INTRODUÇÃO
Nos dias atuais, é muito comum a existência de contratos cujas cláusulas foram estabelecidas por uma única parte. Tais contratos recebem a denominação de contrato de adesão e devem ser analisados de maneira cuidadosa, pois neles poderão conter clausulas que ferem os direitos protegidos dos consumidores, que são a parte hipossuficiente da relação de consumo.
Assim, faz-se necessário uma análise sobre os princípios inerentes aos contratos de adesão, as partes envolvidas, suas principais características, bem como as formas de tornar clausulas abusivas nulas.
1 O CONTRATO DE ADESÃO
De acordo com o clássico conceito de Clóvis Bevilaqua (1934, p. 245), contrato é um “acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos”. Ou, ainda, conforme Ulpiano, é o “mútuo consentimento de duas ou mais pessoas sobre o mesmo objeto” (apud MONTEIRO, 2007, p. 4).
Os contratos servem para exprimir os desejos, as vontades, protegendo ambas as partes de qualquer problema futuro.
Mas, nem todos os contratos existentes são, de fato, acordados com ambas as partes. A título de exemplo, são os contratos de adesão, que são feitos unilateralmente, na maioria das vezes pelo fornecedor do produto ou serviço.
O Código de Defesa do Consumidor trás na redação do seu artigo 54 o conceito de contrato de adesão, sendo:
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. (BRASIL, 1990)
Deste modo, o consumidor ao contratar um serviço ou comprar um produto, ao se deparar com um contrato de adesão consente com os termos e não discuti as regras contratuais, estabelecidas pelo fornecedor.
Os locais onde se encontram os contratos de adesão são diversos e os mesmos são feitos de várias formas, sendo compras e contratações de serviços em lojas físicas ou virtuais. Uma característica marcante é sua unilateralidade.
Atualmente tem se dado um enfoque maior nas compras e serviços via internet em sites de compra. Essa forma de contratação de compras e de serviços é firmado pela aquiescência. O “aceito” do consumidor ao finalizar e pactuar os termos e/ou o “ li e concordo”, mesmo sem a sua interferência no que se é contratado abarcando junto suas cláusulas e condições já determinadas.
1.1 Contrato de Adesão no cotidiano
Por definição, contrato de adesão é aquele em que o consumidor não pode discutir nem modificar substancialmente o contrato, pois as cláusulas contratuais já foram aprovadas ou elaboradas por outrem (BOLZAN, 2020).
Deste modo, no dia-a-dia do consumidor, serviços essenciais são comumente caracterizados pelos contratos de adesão. Iluminação, serviços de saneamento básico, telefonia, streaming e seguros entram no rol de contratos de adesão e de matéria de proteção ao consumidor.
Sergio Cavalieri Filho ao ensina que:
É o caso, por exemplo, da SUSEP, que regula em grande parte o contrato de seguro; do BACEN, que dita as regras dos contratos vinculados ao sistema financeiro (juros etc.); da Caixa Econômica, que estabelece o conteúdo dos contratos de sistema de habitação; das Agências Reguladoras (ANATEL, ANEEL, ANP), que determinam as regras gerais, pelo menos em grande parte, dos contratos de prestação de serviços públicos. Fala‐se nesses casos, especialmente na doutrina francesa, em contratos de dupla adesão, uma vez que ambos os contratantes — fornecedor e consumidor — têm que aderir às cláusulas preestabelecidas por um órgão governamental, típico fenômeno de dirigismo contratual. Mas o Código do Consumidor, como acabamos de ver, quer as cláusulas gerais tenham sido estabelecidas pelo fornecedor, quer pela autoridade competente, quer, ainda, por ambos, não faz distinção. Em qualquer hipótese, o contrato será de adesão. (CAVALIERI FILHO, p. 153. 2017)
Por serem cada vez mais comuns, cabe ao consumidor ficar atento ao que é estipulado no contrato e verificar se existe abuso de alguma forma.
2 CLÁUSULAS ABUSIVAS NO CONTRATO DE ADESÃO
Os contratos de adesão, por serem criados de maneira unilateral pelos fornecedores, as abusividades em suas cláusulas passam a acontecer frequentemente, de maneira que o consumidor, parte vulnerável da relação, acaba sofrendo com tais abusos.
Uma vez que as cláusulas dos contratos de adesão não são convencionadas pelas partes, resta ao consumidor apenas a opção de aderir ou não ao contrato.
O mesmo artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor, em seus parágrafos 3° e 4° descreve a maneira como tais contratos devem ser redigidos:
§ 3° Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. (BRASIL, 1990)
O consumidor que aderir à algum contrato de adesão com cláusulas abusivas, terá o respaldo do artigo 51 do mesmo código:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - Impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II - Subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;
III - transfiram responsabilidades a terceiros; [...] (BRASIL, 1990)
2.1 Princípios Contratuais
O Código de Defesa do Consumidor em seu corpo prioriza o princípio da boa-fé e o equilíbrio entre as partes, de modo que nenhuma saia prejudicada com a aderência de um contrato, principalmente o consumidor, parte vulnerável numa relação.
O próprio Código Civil em seu artigo 423, dá uma certa proteção ao aderente quando diz:
Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. (BRASIL,2002)
Por sua vez, proclama o art. 424 do mesmo diploma:
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. (BRASIL,2002)
Os tribunais procuram dar o devido amparo para os consumidores considerando-os “economicamente mais fracos”, com a teoria do abuso de direito e do dano injusto, permitindo que os fornecedores redijam os contratos com linguagem acessível, letras legíveis, com tamanho razoável (Arial, tamanho 12) para facilitar o entendimento do que se é contratado e suas condições.
Os consumidores que se sentirem lesados num contrato de adesão com cláusulas abusivas devem buscar seus direitos, já que são amparados pela nossa legislação, de modo com que os fornecedores sejam obrigados a redigir contratos de maneira clara e objetiva, sem a inserção de cláusulas abusivas.
Condições gerais, ao serem impostas apenas pelo fornecedor fere os princípios da liberdade contratual, da autonomia da vontade, da boa Fé, da lealdade e do equilíbrio contratual sendo cabível nulidade de uma ou mais cláusulas para equiparar o consumidor.
3 ALTERAÇÃO NOS CONTRATOS DE ADESÃO
A nulidade das cláusulas abusivas tem sistema próprio no Código de Defesa do Consumidor. Não são inteiramente aplicáveis nas relações de consumo as normas sobre nulidades inscritas no Código Civil, Código Comercial, Código de Processo Civil ou Leis Extravagantes. Mesmo porque, os sistemas de nulidade não são uniformes, variando de acordo com a peculiaridade de cada ramo da ciência do direito.
O Código de Defesa do Consumidor afastou-se do sistema de nulidades do Código Civil, restando, pois, a superação do entendimento de que as nulidades pleno jure independem de declaração judicial para se fazerem atuar, e de que as nulidades absolutas precisam de sentença judicial para produzirem efeitos no ato ou negócio jurídico.
Abandonou-se, no sistema do Código de Defesa do Consumidor a dicotomia existente entre as nulidades do direito civil (nulidades absolutas e relativas), pois o código só reconhece as nulidades de pleno direito quando enumera as cláusulas abusivas, pois ofendem a ordem pública de proteção ao consumidor, base normativa de todo código, como se vê no artigo 1° do Código de Defesa do Consumidor: “O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social [...]”(BRASIL, 1990).
A nulidade da cláusula abusiva deve ser reconhecida judicialmente, por meio de ação direta (ou reconvenção), de exceção substancial alegada em defesa (contestação), ou ainda por ato ex ofício do juiz. A sentença que reconhece a nulidade não é declaratória, mas constitutiva negativa.
Quanto a subsistência da relação jurídica de consumo contaminada por cláusula abusiva, o efeito da sentença judicial que reconhece a nulidade abusiva é ex tunc, pois desde a conclusão do negócio jurídico de consumo já preexistia essa situação de invalidade, de sorte que o magistrado somente faz reconhecer essa circunstância fática anterior a propositura da ação. Sendo matéria de ordem pública, a nulidade de pleno direito das cláusulas abusivas nos contratos de consumo não é atingida pela preclusão, de modo que pode ser alegada no processo a qualquer tempo e grau de jurisdição, impondo-se ao juiz o dever de pronuncia-lo de ofício.
O código não fixou nenhum prazo para o exercer do direito de pleitear em juízo a nulidade da cláusula abusiva. Consequentemente, na ausência de norma nesse sentido, a ação é perpétua (imprescritível).
A exceção onde o juiz não poderá anular uma cláusula de ofício é a Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça, que veda esta ação em contratos bancários. Muitos doutrinadores a consideram um retrocesso no âmbito jurídico.
Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas. (BRASIL, 2009)
Ainda, importante ressaltar que cláusulas que limitam os direitos dos consumidores devem ser informadas aos mesmos antes da efetiva assinatura do contrato, sob configuração de violação do estabelecido no artigo 54, §4º CDC.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme exposto neste ensaio, percebe-se a necessidade da proteção do consumidor, parte hipossuficiente nas relações de consumo diante das cláusulas contratuais que, muitas vezes, lhe são desfavoráveis.
Percebeu-se com maior clareza a existência das mesmas no cotidiano e as os princípios que as cercam, tendo em vista que tais clausulas poderão ser encontradas nos mínimos contratos do cotidiano.
Ainda, nota-se uma análise das cláusulas abusivas e forma utilizada para torna-las sem efeito, uma vez que para torna-las sem efeitos, deverá ser levada a juízo.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Fabricio Bolzan de . Esquematizado - Direito do consumidor. 8ª edição. Editora Saraiva, 2020.
BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 4. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1934.
BRASIL. Lei n. 8.078 - 1990. Código de defesa do consumidor. Legislação Federal.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil Brasileiro. Legislação Federal.
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CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 4ª edição. Atlas, 2014.
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: Código Comentado e Jurisprudência. 11ª edição. Editora JusPodivm, 2015.
GRINOVER , Ada Pellegrine, et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor-Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 11ª edição. Editora Forense, 2017.
JUSBRASIL. Jurisprudência. Disponível em: < https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=contrato+de+seguro+de+saude>. Acesso em: 31 out 2020.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. 2ª parte. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
OLIVEIRA, Júlio Moraes. Curso de Direito do Consumidor Completo. 4ª edição. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2017.
SANTANA, Daniel Mendes de. Os contratos de adesão e as cláusulas abusivas. Disponível em:< https://idec.org.br/em-acao/artigo/os-contratos-de-adeso-e-as-clausulas-abusivas>. Acesso em: 15 out 2020.
SILVA, Jorge Alberto Quadros Carvalho. Cláusulas Abusivas no Código de Defesa do Consumidor. 1ªedição. Saraiva, 01/2004.
VIDAL, Melissa de Albuquerque Schulhan. Cláusulas abusivas no contrato de adesão. Disponível em:< http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/516/Clausulas-abusivas-no-contrato-de-adesao> Acesso em: 15 out 2020.