APONTAMENTOS SOBRE A EUTANÁSIA E O SUICÍDIO ASSISTIDO
Rogério Tadeu Romano
I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Platão e Sócrates afirmavam que a dor e o sofrimento justificariam o suicídio.
Ferri(Omicidio-suicidio, 1925) via no suicídio um substitutivo do homicídio, estabelecendo interessantes correlações entre um e outro desses fatos. A psicanálise favorece essa conclusão, pois vê no suicídio ataque contra a pessoa amada, com a qual o suicida se identifica, de modo que a autodestruição é, pelo menos em parte, um ato de homicídio, ou seja, ação dirigida contra outra pessoa. Durkheim(Le suicide, obra originalmente publicada em 1897), em penetrante análise, sustentou que o suicídio é resultado de um distúrbio entre o indivíduo e a sociedade.
Dir-se-á que o suicídio é insondável
Para Heleno Fragoso(Lições de direito penal, artigos 121 a 212, 1983, 7ª edição) o suicídio é fato ilícito que afronta aspectos morais e demográficos.
A Eutanásia é uma forma de abreviar a vida sem sofrimento e sem dor daqueles pacientes enfermos, praticada por um método com o consentimento do paciente ou da família. É uma discussão que já dura há muito tempo, pois envolve o morrer, o matar e o deixar viver de um alguém que sofre devido a uma doença, como ensinou Brenna Maria Magalhães(Eutanásia: origem, ramificações e outras peculiaridades. 2014) a eutanásia é uma forma de abreviar a vida sem sofrimento e sem dor daqueles pacientes enfermos, praticada por um método com o consentimento do paciente ou da família. É uma discussão que já dura há muito tempo, pois envolve o morrer, o matar e o deixar viver de um alguém que sofre devido a uma doença.
Platão e Sócrates afirmavam que a dor e o sofrimento justificariam o suicídio.
Tanto a eutanásia como o suicídio médico assistido são delitos previstos contra a vida, no Brasil.
Assim a eutanásia é entendida como a morte que alguém dá a outrem que sofre de uma enfermidade incurável, a seu próprio requerimento, para abreviar uma agonia muito grande e dolorosa.
Ora, isso é um paradoxo à missão da medicina, que é curar, quando pode, suprimir a dor.
Discute-se aqui a eutanásia e o suicídio assistido temas importantes em nossa sociedade diante da dor da doença e da impossibilidade de cura.
Censura-se a lição de Platão que aconselhara o homicídio dos velhos, enfermos e incuráveis. Aliás, para Nietzsche, os enfermos eram o perigo maior da sociedade.
Repito, aqui, a lição de Hélio Gomes(Medicina Legal) e de outros, ao refutar os argumentos da eutanásia: A uma, se há doenças capazes de produzir grandes sofrimentos, dores terríveis, a Medicina, no capítulo dos analgésicos, está fortemente provida de medicamentos heroicos, eficientes no seu combate; a duas, o critério da incurabilidade é, por igual, frágil, pois pode se considerar um doente como portador de doença incurável, e ser ele sofredor de outro mal, curável, isso porque o que agora é incurável, amanhã, poderá ser remediável; a três, o pedido de um enfermo, para que lhe demos a morte, para aliviar o seu sofrimento, nenhum valor possui.
Aliás, o Código Penal continua a consagrar o direito de tratar, também chamado de direito de curar, de salvar, de intervir, de dar tratamento arbitrário, compulsório, não se considerando como constrangimento ilegal, a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente, ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida (artigo 145, § 3º).
II – DIREITO COMPARADO
A Califórnia tornou-se o quinto estado norte-americano a autorizar o suicídio médico assistido, depois que o governador sancionou um polêmico projeto de lei que permite aos pacientes terminais procurar ajuda médica para morrer.
O projeto de lei torna a Califórnia o quinto estado dos Estados Unidos a permitir o suicídio assistido - após Montana, Oregon, Washington e Vermont.
Um juiz do Novo México aprovou em 2014 o suicídio assistido, mas a decisão do magistrado foi revogada numa corte de apelações.
A eutanásia tem sido há muito tempo um assunto polêmico na sociedade norte-americana.
O tema ganhou os holofotes na Califórnia com o caso de Brittany Maynard, uma mulher de 29 anos com um tumor no cérebro que mudou-se de San Francisco para Oregon e tirou a própria vida em novembro do ano passado.
Em 16 de março de 2009 a Legislation Reglement ant les Soins Palliatifs Ainsi que L’euthanasie et L’assistance au Suicide foi aprovada em segunda instância com normas sobre tratamentos paliativos, assim como a Eutanásia e o Suicídio Assistido.
Em 2008, via referendo popular, o Estado de Washington foi o segundo a legalizar a prática da morte assistida nos EUA.
Na Europa, a eutanásia já é legalizada na Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Outros países permitem que os doentes terminais rejeitem os tratamentos de prolongamento da vida, ou que recebam ajuda para cometer o suicídio assistido, como ocorre na Alemanha.
A Suíça foi o primeiro país a permitir e legalizar a prática do suicídio assistido em 1942, sendo permitida inclusive se o indivíduo não estiver em estado terminal, contudo a legislação não permite Eutanásia.
A Holanda desde 1970 discutiu a Eutanásia, contudo em 2001 a legislação foi aprovada e entrou em vigor em 2002, permitindo a Eutanásia. Ainda, na década de 90, o Ministério da Justiça e a Real Associação Médica Holandesa, entraram em consenso e permitiram que o médico que fosse executar o procedimento se valesse de uma notificação.
Em 1993 o “Burial Act” versou sobre critérios para Eutanásia e elementos para a notificação deste procedimento pelo médico. Os critérios principais são o pedido voluntário do paciente, este estar sob sofrimento insuportável e doença sem cura e ter sido ouvido o parecer de um segundo médico, ainda nos indivíduos entre doze e dezesseis anos, os pais devem autorizar.
Em setembro de 2002, a Eutanásia voluntária passou a ser permitida na Bélgica para pessoas mentalmente capazes, portadores de condições irremediáveis, abrangendo, também, doenças mentais que causem sofrimento físico ou psicológico impossíveis de ser suportado. Diferentemente da Eutanásia voluntária, o suicídio assistido não é expressamente regulado por lei, todavia, os casos reportados à Comissão Federal de Controle e Avaliação de Eutanásia, recebem tratamento análogo aos casos de Eutanásia voluntária.
Em 13 de fevereiro de 2014, a Bélgica removeu a restrição de idade para a Eutanásia, estendendo tal direito para pessoas de qualquer idade, desde que sejam capazes de compreender as consequências oriundas da aludida prática, capacidade esta certificada por um psicólogo ou psiquiatra infantil”.
Ademais, juntamente com o fim da restrição de idade para o ato da Eutanásia, o governo belga limitou a realização da Eutanásia a pacientes que se encontrem em estado terminal, estabelecendo requisitos legais para conseguir a autorização.
Luxemburgo tornou-se o terceiro país Europeu a legalizar a Eutanásia, depois de Holanda e da Bélgica. Em 6 de março de 2009 a Legislation Reglement ant les Soins Palliatifs Ainsi que L’euthanasie et L’assistance au Suicide foi aprovada em segunda instância com normas sobre tratamentos paliativos, assim como a Eutanásia e o Suicídio Assistido
Em dezembro de 2020, o Parlamento da Espanha também aprovou por ampla margem um projeto de lei que legaliza a eutanásia sob condições rígidas, apesar da resistência dos partidos conservadores e da Igreja Católica.
Por sua vez, o Parlamento de Portugal aprovou no dia 29 de janeiro do corrente ano a legalização da eutanásia no país. A legislação que permite e estabelece critérios para a morte assistida foi aprovada por 136 votos a favor, 78 contra e quatro abstenções.
A matéria vai ser objeto de análise pelo presidente da República a quem cabe sancionar ou vetá-la.
A nova lei permite o acesso à morte assistida para adultos em situação de "sofrimento extremo e danos irreversíveis”. Médicos e psiquiatras devem avalizar a decisão, caso haja dúvidas sobre a capacidade do paciente de optar pelo procedimento de forma"livre e informada”.
Temos alguns pontos a retratar com relação ao projeto português:
- A lei aprovada é bastante restritiva. Apenas maiores de 18 anos, portugueses ou estrangeiros com residência legal em Portugal, podem recorrer à morte assistida;
- O procedimento só fica autorizado para pacientes “em situação de sofrimento intolerável”, com lesão definitiva grave ou doença incurável e fatal. Doenças mentais não são elegíveis para eutanásia em Portugal;
- Os pedidos precisam ser avaliados por pelo menos dois médicos, incluindo um especialista na doença que justifique o pedido de eutanásia. Caso a decisão seja favorável, o caso avança para uma comissão de verificação e bioética;
- Os pacientes também são obrigados a reiterar, mais de uma vez, o desejo pela morte assistida;
- O processo de morte assistida é imediatamente interrompido caso o paciente entre em coma antes de sua conclusão, só podendo ser retomado caso haja volta do estado de consciência.
Na Argentina, embora não seja permitido o suicídio assistido, em 2012, foi aprovado por unanimidade no Senado, a lei da “morte digna”, Lei nº 26.742, onde o paciente em fase terminal ou sua família, interrompa o tratamento ou desligue os aparelhos que mantém a vida do paciente.
Convém destacar que, no âmbito da legislação, não é permitido a Eutanásia, contudo a lei dá total autonomia a vontade do paciente, tanto de cessar com os tratamentos, quanto de mudar de ideia e se submeter novamente aos tratamentos.
III – ESPÉCIES DE EUTANÁSIA
A Eutanásia é dividida pela doutrina em:
Eutanásia ativa: Na Eutanásia ativa há uma ação realizada por terceiro no sentido de retirar a vida do enfermo, nesse caso são utilizados medicamentos controlados, overdoses e injeções letais.
A Eutanásia ativa ou por comissão, também denominada de benemortásia ou sanicídio. Não passa de um homicídio, em que, por piedade, há deliberação de antecipar a morte de doente irreversível ou terminal, a pedido seu ou de seus familiares, ante o fato da incurabilidade de sua moléstia, da insuportabilidade de seu sofrimento e da inutilidade de seu tratamento, empregando-a, em regra, recursos farmacológicos, por ser prática indolor de supressão da vida, como ensinou Ana Clara Diniz(A eutanásia no âmbito internacional).
Ainda, a Eutanásia ativa pressupõe uma intervenção direta que provoca a morte do paciente para lograr, desse modo, dar fim aos sofrimentos de sua agonia, que ocorre, por exemplo, quando se lhe mistura uma substância letal. Trata-se de matar outra pessoa com a finalidade de evitar que esta sofre de forma demasiada ou permaneça em condições de vida consideradas indignas, pressupondo ato direto e voluntário de pôr fim à vida.
A Eutanásia Involuntária ocorre nos casos em que o paciente não deseja a Eutanásia, sendo a sua intenção contrariada por sua família ou equipe médica. Condenável sob o ponto de vista moral e jurídico, assemelha-se à prática de homicídio. Sendo assim, se dá quando o paciente está consciente e pode optar em consentir ou recusar, mas não é dado a ele o direito de escolha, como disse Nóbrega Filho (Eutanásia e dignidade da pessoa humana: uma abordagem jurídico-penal. 2010. 119 f. Dissertação (Mestrado).
Nesse mesmo sentido, por outro lado, fala-se também em Eutanásia Não-Voluntária (considerada em alguns países ora dentro do conceito da Eutanásia voluntária, ora na involuntária), quando não há manifestação de vontade do paciente em relação à morte provocada, seja por encontrar-se em estado de inconsciência, seja por se tratar de incapacidade definitiva ou, ainda, por qualquer outro motivo, como ainda disse Nóbrega Filho(obra citada, 2010, p. 56).
IV – DISTINÇÕES
Necessário distinguir a eutanásia, da ortotanásia e da distanásia. A ortotanásia, prevista na Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina, é o processo pelo qual se opta por não submeter um paciente terminal a procedimentos invasivos que adiam sua morte, mas ao mesmo tempo, comprometem sua qualidade de vida. Por sua vez, a eutanásia corresponde a prática de interromper a vida de um paciente com doença em estágio irreversível (é crime). A distanásia se refere ao adiamento da morte do indivíduo, geralmente pela utilização de fármacos e aparelhagens que, muitas vezes, ocasionam um sofrimento desnecessário. Na ortotanásia o sujeito não possui dolo de atingir o bem jurídico vida, havendo atipicidade de conduta. É a eutanásia passiva.
Por sua vez, a sedação paliativa consiste em suavizar, por meio de medicamentos, a dor do paciente. Procura-se evitar ou ainda diminuir o sofrimento de pessoa em estado terminal. Mas não se antecipa o momento da morte.
Em razão disso, não há crime, não há antijuridicidade, quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave e irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.
Ainda, entende-se que a Mistanásia é decorrente de falhas do sistema de saúde, por motivos sociais, os pacientes são vítimas de má-prática por motivos econômicos, científicos ou sociopolíticos, por exemplo, quando um médico intencionalmente retira órgão vital de indivíduo com esperança de vida, como explanou Gabriela Barbosa da Silva(Eutanásia e o direito de escolha. 2018).
Enquanto a Mistanásia provoca a morte antes da hora de uma maneira dolorosa e miserável, a Eutanásia provoca a morte antes da hora de uma maneira suave e sem dor. A mistanásia é a morte criminosa em condições degradantes.
V – ASPECTOS PENAIS
Tanto o homicídio como a eutanásia devem ser comprovados por exame de corpo de delito (necroscópico), do que se vê do artigo 158 do Código de Processo Penal, pois é caso de infração que deixa vestígios.
Costuma-se, outrossim, fazer distinção entre a eutanásia e a morte assistida.
A morte assistida é o suicídio assistido ou morte medicamente assistida e consiste no auxílio para a morte de uma pessoa, que pratica pessoalmente o ato que conduz à sua morte (ao seu suicídio). O agente auxilia não originando o ato criador do risco. Assim difere a morte assistida da eutanásia.
Data vênia de opinião contrária, a morte assistida é crime no Brasil.
Pune o Código Penal a provocação direta ou auxílio ao suicídio.
A ação típica consiste em instigar ou induzir alguém a suicidar-se ou prestar auxílio para que o faça. Há um tipo misto alternativo envolvendo: instigação, induzimento ou auxílio. Sendo assim a prática de mais de uma de uma dessas ações pelo mesmo agente não implica em pluralidade de crimes.
Há provocação direta ao suicídio também nos casos de coação, física ou moral, resistível, e quando o agente inflige a vítima maus-tratos e sofrimento a fim de leva-la, em desespero, ao suicídio. Essa hipótese se distingue da provocação indireta prevista no artigo 122, § 4º, do CPP de 1969. A recusa em prestar ajuda ou favor, exigidos sob ameaça de suicídio, não configuram o delito. Há provocação indireta ao suicídio, crime próprio, quando o agente “desumana e reiteradamente infringe maus-tratos a alguém sob a sua autoridade ou dependência, levando-o, em razão disso, à prática do suicídio”. É crime doloso, na vontade livre e consciente de infringir maus-tratos, não querendo o agente a morte da vítima pelo suicídio, nem assumindo o risco de produzi-la, hipótese em que configuraria o induzimento(provação direta).
Se o agente constrange a vítima a suicidar-se através de violência ou ameaça, há o homicídio. Ensinou Soler que o que induz ou instiga quer determinar a outrem e não propriamente fazer por meio de outrem.
Há na provocação ao suicídio uma participação moral (induzimento ou instigação). Já o auxílio envolve participação material, mas pode ocorrer através de informações e esclarecimentos.
Há o auxílio ao suicídio quando o agente presta a vítima ajuda material para que se mate, seja com o fornecimento dos meios(sempre com conhecimento de causa), seja facilitando de outro modo a execução, ou ainda impedindo o socorro. O auxílio deve ser sempre atividade secundária ou acessória, não participando o agente de qualquer ato de execução. Há homicídio se Ticio entrega a Caio arma de fogo carregada, convencendo-o de que é inofensiva, e levando-o a dispará-la contra si mesmo.
Se a atuação do sujeito, como disse Antolisei(I, 56), não teve qualquer influência, nem física, nem psíquica, sobre o fato, ele não pode ser chamado a responder pelo crime, qualquer que tenha sido o seu propósito.
Não se exige que ocorra determinado lapso de tempo entre a provocação ou o auxílio e o induzimento.
O crime se consuma com a superveniência do suicídio ou ao menos uma lesão corporal grave.
No caso de provocação o elemento subjetivo é o dolo. Tal dolo deve corresponder da parte da vítima a séria intenção de matar-se.
A tentativa é inadmissível.
Nelson Hungria(Comentários ao Código Penal, volume V, 223), Anibal Bruno(Direito Penal, volume IV, 137), Magalhães Noronha(Direito Penal, volume II, 35), admitem a possibilidade de prestação de auxílio por omissão. Contra: Frederico Marques e ainda Custódio da Silveira(Direito Penal, 95), Cláudio Heleno Fragoso(obra citada, pág. 161). Mas há essa hipótese se o agente tinha o dever jurídico de impedir o resultado, crime comissivo por omissão.
Mas entenda-se: há crime se o agente tem o dever jurídico de impedir o resultado, e a vítima é menor de pouca idade, está gravemente enfermo sem possibilidade mental de entender o que há. Se houver omissão o crime é de homicídio doloso ou ainda culposo.
Induzir ou instigar é persuadir, estimular, incitar ou aconselhar alguém.
Sem que a vítima se mate ou tente se matar, não pode haver tipificação do artigo 122 do Código Penal(RT 531/326).
O auxílio pode se dar antes ou durante o suicídio desde que não haja cooperação nos atos executivos.