A judicialização de questões médicas não é novidade nos fóruns do país, isso porque de um lado os planos de saúde negam o tratamento requerido pelo beneficiário sob o argumento de que o medicamento prescrito não consta do rol da ANS, diante desta negativa e devidamente amparado por um relatório médico especificando a necessidade de tratamento com aquele medicamento específico o beneficiário ingressa com a ação judicial e obtém o amparo necessário para o tratamento designado.
Inúmeras são as ações movidas nesse mesmo sentido. O Superior Tribunal de Justiça ao autorizar o tratamento e obrigar o custeio pelo convênio do tratamento previsto para câncer, assim se manifestou no julgamento do Agravo interno no agravo em recurso especial nº. 1584526 SP 2019/0276255-7:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. NEGATIVA DE COBERTURA SOB ALEGAÇÃO DE SE TRATAR DE MEDICAMENTO EXPERIMENTAL (OFF-LABEL). MEDICAMENTO REGISTRADO NA ANVISA (CAPECITABINA) E INDICADO PARA TRATAMENTO, DENTRE OUTRAS MOLÉSTIAS, DE CÂNCER DE RETO (DOENÇA QUE ACOMETE O PACIENTE). USO OFF-LABEL OU EXPERIMENTAL NÃO VERIFICADO NA ESPÉCIE. ABUSIVA A RECUSA DE CUSTEIO DE MEDICAMENTO REGISTRADO NA ANVISA E PRESCRITO PELO MÉDICO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O Colegiado estadual julgou a lide de acordo com a convicção formada pelos elementos fáticos existentes nos autos, concluindo pela injusta negativa de cobertura ao procedimento médico solicitado. Portanto, qualquer alteração nesse quadro demandaria o reexame de todo o conjunto probatório, o que é vedado a esta Corte ante o óbice da Súmula n. 7 do STJ. 2. Ademais, nos termos da jurisprudência desta Corte, "o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de terapêutica indicada por profissional habilitado na busca da cura e que é abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento, ou procedimento imprescindível, prescrito para garantir a saúde ou a vida do beneficiário". (AgRg no REsp 1547168/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 26/4/2016, DJe de 3/5/2016) 3. Na espécie, em que pese a alegação da recorrente no sentido de que não está obrigada a custear tratamento experimental, sob o argumento de que o medicamento Xeloda® (Capecitabina) não é recomendado para tratamento da patologia que acomete o paciente, ora recorrido, é incontroverso que tal fármaco é indicado para tratamento de câncer de reto, não se tratando, pois, de uso off-label ou experimental. 4. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 1584526 SP 2019/0276255-7, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 10/03/2020, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/03/2020) (consulte aqui o inteiro teor do acórdão)
Observa-se que o julgador lida com dois princípios diametralmente opostos: a economia e a vida, e não resta dúvida que o bem maior a ser protegido é a vida e a saúde daquele que busca o Judiciário em ações que versam sobre cobertura de plano de saúde.
O convênio não pode e não deve, sob pena de ser reconhecida como abusiva, limitar através de cláusulas contratuais o tipo de tratamento a ser despendido ao beneficiário de forma a colocar em risco a vida do beneficiário. O voto do Ministro Luis Felipe Salomão no julgamento do recurso acima citado, assim destacou:
A indicação médica do tratamento (necessidade) e a cobertura contratual para a doença são incontroversos.
Veja-se que os relatórios e pedidos médicos de fls. 22⁄26 demonstram claramente que houve expressa indicação médica para uso do medicamento diante do diagnóstico de diversos tipos de cânceres no autor. E a própria requerida reconhece nas razões de seu recurso a existência da prescrição médica, bem como a cobertura para a doença, esclarecendo que apenas o medicamento foi negado pois se trata de droga de uso experimental ("off- label"), com cláusula de exclusão no contrato.
Pois bem.
Antes de mais nada, vale observar que a recusa de fornecimento da droga afeta diretamente a recuperação do paciente e implica em descumprimento do próprio contrato firmado entre as partes, cujo objetivo primordial é voltado à preservação da saúde.
Importante destacar que a ANS a cada dois anos atualiza o rol dos procedimentos, exames e tratamentos que obrigatoriamente devem ser cobertos pelos planos de saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999, e nesta lista foram incluídos os remédios para o tratamento de câncer mais comum entre a população: estômago, fígado, intestino, rim, testículo, mama, útero e ovário.
A Lei 12.880/2013 inclui entre as coberturas obrigatórias dos planos de assistência médica os tratamentos que tem por objetivo evitar ou inibir o crescimento e a disseminação de tumores por meio de medicamentos de uso oral, procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer e hemoterapia, incluindo medicamentos para o controle de efeitos adversos relacionados ao tratamento.
(Veja aqui os medicamentos que devem ser cobertos pelo seu plano)
É importante ter em mãos a receita médica com o determinado medicamento como o único viável para o tratamento da doença para a instrução da ação de obrigação de fazer, que terá por objeto o pedido de custeio de tratamento; a depender da análise do contexto em que se deu a negativa ainda é possível incluir pedido de indenização por danos morais.