Anotações sobre a Lei nº 14.119/2021, que instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais.

Resumo:


  • A Lei nº 14.119/2021 instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA), trazendo uma abordagem inovadora na gestão de espaços públicos e privados, ao permitir o pagamento por serviços que promovam manutenção, recuperação ou melhoria dos ecossistemas.

  • A PNPSA define conceitos importantes para o direito ambiental, estabelecendo modalidades de pagamento e objetivos alinhados com a conservação e valorização dos serviços ecossistêmicos, além de incentivar a participação de agentes privados em ações de preservação.

  • A lei também cria o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais, detalha diretrizes para a implementação da política e estabelece critérios para contratos de pagamento por serviços ambientais, visando a efetivação dos objetivos propostos e a promoção do desenvolvimento sustentável.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Trata-se de anotações e reflexões críticas sobre a recente Lei nº 14.119, de 13 de janeiro de 2021, que instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais.

Introdução

 

            A recente Lei nº 14.119, de 13 de janeiro de 2021, instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais e ao assim dispor trouxe uma inovação sobre a forma de gerir os espaços públicos e privados, de modo a permitir o pagamento por serviços ambientais. A lei traz em seu bojo inicial uma série de conceitos, caros ao direito ambiental brasileiro e que trataremos em detalhe nas linhas que se seguem. Como método de abordagem, faremos uma incursão analítica sobre o texto legal, uma vez que por se tratar de legislação recente, poucos estudos ou decisões judiciais existem sobre a temática proposta. Consideramos válidas políticas que permitam regulações que atentem para o cumprimento da lógica desejável do desenvolvimento sustentável, de modo que seja possível equilibrar interesses entre a utilização racional e sustentável de áreas com relevância ecológica e a preservação mais restritiva do ambiente. A sequência da exposição será suficiente a provocar debates sobre o tema proposto, o que esperamos que aconteça sob a forma de críticas ou aprofundamentos das ideias aqui expostas.

 

1. Conceitos úteis à implantação da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA).

 

Como já anunciado na parte introdutória dessas linhas, a lei em comento trouxe uma inovação marcante, ao definir conceitos que são muito úteis ao direito ambiental brasileiro. A definição clara e precisa realizada através desses conceitos serve ao estabelecimento e direcionamento de políticas públicas específicas, elevando o potencial de efetivação das mesmas.

Neste sentido vale destacar que lei em tela define (em seu artigo 2°) ecossistema como sendo um complexo dinâmico de comunidades vegetais, animais e de microrganismos e o seu meio inorgânico que interagem como uma unidade funcional (inciso I). Define também, em seu inciso II, serviços ecossistêmicos como os benefícios relevantes para a sociedade gerados pelos ecossistemas, em termos de manutenção, recuperação ou melhoria das condições ambientais, nas modalidades: a) serviços de provisão – aqueles que fornecem bens ou produtos ambientais utilizados pelo ser humano para consumo ou comercialização, tais como água, alimentos, madeira, fibras e extratos, entre outros; b) serviços de suporte – aqueles que mantêm a perenidade da vida na Terra, tais como a ciclagem de nutrientes, a decomposição de resíduos, a produção, a manutenção ou a renovação da fertilidade do solo, a polinização, a dispersão de sementes, o controle de populações de potenciais pragas e de vetores potenciais de doenças humanas, a proteção contra a radiação solar ultravioleta e a manutenção da biodiversidade e do patrimônio genético; c) serviços de regulação - aqueles que concorrem para a manutenção da estabilidade dos processos ecossistêmicos, tais como o sequestro de carbono, a purificação do ar, a moderação de eventos climáticos extremos, a manutenção do equilíbrio do ciclo hidrológico, a minimização de enchentes e secas e o controle dos processos críticos de erosão e de deslizamento de encostas; e d) serviços culturais – aqueles que constituem benefícios não materiais providos pelos ecossistemas, por meio da recreação, do turismo, da identidade cultural, de experiências espirituais e estéticas e do desenvolvimento intelectual, entre outros.

No entanto, o ponto central da discussão repousa na definição do que seriam serviços ambientais, que é definido no inciso III desse mesmo artigo 2º da lei como sendo as atividades individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos. Tais serviços ambientais são essenciais para a elevação status de conservação, fruto de políticas de desenvolvimento sustentável, uma vez que favorece uma maior participação de agentes privados em ações de preservação e conservação e espaços territoriais com relevância ecológica.

A lei também é clara ao definir pagamento por serviço ambientais todas as transações de natureza voluntária, mediante a qual um pagador de serviços ambientais transfere a um provedor desses serviços recursos financeiros ou outra forma de remuneração, nas condições acertadas, respeitadas as disposições legais e regulamentares pertinentes.

Para uma melhor compreensão, quem seriam os pagadores de serviços ambientais e os provedores de serviços ambientais? A lei em questão também explica. Pagadores de serviços ambientais seriam o Poder Público, as organizações da sociedade civil ou os agentes privados, pessoas físicas ou jurídicas, de âmbito nacional ou internacional, que provêm o pagamento dos serviços ambientais. Já os provedores de serviços ambientais seriam as pessoas, físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, ou ainda, grupos familiares ou comunitários que, preenchidos os critérios de elegibilidade, mantenham, recuperem ou melhorem as condições ambientais dos ecossistemas.

 

2. Modalidades de Pagamento por Serviços Ambientais

 

            A presente lei dispõe ainda quais são as modalidades de pagamento por serviços ambientais, o que faz em seu artigo 3º. Entre tais modalidades estão: a) o pagamento direto, monetário ou não monetário; b) prestação de melhorias sociais a comunidades rurais e urbanas; c) a compensação vinculada a certificado de redução de emissões por desmatamento e degradação; d) títulos verdes (green bonds); e) comodato; f) Cota de Reserva Ambiental (CRA)[1]. Além dessas modalidades, outras poderão ser estabelecidas por atos normativos do órgão gestor da PNPSA, como dispõe o §1º desse mesmo artigo. Vale ainda destacar que a lei dispõe que as modalidades de pagamento deverão ser previamente pactuadas entre pagadores e provedores de serviços ambientais.

 

2. Objetivos da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA).

 

            O artigo 4º de lei em comento apresente como objetivos da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA): a) orientar a atuação do Poder Público, das organizações da sociedade civil e dos agentes privados em relação ao pagamento por serviços ambientais, de forma a manter, recuperar ou melhorar os serviços ecossistêmicos em todo o território nacional; b) estimular a conservação dos ecossistemas, dos recursos hídricos, do solo, da biodiversidade, do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado; c) valorizar econômica, social e culturalmente os serviços ecossistêmicos; d) evitar a perda de vegetação nativa, a fragmentação de habitats, a desertificação e outros processos de degradação dos ecossistemas nativos e fomentar a conservação sistêmica da paisagem; e) incentivar medidas para garantir a segurança hídrica em regiões submetidas a escassez de água para consumo humano e a processos de desertificação; f) contribuir para a regulação do clima e a redução de emissões advindas de desmatamento e degradação florestal; g) reconhecer as iniciativas individuais ou coletivas que favoreçam a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos, por meio de retribuição monetária ou não monetária, prestação de serviços ou outra forma de recompensa, como o fornecimento de produtos ou equipamentos; h) estimular a elaboração e a execução de projetos privados voluntários de provimento e pagamento por serviços ambientais, que envolvam iniciativas de empresas, de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) e de outras organizações não governamentais; i) estimular a pesquisa científica relativa à valoração dos serviços ecossistêmicos e ao desenvolvimento de metodologias de execução, de monitoramento, de verificação e de certificação de projetos de pagamento por serviços ambientais; j) assegurar a transparência das informações relativas à prestação de serviços ambientais, permitindo a participação da sociedade; l) estabelecer mecanismos de gestão de dados e informações necessários à implantação e ao monitoramento de ações para a plena execução dos serviços ambientais; m) incentivar o setor privado a incorporar a medição das perdas ou ganhos dos serviços ecossistêmicos nas cadeias produtivas vinculadas aos seus negócios; n) incentivar a criação de um mercado de serviços ambientais; o) fomentar o desenvolvimento sustentável.

            Trata-se de objetivos elevados que uma vez efetivados garantem um satisfatório status de preservação e conservação aos espaços territoriais a serem especialmente protegidos, assim como dispõe o artigo 225, §1º, inciso III da Constituição Federal de 1988. Aliás, levando em conta o Texto Supremo de nosso país, convém destacar que a presente lei serve, especialmente, ao cumprimento dos três primeiros incisos do §1º do artigo 225 da Carga Magna de 1988, abaixo transcritos:

 

“§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

 

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

 

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

 

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;”[2] 

 

            A presente normativa serve também ao cumprimento do artigo 170, inciso VI da Constituição, que eleva a defesa do meio ambiente à condição de princípio geral da ordem econômica, o que significa que a liberdade econômica do empreendedor encontra limites na defesa do meio ambiente, equação fundamental para o equilíbrio que fundamenta a linha do verdadeiro desenvolvimento sustentável. Este, sem dúvida é o espírito da presente lei ao prever a possibilidade de pagamento por serviços ambientais: garantir o ecodesenvolvimento. Vale ainda frisar que o aspecto econômico é fundamental para o sucesso no alcance de resultados satisfatórios em se tratando de preservação e conservação ambiental. Ignorar tal necessidade é fechar os olhos para inúmeros ilícitos que são praticados em decorrência de restrições totais à utilização de espaços territoriais que poderiam suportar usos sustentáveis.

            A norma dispõe ainda que esta Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais deverá ser integrada a outras políticas setoriais e ambientais, em especial à Política Nacional do Meio Ambiente, à Política Nacional da Biodiversidade, à Política Nacional de Recursos Hídricos, à Política Nacional sobre Mudança do Clima, à Política Nacional de Educação Ambiental, às normas sobre acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade e, ainda, ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e aos serviços de assistência técnica e extensão rural.

            Convém ainda destacar que esta política deve ser gerida pelo órgão central do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), que é o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que tem por finalidade planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente, nos termos do III do artigo 6º da Lei nº 6.938/1981.

 

3. Diretrizes da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais

 

            Toda política pública se fundamenta em diretrizes, diretoras das ações que precisam ser implementadas, de modo que seus objetivos possam ser alcançados. Neste sentido, a presente norma destaca como diretrizes: a) o atendimento aos princípios do provedor-recebedor e do usuário-pagador; b) o reconhecimento de que a manutenção, a recuperação e a melhoria dos serviços ecossistêmicos contribuem para a qualidade de vida da população; c) a utilização do pagamento por serviços ambientais como instrumento de promoção do desenvolvimento social, ambiental, econômico e cultural das populações em área rural e urbana e dos produtores rurais, em especial das comunidades tradicionais, dos povos indígenas e dos agricultores familiares; d) a complementaridade do pagamento por serviços ambientais em relação aos instrumentos de comando e controle relacionados à conservação do meio ambiente; e) a integração e a coordenação das políticas de meio ambiente, de recursos hídricos, de agricultura, de energia, de transporte, de pesca, de aquicultura e de desenvolvimento urbano, entre outras, com vistas à manutenção, à recuperação ou à melhoria dos serviços ecossistêmicos; f) a complementaridade e a coordenação entre programas e projetos de pagamentos por serviços ambientais implantados pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal, pelos Municípios, pelos Comitês de Bacia Hidrográfica, pela iniciativa privada, por Oscip e por outras organizações não governamentais, consideradas as especificidades ambientais e socioeconômicas dos diferentes biomas, regiões e bacias hidrográficas, e observados os princípios estabelecidos nesta Lei; g) o reconhecimento do setor privado, das Oscip e de outras organizações não governamentais como organizadores, financiadores e gestores de projetos de pagamento por serviços ambientais, paralelamente ao setor público, e como indutores de mercados voluntários; h) a publicidade, a transparência e o controle social nas relações entre o pagador e o provedor dos serviços ambientais prestados; i) a adequação do imóvel rural e urbano à legislação ambiental; j) o aprimoramento dos métodos de monitoramento, de verificação, de avaliação e de certificação dos serviços ambientais prestados; l) o resguardo da proporcionalidade no pagamento por serviços ambientais prestados; e m) a inclusão socioeconômica e a regularização ambiental de populações rurais em situação de vulnerabilidade, em consonância com as disposições da Lei nº 12.512, de 14 de outubro de 2011.

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            As diretrizes acima expostas revelam a grandeza do instituto do pagamento por serviços ambientais quando estes são geridos de forma ética e responsável. O modelo de Administração Pública centralizada revelou-se ineficaz para atender, com agilidade e capacidade econômica (lógica da reserva do possível) às reais necessidades de intervenção sobre a iniciativa privada e sobre a gestão pública em matéria ambiental, sempre que haja riscos de danos significativos ao ambiente. A ideia sempre será a de evitar, controlar ou mitigar tais danos.

 

4. Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais

 

A presente lei criou o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais (PFPSA), no âmbito do órgão central do SISNAMA, com o objetivo de efetivar a PNPSA relativamente ao pagamento desses serviços pela União, nas ações de manutenção, de recuperação ou de melhoria da cobertura vegetal nas áreas prioritárias para a conservação, de combate à fragmentação de habitats, de formação de corredores de biodiversidade e de conservação dos recursos hídricos.

Vale ainda frisar que as ações para pagamento por serviços ambientais previstas nesta norma não impedem a identificação de outras, com novos potenciais provedores. A lei dispõe ainda que a contratação do pagamento por serviços ambientais no âmbito do PFPSA, observada a importância ecológica da área, terá como prioridade os serviços providos por comunidades tradicionais, povos indígenas, agricultores familiares e empreendedores familiares rurais definidos nos termos da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006. Convém ainda destacar que na execução do PFPSA, respeitadas tais prioridades, o órgão gestor dará preferência à realização de parcerias com cooperativas, associações civis e outras formas associativas que permitam dar escala às ações a serem implementadas.

Importante considerar que existem requisitos específicos para que se possa participar do Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais. São esses: a) enquadramento em uma das ações definidas para o Programa; b) nos imóveis privados - ressalvadas as terras indígenas, os territórios quilombolas e outras áreas legitimamente ocupadas por populações tradicionais, mediante consulta prévia, nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais - comprovação de uso ou ocupação regular do imóvel, por meio de inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR); c) formalização de contrato específico; e d) outros estabelecidos em regulamento.

Há ainda outras especificidades importantes no que diz respeito à participação no Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais: a) o contrato de pagamento por serviços ambientais pode ocorrer por termo de adesão, na forma de regulamento; b) no âmbito do PFPSA, o pagamento por serviços ambientais depende de verificação e comprovação das ações de manutenção, de recuperação ou de melhoria da área objeto de contratação, conforme regulamento; e c) para o financiamento do PFPSA poderão ser captados recursos de pessoas físicas e de pessoas jurídicas de direito privado e perante as agências multilaterais e bilaterais de cooperação internacional, preferencialmente sob a forma de doações ou sem ônus para o Tesouro Nacional, exceto nos casos de contrapartidas de interesse das partes.

Entre as ações a serem desenvolvidas no âmbito do Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais estão: I - conservação e recuperação da vegetação nativa, da vida silvestre e do ambiente natural em áreas rurais, notadamente naquelas de elevada diversidade biológica, de importância para a formação de corredores de biodiversidade ou reconhecidas como prioritárias para a conservação da biodiversidade, assim definidas pelos órgãos do SISNAMA; II - conservação de remanescentes vegetais em áreas urbanas e periurbanas de importância para a manutenção e a melhoria da qualidade do ar, dos recursos hídricos e do bem-estar da população e para a formação de corredores ecológicos; III - conservação e melhoria da quantidade e da qualidade da água, especialmente em bacias hidrográficas com cobertura vegetal crítica importantes para o abastecimento humano e para a dessedentação animal ou em áreas sujeitas a risco de desastre; IV - conservação de paisagens de grande beleza cênica; V - recuperação e recomposição da cobertura vegetal nativa de áreas degradadas, por meio do plantio de espécies nativas ou por sistema agroflorestal; VI - manejo sustentável de sistemas agrícolas, agroflorestais e agrossilvopastoris que contribuam para captura e retenção de carbono e conservação do solo, da água e da biodiversidade; e VII - manutenção das áreas cobertas por vegetação nativa que seriam passíveis de autorização de supressão para uso alternativo do solo.

No que diz respeito aos critérios de aplicação do Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais, podem ser objeto do mesmo: a) áreas cobertas com vegetação nativa; b) áreas sujeitas a restauração ecossistêmica, a recuperação da cobertura vegetal nativa ou a plantio agroflorestal; c) unidades de conservação de proteção integral, reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável, nos termos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000; d) terras indígenas, territórios quilombolas e outras áreas legitimamente ocupadas por populações tradicionais, mediante consulta prévia, nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais; e) paisagens de grande beleza cênica, prioritariamente em áreas especiais de interesse turístico; f) áreas de exclusão de pesca, assim consideradas aquelas interditadas ou de reservas, onde o exercício da atividade pesqueira seja proibido transitória, periódica ou permanentemente, por ato do Poder Público; g) áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade, assim definidas por ato do poder público.

 A lei em tela dispõe que os recursos decorrentes do pagamento por serviços ambientais pela conservação de vegetação nativa em terras indígenas serão aplicados em conformidade com os planos de gestão territorial e ambiental de terras indígenas, ou documentos equivalentes, elaborados pelos povos indígenas que vivem em cada terra.

Resta consignado ainda no texto da lei em análise, que na contratação de pagamento por serviços ambientais em áreas de exclusão de pesca, podem ser recebedores os membros de comunidades tradicionais e os pescadores profissionais que, historicamente, desempenhavam suas atividades no perímetro protegido e suas adjacências, desde que atuem em conjunto com o órgão ambiental competente na fiscalização da área.

No que tange aos imóveis privados, são elegíveis para provimento de serviços ambientais: a) os situados em zona rural inscritos no CAR, previsto na Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, dispensada essa exigência para aqueles a que se refere o inciso IV do caput do art. 8º dessa Lei, a saber: terras indígenas, territórios quilombolas e outras áreas legitimamente ocupadas por populações tradicionais, mediante consulta prévia, nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais; b) os situados em zona urbana que estejam em conformidade com o plano diretor, de que trata o § 1º do art. 182 da Constituição Federal, e com a legislação dele decorrente; c) as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) e as áreas das zonas de amortecimento e dos corredores ecológicos cobertas por vegetação nativa, nos termos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000.

Vale ainda lembrar que o parágrafo único do artigo 9º dessa lei dispõe que as Áreas de Preservação Permanente, Reserva Legal e outras sob limitação administrativa nos termos da legislação ambiental serão elegíveis para pagamento por serviços ambientais com uso de recursos públicos, conforme regulamento, com preferência para aquelas localizadas em bacias hidrográficas consideradas críticas para o abastecimento público de água, assim definidas pelo órgão competente, ou em áreas prioritárias para conservação da diversidade biológica em processo de desertificação ou avançada fragmentação.

Há, no entanto, algumas restrições no que tange a aplicação de recursos públicos para pagamento por serviços ambientais. Desta forma, estão impedidas de receber tais recursos públicos: I - a pessoas físicas e jurídicas inadimplentes em relação a termo de ajustamento de conduta ou de compromisso firmado com os órgãos competentes com base nas Leis números 7.347, de 24 de julho de 1985, e 12.651, de 25 de maio de 2012; II - referente a áreas embargadas pelos órgãos do SISNAMA, conforme disposições da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012.

A lei dispõe ainda que o Poder Público fomentará assistência técnica e capacitação para a promoção dos serviços ambientais e para a definição da métrica de valoração, de validação, de monitoramento, de verificação e de certificação dos serviços ambientais, bem como de preservação e publicização das informações. Convém ainda destacar que o órgão central do SISNAMA (Ministério do Meio Ambiente) consolidará e publicará as metodologias que darão suporte à assistência técnica supracitada.

Percebe-se que não se trata de uma política de declarações, tão somente. A lei deixa claro os meios, mecanismos e condições para que pessoas físicas e empresas possam participar de programas de pagamento por serviços ambientais. Por se tratar de lei federal, a presente lei estabelece as condições para participação no programa federal de pagamento por serviços ambientais. No entanto, por se tratar de uma lei que cria uma política nacional, a norma em tela lança as diretrizes gerais para a criação e estabelecimento de programas estaduais (pelos Estados Membros) de pagamentos por serviços ambientais. Trata-se, portanto, de lei geral em matéria de pagamento por serviços ambientais.

 

5. Contrato de Pagamento por Serviços Ambientais

 

O art. 12 da lei em análise dispõe que o regulamento definirá as cláusulas essenciais para cada tipo de contrato de pagamento por serviços ambientais, consideradas obrigatórias aquelas relativas: a) aos direitos e às obrigações do provedor, incluídas as ações de manutenção, de recuperação e de melhoria ambiental do ecossistema por ele assumidas e os critérios e os indicadores da qualidade dos serviços ambientais prestados; b) aos direitos e às obrigações do pagador, incluídos as formas, as condições e os prazos de realização da fiscalização e do monitoramento; c) às condições de acesso, pelo Poder Público, à área objeto do contrato e aos dados relativos às ações de manutenção, de recuperação e de melhoria ambiental assumidas pelo provedor, em condições previamente pactuadas e respeitados os limites do sigilo legal ou constitucionalmente previsto.

A lei ainda faz a ressalva que no caso de propriedades rurais, o contrato pode ser vinculado ao imóvel por meio da instituição de servidão ambiental e que os contratos de pagamento por serviços ambientais que envolvam recursos públicos estarão sujeitos à fiscalização pelos órgãos competentes do Poder Público, o que é de praxe, como se sabe.

Ainda é importante lembrar que a lei é cristalina ao dispor que os serviços ambientais prestados podem ser submetidos à validação ou à certificação por entidade técnico-científica independente, na forma do regulamento.

 

6. Outras Observações Relevantes

 

            Merece ainda recordar que para o cumprimento do disposto nesta Lei, a União poderá firmar convênios com Estados, com o Distrito Federal, com Municípios e com entidades de direito público, bem como termos de parceria com entidades qualificadas como organizações da sociedade civil de interesse público, nos termos da Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999.

            Outra anotação importante é a que diz respeito as receitas oriundas da cobrança pelo uso dos recursos hídricos de que trata a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Essas poderão ser destinadas a ações de pagamento por serviços ambientais que promovam a conservação e a melhoria da quantidade e da qualidade dos recursos hídricos e deverão ser aplicadas conforme decisão do comitê da bacia hidrográfica.

            Por sim, a norma dispõe que as obrigações constantes de contratos de pagamento por serviços ambientais, quando se referirem à conservação ou restauração da vegetação nativa em imóveis particulares, ou mesmo à adoção ou manutenção de determinadas práticas agrícolas, agroflorestais ou agrossilvopastoris, têm natureza propter rem e devem ser cumpridas pelo adquirente do imóvel nas condições estabelecidas contratualmente.

 

7. Conclusão

 

Após essas breves anotações sobre a estrutura dessa importante lei, que veio a instituir a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, percebemos que grande é a sua contribuição ao direito ambiental brasileiro. No entanto, a prática cotidiana das celebrações de convênios e contratos trará experiências que tornarão o instituto do pagamento por serviços ambientais ainda mais efetivo, o que certamente é um grande avanço para a gestão pública em matéria ambiental. Ademais, uma lei como a presente destaca o dever que o Texto Constitucional conferiu, não apenas ao Poder Público, mas à população em geral, no que tange a tarefa de defender o meio ambiente. Basta recordar que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988 dispõe que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se a Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Como consta nesse registro constitucional, todos temos o dever de zelar pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado, de modo que seja possível promover um desenvolvimento econômico sustentável. Nesse contexto, o pagamento por serviços ambientais se apresenta como um instituto de grande relevância, uma vez que permite a pessoas físicas e jurídicas que estejam em sintonia com o Poder Público em sua tarefa de defender o meio ambiente, de modo que essa universalização da defesa ambiental acabe por servir à concretização do direito à vida e à realização dos princípios da dignidade da pessoa humana e do desenvolvimento sustentável, tão caros ao nosso Estado de Direito Ambiental.

 

8. Referências bibliográficas

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Extraído do site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 19 de janeiro de 2021.

 

BRASIL. Lei nº 6.938/2021. Política Nacional do Meio Ambiente. Extraído do site: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938compilada.htm>. Acesso em 19 de janeiro de 2021.

 

BRASIL. Lei nº 14.119/2021. Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. Extraído do site: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.119-de-13-de-janeiro-de-2021-298899394>. Acesso em 19 de janeiro de 2021.

 


[1] Instituída pela Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012.

[2] Extraído do site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 19 de janeiro de 2021.

Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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