A efetividade do programa de compliance sob a óptica do canal de denúncia

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O canal de denúncia visto como um como um instrumento precioso na aferição da efetividade de um programa de compliance.

Palavras-chave: Compliance. Canal de Denúncia. Efetividade do programa.

Sumário: Introdução. 1. Canal de Denúncia. 2. Análise da efetividade do Programa de Compliance. Conclusão. Referências Bibliográficas.


Introdução

Além de ser uma das balizas que compõe a estrutura de um programa de compliance, o canal de denúncia exsurge como um instrumento precioso na avaliação da sua efetividade.

Nessa toada, o presente artigo visa retratar essa faceta do canal de denúncia, prestando-se como um indicador apto a aferir a efetividade prática do programa.

Cumpre informar que, em diversas passagens nesse artigo, integridade e compliance serão tratados como termos equivalentes.

Inicialmente, com a devida vênia, passa-se ao conceito de compliance:

“É o sistema de gestão de uma organização que visa o cumprimento do ordenamento jurídico, das normas regulatórias e das políticas internas por parte da alta administração, colaboradores e terceiros; com o objetivo prevenir, detectar e remediar os riscos que impactam o alcance dos seus objetivos. Adicionalmente, busca promover e difundir a cultura da integridade, em conformidade com valores éticos e princípios que regem as boas práticas corporativas, evitando desvios de conduta e contribuindo para o desenvolvimento sustentável”.


1. Canal de Denúncia

Podemos inferir que o incentivo à denúncia de irregularidades, bem como a existência de um mecanismo que viabiliza tal procedimento, são algumas das “exigências” previstas pela legislação anticorrupção brasileira, conforme artigo 7º, VIII, da lei nº 12.846/2013.

E no âmbito de um programa de compliance, o aludido “mecanismo” se reveste na forma de canal de denúncia.

Desse modo, o canal de denúncia é a ferramenta útil para que colaboradores e terceiros possam cientificar à organização a respeito das irregularidades. Ao mesmo tempo que inibe a prática de infrações, desestimulando tais condutas, permite que erros ou fraudes sejam descobertos e remediados antecipadamente.

O Decreto nº 8.420/2015, que regulamenta a lei anticorrupção, estabelece que o canal de denúncia deve ser aberto e amplamente divulgado a funcionários e terceiros.

Ademais, sua operacionalização deve contar com mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé, devendo assegurar: a garantia de anonimato, confidencialidade e não retaliação.


2. A análise da efetividade do Programa de Compliance

De acordo com a Portaria nº 909/2015 da Controladoria Geral da União, na avaliação de programas de integridade das pessoas jurídicas, formalizados via Relatório de Perfil e de Conformidade, em síntese, deverão ser observados critérios inerentes ao porte e à especificidade da empresa, estrutura, funcionamento e atuação do programa de compliance.

O Decreto nº 8.420/2015, por seu turno, em seu artigo 42, X, dita que o canal de denúncia é um dos parâmetros a ser considerado quando da avaliação do programa de integridade.

Pegando carona nessas orientações/mandamentos, iremos além, uma vez que situaremos o canal de denúncia como figura central no processo.

Consoante diretriz do U.S. Department of Justice (DOJ), uma investigação deve ser bem planejada, de modo que no processo de averiguação dos fatos se identifique, de forma plena e com credibilidade, a causa raiz (root cause) da conduta inconforme e, consequentemente, as pessoas envolvidas.

Inevitavelmente, em se tratando de uma denúncia procedente, tal conduta irá se contrapor às diretrizes indicadas pelo código de ética e conduta. Daí se denota a importância de um código de ética e conduta bem confeccionado, pois define qual a conduta a empresa espera das pessoas, advertindo, teoricamente, como o colaborador deve agir.

Em razão disso, é basilar que ocorra a ampla comunicação do código. Como contrapartida da obrigação da empresa em divulgá-lo e torná-lo acessível, é assegurado aos colaboradores e terceiros o direito de conhecer o seu inteiro teor. Porém, não basta conhecê-lo, mas sim assimilá-lo. E esse discernimento sobre “como agir”, somente é atingido através de um plano consistente de treinamento, o qual busca solidificar a cultura do compliance.

Por outro ângulo, uma análise detida da causa raiz que culminou na exposição da organização a determinado risco, permite, indiretamente e de maneira detectiva, a identificação de eventual deficiência nos seus controles internos.

Nessa esteira, vem à tona questionamentos acerca do adequado mapeamento do risco, sendo possível mensurar se tal ameaça foi considerada na matriz de probabilidade e impacto e, em caso positivo, qual o tratamento dado a fim de mitigá-la. Isso nos remete a uma segunda análise, voltada para a avaliação das políticas, normas e procedimentos que compõe o ambiente de controles internos.

Dando sequência e, como resultado do risco “levantado” a partir da denúncia realizada no canal, avançamos para as atividades contínuas de monitoramento, avaliações independentes e relatos de deficiência. Nessa fase, é possível averiguar se o risco materializado em algum instante esteve sob o crivo do monitoramento contínuo ou da auditoria interna, responsáveis pela medição programa, nela incluindo os “testes” de controles internos e até mesmo recomendações de melhoria.

Uma outra modalidade de investigação/monitoramento que deve ser revisitada é o processo de due diligence. Caso a conduta envolva terceiros, é imperioso proceder-se à análise das medidas acautelatórias pré e pós contratação.

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Por fim, caso comprovada a ocorrência do desvio de conduta, atinge-se a etapa derradeira do processo, a saber: a aplicação da medida disciplinar. Tal punição pode desencadear em advertências verbais ou por escrito, demissão sem justa causa ou com justa causa e, em casos extremos, abertura de inquérito policial. Além de assegurar a pronta interrupção das irregularidades detectadas, deve-se estudar a possibilidade de a empresa revelar a informação ao público e órgãos competentes.

Julgamos ser esse o critério decisivo em nossa avaliação, na medida em que será “testado” de fato o comprometimento da alta administração com o programa de compliance, no sentido de ratificar a aplicação da medida disciplinar.

Essa atitude irá de encontro com a independência, autonomia e recursos previamente direcionados ao departamento de compliance, coadunando com o pilar primário do programa, qual seja, o suporte da alta administração.


Conclusão

Como visto, o canal de denúncia está interligado aos demais pilares do programa de compliance. Ao lhe posicionar como referência dentro desse sistema, é possível realizarmos um julgamento prático da efetividade como um todo.

De se notar que, na intenção de avaliar a efetividade programa de integridade, percorremos o caminho “inverso”, pois partimos da denúncia recebida e, ao final, nos deparamos com o pilar inaugural do programa (“tone at the top”).

Em suma, o funcionamento ativo do canal de denúncia é uma espécie de termômetro dessa “engrenagem”. A eficiência de cada um dos seus componentes é um sinal de efetividade. Por fim, a aplicação da medida disciplinar é a “rainha das evidências” da seriedade do programa de compliance.

Obviamente que essa estratégia deve ser somada às recomendações correlatas ao tema, fundamentalmente àquelas advindas do exterior, como o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) e United Kingdom Bribery Act (UKBA).

Traçando um paralelo com dois princípios, um de natureza jurídica trabalhista e outro na seara contábil, quais sejam, a “primazia da realidade” e da “essência sobre forma”, valoriza-se a tese de que:

  • os fatos se sobrepõem sobre aquilo que consta em documentos, instrumentos, formulários pactuados solenemente, etc.; e

  • a prevalência dos valores sobre as regras formais.

Conclui-se, portanto, que esses princípios devem ser levados a cabo na análise da efetividade, apoiados pela fiel aplicabilidade do canal de denúncia e respectiva medida disciplinar. Como consectário lógico, um simples programa de compliance de “fachada” será naturalmente refutado e fadado ao insucesso, pois não basta a existência de um conteúdo meramente formal; ele tem que demonstrar funcionamento prático e resultar na aplicação de medidas concretas.


Referências Bibliográficas

Livros

GIOVANINI, Wagner. Compliance: A excelência na prática. 1. ed. São Paulo, 2014. 500p.

GONSALES, Alessandra et al. Compliance: a nova regra do jogo. 1ª ed. São Paulo: Lec, 2016. 152p.

Consultas Eletrônicas e Outros

BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 2 ago. 2013. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm> Acesso em 09 jun. 2020.

BRASIL. Decreto n. 8.420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 19 mar. 2015. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/D8420.htm> Acesso em 09 jun. 2020.

SERPA, Alexandre. Investigações de compliance: Antes, durante e depois. [2019]. Disponível em <https://d335luupugsy2.cloudfront.net/cms/files/28354/1499348302ebook_investiga.pdf> Acesso em 11 jun. 2020.

SERPA, Alexandre; SIBILLE, Daniel. Os pilares do programa de compliance: Uma breve discussão. [2017]. Disponível em <https://d335luupugsy2.cloudfront.net/cms/files/28354/1486140630Os+Pilares+do+Programa+de+Compliance+-+E-book.pdf> Acesso em 11 jun. 2020.

U.S .DEPARTMENT OF JUSTICE (DOJ). Evaluation of Corporate Compliance Programs. [2020]. Disponível em <https://www.justice.gov/criminal-fraud/strategy-policy-and-training-unit/compliance-initiative> Acesso em 05 jul. 2020.

Sobre o autor
Nelson Kenzo Gonçalves Fujino

Advogado, pós-graduado em Direito Corporativo e Compliance. Contabilista, pós-graduado em Direito Tributário. Auditor Interno na Claro Brasil. Certificado em Compliance Anticorrupção (CPC-A).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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