Justiça do Trabalho paralisa demissões coletivas na FORD: é necessário negociação coletiva?

13/02/2021 às 08:55
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Recentemente a empresa automobilista FORD anunciou que irá fechar suas fábricas no Brasil, o que resultará na demissão de aproximadamente 5 (cinco) mil trabalhadores. Será que o impacto social dessa medida exige a tentativa de negociação coletiva?

INTRODUÇÃO

A Justiça do Trabalho suspendeu o processo de demissão em massa nas fábricas da Ford de Taubaté (SP) e Camaçari (BA). As liminares foram expedidas na última sexta-feira (5) em resposta a ações movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Os juízes determinaram que a montadora não realize desligamentos até a conclusão de negociação com os sindicatos.

A juíza da 2a Vara do Trabalho de Taubaté, Andréia de Oliveira, apontou em seu despacho “a nulidade dos atos negociais até então perpetrados pela empresa junto à entidade sindical profissional, tendo em vista a condução/procedimento unilateral, a falta de informação/transparência ao sindicato e a restrição de conteúdo quanto ao seu objeto pela Ford”.

A Justiça ainda ordenou que a montadora entregue ao Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté e Região (Sindmetau), em até 15 dias, todas as informações que sejam necessárias às negociações e tomadas de decisão. Estabeleceu ainda que a Ford apresente, em até 30 dias, um cronograma de negociação conjunta com o Sindicato. 

Em suma, será que para efetivar uma demissão em massa é necessária a negociação coletiva?

Há quem defenda não ser necessária, com base no princípio da legalidade (art. 5, II, da CR). O fato é que a redação do art. 477-A, CLT, incluído pela Lei n.º 13.467/2017 – “Reforma Trabalhista”, dispõe claramente:

Art. 477-A.  As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.            (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

Por outro lado, há quem defenda ser necessária a tentativa de negociação coletiva. Senão vejamos os motivos.

Constituição da República

Em primeiro lugar, importante destacar que nossa Carta Magna logo em seu “Preâmbulo” já assume o compromisso de assegurar os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Além do mais, a Constituição prevê como princípios fundamentais da República a dignidade da pessoa humana (art.1º, III) e os valores sociais do trabalho (art. 1º, IV).

Também não podemos nos esquecer que o art.7º, I, da CR prevê o direito fundamental de todo trabalhador a uma relação de emprego protegida contra despedida arbitrária.

Responsabilidade social das empresas

Inegavelmente as empresas representam uma das peças mais importantes do atual sistema capitalista, razão pela qual a Constituição da República e o Código Civil brasileiro enxergam-na como uma “instituição social”.

Afinal um dos princípios da ordem econômica é justamente a função social da propriedade (art. 170, III, CR) que se projeta também nos contratos de trabalho (art.421, CC).

Portanto, se a própria ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano (art. 170, CR), o trabalhador deve possuir instrumentos para se proteger de uma despedida inopinada, como, por exemplo, pelo menos uma tentativa de negociação coletiva.

Ordem jurídica internacional

A Organização Internacional do Trabalho possui diversas convenções que não permitem o manejo unilateral das dispensas em massa por se tratar de um ato coletivo, inerente, portanto, ao Direito Coletivo do Trabalho, e não ao direito individual laboral.

É o que depreendemos, por exemplo, de sua Convenção n.º 158 (art.13), Convenção n.º 98 (art.4º), Convenção n.º 154 (art.5º) e também de outros importantes documentos como o PIDESC (art.8º) e a Convenção Americana de Direitos Humanos (arts. 26 e 29) que reafirmam a necessidade de negociação coletiva.

 

Conclusão

Diante de todo este contexto normativo – no âmbito doméstico e no plano internacional –, caberia ao Poder Judiciário equilibrar as tensões e não permitir a opressão do capital sobre o trabalho ou, em outras palavras, simplesmente chancelar a despedida em massa, efetivada de forma unilateral, inopinada, num total descompromisso com a democracia dentro da relação “trabalho-capital”.

 Assim, seria necessário interpretar o art. 477-A, CLT no sentido de conferir-lhe “compatibilidade” com a ordem jurídica, isto é, garantindo aos trabalhadores o direito de negociar coletivamente (art.8º, IV, CR e art. 616, CLT) e que, para tanto, sejam-lhes entregues todas as informações necessárias a esta negociação (art.5º, XIV, CR), a fim de que, na medida do possível, reduzam-se os impactos sociais da parte mais vulnerável que são justamente os trabalhadores.

Sobre o autor
Fernando Magalhães Costa

Autor do PODCAST_Fernando Magalhães: https://bit.ly/fernandomagalhaes. Servidor público federal, Analista Judiciário do TRT da 2ª Região. 2006/2012 - servidor público federal, Técnico Judiciário do TRE-SP. Atuação como Assessor Jurídico Substituto da Presidência na área de Licitações e Contratos. Membro da Comissão Permanente de Licitações e da Equipe de Apoio ao Pregão. Gestor de Contratos. 2001 - Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Lotação: Departamento de Contas Nacionais.

Informações sobre o texto

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