O INQUÉRITO POLICIAL COMO GARANTIA DO INVESTIGADO E A DESNECESSIDADE DO JUIZ DAS GARANTIAS

24/01/2021 às 00:58
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Em pleno período de suspensão da vigência do dispositivo legal que criou a figura do Juiz das Garantias, o presente artigo trata da importância do inquérito policial como primeira garantia do investigado, apontando a desnecessidade do Juiz das Garantias.

Atualmente, o inquérito policial é considerado uma garantia porque não foi criado com a finalidade de prejudicar o autor do crime, mas de buscar provas pré-constituídas a fim de subsidiar a denúncia ofertada pelo órgão acusatório, para que a ação penal possa ser devidamente ajuizada, destarte, é considerado um procedimento preparatório da ação penal, com caráter administrativo, presidido pela autoridade policial, voltado à colheita de provas para sustentar uma acusação justa, observando sempre os direitos individuais do investigado.

Se não houvesse inquérito policial, a ação penal seria ajuizada de forma simples como se faz no âmbito cível através de uma petição, uma procuração e alegações, porém, em virtude do processo criminal ser muito mais complexo, faz-se imprescindível a produção da prova de maneira antecedente, antes do início da ação penal, tendo como responsável um bacharel em direito, delegado de polícia concursado, o qual será o presidente da investigação criminal.

Sendo assim, inicialmente, a autoridade policial procura provar a existência de uma infração penal, com o objetivo de saber se realmente o crime aconteceu e, quando possível, aponta-se a sua autoria, visto que o peso de um processo criminal é muito grande, estigmatizante e deixa uma imagem negativa em relação à pessoa investigada, portanto, as acusações não podem ser levianas, precisam ser bem estruturadas, bem fundamentadas, para que alguém possa responder por seus atos em sede judicial.

O inquérito foi criado para sustentar a opinião do delito pelo Membro do Ministério Público, ou seja, serve para viabilizar a formação do convencimento do órgão acusatório, oferecendo-lhe elementos da prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, então, com estas provas em mãos o representante do Ministério Público ingressa em juízo para provar a culpa e o Juiz aplicar a pena, quando necessária.

É cediço que o presidente do inquérito é o delegado de polícia, civil (estadual) ou federal, e que o indiciamento é um ato privativo da autoridade policial, assim, ninguém pode interferir nessa presidência, não pode haver de forma nenhuma interferências externas, o delegado é quem vai conduzir o procedimento de colheita de provas, vai funcionar como um detetive atrás do criminoso, sendo necessário provar o crime e identificar o criminoso, por fim, indiciá-lo de acordo com o seu convencimento.

Saliente-se a importância dessa investigação ser acompanhada e fiscalizada por outros órgãos, pois o simples fato de ser suspeito de um crime gera uma situação negativa para o investigado, especialmente para o cidadão de bem, então por essa razão o inquérito é fiscalizado pelo Ministério Público e por um Juiz, assim, toda investigação criminal deve ser acompanhada, como sempre foi, sendo desnecessária a atuação do Juiz das Garantias no acompanhamento e fiscalização do inquérito policial.

Sabe-se que o STF autorizou que o MP produzisse investigações autônomas, sem a necessidade do inquérito policial, mas não se pode esquecer de que existe, embora o STF tenha suspendido por meio de liminar, o Juiz das Garantias, que é o juiz apto para também acompanhar os procedimentos investigatórios realizados pelo Ministério Público.

Convém destacar que o Delegado preside o inquérito policial, o Ministério Público e o Juiz fiscalizam, portanto, o MP pode requisitar diligências e o advogado do investigado pode sugerir diligências que, neste caso, a autoridade policial pode deferir ou indeferir o pedido da defesa, mas em relação à requisição do órgão ministerial o delegado tem o dever de atendê-la.

Em seu trabalho de investigação criminal, o Delegado deve fazer a classificação da infração penal que ele está investigando, indicar o tipo penal no qual se enquadra a conduta do investigado, pois nada impede que o delegado, bacharel em direito concursado, diga que está investigando um crime de roubo e que o mesmo é qualificado por emprego de arma de fogo, consequentemente, ele indicia o suspeito/investigado, todavia, nada impede que o órgão acusatório entenda ser outra a tipificação do delito ou, mais adiante, o juiz entenda a classificação de modo diferente.

Ademais, o delegado deve classificar determinado fato como típico a fim de gerar, ou não, a possibilidade de lavrar o auto de prisão em flagrante delito, v.g., um sujeito é abordado transportando droga, conduzido e apresentado à autoridade policial que pode entender se tratar de um usuário, então não lavra o auto de prisão em flagrante e faz apenas um termo circunstanciado com base no art. 28 da Lei de drogas, portanto, o sujeito não fica preso.

Por outro lado, o Delegado pode entender se tratar de um traficante, daí tipifica no art. 33 da Lei de Drogas, lavra a prisão em flagrante e o sujeito fica preso, por isso, o delegado precisa fazer a classificação para tomar as providências iniciais que cada caso requer.

Vale frisar que não há investigação formal preliminar, ou seja, antes da deflagração do inquérito policial, mas pode haver investigação informal, por exemplo, para averiguar denúncias anônimas a fim de coletar o mínimo de elementos necessários para instauração de inquérito policial mediante portaria, isto posto, investigações preliminares “formais” que não sejam o próprio inquérito são completamente desnecessárias, descabidas e ilegais.

Alguns doutrinadores quando comentam crimes habituais, que se consumam pela frequência da prática da conduta prevista no tipo penal, v.g., curandeirismo, cujo autor precisa ministrar substâncias para pessoas várias vezes, então, parte da doutrina ensina que para haver flagrante de crime habitual seria necessária uma pré-investigação com o intuito de constatar a habitualidade.

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Entretanto, seria mais viável instaurar inquérito mediante portaria para colher provas e, se for cabível, pedir prisão temporária ou preventiva, conforme o crime. Enfim, além do inquérito não é admissível outro tipo de investigação formal no âmbito da polícia civil ou federal.

No tocante à nulidade, não se reconhece nulidade em nenhuma investigação criminal, a não ser no processo que tem rito e forma previstos em lei para coletar provas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, é o chamado devido processo legal, deflagrado com o recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público, então na fase processual pode-se dizer que uma falha pode gerar nulidade, enquanto na fase pré-processual se um ato for mal feito, apenas o refaz, ou o Ministério Público nem leva em consideração e toca a persecução penal adiante.

É evidente que provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, v.g., algumas provas periciais como o exame cadavérico, que não podem ser refeitas com o passar do tempo, se houverem falhas, devem ser refeitas imediatamente, porque a prova que gera materialidade do crime será reaproveitada no processo e vai gerar efeito na fase processual, portanto, a prova pré-constituída na investigação não é sujeita de nulidade, mas se for uma prova que vai se tornar uma prova processual é necessário que seja feita corretamente porque pode ser apontada no processo como uma prova falha e gerar nulidade, enquanto no inquérito não há que se falar em nulidade.

Em se falando de indiciamento, é um ato privativo do Delegado de Polícia, é a formalização da suspeita de que alguém é autor de crime, quando a autoridade policial chega à conclusão de que determinada pessoa é autora de uma infração penal, chama esta pessoa para formalizar o indiciamento, o que significa que o indivíduo será apontado como suspeito.

O art. 2º, §6º, da Lei 12.830/2013, diz que o indiciamento privativo do delegado de polícia dar-se-á por ato fundamentado, indicando autoria, materialidade e suas circunstâncias, então não é um ato de mero capricho ou discricionário absoluto, tanto que se não houver fundamento idôneo, poderá ser impetrado habeas corpus para trancamento do inquérito, outras situações que não podem ocorrer é a interferência externa no ato de indiciamento, ou seja, requisição de indiciamento pelo Ministério Público ou Juiz, pois é ato privativo do Delegado.

O inquérito é naturalmente inquisitivo e sigiloso, portanto, se perder esse caráter, também perde sua finalidade, como regra, a persecução feita pelo Estado-Investigação necessita de sigilo, pois não é de acesso público, apenas é dado acesso ao advogado em razão de suas prerrogativas legais, assim, mesmo quando o Juiz decreta sigilo na investigação, somente advogado com procuração nos autos pode consultar o inquérito.

Por outro lado, é inquisitivo porque não cabe citação do investigado para ele responder como acontece no início da ação penal, pois não é um processo, o suspeito ainda não é acusado formalmente de nada, não sendo necessária a citação para se defender, senão não dá para coletar provas que servem justamente para fundamentar uma futura acusação pelo órgão ministerial.

Desse modo, o caráter sigiloso e inquisitivo são medidas necessárias para colher o mínimo de provas para lastrear uma futura ação penal, de outra banda, não se pode mais determinar a incomunicabilidade do indiciado, mesmo que esteja preso provisoriamente, isso é o entendimento majoritário, que sobrevém da inteligência do art. 136, §3º, IV, CF, onde se diz que no estado de defesa o preso não pode ficar incomunicável, dessa forma, também em situações de normalidade não se pode decretar a incomunicabilidade do preso.

Indubitavelmente, a inclusão do juiz das garantias no Código de Processo Penal atinge um pouco a importância do inquérito policial, visto que quando entrar em vigor o art. 3º C, §3º, CPP, os autos do inquérito ficarão no cartório do Juiz das Garantias, ou seja, ele apreciará o inquérito, caso encontre provas suficientes, ele mesmo receberá a denúncia e a partir de então, deflagrada a ação penal, remeterá a denúncia ao juiz da culpa que analisará o mérito e atuará na fase de instrução e julgamento, mas esse juiz não terá contato com as provas pré-constituídas no inquérito porque esse procedimento ficará arquivado no cartório do juiz das garantias, exceto as provas periciais que não podem ser reproduzidas, v.g., laudo cadavérico e outros, perceba que o Juiz das Garantias não será apenas um fiscal do inquérito policial, posto que participará de todo o procedimento investigatório, podendo decidir sobre pedidos de cautelares e ainda receberá a denúncia oferecida pelo membro do Parquet.

Sobre o autor
Paulo César da Silva Melo

alagoano de Arapiraca, casado, pai de 4 filhas, servidor público desde 2000, policial civil desde 2002, Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL), escritor de artigos jurídicos, aprovado no XIV exame nacional da OAB, apto à advocacia desde 2014, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI), pós-graduando em Políticas Públicas e Direitos Humanos pela UNEAL, com capacitações na área de segurança pública pelo Ministério da Justiça, pesquisador das ciências criminais, professor de direito em cursos preparatórios e eterno aprendiz.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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JUIZ DAS GARANTIAS. INQUÉRITO POLICIAL. GARANTIA DO INVESTIGADO. PROCESSO PENAL.

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