Estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) em seu artigo 107:
Art. 107. A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada.
O questionamento que se faz é: em que momento é feita tal comunicação e de quem é a atribuição de fazê-la?
Na tentativa de elucidar tais dúvidas, nos socorremos a doutrina, por meio da obra produzida pelo Ministério Público do Estado do Paraná (Digiácomo, Murillo José, 1969-Estatuto da criança e do adolescente anotado e interpretado / Murillo José Digiácomo e Ildeara Amorim Digiácomo.- Curitiba. Ministério Público do Estado do Paraná. Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente, 2017. 7ª Edição), disponível no endereço eletrônico do Ministério Público do Estado do Paraná: https://crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/caopca/eca_anotado_2017_7ed_fempar.pdf
A aluída obra traz a anotação de nº 520 (pag.188 a 189) concernente ao art. 107. do ECA, de modo que achamos pertinente transcrevê-la:
Vide art. 5º, inciso LXII, da CF; arts. 148, inciso I, 111, inciso VI e 231, do ECA; item 10.1 das “Regras de Beijing” e itens 22 e 23, das “Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade”.Interessante observar que o legislador optou por utilizar a expressão “incontinenti”, ao invés da palavra “imediatamente”, já contida no art. 5º, inciso LXII, da CF, para enfatizar a necessidade de a comunicação ser efetuada logo após o ingresso do adolescente na repartição policial, de modo que a autoridade judiciária possa, se for o caso, desde logo relaxar a apreensão ilegal (vide arts. 230. e 234, do ECA), e que os pais ou responsável possam comparecer perante a autoridade policial e acompanhar a lavratura do auto de apreensão em flagrante ou boletim de ocorrência circunstanciado (cf. art. 173, do ECA), bem como receber o adolescente após firmar termo de compromisso de apresentação ao representante do Ministério Público (cf. art. 174, primeira parte, do ECA), no caso de sua liberação (que deverá ser a regra). Importante deixar claro que é a autoridade policial (e não o Conselho Tutelar ou outro órgão) que deve efetuar a aludida comunicação aos pais ou responsável, diligenciando, se necessário, no sentido de sua localização e zelando por seu comparecimento à repartição policial (valendo lembrar que, por força do disposto no art. 49, inciso I, da Lei nº 12.594/2012, o adolescente tem o direito de ser acompanhado pelos pais ou responsável em todas as fases do procedimento, e estes, na forma do art. 52, par. único do mesmo Diploma Legal, têm o dever de participar, desde o primeiro momento, do “processo ressocializador” do adolescente). Trata-se de um dever de ofício da autoridade policial (que não pode ser “delegado” ao Conselho Tutelar ou a quem quer que seja), cuja omissão importa, em tese, na prática do crime tipificado no art. 231, do ECA. A comunicação da apreensão a outra pessoa (indicada pelo adolescente) somente poderá ocorrer caso os pais ou responsável pelo adolescente não sejam encontrados ou estejam em local inacessível, devendo esta fato ser devidamente certificado nos autos pela autoridade policial. O acionamento do Conselho Tutelar, no momento da apreensão do adolescente, por sua vez, somente deverá ocorrer quando não forem localizados seus pais ou responsável e o acusado não indicar outra pessoa (adulta) para acompanhar a lavratura do auto de apreensão ou boletim de ocorrência circunstanciado, também não havendo no município um programa específico de atendimento social, que possa ser mobilizado em tais casos. Importante destacar que, caso necessário o acolhimento institucional do adolescente, a autoridade policial deverá acionar o dirigente da entidade respectiva, que por ser, na forma da lei, equiparado ao guardião (cf. art. 92, §1º, do ECA), assumirá o compromisso de apresentação ao Ministério Público a que alude o art. 174, do ECA, sem prejuízo de realizar gestões complementares junto à “rede de proteção” à criança e ao adolescente local, na perspectiva de localizar e acionar/promover sua entrega aos pais/responsável, conforme previsto no art. 93, par. único, do ECA. Vale lembrar que, por força do princípio expressamente consignado no art. 100, par. único, inciso IX, do ECA (aplicável a adolescentes em conflito com a lei por força do disposto no art. 113, do mesmo Diploma Legal), a intervenção estatal deve ser realizada no sentido de fazer com que os pais assumam suas responsabilidades em relação a seus filhos, não cabendo ao Estado (lato sensu) “substituir” o papel que é próprio da família no processo de (re)construção da cidadania dos adolescentes em conflito com a lei. É fundamental, portanto, que a autoridade policial articule ações com a “rede de proteção” à criança e ao adolescente local, de modo que esta seja acionada em casos como o acima mencionados, com a definição de “fluxos” e “protocolos” de atendimento que permitam o imediato atendimento do adolescente e de seus pais/ responsável sempre que necessário. (grifamos)
Aprofundando ainda mais sobre tema, já que, a ausência de comunicação da apreensão de menor a sua família ou pessoa por ele indicada, configuraria, em tese, prática do crime tipificado no Art. 231. da Lei 8.069/90, recorremos novamente a doutrina, desta vez, à obra do Professor Guilherme Nucci (Nucci, Guilherme de Souza - Leis penais e processuais penais comentadas / Guilherme de Souza Nucci. – 8. ed. rev., atual. e ampl. – vol. 2. – Rio de Janeiro : Forense, 2014.), que traz o comentário de número 30 ao Art. 231. do ECA:
Art. 231. Deixar a autoridade policial responsável pela apreensão de criança ou adolescente de fazer imediata comunicação à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada:
Pena - detenção de seis meses a dois anos.
30. Sujeitos ativo e passivo: o sujeito ativo é a autoridade policial. Devemos entender tratar-se somente do delegado de polícia. Este seria a autoridade policial autêntica. Investigadores de polícia ou detetives, bem como policiais militares, devem ser considerados apenas agentes da autoridade policial, conforme o caso. Assim, a figura típica destina-se à autoridade policial que lavrou o termo de apreensão e deixou de fazer as comunicações exigidas por lei. Outros policiais que tenham apreendido o menor, sem as formalidades legais, devem ser inseridos em tipos diversos. O sujeito passivo é a criança ou adolescente. (grifamos)
Diante do exposto, salvo melhor juízo, a presença dos pais faz necessária após o ingresso do menor na repartição policial, no momento da formalização de sua apreensão, que é de competência da Polícia Judiciária. Desta forma, não seria atribuição da Policia Militar a comunicação exigida pelo Art. 107. do ECA, já que a Polícia Militar não possui a mencionada competência, de modo que, realiza tão somente a condução coercitiva do Menor em conflito com a lei até presença da Autoridade Policial, o que torna incoerente a exigência que se faz aos policiais militares quanto a necessidade de que crianças e adolescentes apreendidos estejam acompanhados dos respectivos responsáveis no ato de suas apresentações em delegacias de polícia. Há de se considerar também o fato de que, o eventual empenho da Polícia Militar para o cumprimento da regra do Art. 107. do ECA, interfere de maneira significativa no tempo de fechamento da ocorrência, ocasionando um retardo no retorno das viaturas ao patrulhamento ostensivo nas ruas, além de que, a realização de diligências com menor sob custódia pode lhe ocasionar um constrangimento além do necessário.