Introdução
O presente trabalho tem como principal objetivo discutir acerca dos desafios que devem ser enfrentados para alcançarmos a efetiva aplicação da Lei 10.741/2003, mais conhecida como o Estatuto do Idoso. Para isso, será necessária uma análise sobre o papel do idoso nos dias atuais e ainda, como o poder público, a sociedade e principalmente a família podem participar desse processo de envelhecimento.
Assim, baseado no tema acima citado, surgiram os seguintes questionamentos:
- O poder público e a sociedade em geral estão preparados para enfrentar o desafio do envelhecimento populacional?
- Como as famílias estão lidando com os seus idosos?
- No Brasil existe um distanciamento entre a legislação específica e a realidade dos idosos?
Fato é que, a população brasileira está envelhecendo em ritmo acelerado. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), em 2050, a expectativa de vida nos países em desenvolvimento será de 82 anos para homens e 86 para mulheres, ou seja, 21 anos a mais do que os 62,1 e 65,2 atuais. E, de acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), o Brasil, até 2025, será o sexto país do mundo com o maior número de pessoas idosas.
Frisa-se que, o desafio da longevidade da população é muito maior para os países em desenvolvimento, devido à falta de recursos financeiros.
Kalache chama a atenção para a grande diferença do fenômeno do envelhecimento nos países em desenvolvimento e o processo ocorrido nas nações desenvolvidas:
Os países desenvolvidos enriqueceram e depois envelheceram. Nós, como todos os países pobres, estamos envelhecendo antes de enriquecer. Eles tiveram recursos e tempo. A França levou 115 anos para dobrar de 7% para 14% a proporção de idosos na população. O Brasil vai fazer o mesmo em 19 anos. Uma geração. Eles levaram seis. (Felix, 2007).
Desse modo, diante de uma transformação tão profunda no perfil demográfico do nosso país, o presente trabalho propõe a necessidade da evolução da sociedade em geral e principalmente das políticas públicas voltadas para os idosos, já que somente a entrada em vigor do Estatuto do Idoso não vem sendo suficiente para a garantia dos direitos dessa parcela da população. Também é fundamental, a realização de um trabalho de conscientização, que alcance principalmente as famílias que muitas vezes encontram inúmeras dificuldades no convívio e no cuidado dos seus familiares idosos.
Quanto aos recursos metodológicos utilizados para realização do presente trabalho, em primeiro lugar, foi necessário analisar de forma minuciosa o Estatuto do Idoso, seguido por uma pesquisa bibliográfica, fundamentada, principalmente, através das obras Manual de Direito das Famílias de autoria de Maria Berenice Dias, O planeta dos idosos de Jorgemar Soares Felix e O Curso de Direito do Idoso da autora Pérola Melissa Vianna Braga. E, por fim, foi feita a análise de dados estatísticos fornecidos pelos sites do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –IBGE e pelo Ministério da Saúde.
2. Desenvolvimento.
Atualmente, ver uma pessoa com mais de 60 anos, tendo prioridade na fila de um supermercado ou com assento preferencial nos ônibus, se tornou uma situação bem frequente. Desde a entrada em vigor do Estatuto do idoso, que já possui mais de 15 anos, observamos diversas mudanças positivas no comportamento da sociedade brasileira no que se destina ao respeito aos idosos.
No entanto, ainda estamos distantes de alcançarmos o nível de consciência e respeito considerados ideais, apesar de termos uma legislação bem avançada quanto ao tema. Na verdade, após todo o trabalho feito pelas instituições no sentido de criar, aprovar e colocar em vigor uma legislação que protege minorias ou grupos vulneráveis, sempre vem o desafio da aplicação efetiva de tal legislação, para que assim ela cumpra o seu papel de forma satisfatória.
Segundo o Estatuto do Idoso, em seu artigo 3º, é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar, “com prioridade absoluta, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar”. Porém, por diversos motivos, tais obrigações não vêm sendo cumpridas de forma satisfatória, conforme veremos a seguir.
2.1 DA FAMÍLIA.
O ambiente familiar do idoso é um fator determinante para a sua qualidade de vida, pois com a chegada da velhice, eles passam a depender de seus familiares para realização das mais simples tarefas. Com a idade já avançada o idoso não consegue mais cuidar da sua alimentação, higiene, saúde e principalmente, vida financeira sem o auxilio de outras pessoas.
Ocorre que atualmente a rotina das famílias vem se modificando, as pessoas estão cada vez mais atarefadas e, consequentemente, com pouco tempo para se dedicar aos mais velhos. Com a evolução das políticas assistenciais, foram criadas pelo poder público e pelas entidades não governamentais, instituições voltadas para o acolhimento dessas pessoas. No entanto, a rede familiar ainda é a principal e mais importante fonte de apoio da pessoa idosa. Assim, a família tem a obrigação de acolher e sustentar as necessidades dos idosos como alimentação, higiene, vestuário e lazer.
Tais obrigações, inclusive, encontram-se positivadas na lei civil e no artigo 12 do Estatuto do idoso, que determina que a obrigação alimentar é solidária entre os familiares, podendo o idoso optar entre os prestadores. Porém, caso o idoso ou seus familiares não possua condições econômicas de prover o seu sustento, o artigo 14 do Estatuto, impõe ao Poder Público esse provimento, no âmbito da assistência social.
Assim, fica salientado que a prioridade é sempre o atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, em consonância com o § 1º, do art. 230, da Constituição Federal, pois o atendimento asilar é uma exceção.
Logo, a família deve cuidar do idoso no seu seio familiar, mantendo-o próximo sem afetar sua autonomia, valores, ideias ou crenças, para assim construir uma relação afetiva e familiar.
Infelizmente, em algumas situações é nas relações familiares que a legislação encontra as maiores dificuldades, principalmente no que tange aos crimes de abandono e maus-tratos.
Segundo Pérola Braga: “a falta de preparo das famílias para lidar com o envelhecimento pode acarretar truculência e desrespeito. É difícil estabelecer um limite entre o que é melhor para o idoso e o que ele quer” (BRAGA, 2011, p. 15).
Desse modo, o trabalho de conscientização dos familiares é fundamental para que o acolhimento do idoso seja feito da melhor forma possível. A ajuda de profissionais para orientar essas famílias em relação às necessidades dos idosos e a forma de melhor relacionar com eles, também é de suma importância, pois, na maioria dos casos, os familiares não desrespeitam o idoso por mal, mas por não ter o preparo necessário para lidar com situações difíceis e delicadas que surgem durante a rotina de cuidados.
Muitas vezes nem o idoso e nem sua família estão preparados para o envelhecimento, pois é difícil aceitar que um membro da família que sempre foi ativo, dinâmico e independente, passe a necessitar de auxílio para exercer as tarefas mais simples, como a higiene pessoal por exemplo.
Assim, sem a conscientização e participação das famílias, fica ainda mais difícil a luta pelo respeito aos direitos dos idosos.
2.2 SOCIEDADE
Com o crescimento da população idosa e com as projeções de continuidade desse fenômeno nas próximas décadas, a sociedade contemporânea se depara com um grande desafio: o de se adaptar para melhor conviver com esta parcela da população.
Nas sociedades antigas, a velhice sempre significou sabedoria, respeito e poder, porém, com passar do tempo, com o advento da sociedade moderna e principalmente com a implementação do capitalismo, a velhice passou a ser considerado um problema. A sociedade contemporânea tende a valorizar a cada dia mais características como a beleza, a jovialidade e a força de trabalho, situação que obviamente inferioriza o idoso.
Diante desse cenário, começou a surgir, inicialmente nos países desenvolvidos, a necessidade da criação de normas específicas para resguardar os direitos das pessoas idosas, uma vez que é inegável que com a implementação do sistema capitalista a velhice passou a ocupar um lugar marginalizado na existência humana, devido a importância dada a força de trabalho. Fato é que no modelo capitalista o individuo que não produz riqueza, não possui mais utilidade. Desse modo, a experiência de vida, a sabedoria e a contribuição já ofertada à sociedade passaram a não ter mais tanto valor como nas antigas civilizações.
Em muitos casos, essa sensação de inutilidade traz serias consequências para o idoso, que passa a ser um ser humano triste e angustiado. A falta de inserção social contribui ainda, para o desenvolvimento de doenças como a depressão. Segundo o IBGE, a faixa dos 60 a 64 anos lidera o ranking da doença.
Diante disto, conseguimos observar a grande responsabilidade e o desafio que deverá ser enfrentado pelas sociedades modernas, no sentido de transformar o papel do idoso que atualmente encontra-se tão marginalizado. As novas gerações precisam ser preparadas para lidar de forma mais evoluída com essa população, livres de preconceitos e estereótipos, que quase sempre colocam o idoso como um sujeito dependente ou incapaz, o que não é verdade.
O idoso precisa ter o ser valor reconhecido pela sociedade moderna e sua experiência de vida e sabedoria devem ser melhor aproveitados, inclusive no mercado de trabalho.
2.3 PODER PÚBLICO
Aliado a todos os fatores acima citados, o preconceito enfrentado e as limitações físicas que a idade avançada os impõem, outro problema dificulta bastante a vida dos idosos: as dificuldades financeiras.
É sabido que, com a chegada da aposentadoria, a renda tende a diminuir, enquanto as despesas com consultas médicas e medicamentos tendem a aumentar. Evidentemente, tal situação traz grande angústia para a pessoa idosa.
Diante deste cenário, surge a necessidade da implementação de políticas públicas que visam assistir a população idosa, principalmente quanto à assistência médico-hospitalar.
É dever do Estado garantir os direitos fundamentais do idoso, como o direito à vida, à saúde, à igualdade e à dignidade, com absoluta prioridade.
Segundo o Estatuto do idoso, no §1º, art. 3º, a garantia de prioridade compreende:
I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população;
II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas;
III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso;
IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações;
V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência;
VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos;
VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento;
VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais.
IX – prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Renda.
O primeiro ponto que deve ser considerado pelo poder público é o fato de que esse contingente populacional não é homogêneo, pelo contrário, é heterogêneo e plural, englobando desde os que ainda convivem em seu núcleo familiar e/ou dispõem de alguma renda, até os que permanecem em situação asilar e/ou não têm mais condições (sejam elas físicas, psicológicas, financeiras) de garantir o seu sustento e cuidado.
Deve-se considerar ainda, que o número de mulheres idosas é significativamente maior que o de homens, pois elas vivem cerca de 5 (cinco) anos há mais. É necessário avaliar também a questão dos “idosos dos idosos”, ou seja, a faixa etária com idade mais avançada dentro do segmento da terceira idade.
Nesse sentido, § 2º, do art. 3º do Estatuto do idoso, prevê que “dentre os idosos, é assegurada prioridade especial aos maiores de oitenta anos, atendendo-se suas necessidades sempre preferencialmente em relação aos demais idosos”.
Diante de tantas peculiaridades, podemos observar que o envelhecimento populacional vem impondo diversos desafios às políticas públicas de um modo geral, principalmente, em um momento de grande crise fiscal que desencadeia na precarização das políticas sociais.
Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, o envelhecimento “[...] está ocorrendo em meio a uma conjuntura recessiva e uma crise fiscal que dificultam a expansão do sistema de proteção social para todos os grupos etários e soma-se a uma ampla lista de questões sociais não resolvidas” (CAMARAÑO; PASINATO, 2004, p. 253-254).
Assim, é fundamental discutirmos como vem acontecendo essa a atuação do Estado enquanto garantidor dos direitos dos idosos.
De acordo com o Estatuto do Idoso “a política de atendimento ao idoso far-se-á por meio do conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
O Estatuto determina ainda, em seu artigo 47, as seguintes linhas de ação da política de atendimento:
I – políticas sociais básicas, previstas na Lei no 8.842, de 4 de janeiro de 1994;
II – políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que necessitarem;
III – serviços especiais de prevenção e atendimento às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão;
IV – serviço de identificação e localização de parentes ou responsáveis por idosos abandonados em hospitais e instituições de longa permanência;
V – proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos dos idosos;
VI – mobilização da opinião pública no sentido da participação dos diversos segmentos da sociedade no atendimento do idoso.
Desse modo, verificamos que a base legal brasileira reporta-se ao ideal, no entanto a aplicação na prática das políticas públicas destinadas ao idoso vem encontrando diversas lacunas.
Na verdade, quando passamos a analisar a situação do idoso no Brasil, nos deparamos muitas vezes com situações de descaso e total despreparo do Poder Público. Na maioria dos casos os servidores não possuem treinamento adequado para tratar com esta parcela da população. Muitas vezes, o idoso se depara com situações de preconceito e maus-tratos vindos justamente de quem deveria assisti-los e protege-los.
Assim, a necessidade de treinamento para o servidor que cuida do idoso é evidente, principalmente, no que tange à formação da equipe de saúde, em virtude da grande demanda crescente de atenção no sistema de saúde para a população idosa. Os nossos gestores, nas várias esferas do governo, também necessitam de uma melhor preparação para cuidar das demandas crescentes e emergentes causadas pelo envelhecimento da população.
Com base na realidade de uma crescente necessidade de assistência e de tratamento para a população que envelhece deve-se pensar em políticas que propiciem a saúde durante toda vida, inclusive a promoção de uma vida saudável, de ambientes sadios, de prevenção de doenças e de aprimoramento de tecnologias de assistência.
Logo, o processo de envelhecimento necessita de maior atenção do poder público para que a velhice possa ser vivenciada de forma digna, saudável e com pleno gozo de direitos e garantias civis, políticas e sociais.
Conclusão
Acompanhando um fenômeno mundial, a população brasileira também está envelhecendo. As transformações advindas do avanço nos tratamentos médicos trouxeram uma expectativa de vida superior àquela esperada por muitos estudiosos. Desse modo, os idosos passaram a representar uma parcela significativa da população e tal transformação vem exigindo uma maior conscientização da sociedade e do poder público quanto à necessidade de cuidado, assistência e proteção da pessoa idosa.
As políticas de proteção social ainda se encontram restritas à oferta de serviços e programas de saúde pública. Nesse estudo, observou-se que inexiste uma rede de serviços para os idosos que trabalhe juntamente com a família e a comunidade.
É inegável que muitas conquistas já foram alcançadas, principalmente com a entrada em vigor do Estatuto do idoso, no entanto, há ainda muito a se conquistar. Além de buscar uma ampliação de direitos e uma maior assistência dos órgãos públicos, os idosos necessitam, principalmente, lutar pela aplicação efetiva da legislação já existente.
Por isso, um dos objetivos do presente trabalho foi justamente provocar uma discussão no sentido de que não se pode apenas criar uma legislação, é necessário implementá-la de forma efetiva, sendo que para isto, um trabalho envolvendo todos os agentes é fundamental. A criação de políticas públicas capazes de melhorar a qualidade de vida dessa população também é necessária, pois, não adianta vivermos mais, se não tivermos os mínimos recursos para isso, como tratamento médico adequado, lazer e principalmente o respeito aos direitos sociais e humanos dos idosos.
Também é preciso fomentar o debate entre as famílias e a sociedade acerca do dever de amparar e proteger as pessoas idosas, assegurando o seu bem-estar, a sua participação na comunidade, defendendo a sua dignidade e preservando o seu direito à vida.
A sociedade em geral precisa se conscientizar acerca do importante papel exercido pelos idosos em todos os seguimentos, pois a experiência de vida carregada por eles possui um valor imensurável. O idoso, enquanto ser humano, possui diversas qualidades que podem ser tão importantes, quanto outras que vão se perdendo com o tempo. Precisamos aproveitar tais qualidades como forma de desenvolvimento social e também com o intuito de garantir a eles o pleno exercício da cidadania.
REFERÊNCIAS
Alonso, Fábio Roberto Bárboli. Envelhecendo com Dignidade: O Direito dos Idosos como o Caminho para a Construção de uma Sociedade para Todas as Idades. UFF/ Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito. Niterói, 2005.
Brasil, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988.
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de Direito do Idoso. São Paulo: Atlas, 2011.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11 ed. rev., atual. ampl. , São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
Estatuto Do Idoso. Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003. Publicada no DOU em 03/10/2003.
FELIX, J. S., O planeta dos idosos, entrevista de Alexandre Kalache, coordenador do programa de envelhecimento e longevidade da OMS, São Paulo, Revista Fator, edição do Banco Fator, 2007.
Veras RP. Terceira idade: gestão contemporânea em saúde. Rio de Janeiro: UNATI/Relume Dumará; 2002.
Sites consultados:
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –IBGE.
Ministério da Saúde.