A Resolução nº 347/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelece regras sobre a Política de Governança das Contratações Públicas no Poder Judiciário.[1]
As regras assinaladas na Resolução se assentam no fato de que o Poder Judiciário é uno e, portanto, necessita ser orientado por diretrizes nacionais, suficientemente consistentes para permitir a a segurança, coerência e integridade das suas ações, notadamente no âmbito das contratações públicas.[2]
É fato que a definição desses padrões nacionais está inclusa na competência do Conselho Nacional de Justiça que, além de responsável pelo controle da atuação administrativa e financeira dos tribunais, também deve coordenar o planejamento e a gestão estratégica do Poder Judiciário.
As medidas anunciadas na Resolução CNJ nº 347/2020 encontram apoio, entre outras normas, no art. 37 da Constituição Federal, que assinala os princípios da Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência); nas disposições da Lei nº 8.666/93 que, ao concretizar o comando normativo emergente do art. 37, XXI, da Constituição Federal, estabelece regras sobre licitações e contratos da Administração Pública; e nas previsões do Decreto nº 7.892/2013, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços, indicado no art. 15 da Lei nº 8.666/93.
Destaque-se, além disso, que a criação de regras sobre a Política de Governança das Contratações Públicas no Poder Judiciário alinha-se às diretrizes da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) e aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Lembre-se, neste sentido, que a Resolução CNJ nº 296/2019 criou inclusive uma Comissão Permanente de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 2030 da ONU.
Também merece ser citada a Resolução CNJ nº 201/2015, que estabeleceu normas sobre a política de sustentabilidade do Poder Judiciário e implementou o Plano de Logística. Essa Resolução também cuida de questões referentes às contratações no âmbito do Poder Judiciário.
Sem aspirar uma apreciação crítica mais aprofundada de todo o conteúdo assentado na Resolução CNJ nº 374/2020 considera-se propício, para os restritos fins deste trabalho, fazer breves destaques sobre alguns dispositivos da mencionada norma.
Como dito, a Resolução CNJ nº 374/2020 passou a tratar das providências destinadas à implementação da Política de Governança das Contratações Públicas dos órgãos do Poder Judiciário. Nos respectivos artigos do ato normativo são encontradas regras, princípios e diretrizes voltadas à consecução dos seus respectivos fins.
Com referência às diretivas principiológicas da Política de Governança das Contratações Públicas dos Órgãos e Conselhos do Poder Judiciário, conforme previsto no art. 2º, devem ser observados os princípios indicados no art. 37 da Constituição Federal (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), além dos princípios da economicidade, do desenvolvimento sustentável, da isonomia, da integridade, da confiabilidade, da probidade administrativa, da motivação, da segurança jurídica, da prestação de contas e responsabilidade, da transparência e do interesse público.
A atenção aos citados princípios não dispensa a incidência dos efeitos de outros paradigmas principiológicos de índole constitucional ou legal, aplicáveis ao tema.
No que diz respeito às diretrizes da Política de Governança e Gestão das Contratações Públicas no âmbito do Poder Judiciário, o art. 3º da Resolução enfatiza a necessidade de que os órgãos responsáveis conjuguem todos os esforços possíveis para concretização das seguintes providências:
- Promover o desenvolvimento nacional sustentável e a transparência dos procedimentos administrativos;
- Enaltecer a integridade e a conformidade legal das medidas e atos praticados pelos órgãos e agentes;
- Assumir medidas destinadas à elevação dos níveis de interação com o mercado fornecedor, em busca de soluções mais ajustadas às necessidades institucionais, sociais e ambientais;
- Garantir tratamento isonômico e imparcial;
- Adotar expedientes planejados de contratação em sintonia com os parâmetros definidos no planejamento estratégico geral do respectivo órgão;
- Encorajar o emprego de novas tecnologias e reconhecer a importância da inovação no ambiente público;
- Impulsionar medidas que se assentam em critérios meritórios, técnicos e profissionais, notadamente por meio do desenvolvimento de gestão por competência,
- Estimular práticas que ampliem a eficiência dos processos, sobretudo para obtenção de maior celeridade, sem desprezar o adequado controle de riscos;
- Concorrer para a obtenção dos melhores benefícios administrativos com o dispêndio do menor volume possível de recursos;
- Prestigiar, dentro dos limites do interesse público, a efetivação de contratações compartilhadas e sustentáveis, além de enaltecer a relevância da promoção do da acessibilidade e da inclusão socioeconômica.[3]
A propósito dos aspectos instrumentais, nos termos do art. 5º da Resolução, entre outros, foram destacados os seguintes instrumentos da governança em contratações públicas do Poder Judiciário:
i) Plano de Logística Sustentável;
ii) Plano Anual de Contratações;
iii) Plano Anual de Capacitação;
iv) Plano de Tratamento de Riscos do macroprocesso de contratações;
v) Planos de Obras estabelecidos em atos normativos do CNJ; e
vi) Plano Diretor de Tecnologia da Informação e Comunicação.
De acordo com o § 1º do art. 5º da Resolução os mencionados instrumentos de governança devem ser sistematizados e alinhados entre si, com o plano estratégico do órgão e com os demais planos instituídos em normativos específicos.
Nota-se que a medida objetiva a consolidação das diretrizes gerais da Resolução e das respectivas estratégias do órgão.
A respeito da sustentabilidade, é pertinente mencionar o teor dos artigos 6º a 8 º da Resolução CNJ nº 374/2020:
Art. 6º Os órgãos do Poder Judiciário devem elaborar e implementar Planos de Logística Sustentável – PLS, de acordo com as regras definidas pela Resolução CNJ nº 201/2015, e suas atualizações. Parágrafo único. O escopo do PLS, sempre que possível, deverá ser ampliado, alcançando o monitoramento dos grandes contratos do órgão, de modo a subsidiar a criação de políticas internas e a tomada de decisão da alta administração.
Art. 7º O PLS deverá estar em harmonia com o Plano Estratégico Institucional e demais instrumentos de desdobramento da estratégia dos órgãos, observado o disposto no § 1º do art. 4º.
Art. 8º A critério da alta administração, o PLS poderá abranger as diretrizes para a gestão estratégica das contratações e da logística do órgão, observado o disposto no art. 33.
Ainda sobre as estratégias para o alcance dos fins propostos pelo Conselho Nacional de Justiça na Resolução CNJ nº 374/2020, é apropriado evidenciar as previsões do art. 14.
Além de determinar a adoção de medidas de gestão sustentável, racionalização e consumo consciente, o citado artigo estipula diversos deveres a serem cumpridos no âmbito da gestão das contratações dos órgãos do Poder Judiciário. Os deveres mencionados nos incisos do artigo são os seguintes:
I – assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto;
II – instituir processos de controle interno para mitigar o risco de contratações com sobrepreço ou com preços manifestadamente inexequíveis e superfaturamento na execução do contrato;
III – assegurar meios para avaliar a eficácia das contratações, mediante a aferição de resultados e da qualidade dos bens, obras e serviços contratados;
IV – garantir a presença dos estudos técnicos preliminares, quando necessário, e demais atos praticados nos processos de contratação;
V – observar a devida transparência nos atos praticados em todas as fases do processo de contratações, em especial nos eventos a serem conduzidos na fase da seleção do fornecedor, respeitados os princípios da isonomia e da publicidade;
VI – propor modelagem de processos de contratação, observadas as boas práticas e os normativos vigentes;
VII – introduzir rotina aos processos de pagamentos dos contratos, incluindo as ordens cronológicas de pagamento, juntamente com sua memória de cálculo, relatório circunstanciado, proposições de glosa e ordem bancária, dentre outros documentos comprobatórios;
VIII – estabelecer diretrizes para a nomeação de fiscais de contrato, com base no perfil de competências e evitando a sobrecarga de atribuições;
IX – padronizar os procedimentos para a fiscalização contratual, respeitando-se os princípios do devido processo legal e do contraditório, quando da apuração de descumprimentos junto a fornecedores;
X – modelar o processo sancionatório decorrente de compras e contratações públicas, estabelecendo-se, em especial, critérios objetivos e isonômicos para a determinação da dosimetria na aplicação das penas; e
XI – zelar pela devida segregação de funções, em todas as fases do processo de contratação.
Com relaçao à integridade no contexto das contratações públicas, conforme apontado no art. 28, há orientação para que os órgãos do Poder Judiciário tomem algumas medidas específicas.
Em primeiro lugar, entre outras providências para garantir a integridade, é preciso que os órgãos criem e se pautem em códigos de ética, assentados em rigorosos padrões de comportamento institucional.
Em segundo lugar, é indispensável que haja promoção das diretrizes de caráter ético, sobretudo por meio da capacitação dos agentes responsáveis.
Também é necessário que sejam formadas comissões de ética, ou colegiados de natureza equivalente, para desempenho de efetivo controle e monitoramento do cumprimento das orientações inclusas no código de ética.
Finalmente, devem ser assentados postulados consistentes sobre a indispensabilidade da apuração e responsabilização pela prática de condutas com indícios de irregularidade ou violação das normas da política de governança de contratações.
No que toca aos riscos relacionados às contratações no âmbito do Poder Judiciário, o art. 30 da Resolução elenca alguns deveres a serem cumpridos pelos correspondentes órgãos. Nesse sentido, com relação à gestão de riscos nas contratações[4], devem os órgãos responsáveis:
- Definir orientações claras e estabelecer metodologias seguras para a implantação e desenvolvimento das atividades relacionadas à gestão de riscos nas contratações;
- Capacitar os agentes para tratar adequadamente das questões relacionadas à gestão de riscos nas contratações;
- Exercer rigoroso controle gerencial acerca dos riscos decorrentes das contratações, sempre com atenção aos parâmetros normativos incidentes sobre o tema;
- Garantir a aplicação dos instrumentos de avaliação de gestão de riscos nos procedimentos de auditoria interna;
- Formular plano anual de ações voltadas ao controle dos riscos apurados e indicados nos macroprocessos de contratações; e
- Desenvolver mecanismos que garantam adequado acesso de informações aos agentes responsáveis pela tomada de decisão relativas a contratações.
Com relação à transparência, o art. 31 da Resolução CNJ nº 374/2020 estipula o seguinte:
Observado o disposto na Resolução CNJ nº 215/2015, que dispõe sobre o acesso à informação e a aplicação da Lei nº 12.527/2011, e na Resolução CNJ nº 260/2018, devem ser publicados nos sítios eletrônicos dos órgãos do Poder Judiciário os principais documentos que integram os processos de contratação, excluídos os considerados sigilosos nos termos da lei.
Já o art. 32 da Resolução, no tocante à comunicação, estabelece que os órgãos do Poder Judiciário, a bem da concretização e implementação dos objetivos gerais da norma, deverão elaborar um Plano Estratégico de Comunicação que garanta:
- Cumprir as disposições da Resolução CNJ nº 85/2009, que trata da Comunicação Social no âmbito do Poder Judiciário;
- Identificar as providências mais adequadas para alcance dos objetivos da norma pela utilização de processos empáticos de diagnóstico, envolvendo os sujeitos favorecidos pelas informações;
- Estimular a participação colaborativa e engajada de todos os atores relacionados às dinâmicas de contratações, principalmente para oportunizar trocas de conhecimentos e experiências;
- Alimentar a utilização de recursos que viabilizem a elevação dos graus de acessibilidade às informações;
- Empregar, na medida do possível, ferramentas de visual law para conferir mais clareza e acessibilidade aos documentos e dados.[5]
- Encorajar práticas favoráveis à transformação da cultura para a valorização de contratações mais sustentáveis.
Essas são algumas das principais regras previstas na Resolução CNJ nº 374/2020.
De todo modo, por autorização expressa do art. 38, tanto o Conselho Nacional como os demais órgãos do Poder Judiciário poderão definir outras normas para colaborar com a implementação das medidas.
O Conselho Nacional de Justiça poderá, ainda, ante o teor do art. 37, criar procedimentos específicos, sistemicamente unificados, para o desenvolvimento de ferramentas de apoio à governança de contratações públicas.
À vista do que se mencionou sobre os objetivos da Resolução CNJ nº 374/2020 cada vez mais se amplia a certeza acerca da importância da presença do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no cenário jurídico brasileiro, notadamente pelas inúmeras ações que vem desenvolvendo ao longo desses mais de quinze anos a favor da melhoria da administração da justiça, do aumento dos índices de efetivação de direitos e da ampliação da concretização de valores constitucionais.
Notas complementares
Ainda para facilitar a compreensão das questões abordadas na Resolução CNJ nº 374/2020, é extremamente proveitoso tomar conhecimento de algumas definições elencadas no texto anexo à norma.
Entre outras, valem ser notadas as seguintes definições:
Alta administração: é o conjunto de gestores que integram o nível estratégico da organização, com poderes para estabelecer políticas, objetivos e direção geral da organização.
Contratações Compartilhadas: é a aquisição conjunta de bens e serviços que geram menor impacto ambiental, maior inclusão social, consideram a dimensão cultural da sustentabilidade e eficiência econômica, com ganho de escala, realizada por organizações públicas de diferentes setores ou entre unidades de uma mesma organização pública, visando fomentar a produção e o consumo sustentáveis no país.
Contratações Eletrônicas: é a contratação pública realizada mediante a integração de tecnologias digitais nas etapas de planejamento da contratação, seleção do fornecedor e/ou gestão contratual.
Critérios de sustentabilidade: são os métodos utilizados para avaliação e especificação de bens, materiais, serviços e obras em função do seu impacto ambiental, social, cultural e econômico, no mínimo.
Desenvolvimento nacional sustentável: é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades;
Gestão de Contratações: entendida em sentido amplo, é diferente da etapa do processo de trabalho para gestão de contratos. Compreende as estruturas responsáveis pelo planejamento, execução e controles relacionados às etapas do macroprocesso de contratações. A gestão é a função responsável por planejar a forma mais adequada de implementar as diretrizes estabelecidas, executar os planos e fazer o controle de indicadores e riscos.
Gestão por Competências: são práticas integradas de gestão de pessoas, fundamentadas pela identificação, gerenciamento e alinhamento das competências em seus diferentes níveis, de forma a agregar valor à visão, à missão e aos objetivos da organização
Governança das contratações públicas: é o conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão das contratações públicas, objetivando que as aquisições agreguem valor ao negócio do órgão, com riscos aceitáveis;
Inovação: é a introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social que resulte em novos produtos, serviços ou processos, que resulte em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho, nos termos do artigo 2º, IV, da Lei n. 10.793/2004, com a redação dada pela Lei n. 13.243/2016;
Integridade: é o alinhamento e a adesão a valores, princípios e normas éticas comuns para sustentar e priorizar o interesse público sobre os interesses privados no setor público.
Programa de Integridade: é o conjunto de medidas e ações institucionais voltadas para a prevenção, detecção, punição e remediação de fraudes e atos de corrupção
Riscos: é o efeito da incerteza nos objetivos, ao qual é possível associar uma probabilidade de ocorrência e um grau de impacto - positivo ou negativo, caso ele ocorra;
Sistema de registro de preços: é o conjunto de procedimentos para realização, mediante licitação na modalidade pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos à prestação de serviços, obras comuns e aquisição e locação de bens para contratações futuras.
[1] O teor desta Resolução é congruente com a Estratégia Nacional do Poder Judiciário para o período compreendido entre os anos 2021 a 2026, prescrita na Resolução CNJ nº 325/2020.
[2] Este é o vigésimo de uma série de outros textos que tratam das orientações normativas do Conselho Nacional de Justiça.
[3] O art. 4º da Resolução CNJ nº 374/2020realça os principais objetivos da governança das contratações nos órgãos do Poder Judiciário. Assim, além de se destinar à efetivação das diretrizes apontadas acima (art. 3º), nos termos do citado artigo, a governança deve ser aplicada para:) garantir que as contratações públicas estejam alinhadas ao Plano Estratégico Institucional; ii) promover a integridade do ambiente e a sustentabilidade das contratações públicas, incluindo aspectos de acessibilidade e inclusão; iii) promover o direcionamento, a avaliação e o monitoramento da gestão de contratações.
[4] Nos termos do anexo da Resolução CNJ nº 374/2020, gestão de risco equivale a “gerenciar os riscos que possam impactar negativamente o alcance dos objetivos definidos pela organização para as contratações. Contempla, além do gerenciamento dos riscos relacionados às contratações específicas, a gestão dos riscos relacionados ao macroprocesso de trabalho de contratações, que são aqueles que podem impactar negativamente os processos de trabalho definidos pela organização para o planejamento de cada uma das contratações, a seleção dos fornecedores e a gestão dos contratos. O objetivo é identificar riscos, classificá-los pela sua relevância e estabelecer controles internos para aqueles que devam ser reduzidos. Esse trabalho é essencial para aperfeiçoar o macroprocesso de contratação, garantindo que seus objetivos sejam alcançados. ”
[5] Visual law, nos termos do anexo da Resolução CNJ nº 374/2020, uma subárea do Legal Design que utiliza elementos visuais tais como imagens, infográficos e fluxogramas, para tornar o Direito mais claro e compreensível.