O trânsito em julgado do primeiro IRDR da Justiça Militar da União e seus dilemas

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O presente artigo visa discutir a importância do trânsito em julgado do primeiro Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas da Justiça Militar da União e os casos ainda pendentes de solução a ele relacionados.

O trânsito em julgado do primeiro IRDR da Justiça Militar da União e seus dilemas 


 

Rodrigo Santana de Souza e Silva

 

Resumo: O presente artigo visa discutir a importância do trânsito em julgado em 17/01/2020 do Agravo em Recurso Extraordinário nº 1.279.981 impetrado junto ao Supremo Tribunal Federal em face do interposto em face do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 7000425- 51.2019.7.00.0000 e as questões que ainda se mostram pendentes na Justiça Militar da União, como o julgamento de insubmissos, praças promovidos no decorrer do processo judicial a Oficiais das Forças Armadas e até Oficiais promovidos a Oficiais Generais. 

 

Abstract: This article aims to discuss the importance of the final and unappealable appeal on 01/17/2020 of the interlocutory appeal in Extraordinary Appeal No. 1,279,981 filed with the Supremo Tribunal Federal in the face of what was filed in view of the Repetitive Demand Resolution Incident (IRDR) nº 7000425- 51.2019.7.00.0000 and the issues that are still pending in the Justiça Militar da União, such as the trial of insubmissives, places promoted during the judicial process to Armed Forces Officers and even Officers promoted to General Officers.

 

Palavras chaves: IRDR. Demandas repetitivas. Juízo monocrático. Ex-militar1. Competência. Conselho permanente de justiça. Superior Tribunal Militar.

 
        Keyboards: IRDR. Repetitive demands. Monocratic judgment. Ex-military1. Competence. Permanent justice council. Superior Military Court.

 

  1. Introdução. A figura do IRDR e sua pertinência na Justiça Militar da União.

 

O IRDR, ao contrário do que se pode pensar, não é fruto da common low , mas tem sua origem, ao menos próxima, do direito alemão (musterverfahren), segundo a própria exposição de motivos do Código de Processo Civil:

 

“Com os mesmos objetivos, criou-se, com inspiração no direito alemão19, o já referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta. ”

 

“19 No direito alemão a figura se chama Musterverfahren e gera decisão que serve de modelo (= Muster) para a resolução de uma quantidade expressiva de processos em que as partes estejam na mesma situação, não se tratando necessariamente, do mesmo autor nem do mesmo réu. (RALF-THOMAS WITTMANN. Il “contenzioso di massa” in Germania, in GIORGETTI ALESSANDRO e VALERIO VALLEFUOCO, Il Contenzioso di massa in Italia, in Europa e nel mondo, Milão, Giuffrè, 2008, p. 178) ”.  

Sua origem é comentada por Gláucio Maciel Gonçalves e Victor Barbosa Dutra:

 

É bom registrar que na Alemanha, antes mesmo da criação do Musterverfahren, já existia instituto similar no processo judicial-administrativo (Musterprozess, previsto no art. 93a da Verwaltungsgerichtsordnung – VwGO) (KAISER, 2010, p. 171), mas não foi ele o inspirador do legislador de 2015. O Musterverfahren foi introduzido no ordenamento alemão em 16/8/2005, com vigência até 2010, por meio da Lei do Processo-Modelo dos Investidores de Capital (Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz – KapMuG). O prazo de vigência da lei foi estendido por dois anos; porém, em 19/10/2012, foi promulgada nova lei, com vigência de 10/11/2012 até 10/11/2020. Tal lei foi editada para regular uma situação fática específica e já existente, dada a impossibilidade de o sistema jurídico alemão solucionar o problema da insatisfação de 17.000 investidores com informações falsas do mercado de capitais na oferta pública inicial de ações da Deutsche Telekom feita em 1999 e 2001. A indenização pedida era de cerca de 150 milhões de euros, com atuação de aproximadamente 900 escritórios de advocacia (STADLER, 2010, p. 100) 

 

De acordo com este procedimento, escolhe-se uma das demandas e a parte padronizável desta demanda é cindida e levada a julgamento ao tribunal. A decisão tomada no tribunal tem que ser aplicada por todos os juízes que julgam as demandas individuais repetitivas.

Fala-se próxima, porque o Direito Austríaco possui uma técnica conhecida como causa-piloto (pilotverfahren), nela não há uma cisão do julgamento, mas sim uma remessa da causa completa à corte responsável pelo julgamento. Assim, há diversas causas repetitivas, uma delas é escolhida para funcionar como causa-piloto, que será julgada inteiramente pela corte e o entendimento será replicado para todas as demais.

Poder-se-ia pensar que Código de Processo Civil (CPC/15) adotou a doutrina austríaca por não cindir o julgamento da causa, mas a técnica adotada pelo diploma processual civil foi a alemã, pois o foco primordial do IRDR é fixar a tese jurídica e não resolver o caso concreto. Tanto é assim que se o recorrente desistir do recurso não impedirá a análise da tese jurídica em questão.

Nesse sentido são os artigos do CPC/15 abaixo transcritos:

 

Art. 976, § 1º A desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do incidente.

Art. 998. O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso. 

Parágrafo único. A desistência do recurso não impede a análise de questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquele objeto de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos.   

 

Há três requisitos para sua formação: (a) demandas repetitivas efetivas, ou seja, que digam respeito a uma controvérsia sobre questão unicamente de direito; e (b) risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, conforme estabelece o art. 976 do CPC/15:

 

art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente: I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. 

 

c) como pressuposto negativo, não pode existir afetação pelos tribunais superiores para definição de tese sobre aquela contenda jurídica conforme artigo 974,§4º do CPC:

 

art. 974. § 4º É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

 

Com publicação da Lei 13.774/18 nascia um novo Órgão na primeira instância da Justiça Militar da União: Juízo monocrático do Juiz Federal da Justiça Militar com a competência para julgar crimes militares praticados por civis, isoladamente, ou em coautoria com militares, conforme a nova redação do artigo 30, inciso I-B, da Lei 8457/82 (Lei de Organização da Justiça Militar da União (LOJMU)):

 

 Art. 30. Compete ao juiz federal da Justiça Militar, monocraticamente:

(...)I-B - processar e julgar civis nos casos previstos nos incisos I e III do art. 9º do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), e militares, quando estes forem acusados juntamente com aqueles no mesmo processo;  

 O dispositivo legal destaca o anseio geral da sociedade de que civis fossem julgados por Juízes monocráticos, como se pode observar na justificativa do projeto de lei nº 7.638/2014, consignado pelo Superior Tribunal Militar (STM):

 

“Nesse contexto, destaca-se a necessidade do deslocamento da competência do julgamento de civis, até então submetidos ao escabinato dos Conselhos de Justiça para o Juiz-Auditor: se por um lado é certo que a Justiça Militar da União  não julga somente os crimes militares, mas sim crimes militares definidos em lei, praticados por civis ou militares; de outro, é certo também que civis não estão sujeitos à hierarquia e à disciplina inerentes às atividades da caserna e, consequentemente, não podem continuar tendo suas condutas julgadas por militares. Assim, passará a julgar os civis que cometeram crime militar”   

 

    Essa mudança legislativa consegue aplacar as críticas sem fundamento do Ministério Público Federal na Nota Técnica n.08/2017/PFDC/MPF da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) ao Projeto de Lei da Câmara nº 44/2016 que resultou na Lei 13.491/17:

 

“Tal compreensão tem amparo em prescrições constantes da Declaração Universal de Direitos Humanos, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – “Pacto de São José”, e da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, especificamente aquelas que garantem a todas as pessoas julgamento por tribunais competentes, independentes e imparciais7. O Relator Especial sobre a Independência dos Juízes e Advogados da ONU, Leandro Despouy, observou, contudo, em seu segundo relatório apresentado à Assembleia Geral, em 25 de setembro de 2006 : "Nos últimos anos o Relator Especial tem notado com preocupação que a extensão da jurisdição dos tribunais militares continua representando um grave obstáculo para muitas vítimas de violações de direitos humanos em sua busca por justiça. Em um grande número de países, os tribunais militares continuam julgando militares responsáveis por graves violações de direitos humanos, ou julgando civis, em franca violação dos princípios internacionais aplicáveis a essa matéria, e que em alguns aspectos transgridem inclusive suas próprias legislações nacionais”. A Corte Interamericana de Direitos Humanos já teve a oportunidade de se pronunciar várias vezes acerca do alargamento inapropriado e indevido da competência da justiça militar nos seguintes precedentes: caso 19 COMERCIANTES (2004, parágrafos 164 a 177), caso ALMONACID ARELLANOS (2006, parágrafos 130 a 133), caso CANTORAL BENAVIDES (2000, parágrafos 111 a 115), caso DURANTE Y UGARTE (2000, parágrafos 115 a 118) e caso LAS PALMERAS (2001, parágrafo 51 a 54). No caso Durand e Ugarte vs. Peru, consignou:

 “117. En un Estado democrático de Derecho la jurisdicción penal militar ha de tener un alcance restrictivo y excepcional y estar encaminada a la protección de intereses jurídicos especiales, vinculados con las funciones que la ley asigna a las fuerzas militares. Así, debe estar excluido del ámbito de la jurisdicción militar el juzgamiento de civiles y sólo debe juzgar a militares por la comisión de delitos o faltas que por su propia naturaleza atenten contra bienes jurídicos propios del orden militar. 

(...)

Registre-se, ainda, que a matéria foi bem sintetizada na sentença do caso Nadege Dorzema y otros Vs. República Dominicana, prolatada em 24 de outubro de 2012, sobretudo nos parágrafos 187 a 189: 

(...)

188. Esta jurisprudencia constante de la Corte también ha señalado que la jurisdicción militar no satisface los requisitos de independencia e imparcialidad establecidos en la Convención. En particular, la Corte ha advertido que cuando los funcionarios de la jurisdicción penal militar que tienen a su cargo la investigación de los hechos son miembros de las fuerzas armadas en servicio activo, no están en condiciones de rendir un dictamen independiente e imparcial. 

 

    Conforme se pode depreender do texto acima citado, a crítica gira em torno de civis serem julgados por militares, contudo a referida Nota Técnica se apoia em precedentes de Cortes Marciais, que não integram o Poder Judiciário, situação distinta da Justiça Militar da União, que tem na promoção da justiça civis concursados, na pessoa do Juiz Federal da Justiça Militar, integrante do Conselho de Justiça, do Defensor Público da União e demais advogados particulares e no Promotor do Ministério Público Militar.

    Nesse sentido, certas são as palavras de Cícero Robson Coimbra ao comentar a referida Nota Técnica:

    “Avaliando a posição da PFDC, extrai-se nitidamente uma visão equivocada da realidade das Justiças Militares no Brasil, e isso foi cirurgicamente apontado na Nota Técnica n.02/2017, do Ministério Público Militar, cujos argumentos aproveitam-se aqui, em parte. 

    Os exemplos apreciados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, citados na Nota da PFDC, referem-se a casos de cortes marciais, ou seja, situações em que os órgãos de julgamento integram a estrutura das Forças Armadas. No Brasil, as Justiças militares integram o Poder Judiciário, nos termos dos arts. 123 a 125 da Constituição Federal, portanto não havendo relação de subordinação às instituições militares. 

    Embora reconheça essa estrutura, a PFDC insiste na tese de não autonomia das Justiças Militares, o que leva a outra impropriedade - para não dizer ofensa -, qual seja, ignorar ou considerar irrelevante a atuação do Ministério Público Militar e da Defensoria Pública da União na persecução criminal militar.

    A reboque, a Nota Técnica ao acidamente questionar a imparcialidade da Justiça Militar, desconsidera que na promoção de justiça está o Ministério Público Militar - ou Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal - , integrando por membros aprovados em rígido certame e detentores de cargos de natureza civil - aliás, exatamente como ocorre com os membros do Ministério Público Federal - que certamente busca a correção de eventuais desvios na distribuição da Justiça, com os recursos pertinentes.

    Igualmente, olvida-se a PFDC do importante e essencial papel da Defesa - majoritariamente exercida pela Defensoria Pública da União na Justiça Militar da União - que, de maneira aguerrida e competente, busca a correção de equívocos nas Decisões, não raramente alcançando o Supremo Tribunal Federal”

 

    Voltando à alteração da LOJMU, não havia a clara definição sobre a situação dos militares que antes ou decorrer dos processos perdiam a condição de militar. 

Por consequência, nas 19 Auditorias da Justiça Militar da União (JMU) apareceram uma infinidade de decisões deslocando a competência dos Conselhos de Justiça para o Juiz Federal monocraticamente. 

Muitas delas já afastavam a competência já no recebimento da denúncia, deixando de convocá-lo, no caso de Conselho Permanente de Justiça, ou de sorteá-lo, no caso de Conselho Especial de Justiça.

Quando o fato se dava no decorrer do processo, o deslocamento de competência era operado por meio de Decisões monocráticas, onde se declarava a incompetência do Conselho para o processo, o qual sequer teve a oportunidade se manifestar ou não sobre a matéria, haja vista tratar-se de uma questão de direito de sua responsabilidade, conforme impõe o artigo 28, inciso V, da LOJMU:

Art. 28. Compete ainda aos conselhos:

(...)

V - Decidir as questões de direito ou de fato suscitadas durante instrução criminal ou julgamento;

    Tal fato acarretou inúmeros Recursos em Sentido Estrito perante o E. Superior Tribunal Militar com base no artigo 516, alínea “e” do CPPM (incompetência do Órgão Julgador), bem como Apelações com preliminares de nulidade lastreadas no artigo 500, inciso I, do CPPM (incompetência), como por exemplo:

 

    EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. MPM. CRIME MILITAR COMETIDO POR MILITAR. POSTERIOR LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE JUSTIÇA.CONDIÇÃO DE MILITAR DO ACUSADO AO TEMPO DO COMETIMENTO DO DELITO.RETORNO À INSTÂNCIA DE ORIGEM PARA PROSSEGUIMENTO DO FEITO.1. Em observância à Teoria da Atividade, adotada pelo Código Penal Militar, o fato de o agente ter sido licenciado das fileiras das Forças Armadas, durante o curso da Ação Penal, em nada modifica a sua condição de militar no momento em que perpetrou o crime. 2. Os processos a serem apreciados monocraticamente pelo magistrado, em Primeira Instância, além da necessária observância à Teoria da Atividade, somente ocorrerão quando o agente ostentar a condição de civil ao tempo da prática do delito ou, naquela condição, for partícipe do ilícito penal, conforme previsto na Lei nº 8.457/1992 (Lei de Organização da Justiça Militar da União), alterada pela Lei nº 13.774/2018.Recurso conhecido e provido. Decisão unânime. (Superior Tribunal Militar. Recurso em Sentido Estrito nº 7000720-88.2019.7.00.0000. Relator (a): Ministro (a) ARTUR VIDIGAL DE OLIVEIRA. Data de Julgamento: 27/08/2019, Data de Publicação: 18/09/2019)

 

EMENTA: APELAÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. FURTO QUALIFICADO. ARTIGO 240, § 5º, DO CÓDIGO PENAL MILITAR. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU. PRELIMINAR DE NULIDADE ARGUIDA PELA PROCURADORIA GERAL DA JUSTIÇA MILITAR. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. JUIZ FEDERAL DA JUSTIÇA MILITAR. EX- MILITAR DO EXÉRCITO BRASILEIRO. MILITAR DA ATIVA À ÉPOCA DOS FATOS. COMPETÊNCIA DO CONSELHO PERMANENTE DE JUSTIÇA. ARTIGO 30, INCISO I-B, DA LEI Nº 8.457/1992. NULIDADE CONFIGURADA. ACOLHIMENTO. MAIORIA. A Lei nº 13.774/2018 alterou a Lei de Organização Judiciária Militar atribuindo competência ao Juiz Federal da Justiça Militar para, monocraticamente, processar e julgar civis nos casos previstos nos incisos I e III do art. 9º do Código Penal Militar, restando limitado ao escopo de sua atuação aos incisos anteriormente mencionados, razão pela qual se excluem da alçada monocrática do Juiz Federal da Justiça Militar os agentes enquadrados no inciso II do artigo 9º do Estatuto Repressivo Castrense. Se, à época da consumação do delito, a agente era militar em atividade, eventual exclusão das fileiras das Forças Armadas não afasta a competência do Conselho de Justiça para o processamento e o julgamento do feito. Consoante a dicção do parágrafo único do artigo 504 do Código de Processo Penal Militar, constitui nulidade a proveniente de incompetência do juízo. Preliminar acolhida. Decisão por maioria. (Superior Tribunal Militar. Apelação nº 7000567-55.2019.7.00.0000. Relator (a): Ministro (a) CARLOS VUYK DE AQUINO. Data de Julgamento: 29/08/2019, Data de Publicação: 17/09/2019)

 

Cotejando o cenário jurídico acima com os requisitos do IRDR exigidos pelo CPC/15, pode-se afirmar o seguinte: a uma, a celeuma gira em torno de uma questão jurídica, qual seja, a correta interpretação ou extensão do artigo 30, inciso IB, da LOJMU aos casos de quem julgará ex-militares; a duas, existem vários julgados sobre o mesmo tema em diferentes Auditorias, com decisões em vários sentido (prol e contra a competência do Conselho para o julgamento de ex-militares), fato constatado no voto do Ministro Péricles Aurélio Lima de Queiroz, relator do IRDR nº 7000425-51.2019.7.00.0000, no qual declarou que “...dados da Secretaria Judiciária deste STM atestam que, em 14.5.2019, foram autuados e distribuídos na Corte 91 processos sobre o tema. Atualmente, há mais de 130 feitos em curso nesta 2ª instância…”   e a três, não há qualquer tribunal superior afetado à questão acima.

Dessa forma, em sessão de 16.5.2019, este Superior Tribunal Militar (STM), por maioria, admitiu o IRDR suscitado pelo Ministério Público Militar (MPM), nos termos do art. 976, cominado com o art. 981, ambos do CPC. Na oportunidade, determinou a suspensão do RSE 7000144- 95.2019.7.00.0000 e da Ação Penal Militar (APM) 7000050-64.2018.7.03.0303, em curso na 3ª Auditoria da 3ª CJM que deram origem a presente incidente, conforme ementa abaixo retirada do IRDR nº 7000425-51.2019.7.00.0000:

 

"EMENTA: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR). PREVISÃO NOS ARTIGOS 976 E SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC). JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. DECISÃO PLENÁRIA. CABIMENTO DO INSTITUTO NO PROCESSO PENAL E NA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. REQUISITOS. NECESSIDADE DE EFETIVA REPETIÇÃO DE PROCESSOS QUE CONTENHAM CONTROVÉRSIA SOBRE A MESMA QUESTÃO UNICAMENTE DE DIREITO. RISCO DE OFENSA À ISONOMIA E À SEGURANÇA JURÍDICA. CASO CONCRETO. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DE CIVIS QUE OSTENTAVAM A CONDIÇÃO DE MILITAR DA ATIVA À ÉPOCA DO COMETIMENTO DO DELITO CASTRENSE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 30, INCISO I-B, DA LEI 8.457/1992, INSERIDO PELA LEI 13.774/2018. EXISTÊNCIA DE DIVERSOS RECURSOS EM SENTIDO ESTRITO (RSE) E AÇÕES PENAIS MILITARES (APM) EM TRÂMITE. SUSPENSÃO DOS PROCESSOS EM CURSO. I - O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas é procedimento previsto no Código de Processo Civil (CPC) de 2015 - art. 976 e seguintes - e tem por objetivo concentrar, em uma só causa, o julgamento de determinada tese jurídica. Julgado procedente, será de adoção obrigatória ao Tribunal julgador e todos os juízos a ele subordinados. II - Apesar da previsão no CPC, a doutrina e a jurisprudência são pacíficas pela possibilidade do ajuizamento do IRDR no âmbito do processo penal. Precedentes. III - Plenamente cabível o Instituto perante o Superior Tribunal Militar, sob a competência do Plenário, órgão responsável pela uniformização da jurisprudência da Corte Castrense. IV - O Juízo de Admissibilidade, a ser realizado pelo órgão colegiado com atribuição julgadora, deve verificar a presença dos requisitos previstos no art. 976 do CPC: efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. V - Caso concreto. Divergência acerca do órgão de 1º grau competente para o julgamento de civis que ostentavam a condição de militar da ativa à época do cometimento do delito castrense, em função da inserção do inciso I-B no art. 30 da Lei 8.457/1992 - Lei de Organização Judiciária Militar da União - pela Lei 13.774/2018. VI - Constatado o ajuizamento, neste STM, de mais de 27 Recursos em face de decisões monocráticas de Juízes Federais da Justiça Militar que avocaram a competência para o julgamento de ex-militares, comprova-se o preenchimento do primeiro requisito. VII - Presente, também, o risco de ofensa à isonomia, pela fixação de juízos diversos, monocrático e colegiado (escabinato), para o processamento de réus na mesma situação jurídica. Possibilidade de mácula à segurança jurídica, diante do dever do Estado-juiz de atuar de forma a garantir a estabilidade da interpretação das normas. VIII - IRDR admitido. Maioria." 

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  1. Mérito do IRDR - Legalidade versus Segurança Jurídica

 

    O ponto central da controvérsia do IRDR reside em saber qual Órgão da Justiça Militar deve julgar os ex-militares e qual a base legal de sua competência.

    Defensores da primado da legalidade, se apoiam na ideia de que a redação do artigo 30, I-B, do LOJMU foi deficiente ao tratar de apenas os incisos I e III do artigo 9º do Código Penal Militar (CPM) como referência para a delimitação da competência monocrática do Juiz Federal, em função de haver vários casos de crimes militares enquadrados no inciso II do artigo 9º do CPM que podem ser praticados por civis em coautoria com militares.

    Nesse sentido são Jorge César de Assis e Mariana Queiroz Aquino Campos em obra importante de autoria conjunta comentam:

 

“A reforma da LOJMU prevê, em seu art. 30, inc. I-B, a competência do Juiz Federal da Justiça Militar para processar e julgar os civis de forma monocrática, nos casos previstos nos incs. I e III do art. 9º do CPM. A redação proposta, agora transformada em lei, não foi a mais feliz, já que não se referiu ao inc. II do art. 9º do CPM, situação que, em tese, poderá acontecer, pois, em que pese o referido inciso referir-se a várias hipóteses de cometimento de crime militar apenas por militar, a situação de ter um civil como partícipe é possível em face do concurso de agentes. Aliás, existem duas formas de o civil cometer crime militar: quando o fato ofender as instituições militares e em caso de concurso de agentes. Assim, bom seria que o Projeto tivesse incluído na competência do Juiz Federal da Justiça Militar o processo e julgamento de civis quando cometerem crime militar, foi previsto acertadamente nos incisos I e II, do §2º, do art.15, do Projeto de novo Estatuto de Magistratura, elaborado pelo STF. ”

 

Alegam que a regra prevista no artigo 30, inciso I-B, da LOJMU, é de competência absoluta, por atrair a competência do Juízo monocrático, principalmente nos casos de coautoria com militares, situação que envolve o inciso II do artigo 9º do CPM não citado no referido dispositivo legal.

Por ser uma competência ratione personae, a regra do perpetuatio jurisdictionis do artigo 43 do CPC/15 não se aplica logo, o processo deve ser remetido ao Juízo monocrático tão logo ocorra o licenciamento do militar.

São contrários a aplicação da teoria do tempus regit actum prevista no artigo 5º do CPM sob a alegação de que uma norma de direito material não tem cabimento para estabelecer regras de competência, fato de cunho processual. 

Nesse sentido é Luiz Octavio Rabelo Neto que em artigo traz as seguintes explanações:

“Uma vez licenciado após o término do tempo de serviço ou em qualquer caso de interrupção do serviço[14], passará o militar à condição de civil, de forma que haverá uma alteração de competência absoluta, implicando na declinação de competência em favor do Juízo singular, ainda que a situação seja, de início, enquadrada no inciso II do art. 9º do CPM, o qual não foi expressamente indicado no art. 30, I-B, da LOJMU, como hipótese de competência do Juiz Federal da Justiça Militar.

Ressalta-se que a parte final do dispositivo em questão impõe o julgamento monocrático até mesmo de militares da ativa (enquadrados no inciso II do art. 9º do CPM), quando estes forem acusados juntamente com civis no mesmo processo. Então, a fortiori, com muito mais razão se impõe o julgamento monocrático de ex-militares enquadrados no mesmo inciso II. Aplica-se, aqui, o antigo brocardo jurídico: “in eo quod plus est semper inest et minus” (quem pode o mais, pode o menos) [15].

Não há como aplicar, nesse ponto, a teoria da atividade quanto ao tempo do crime (art. 5º, CPM)[16], entendendo-se que o que importa para fixação da competência é a condição de militar, ou não, ao tempo do crime. Trata-se de regra de direito material, diversa das regras processuais de fixação de competência, que tem por fim regular a extra atividade da lei penal em situações de sucessão de leis penais no tempo[17]. Será aplicada, por essa regra, a lei penal em vigor ao tempo da ação ou omissão. Perceba-se que esse raciocínio não diz respeito à fixação de competência.

Em situações específicas, a condição de militar importa para tipicidade indireta, sendo necessário conjugar o tipo penal com a norma de extensão prevista no inciso II do art. 9º do CPM, que considera a situação do militar em atividade como essencial para tipicidade. Nesses casos, a jurisprudência pacífica do STF[18] e do STM[19] indica que o licenciamento do acusado do serviço ativo é irrelevante para fins de fixação de competência da JMU.

A partir da Lei nº 13.774, contudo, o licenciamento do serviço ativo passará a ser relevante, não para fins de fixação da competência da jurisdição militar - para a qual, realmente, não importa a desvinculação posterior do agente das forças armadas - mas para delimitar a competência de juízo, isto é, do órgão jurisdicional que julgará o caso no âmbito da JMU.

Trata-se de competência material e, portanto, absoluta, a conferida ao juízo singular para julgamento de civis. Aplica-se, aqui, o critério de delimitação de competência material relativo à qualidade da pessoa do réu (ratione personae).[20]

Não se aplica, nesse ponto, a regra da perpetuatio jurisdictionis disposta no art. 43 do CPC[21], pois há alteração da competência absoluta. Dessa forma, essa modificação do estado de fato no curso do processo implica na modificação de competência para o julgamento da causa. O Conselho deverá se reconhecer incompetente, encaminhando os autos para o juiz togado. ”

 

O entendimento em questão é defendido por grande parte dos magistrados da primeira instância da Justiça Militar da União tanto que foi traduzido no Enunciado 1 da 1ª Jornada de Direito Militar, promovida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados da Justiça Militar da União: 

 

"A competência dos órgãos da JMU é definida pela condição que o acusado ostentar no curso do processo e não pela sua condição ao tempo do crime.".

 

    Nesse sentido também é Claudio Amim Miguel e Nelson Coldibelli que ao comentarem o artigo 30, inciso I-B, da LOJMU estabelecem os seguintes posicionamentos:

 

  1. Não existe, juridicamente falando, ex-militar, pois, ou o sujeito é militar ou é civil;

  2. A lei dispõe que compete ao Juiz Federal da JM processar e julgar civis. De acordo com o disposto no artigo 35 do Código de Processo Penal Militar, o processo tem início com o recebimento da denúncia, ou seja, a partir desse momento até o julgamento, é necessário verificar qual condição se encontra o acusado: militar ou civil. Se iniciar o processo na condição de militar e no curso da instrução for licenciado, deverá ocorrer o declínio da competência do Conselho para o Juiz federal da JM, pois não há no texto legal qualquer referência a ex-militar. Ressaltamos que o sujeito é civil ou militar, podendo ser da reserva ou reformado.  

 

Pelo que se pode perceber, a grosso modo, o deslocamento de competência obedece ao disposto no Princípio da Imediatividade da Aplicação da Lei Processual Penal Militar, insculpido no artigo 5º do CPPM:

 

Art. 5º As normas deste Código aplicar-se-ão a partir da sua vigência, inclusive nos processos pendentes, ressalvados os casos previstos no art. 711, e sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. 

 

    Lado outro, os defensores da segurança jurídica se apoiam na tese de que a competência se firma no momento da prática do ato delituoso, onde se verificará a condição do réu, militar ou civil. 

    Dessa forma, tem como a base no primado do tempus regit actum previsto no artigo 5º do CPM, que tem a seguinte redação:

 

Art. 5º Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o do resultado.  

 

    A principal preocupação reside na instabilidade da fixação da competência caso seja adotado o critério ratione personae defendido pela primeira corrente, haja vista possibilitar a quebra do primado do juiz natural previstos nos incisos XXXVII (não haverá juízo ou tribunal de exceção) e LIII (ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente) do artigo 5º Constituição Federal (CF/88) ao bel prazer do acusado, o qual pode recuperar ou perder a condição de militar durante a tramitação do processo, causando tumulto processual.

Tal fato pode ser visto por exemplo nos delitos de bideserção ou trideserção conforme bem exemplifica Cícero Robson Coimbra: 

 

No caso de uma deserção praticada, o autor será militar da ativa no momento do delito, mas com a sua consumação, em sendo praça não estável, será excluído do serviço ativo. Até esse momento, como já ocorre, as deliberações na persecução criminal são de competência do Juiz Federal da Justiça Militar, porquanto ainda não há processo. Capturado o autor do fato, será ele reincluído e o Ministério Público Militar oferecerá a denúncia que, recebida, submeterá o autor à competência do Conselho Permanente de Justiça. Caso no curso da instrução desse processo, cometa nova deserção, será uma vez mais excluído, o que, prevalecendo a interpretação contrária, remeteria a primeira deserção à competência monocrática. Caso seja capturado, novamente, será reincluído, firmando a competência para a segunda deserção, se houver denúncia recebida, do Conselho Permanente de Justiça, mas, também e mais importante, restituindo a competência do escabinato para o primeiro processo de deserção, e assim por diante.

 

Percebe-se no exemplo acima que uma sucessão de órgãos judiciais no mesmo processo, situação que possivelmente vai ocasionar nulidades no processo em algum momento e atraso na prestação jurisdicional, fato que atenta contra a economia e a razoável duração do processo.

Outrossim, outro ponto de choque com a primeira corrente é desnecessidade do Juiz-militar nos casos de ex-militares, sob o argumento de que estes réus não estão mais submissos aos primados da hierarquia e disciplina.

Tal argumento não guarda sustentação, pois o crime cometido pelo ex-militar tem ligação direta com o regular funcionamento das Instituições Militares, como nos crimes de abandono de posto ou violência contra superior. 

Nestes delitos e em muitos outros voltados à vida da caserna, a presença do escabinato se faz necessário em função da experiência prático militar que somente o Juiz Militar pode trazer ao processo, aliada ao conhecimento técnico jurídico do Juiz Federal da Justiça Militar.

Interpretando essa necessidade recorrente, no âmbito do MPM, a Câmara de Coordenação e Revisão, em 12.2.2019, editou o Enunciado 19, o qual dispõe:

 

“Para aferimento da competência dos Conselhos de Justiça e do Juiz Federal da Justiça Militar, órgão judiciais da 1ª Instância da Justiça Militar da União, nos termos do art. 27 e art. 30 da LOJM (Lei nº 8.457, de 04/09/1992, com a redação dada pela Lei nº 13.774, de 19 de dezembro de 2018) deve ser considerada a condição do agente (civil ou militar), no momento do fato, não alterando esta competência a posterior modificação de tal condição”

 

Por derradeiro, outra questão relevante entre as duas correntes é a analogia feita entre a modificação automática de competência entre os Órgãos da Justiça Militar da União e a perda da prerrogativa de foro de parlamentares junto aos Tribunais Superiores com a remessa dos autos para a primeira instância. 

 Tal equiparação é desproporcional, pois no caso da JMU, sua competência não é estabelecida pela pessoa do Oficial ou praça, mas sim pela natureza dos crimes militares que julga, do contrário não julgaria os civis, ao passo que a prerrogativa de foro dos Tribunais Superiores é estabelecida por meio do cargo do ocupante, numa forma de proteger um membro de poder no livre exercício de suas prerrogativas constitucionais.

Por fim, o E. STM se posicionou favorável a segunda corrente, no sentido de estabelecer a competência pela tese do tempus regit actum, de relatoria do Ministro Péricles Aurélio Lima de Queiroz:

 

EMENTA: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR). PRELIMINAR DE INCONSTITUCIONALIDADE DO IRDR. INSTITUTO QUE SE ADEQUA ÀS GARANTIAS INERENTES AOS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA, DA ISONOMIA E DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DOS PROCESSOS. REJEIÇÃO. PRELIMINAR DE INADMISSIBILIDADE DO IRDR. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 976, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC). DESCABIMENTO. PRESSUPOSTOS PLENAMENTE RECONHECIDOS NA DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE. REJEIÇÃO. MÉRITO. AUSÊNCIA DE SUSPENSÃO DE TODOS OS PROCESSOS EM CURSO NA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO (JMU) SOBRE O TEMA. FACULTATIVIDADE. DECISÃO DO PLENÁRIO DA CORTE. ADMISSIBILIDADE. IRDR. NOTIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS FORÇAS ARMADAS, DO MINISTÉRIO DA DEFESA, DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO (AGU), DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, DO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB) E DOS JUÍZOS DAS AUDITORIAS DAS CIRCUNSCRIÇÕES JUDICIÁRIAS MILITARES. REQUERIMENTO DE INGRESSO COMO AMICI CURIAE REALIZADO PELA AGU E PELO CONSELHO SECCIONAL DO DISTRITO FEDERAL DA OAB. DEFERIMENTO. ORIGEM. HIPÓTESES DE CABIMENTO. EFETIVA REPETIÇÃO DE PROCESSOS. CONTROVÉRSIA SOBRE QUESTÃO UNICAMENTE DE DIREITO. RISCO DE OFENSA À ISONOMIA E À SEGURANÇA JURÍDICA. COMPROVAÇÃO NO CASO CONCRETO. JULGAMENTO DE MILITARES AO LONGO DA HISTÓRIA. SUBMISSÃO A DECISÕES DE SUPERIORES HIERÁRQUICOS, POSTERIORMENTE ALIADA AO CONHECIMENTO DOS AUDITORES. PROTEÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA HIERARQUIA E DA DISCIPLINA. JULGAMENTO DE CIVIS PELA JUSTIÇA CASTRENSE. ALTERAÇÃO ADEQUADA À REALIDADE FÁTICA ATUAL. DISCUSSÃO. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR EX-MILITARES QUE COMETERAM DELITOS CASTRENSES EM ATIVIDADE. INTENÇÃO LEGISLATIVA. MENÇÃO AOS INCISOS I E III DO ART. 9º DO CÓDIGO PENAL MILITAR (CPM). AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO ACERCA DO INCISO II DO DISPOSITIVO. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. INTERPRETAÇÃO EXTRAÍDA DA REDAÇÃO DO ART. 30, INCISO I-B, DA LEI 8.457/1992. DIREITO COMPARADO. OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA E À JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. INDEPENDÊNCIA E IMPARCIALIDADE DOS OFICIAIS DAS FORÇAS ARMADAS. CARGO PÚBLICO VITALÍCIO. ATUAÇÃO PAUTADA EM PRINCÍPIOS ÉTICOS. PREVISÃO ESTATUTÁRIA. ANALOGIA. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. AUSÊNCIA DE EQUIPARAÇÃO. ALTERAÇÃO DO FORO PELA PROMOÇÃO DO MILITAR. SIMILARIDADE INEXISTENTE. MANUTENÇÃO DA COMPETÊNCIA COLEGIADA. ADEQUAÇÃO AO PRINCÍPIO DA HIERARQUIA. JUSTIÇA MILITAR EM TEMPO DE GUERRA. SITUAÇÃO EXTRAORDINÁRIA. CONCESSÃO DE GRAU HIERÁRQUICO AOS JUÍZES. PREVISÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR (CPPM). ENUNCIADO DA 1ª JORNADA DE DIREITO MILITAR DA ESCOLA NACIONAL DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE MAGISTRADOS DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO (ENAJUM). CUNHO ACADÊMICO. NÃO VINCULANTE. IRDR PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. I - Preliminar de Inconstitucionalidade do IRDR: diante do aparente conflito entre a legalidade e a segurança jurídica, deve prevalecer a primazia da segurança jurídica, aliada à isonomia e à duração razoável dos processos. Preliminar rejeitada por unanimidade. II - Preliminar de Inadmissibilidade do IRDR: os requisitos previstos no inciso I do art. 976 do CPC foram analisados por ocasião da admissibilidade do Incidente nesta Corte. Presença de efetiva repetição de processos e de controvérsia sobre questão unicamente de direito. Preliminar rejeitada por unanimidade. III - O IRDR é instituto com inspiração no Musterverfahren alemão e no Group Litigation Order britânico. O procedimento está descrito no art. 976 e seguintes do Código de Processo Civil. No caso concreto, os requisitos foram analisados por ocasião do Juízo de Admissibilidade do Incidente, no qual foi constatado o efetivo cumprimento dos dispositivos do CPC. Na mesma oportunidade, decidiu-se pela suspensão apenas do caso paradigma, diante da necessidade do cumprimento dos princípios inerentes ao processo penal. Definiu-se, também, a viabilidade do Incidente na seara processual penal. Ressalte-se que, cientificados os Comandos das Forças Armadas, o Ministério da Defesa, a Advocacia-Geral da União, a Defensoria Pública da União, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e os Juízos das 19 Auditorias das 12 Circunscrições Judiciárias Militares para prestar as informações entendidas cabíveis, requereram habilitação como Amici Curiae a AGU e o Conselho Seccional do Distrito Federal da OAB, pedidos deferidos pelo Ministro-Relator. IV - Desde os primórdios da Civilização ocidental, os cometimentos de delitos por integrantes das Forças de Guerra eram julgados por oficiais de grau hierárquico superior ao do Acusado. Na Idade Moderna, Portugal e Espanha instituíram os Conselhos de Guerra, nos quais houve a formação do escabinato. Desde então, pouco se alterou quanto à estrutura dos órgãos de 1ª instância, composição também adotada no Brasil desde o Alvará de 1º.4.1808. V - A formação colegiada mista dos órgãos da Justiça Militar decorre da necessidade de eficiente proteção aos princípios da hierarquia e da disciplina. Alia-se a experiência da caserna dos oficiais, ao conhecimento jurídico dos juízes togados. Proteção amparada pela Constituição Federal e ratificada pela doutrina militar nacional e estrangeira. Interpretação contrária gera ofensa à ratio essendi da Justiça Militar da União. VI - Discussão referente ao julgamento de ex-militares que cometeram delitos castrenses na qualidade de integrantes da ativa das Forças Armadas. VII - A Lei 13.774/2018 modificou a Lei de Organização Judiciária Militar da União (LOJM) - Lei 8.457/1992 - e estabeleceu a competência do Juiz Federal da Justiça Militar, de forma monocrática, para o julgamento de civis que pratiquem crimes militares. No entanto, não visou o legislador a modificação da regra para o processamento de ex-militares que cometeram delitos castrenses em atividade. Inteligência da Justificativa ao Projeto de Lei 7.683/2014. VIII - Interpretação da nova redação do inciso I-B do art. 30 da LOJM, que menciona expressamente os incisos I e III do art. 9º do CPM, e olvida propositadamente o inciso II, que dispõe acerca das situações de crimes praticados somente por militares. Inserção por analogia importaria em ativismo judicial, eis que não manifestada a vontade do legislador ordinário. IX - Adoção do princípio tempus regit actum, o qual dispõe que a competência deve ser fixada na data do fato, sob pena de possibilitar a criação de juízos de exceção, bem como a escolha do órgão julgador pelo acusado. Obediência à garantia do juiz natural. X - Fundamentação que encontra amparo no Direito Comparado, a exemplo de Chile, Espanha e Itália. No mesmo sentido há previsão nas Justiças Militares Estaduais. XI - Não há que se falar em violação ao Pacto de São José da Costa Rica ou à jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Situações que envolvem civis que cometeram delitos castrenses nessa qualidade e não como integrantes das Forças Armadas. Distinção em relação ao caso vertente. XII - Assim como os magistrados togados, os Oficiais integrantes dos Conselhos de Justiça possuem vitaliciedade assegurada pela Constituição Federal. Na forma do Estatuto dos Militares (Lei 6.880/1980), sua atuação é pautada em princípios éticos, entre os quais a justiça e a imparcialidade nas suas decisões. XIII - Descabida a analogia ao foro por prerrogativa de função e à remessa dos feitos ao 1º grau de jurisdição após o término do mandato parlamentar. A condição de militar não se amolda à ideia de cargo eletivo. Concepção de Justiça Especial para processar e julgar delitos castrenses que deve ser considerada. XIV - Sob o mesmo viés, é inviável a equiparação da alteração da competência pela promoção ao oficialato ou ao generalato. Manutenção da atribuição colegiada. Adequação do escabinato ao princípio da hierarquia. XV - Em que pese a competência monocrática dos Juízes Federais da Justiça Militar em tempo de guerra, cuida-se de situação extraordinária. Ademais, de acordo com o art. 710 do CPPM, eles serão comissionados em postos militares. XVI - O Enunciado 1 da 1ª Jornada de Direito Militar, organizada pela ENAJUM, tem cunho acadêmico e não possui qualquer efeito vinculante. XVII - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas procedente. Adoção da tese jurídica: "Compete aos Conselhos Especial e Permanente de Justiça o julgamento de civis que praticaram crimes militares na condição de militares das Forças Armadas.". Decisão unânime. (Superior Tribunal Militar. Petição nº 7000425-51.2019.7.00.0000. Relator (a): Ministro (a) PÉRICLES AURÉLIO LIMA DE QUEIROZ. Data de Julgamento: 23/08/2019, Data de Publicação: 27/06/2019) 

  

O presente julgado lançou a tese jurídica: "compete aos Conselhos Especial e Permanente de Justiça o julgamento de civis que praticaram crimes militares na condição de militares das Forças Armadas." 

Da influência do julgado foi aprovada a Súmula 17 de idêntico conteúdo 

 

  1. Os efeitos do Incidente Resolução de Demandas Repetidas e seus dilemas

 

Conforme mencionado anteriormente, em 17 de dezembro de 2020, transitou em julgado o Agravo em Recurso Extraordinário nº 1.279.981, interposto em face do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 7000425- 51.2019.7.00.0000. 

Tal precedente tem força vinculante e obrigatória, chamado por alguns de binding precedente ou dotado de binding authority (autoridade vinculante).

Esse entendimento é retirado do disposto no artigo 927 do Código de Processo Civil (CPC/15):

 

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados (negritos nossos).

 

Importante ainda observar que essa vinculação proposta precedente é interna (para o Tribunal prolator da decisão) e externa (para os juízes hierarquicamente inferiores), nesse sentido é o enunciado 170 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, quando trata que “as decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles submetidos.

 

    Apesar de sua importância do ponto de vista de segurança jurídica, economia processual e por consequência eficiência, o IRDR comentado no presente artigo é restrito a firmar a competência de qual Órgão da Justiça Militar da União é responsável para o julgamento de ex-militares que há época do crime ostentavam a condição de integrantes das Forças Armadas.

Logo, três questões permanecem para serem enfrentadas pela jurisprudência do E. STM, quais sejam:

1 -  o julgamento de insubmissos; 

2 - o julgamento de praças promovidos a Oficiais no transcurso do processo a Oficiais e

3 - o julgamento de Oficiais promovidos ao posto de Oficiais Generais.

 

O crime de insubmissão está previsto no artigo 183 do CPM, tendo a seguinte redação:

 

Art. 183. Deixar de apresentar-se o convocado à incorporação, dentro do prazo que lhe foi marcado, ou, apresentando-se, ausentar-se antes do ato oficial de incorporação: Pena – impedimento, de três meses a um ano.    

    

    É um crime que tem por objeto jurídico o dever militar de servir à Pátria, tendo em vista que aquele que o comete está se furtando ao serviço e dever militar.

Pela aplicação direta do IRDR, pode-se dizer num primeiro momento que a competência para julgar o insubmisso pertence monocraticamente Juiz Federal da Justiça Militar, contudo é importante contextualizar o crime de insubmissão diante do IRDR realizando um ‘distinguish’ entre eles a fim de não criar distorções dentro do próprio ordenamento castrense.

Primeiro é inegável que a teoria tempus regit actum tem aplicação direta em ambas as situações, contudo é fundamental entender que espírito que moveu a alteração promovida pela Lei 13.774/18 foi no sentido de não apenas afastar os civis da esfera de competência do Conselho Justiça, mas tem de evitar que o referido Órgão da Justiça Militar julgasse crimes impropriamente militares cometidos por civis.

Isso pode ser claramente visto na redação do dispositivo legal do artigo 30, inciso I-B, da LOJMU, quando coloca sob a competência monocrática do Juiz Federal da Justiça Militar os crimes praticados na tipicidade indireta do inciso III, do artigo 9º do CPM, os quais somente são praticados por civis:

 

“Art. 30. Compete ao juiz federal da Justiça Militar, monocraticamente:

(...)  

I-B - processar e julgar civis nos casos previstos nos incisos I e III do art. 9º do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), e militares, quando estes forem acusados juntamente com aqueles no mesmo processo;

(...)”

“Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

(…) 

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior. 

(...)”

 

Dentro da classificação clássica, os crimes militares são divididos em propriamente e impropriamente militares, sendo os primeiros praticados por militares e o segundo praticados por civis, contudo o crime de insubmissão sempre foi visto como uma exceção à regra geral pois, é um crime propriamente militar praticado por civil.

Nesse sentido é Cícero Robson Coimbra quando discorre sobre o tema:

 

“Para a teoria clássica, adotada por Célio Lobão[131] e Jorge César de Assis[132], crimes propriamente militares seriam os que só podem ser cometidos por militares, pois consistem em violação de deveres que lhes são próprios.

Trata-se, pois, do crime funcional praticável somente pelo militar, a exemplo da deserção (art. 187), da cobardia (art. 363), dormir em serviço (art. 203) etc.

Em contraposição, os crimes comuns em sua natureza, praticáveis por qualquer pessoa, civil ou militar, são os chamados impropriamente militares. Como exemplo podemos citar o homicídio de um militar praticado por outro militar, ambos em situação de atividade (art. 9º, II, a, c/c o art. 205), ou a violência contra sentinela (art. 158).

A essa construção a doutrina especializada admite uma exceção, qual seja, o crime de insubmissão (art. 183), considerado o único crime propriamente militar que somente o civil pode cometer”

 

    A fim de superar essa exceção, Jorge Alberto Romeiro criou uma nova classificação, aliando a base processual, a fim de dizer que crime propriamente militar é aquele “cuja ação penal somente pode ser proposta contra militar”.

    De fato, o crime de insubmissão fere a hierarquia e disciplina com a conduta do civil que se nega a servir a Pátria, havendo aí a necessidade de que fato seja analisado pelo Conselho de Justiça, pois nele estarão Juízes Militares com a vivência prática da caserna, elemento importante na avaliação dos crimes propriamente. 

Tanto é assim que há a condição de procedibilidade prevista no artigo 464 §2º do CPPM, a qual determina que a incorporação do insubmisso às fileiras das Forças Armadas é condição essencial para o recebimento da denúncia.

 

“Art. 464. O insubmisso que se apresentar ou for capturado terá o direito ao quartel por menagem e será submetido à inspeção de saúde. Se incapaz, ficará isento do processo e da inclusão

(...)

§ 2º Incluído o insubmisso, o comandante da unidade, ou autoridade correspondente, providenciará, com urgência, a remessa à auditoria de cópia do ato de inclusão. O Juiz-Auditor determinará sua juntada aos autos e deles dará vista, por cinco dias, ao procurador, que poderá requerer o arquivamento, ou o que for de direito, ou oferecer denúncia, se nenhuma formalidade tiver sido omitida ou após o cumprimento das diligências requeridas. ”

 

Por consequência, somente como militar incorporado, o insubmisso poderá sofrer a pena de impedimento e ter avaliada sua conduta pelo Conselho, diante do prejuízo que sua ausência trouxe ao seio da tropa.

Nesse sentido é a jurisprudência o E. STM no julgado da lavra do Ministro Artur Vidigal de Oliveira:

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. MPM. DESISTÊNCIA. RECURSO. INSUBMISSÃO. POSTERIOR EXCLUSÃO A BEM DA DISCIPLINA. COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE JUSTIÇA. CONDIÇÃO DE MILITAR DO ACUSADO PARA PROCESSAMENTO DO FEITO. MENS LEGISLATORIS. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. LEI Nº 13.774/2018. RETORNO À INSTÂNCIA DE ORIGEM PARA PROSSEGUIMENTO DO FEITO. 1. Tratando-se de parte legítima e interessada, e sendo o recurso do MPM tempestivo, merece ser conhecido, eis que cumpridos os requisitos necessários para sua admissão, não havendo possibilidade de desistência por parte do Parquet das armas. 2. Não há que se falar em necessidade de convocação do Conselho de Justiça para que decline da competência para o Juiz togado, quando for o caso, visto já ter sido esta fixada por força de expressa previsão legal. 3. A lei possui caráter processual e, portanto, aplicabilidade imediata, impondo que os atos processuais a serem praticados após a sua vigência sejam por ela regulados, respeitando-se a eficácia dos já praticados. 4. A ação penal do crime de insubmissão - crime propriamente militar - somente se inicia com a aquisição da condição de militar do Acusado. A posterior perda dessa condição não altera a competência do Conselho de Justiça para julgar o feito. 5. Cabe ao magistrado a competência monocrática para julgamento dos civis apenas nos casos previstos nos incisos I e III do art. 9º do CPM, bem como dos militares, quando estes forem acusados juntamente com aqueles no mesmo processo. Preliminar de ofício rejeitada. Decisão por maioria. Recurso conhecido e provido. Decisão por maioria. (Superior Tribunal Militar. Recurso em Sentido Estrito nº 7000228-96.2019.7.00.0000. Relator (a) para o Acórdão: Ministro (a) ARTUR VIDIGAL DE OLIVEIRA. Data de Julgamento: 22/05/2019, Data de Publicação: 27/06/2019)

 

Sendo assim, fica patente o ‘distinguish’ do caso de insubmissão perante o IRDR comentado no presente no artigo, o qual sofre uma superação parcial (overriding) nos casos de crimes de insubmissão.

Quanto às promoções de praça à Oficial ou de Oficial a Oficial General no decorrer do processo criminal e a consequente mudança de competência do Conselho Permanente para Especial de Justiça e a subida para E. Superior Tribunal Militar, respectivamente, é importante inicialmente esclarecer que o artigo 35 da Lei 5.821/72 veda que o militar sub judice faça parte do quadro de acesso ou lista de escolha estando nessa condição:

“Art 35. O oficial não poderá constar de qualquer Quadro de Acesso e Lista de Escolha quando:

(....)

d) for réu em ação penal por crime doloso, enquanto a sentença final não houver transitado em julgado;     (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019)

e) estiver submetido a Conselho de Justificação, instaurado " ex officio ";

(...)

g) for condenado, enquanto durar o cumprimento da pena, inclusive no caso de suspensão condicional da pena, não se computando o tempo acrescido à pena original para fins de sua suspensão condicional;

(...)

i) for condenado à pena de suspensão do exercício do posto, cargo ou função prevista no Código Penal Militar, durante o prazo dessa suspensão;

(...)

o) for considerado desertor. ”

 

    Há vozes na doutrina que defendem a constitucionalidade do dispositivo como Jorge Cesar de Assis: 

 

“Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal (Recursos Extraordinários 210.363/ES, 141.787/MT e 459.320-3/PI) já sedimentou o entendimento de que o fato de o militar não poder ser incluído em quadro de merecimento para promoção em face de se encontrar sub judice não ofende o art. 5º, LVII, da Carta Magna, por estar esta norma circunscrita ao processo penal, não impedindo assim que a legislação ordinária, inclusive a de ordem administrativa criar tais obstáculos. Para o STF, a norma que regula a promoção de militares não é incompatível com o texto constitucional vigente, dispondo apenas sobre os critérios vigentes para a promoção das instituições militares, não cabendo ao Poder Judiciário discuti-los. A competência do Judiciário para a revisão dos atos administrativos restringe-se ao controle da legalidade do ato impugnado, não se podendo emitir juízo de mérito sobre os atos da Administração, porquanto sua função é emitir pronunciamento de jurisdição judicial e de não administração. A promoção é um ato administrativo que tem por finalidade básica o preenchimento seletivo das vagas pertencentes ao grau hierárquico superior. ” 

 

Dessa maneira, apesar de pensamentos contrários, há um dispositivo legal que reduz essa possibilidade de incidência. Mesmo assim, caso ela ocorra é importante pontuar que o IRDR não trata dessa hipótese diretamente, mas como um argumento de passagem (obiter dictum) pois, o que se discute é apenas o licenciamento do militar durante a instrução processual e nada mais.

Essa situação encontra-se no inteiro teor do IRDR no seguinte trecho:

 

“No mesmo viés, é inviável a adoção da tese defendida pelo egrégio Conselho Seccional da OAB/DF, referente à alteração da competência por ocasião da promoção de militares ao Oficialato ou ao Generalato. De fato, nessas hipóteses, há a alteração do órgão julgador: quanto à praça que passa a ser Oficial, deixa de ser do Conselho Permanente e passa ao Especial; no que toca àqueles que alcançam o posto de General, há modificação da competência das Auditorias para o Superior Tribunal Militar.

No entanto, dois fatores distinguem a situação daquele referente ao processamento de ex-militares. Primeiro, o julgamento permanece no escabinato. Dessa forma, não há alteração da natureza do órgão julgador. Ou seja, os militares permanecem submetidos ao crivo dos superiores hierárquicos, aliado à experiência jurídica dos juízes togados.

O segundo aspecto diz respeito à estrita obediência à hierarquia, princípio vetor das Forças Armadas. Quando há a alteração do Conselho Permanente para o Especial, ou do escabinato de 1ª instância para o STM, consequentemente se adequa o julgamento do militar por seus superiores hierárquicos.

Não poderia a Justiça Castrense admitir que, a título de exemplo, um General fosse julgado por Coronéis, sob pena de atingir não só a base da estrutura das Forças Armadas, como incorrer em inconstitucionalidade, diante da previsão expressa inserida no art. 142 da Carta Magna de que "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina [...]".

Portanto, a alteração do órgão julgador, nesses casos, não contraria a tese jurídica ora adotada, senão porque não altera a natureza do órgão julgador (que não deixa de ser colegiado e formado pelo escabinato), porquanto concede fiel cumprimento aos preceitos basilares das Forças Armadas, encartados na CF. ” (negritos nossos).

 

De fato, não é ratio decidendi do IRDR, pois há também apenas uma mudança de escabinato em ambas as hipóteses e uma adequação à hierarquia dos julgadores do novo Órgão (Conselho Especial ou STM), contudo essa discussão paralela já mostra uma tendência do E. Superior Tribunal Militar na análise de casos futuros, haja vista o IRDR ter sido julgado procedente por unanimidade.

 

5. Conclusão          

 

Por tudo que foi demonstrado e esclarecido, é impossível não constatar a força vinculante do IRDR do STM junto às instâncias inferiores, possibilitando uma maior segurança jurídica e celeridade na aplicação da justiça quanto à tese em questão.

No que toca aos dilemas apresentados, apesar do IRDR não enfrentar as questões de forma mais incisiva, já há um caminho trilhado pelo próprio Tribunal, mas claro quanto ao crime de insubmissão, em julgados que limitam a incidência do próprio instituto, e de maneira lateral na própria discussão do IRDR, no que tange aos militares sub judice promovidos durante a instrução processual.


 

  REFERÊNCIAS

 

ASSIS, Jorge Cesar de. Curso de direito disciplinar militar, Curitiba, Juruá,

]

ASSIS, Jorge Cesar de, CAMPOS, Mariana Queiroz Aquino. Comentários à lei de organização  da justiça militar da União, 2ª Edição, Curitiba: Juruá, 2019;

 

COIMBRA, Cicero Robson, Manual de Direito Processual  Penal Militar - Volume Único, 5ª Edição, Salvador: JusPodivm, 2021;

 

GONÇALVES, Gláucio Maciel e DUTRA, Victor Barbosa,Apontamentos sobre o novo incidente de resolução de demandas repetitivas do Código de Processo Civil de 2015. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/52/208/ril_v52_n208_p189.pdf. Acesso em 24 jan 21.

 

MIGUEL, Cláudio Amin , COLDIBILLI, Nelson. Elementos de Direito Processual Penal Militar - 4ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020;

 

NETO, Luiz Octavio Rabelo. A reforma da Justiça Militar da União: comentários  à Lei 13774, de 19 de dezembro de 2018. Site Jus. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71024/a-reforma-da-justica-militar-da-uniao-comentarios-a-lei-n-13-774-de-19-de-dezembro-de-2018 . Acesso em 24 jan 2021

 

NEVES, Cícero Robson Coimbra Manual de direito penal militar / Cícero Robson Coimbra Neves, Marcello Streifinger. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014;

 

ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de direito penal militar: parte geral - São Paulo: Saraiva, 1994;




 

   


 

  


 

Sobre o autor
Rodrigo Santana de Souza e Silva

Sou graduado em Direito pela UFPE e pós graduado em Direito Público pela UNIVERSO (especialização), cujo tema foi a Competência da Justiça Militar Estou na segunda especialização em Direito Penal Militar pela Verbo Jurídico. Fui técnico judiciário da Auditoria da 7ª CJM por 12 anos, dos quais 05 anos foram na função de assessor jurídico. Atualmente sou Oficial de Justiça Avaliador Federal pelo TJDFT

Informações sobre o texto

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