §1º, I, IV, V, da Constituição Federal resguardando o objetivo primordial do texto constitucional, qual seja, manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado, salvaguardando a sadia qualidade de vida (ao Ser Humano). O fim maior da Carta Constitucional é preservar a dignidade humana, portanto, mantendo o meio ambiente ecologicamente equilibrado isto se torna possível. 

Mais uma vez, com o devido respeito, entendo que a decisão monocrática do ministro Kássio Nunes Marques, a bem do melhor direito, em defesa do meio ambiente, deve ser revogada. Isso porque não há atividade econômica que se faça em afronta ao meio ambiente. 

Será caso, pois, de ajuizamento de recurso de agravo interno. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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