1 INTRODUÇÃO
Disposto no título III do livro 1 do Código de Processo Civil (NCPC/15), os procedimentos especiais é um grupo de procedimentos que o legislador escolheu para que assim fossem denominados, em função do tipo de direito material, que tutela essa demanda, a exemplo de uma ação de inventário, cuja ação é proposta em face de uma pessoa falecida, que será representada pelos seus herdeiros.
Desta feita, ensina o renomado doutrinador Gonçalves (2020, p. 231) que os procedimentos especiais seguem um caminho diferente do procedimento comum, a saber:
A razão utilizada pelo legislador para atribuir a determinado tipo de ação um processo de procedimento especial é a natureza instrumental do processo. Ele não é um fim em si, mas um instrumento para a postulação dos direitos substanciais. Por isso, o procedimento deve ser o mais adequado para a postulação destes.
O objetivo do presente trabalho é tecer breves comentários, em texto dissertativo argumentativo, acerca de um procedimento especial denominado “da ação de exigir contas”, cuja previsão legal está entre os artigos 550 a 553 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15).
2 HIPÓTESES DE CABIMENTO
Inicialmente, vale ressaltar que prestação de contas é a obrigação legal dos administradores que é tem de apresentar as contas de sua gestão. De acordo com explicações de Marcus Vinicius Rios Gonçalves:
Todo aquele que administra bens, negócios ou interesses alheios, a qualquer título, deve prestar contas de sua gestão. A prestação de contas consiste na apresentação, de forma detalhada, de todos os itens de crédito e débito que resultam da administração de negócios alheios, apurando-se se há ou não saldo devedor (GONÇALVES, 2020, p. 259). Destaques dos autores.
Portanto, a ação de exigir contas pode ser proposta por quem teve seus bens administrados por oura pessoa (relação jurídica) e não foi atendido em sua necessidade de receber demonstrativo pormenorizado de créditos e débitos, o que normalmente deveria ter acontecido em âmbito administrativo, como nos seguintes casos: tutor ou curador (NCPC/15, arts. 553 e 763, § 2º), do sucessor provisório (CC/2002, art. 33), o mandatário (CC, art. 668), o testamenteiro (NCPC, art. 735, § 5º), o inventariante (NCPC/15, arts. 553 e 618, VII), o curador com relação aos bens que fazem parte da herança (NCPC/15, arts. 553 e 779, § 1º, V), o administrador-depositário, para casos de penhora de percentual da empresa (NCPC/15, art. 866), leiloeiro público (NCPC, art. 884), dentre outros.
Deste modo, sempre que tivemos diante da hipótese de alguém que tem o direito de exigir contas, de alguém que tem o dever de prestar contas e este último não o fez, o procedimento especial a ser adotado é a ação de exigir contas, legalmente prevista no art. 550 do NCPC/2015, a saber:
Aquele que afirmar ser titular do direito de exigir contas requererá a citação do réu para que as preste ou ofereça contestação no prazo de 15 (quinze) dias.
§ 1º Na petição inicial, o autor especificará, detalhadamente, as razões pelas quais exige as contas, instruindo-a com documentos comprobatórios dessa necessidade, se existirem.
§ 2º Prestadas as contas, o autor terá 15 (quinze) dias para se manifestar, prosseguindo-se o processo na forma do Capítulo X do Título I deste Livro.
§ 3º A impugnação das contas apresentadas pelo réu deverá ser fundamentada e específica, com referência expressa ao lançamento questionado.
§ 4º Se o réu não contestar o pedido, observar-se-á o disposto no art. 355 .
§ 5º A decisão que julgar procedente o pedido condenará o réu a prestar as contas no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar.
§ 6º Se o réu apresentar as contas no prazo previsto no § 5º, seguir-se-á o procedimento do § 2º, caso contrário, o autor apresentá-las-á no prazo de 15 (quinze) dias, podendo o juiz determinar a realização de exame pericial, se necessário (BRASIL, 2015).
Embora o administrador tenha obrigação de deixar de forma clara a prestação de contas, não se afasta dele a possibilidade de ter saldo ou até mesmo débito nesta relação jurídica. Em assim sendo, consoante Gonçalves:
Aquele que presta contas pode ter saldo a receber ou débito a pagar, mas precisa aclarar o resultado de sua gestão. A possibilidade de ser credor não o exime de cumprir esse dever, porque só com a apresentação das contas é que se esclarecerão, item por item, os componentes positivos ou negativos da relação (GONÇALVES, 2020, p. 259).
3 DA COMPETÊNCIA
O foro de competência pode vir expresso no contrato celebrado entre as partes. Caso o contrato não faça referência ao tema fica eleito o foro do local onde se deu a administração dos bens (NCPC/15, art. 53, inc. IV alínea “b”).
Art. 53. É competente o foro:
IV - do lugar do ato ou fato para a ação:
b) em que for réu administrador ou gestor de negócios alheios;
4 DA LEGITIMIDADE
Como exposto anteriormente, quem geriu os bens tem a obrigação de prestar contas, e quem teve seus bens administrados tem o direito de exigir com clareza as informações devidas.
O próprio art. 550 do Código de Processo Civil de 2015 estabelece de forma clara a legitimidade da ação de exigir contas.
- ATIVA: aquele que tiver o direito de exigir contas;
- PASSIVA: aquele que tiver a obrigação legal ou contratual de prestar contas.
Somado a legitimidade, o interesse de agir em juízo também é aspecto fundamental para se ingressar nessa ação. Conforme discorre Gonçalves (2020, p. 262), “além da legitimidade, é preciso que se tenha interesse, formado pelo binômio necessidade e adequação. Para que a ação seja necessária, é preciso que a parte contrária se tenha recusado a prestar contas”.
Parte da doutrina explica que a ação de exigir contas possui natureza dúplice no que diz respeito à legitimidade ad causam. Isto porque, nos esclarecimentos de Antonio Carlos Marcato:
O “direito às contas (cujo titular é o credor ou o devedor da obrigação pecuniária, dependendo do caso); consequentemente, ela tem natureza dúplice, estando ativamente legitimado qualquer dos aludidos sujeitos, figurando como réu aquele diante do qual vier a ser ajuizada (MARCATO, 2017, p. 109).
5 DA PETIÇÃO INICIAL
As razões que motivaram a exigência de prestação de contas dever minuciosamente detalhadas na inicial, especificando a origem do direito de exigir essas contas e do dever de prestá-las, seguindo a estrutura prevista nos arts. 319 e 320 do NCPC/2015.
6 DO PEDIDO E DO PROCEDIMENTO
O § 5º, art. 550 do NCPC/15 enuncia que “a decisão que julgar procedente o pedido condenará o réu a prestar as contas no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar”. Isto significa dizer que, caso o réu não apresente contestação no prazo legalmente estabelecido, perderá o direito de impugnar as contas apresentadas pelo autor da ação. Nesta seara, de acordo com Gonçalves (2020, p. 261):
Em geral, o juiz, ao sentenciar, limita-se a apreciar o pedido formulado pelo autor na petição inicial. Se é acolhido, a sentença é de procedência, e constituirá título executivo, quando condenatória. Se não, haverá improcedência, mas não se formará título em favor do réu. O juiz não o condenará, mas também não condenará o autor (salvo, se for o caso, nas verbas de sucumbência).
Como já mencionado, a ação de exigir contas em juízo possui natureza dúplice, de modo que o juiz pode deliberar em sentença, tanto em favor do autor, como do réu, mesmo que o réu não tenha apresentado contestação. Consoante Fabrício (2017) apud Gonçalves (2020, p. 262):
O autor oferece contas (art. 916) com saldo favorável a ele; o réu, citado, mantém-se em silêncio; o juiz, confrontando as contas com os documentos e verificando os cálculos, conclui e julga que há saldo favorável ao réu. Este nada objeta, a nada anuiu e nada pediu, e contudo se vê beneficiado pelo título executivo sentencial. O caso traduz uma clara quebra do princípio dispositivo e só se explica por razões de ordem prática, a que o legislador deu prevalência sobre os princípios gerais e bases teóricas do processo civil. Grifos nossos.
A ação de exigir contas deverá ser ajuizada no foro do local onde ocorre ou ocorreu a gestão ou administração (NCPC, art. 53, inc. IV, b), com a explícita indicação, na petição inicial, das razões pelas quais as contas estão sendo exigidas pelo autor e instruídas, quando existirem, e dos documentos comprobatórios da causa de pedir (art. 550, caput e § 1º).
Tradicionalmente, a doutrina apresenta 03 (três) possiblidades (e suas variações) de reações jurídicas do réu, diante do recebimento de citação na ação de exigir contas (MARCATO, 2017, p. 110-111). Assim, no prazo legal de 15 (quinze) dias, o réu poderá adotar um dos seguintes procedimentos:
- NÃO contestar o direito de contas demandado pelo autor: neste caso, considerado revel, o réu será condenado a prestar contas no prazo de quinze dias, sob pena de não poder impugnar aquelas que venham a ser prestadas pelo autor (art. 550, § 5º). Prestando-as, o autor terá este mesmo prazo para manifestar-se sobre elas e, aceitando-as, o juiz proferirá sentença homologatória do reconhecimento da procedência do pedido (NCPC/15, arts. 550, § 2º, e 487, inc. III, alínea “a”. Caso as rejeite (o autor), o pedido será acolhido em julgamento antecipado (arts. 550, § 4º, e 355, inc. II), prevalecendo, então, as contas apresentadas pelo autor. Em ambos os casos, a correspondente sentença de mérito indicará o saldo e constituirá título executivo judicial em favor da parte credora (arts. 552 e 515, inc. I).
2. Apresenta as contas e NÃO contesta: o autor terá o prazo de quinze dias para manifestar-se sobre as contas. Aceitando-as, o juiz proferirá a sentença homologatória. Rejeitadas as contas apresentadas, o pedido será acolhido em julgamento antecipado, mercê da revelia do réu ao não ofertar contestação (arts. 550, § 4º, e 355, inc. II), da mesma forma prevalecendo, então, as contas apresentadas pelo autor. A sentença de mérito indicará o saldo, valendo como título executivo judicial para a parte credora.
3.Da oferta da contestação, depreendem-se duas possibilidades:
(1) Neste caso, o réu apresenta contestação e nega que haja obrigação de prestar contas. Em assim sendo, o juiz, constatando a desnecessidade de produção de provas prolatará, de imediato, sentença, decidindo se o réu tem ou não a obrigação de prestar contas; em caso positivo, será condenado a prestá-las no prazo legal, sob pena de o autor apresentar as suas; inexistindo ou sendo insuficiente a prova documental, o juiz determinará a produção de provas, designando audiência de instrução e julgamento (NCPC, art. 357, V).
(2) Contesta e apresenta as contas: No primeiro momento, o leitor pode entender que há um conflito lógico nesta hipótese aventada (preclusão lógica), em princípio é inadmissível a adoção conjunta pelo réu dessas duas providências antagônicas. Todavia, o doutrinador Furtado Fabrício apresenta um caso muito especial, em que é possível esse posicionamento: quando a divergência entre as partes se referirem não à obrigação de prestar as contas, mas sim ao seu conteúdo. Assim, efetivamente, as partes podem concordar quanto à existência do direito às contas, ou seja, na obrigação de prestar as contas, todavia, poderão divergir quanto ao conteúdo da obrigação.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, importante é distinguir o direito de contas do direito de crédito. O primeiro foi explicitado ao longo dos breves comentários deste trabalho. O segundo, por seu turno, está posto nos arts. 515 e 552 do Código de Processo Civil de 2015. Assim, conforme explica didaticamente Marcato (2017, p. 113): “ao prolatar a sentença o juiz julgará as contas e decidirá a respeito de eventual saldo remanescente; apurada a existência de saldo credor, será o devedor condenado a pagá-lo, valendo a sentença como título executivo judicial”.
8 REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 17 mar. 2020.
______ . LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. (Código de Processo Civil). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 17 mar. 2020.
GONÇALVES, M. V. R. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2020. p. 258-269.
MARCATO, A. C. Procedimentos Especiais. São Paulo: Editora Atlas, 2017. p. 108-114.