Prática infelizmente muito corriqueira em nosso país é a compra de votos, conhecida tecnicamente como corrupção eleitoral ou captação ilícita de sufrágio. Não é incomum ver candidatos a determinados cargos eletivos que oferecem quantia em espécie, prestação de favores, promessas de empregos, dentre outras práticas ilícitas, a determinados eleitores com o fim de se elegerem politicamente e assim ocuparem o seu lugar em um determinado cargo político. Assim como também é possível visualizar na prática situações em que o próprio eleitor é quem inicia uma proposta de negociação de compra de votos.
O Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65) e a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97) preveem respectivamente em suas redações legais a vedação da prática de compra de votos, sendo que naquele diploma legal a doutrina denomina a conduta como delito de corrupção eleitoral, atrelando-o especificamente ao aspecto criminal e tendo como alvos tanto o candidato, quanto o eleitor, enquanto na Lei das Eleições a denominação utilizada é a da captação ilícita de sufrágio, conduta que tem como objetivo principal atingir o candidato e que traz consequências ao âmbito eleitoral, acarretando a cassação de registro ou de diploma, a depender do caso.
O intuito do presente artigo não é o de trazer diferenciações entre o delito do art. 299 do Código Eleitoral (corrupção eleitoral) e a conduta do art. 41-A da Lei das Eleições, mas sim o de traçar pontos polêmicos que, não raras as vezes, são levantados por operadores do Direito. Um deles queremos trabalhar neste artigo, que é o de questionar se haveria necessidade de o candidato oferecer a proposta de vantagem ao eleitor para fins de aplicação da conduta do art. 41-A, ou se seria possível a aplicação da norma nas hipóteses em que a proposta inicial tenha partido do eleitor?
Para iniciar o debate é importante destacar que o art. 41-A da Lei de Eleições, após as alterações promovidas pela Lei 9.840/99, trouxe em sua redação a configuração da prática de captação de sufrágio para o candidato que doa, oferece, promete, ou entrega, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição.
Não satisfeito com as alterações legais, o legislador infraconstitucional alguns anos depois criou alguns parágrafos para o art. 41-A, e em um deles trouxe a previsão da desnecessidade de pedido explícito de votos para a caracterização da captação ilícita de sufrágio, assim como exigiu a necessidade do especial fim de agir da conduta, sob pena da não caracterização do referido ilícito.
Observa-se então que atualmente o nosso ordenamento exige o elemento subjetivo especial para a caracterização da conduta do art. 41-A da Lei de Eleições. Mas persiste a indagação se seria possível caracterizar a captação de sufrágio do dispositivo ora mencionado quando a iniciativa em pedir o voto surge do eleitor, e não do candidato, considerando que o dispositivo em análise visa resguardar a vontade do eleitor, conforme posicionamento sedimentado do Supremo Tribunal Federal.[1]
Para responder a tal indagação é importante citarmos as lições do brilhante autor José Jairo Gomes, que em sua obra de Direito Eleitoral ensina o seguinte:
“Às vezes, é o próprio eleitor que se insinua ao candidato, solicitando-lhe bem ou vantagem para entregar-lhe o voto. Embora essa conduta seja tipificada como crime de corrupção eleitoral passiva no artigo 299 do Código, não é prevista no artigo 41-A da LE. O que denota ilicitude na captação do voto é a iniciativa do candidato, não a do eleitor, porquanto é a liberdade deste que se visa resguardar. Todavia, se o candidato aceder à solicitação, tem-se como caracterizado o ilícito em apreço.”
Destaca-se que o raciocínio do autor é importantíssimo para solucionar situações que ocorrem no cotidiano, visto que realmente, na prática, há eleitores que se insinuam para o candidato com o intuito de obter vantagens indevidas em troca de seu voto. E é claro que se o candidato se depara com situações como esta e decide por não aderir à vontade do eleitor, não há que se falar na conduta de captação ilícita de sufrágio do art. 41-A da Lei de Eleições, embora neste caso o eleitor esteja incorrendo no delito de corrupção eleitoral, já que para a consumação deste delito basta a mera solicitação do agente.
Por outro lado, o autor deixa bem claro que se o eleitor se insinua para o candidato, vindo a solicitar dele alguma vantagem (dinheiro, materiais para construção, etc.) em troca do voto, e em decorrência dessa conversa houver uma sinalização positiva por parte do candidato em atende-la, não há dúvidas de que a conduta do candidato se adequa à do art. 41-A da lei em comento, possibilitando a aplicação da sua cassação de registro, se ainda candidato, ou de diploma, se tiver sido eleito.
Do exposto, somos adeptos à opinião de que é possível a aplicação do art. 41-A da Lei nº 9.504/97 ao candidato que mesmo não tendo feito a proposta inicial de compra de voto, decide por aderir à vontade do eleitor que faz a solicitação de vantagem pecuniária. Isto porque embora o art. 41-A tenha sido criado para proteger a vontade do eleitor, não podemos afastar o argumento de que a vontade deste fica vulnerável a partir do momento em que o candidato sinaliza positivamente e até mesmo passa a oferecer contrapropostas para a negociação que surgiu de iniciativa do eleitor.
Referências bibliográficas:
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral / José Jairo Gomes. – 16. ed. – São Paulo: Atlas, 2020.
BRASIL. SITE DO STF. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=752042346. Acesso em: 29 de jan. 2021, às 23h.
[1] “A representação para apurar a conduta prevista no art. 41-A da Lei no 9.504/97 tem o objetivo de resguardar um bem jurídico específico: a vontade do eleitor”. (Grifo nosso) (STF – ADI no 3.592-4/DF, de 26-10-2006 – unânime – Rel. Min. Gilmar Mendes – DJ 2-2-2007)