Avaliação técnica da cobertura de planos de saúde para pedidos de próteses e órteses sob medida em Cirurgia Bucomaxilofacial

O panorama dos pedidos em saúde suplementar e o advento de “próteses customizadas” para avaliação de regulação prévia de pedidos de cirurgia bucomaxilofacial

15/02/2021 às 12:21

Resumo:


  • A prática de obtenção de lucro indevido com a comercialização de dispositivos médicos é ilegal e antiética.

  • Abusos e fraudes em procedimentos e OPME aumentam os custos dos planos de saúde para todos os beneficiários.

  • A auditoria em saúde desempenha um papel vital na regulação da qualidade dos serviços prestados e no controle de custos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Como pedido de OPME caros e sem comprovação científica de efetividade e segurança sobre técnicas convencionais inflam a sinistralidade de operadoras de saúde e o papel da regulação prévia destes assuntos.

Em 2015, uma reportagem intitulada “Máfia das Próteses” estarreceu o país com denúncias de práticas ilícitas de alguns médicos e cirurgiões-dentistas na indicação e utilização de Dispositivos Médicos de Implantação e Materiais Especiais, denominação atual para as órteses, próteses e materiais especiais (OPME). Resumidamente, havia pedidos de qualidade e quantidade desvirtuada de OPME para satisfazer, primeiro, as ricas comissões recebidas de fornecedores destes, em detrimento da saúde e segurança dos beneficiários de planos de saúde.

Cabe destaque que a obtenção de lucro ou vantagem por meio de comercialização de medicamentos, órteses, próteses, materiais especiais ou artigos de implante usados em Medicina ou Odontologia, cuja compra decorra da influência de atividade profissional é infração ética e ilegalidade penal. Contribui para o vultoso aumento da demanda induzida em saúde suplementar, o modelo de pagamento por serviços (Fee-for-Service), focado no volume de procedimentos e custos, o que determina custos crescentes e fraudes disseminadas. Este modelo, ainda em voga, recompensa o volume de procedimentos e eventos em saúde em detrimento dos resultados e qualidade da terapia aplicada.

Abusos e fraudes em procedimentos e OPME geram aumento da sinistralidade dos planos de saúde, trazendo aumento de custos a todos os beneficiários, por conta do mutualismo em que se baseia tais planos. Por este motivo, a auditoria em saúde desempenha papel vital na regulação da qualidade dos serviços prestados, além de controlar custos e auditagem de despesas médicas. O auditor de planos de saúde deve embasar suas recomendações nos esclarecimentos oferecidos pelo profissional assistente, em sua experiência profissional, nos exames complementares do caso, nas determinações oriundas de literatura científica de qualidade, no que determina a lei, o código de ética profissional e o respeito ao paciente e ao médico ou cirurgião-dentista assistente. Assim, quanto maior o conhecimento das leis, diretrizes e pareceres afeitos à especialidade médica ou em cirurgia bucomaxilofacial, melhores relatórios de pedidos de procedimentos e de auditoria são executados, contribuindo para a diminuição de injustiças e prejuízos aos usuários de planos de saúde.

Entretanto, hoje, contrariamente ao esperado, a situação somente se agravou, com prática velada, porém disseminada, de premiação por uso dos serviços de determinadas empresas fornecedoras de OPME, o que faz despontar, em pouco tempo, indicações falsas de cirurgias, pedido de materiais improcedentes e/ou em quantidade exagerada. O ambiente descrito favoreceu o surgimento de verdadeiros empreendedores da saúde suplementar, que mercantilizam a saúde em benefício próprio.

Ainda, contribui para a prática desleal o surgimento de novos materiais e tecnologias de custos exacerbados que são indicados à revelia das evidências científicas, somente para inflar o custo final e, assim, engordar a “reserva técnica”, que pode chegar a 40% da fatura de uma cirurgia. Dentre estes novos OPME temos as famigeradas “próteses customizadas”.

Atualmente, pedidos de órtese ou prótese “customizadas” são cada vez mais frequentes em saúde suplementar. Como exemplo, na cirurgia bucomaxilofacial, temos vistos pedidos de guias virtuais prototipados para cirurgia ortognática e, mais recentemente, próteses customizadas da articulação temporomandibular (ATM) e estruturas customizadas em titânio para fixação em maxilares atróficos, como uma “alternativa” à regeneração óssea prévia à colocação de implantes dentais e reabilitação protética. Estes pedidos deixam o setor de regulação prévia da operadora em polvorosa, pois desafia os aspectos técnicos e técnicos-assistenciais atuais, determinando inconformidades e negativa prévia. Consequentemente, profissionais assistentes se revoltam, declamando, quase como um mantra, que “cabe ao profissional assistente a prerrogativa de determinar as características (tipo, matéria-prima e dimensões) das órteses, das próteses e dos materiais especiais necessários à execução dos procedimentos contidos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde” (parágrafo I do Art. 7º da RN no 424/2017 da ANS).

Neste contexto, temos um panorama legal que engana os menos avisados, induzindo ao erro de interpretação quando da análise parcial de todas as diretrizes e resoluções sobre este assunto novo em saúde. O objetivo deste artigo é desvendar as diferentes nuances técnicas do assunto, a fim de esclarecer aos atores a verdade atuais dos fatos acima.

Inicialmente, de acordo com a Resolução - RDC nº 305, de 24 de setembro de 2019, as guias virtuais de cirurgia ortognática, próteses customizadas de ATM e de maxilares se destinam, exclusivamente, ao uso por um indivíduo em particular, fabricado especificamente de acordo com a prescrição de um profissional de saúde habilitado, que confere características específicas de projeto sob sua responsabilidade, mesmo que o projeto possa ser desenvolvido em conjunto com o fabricante. Tal produto se destina a atender uma patologia ou condição anátomo-fisiológica específica de um indivíduo em particular. Assim, deve-se denominar as “próteses customizadas e guias virtuais” como dispositivos médicos sob medida, a fim de delimitação, classificação e comunicação correta em saúde.

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A auditoria prévia de regulação de pedidos envolvendo dispositivo médico sob medida deve discorrer em duas vertentes distintas, mas interrelacionáveis: 1) a parte técnica da indicação e sua 2) parte científica. Este artigo abordará a parte legal envolvida com o uso de próteses e órteses sob medida em cirurgia bucomaxilofacial.

Quanto à parte técnica (legalidades) do pedido de guias prototipados de cirurgia ortognática e de próteses e estruturas em titânio sob medida, temos patente exclusão de cobertura. Para suportar este entendimento, podemos citar o PARECER TÉCNICO Nº 13/GEAS/GGRAS/DIPRO/2019, acerca da ausência de cobertura do guia cirúrgico Osteoguide®. A explicação fornecida pela ANS é que se trata de material confecção com o “auxílio de exames de imagem tridimensionais e tratamento das imagens por meio de softwares específicos para confecção de protótipos e guias por meio de modelagem computacional”. Neste esteio, OPME sob medida, como as próteses de ATM ou estruturas prototipadas de metal para os maxilares atróficos não são OPME diretamente ligados ao ato cirúrgico, ou seja, cuja colocação ou remoção requeiram a realização de ato cirúrgico (RN no 428, de 2017).

Recentemente, em 16 de julho de 2020, a UNIMED de Campinas fez consulta à ANS sobre a inexistência de cobertura obrigatória para próteses e órteses sob medida (Ofício nº: 52/2020/COMEC/GEAS/GGRAS/DIRAD-DIPRO/DIPRO), com resposta clara do órgão regulador, de que a cobertura obrigatória não é extensível a órteses, próteses customizadas, personalizadas ou prototipadas, por usar exames tridimensionais e tratamento das imagens por meio de softwares específicos/modelagem computacional para a sua confecção que não constam listados no Anexo I da RN 428/2017.

Ademais, o Art. 17 da referida RN no 428/2017 dispõe, ainda, que taxas, materiais, contrastes, medicamentos, entre outros, necessários para a execução de procedimentos e eventos em saúde de cobertura obrigatória, contemplados nesta RN e em seus Anexos, possuem cobertura obrigatória, desde que estejam regularizados e registrados e suas indicações constem da bula/manual perante a ANVISA e respeitados os critérios de credenciamento, referenciamento, reembolso ou qualquer outro tipo de relação entre a operadora e prestadores de serviços de saúde. Assim, todo OPME indicado pelo profissional requisitante deve ter registro na ANVISA. Contudo, dispositivos sob medida não dependem de registro ou de cadastro na ANVISA, mas os fabricantes ou importadores de dispositivos médicos sob medida devem possuir Autorização de Funcionamento concedida pela ANVISA e licenciamento sanitário expedido pela vigilância sanitária local (RDC nº 305/2019).

A falta de registro na ANVISA pode suscitar discussão sobre presença de tratamento experimental, já que a regra geral é a de que todas as doenças estão obrigatoriamente cobertas pelo plano de saúde, exceto, em primeiro lugar, tratamento clínico ou cirúrgico experimental (art. 10I, da Lei 9.656/98). Tratamentos experimentais e tratamentos não previstos no Rol de Procedimentos da ANS, ou excluídos da cobertura contratual em razão de diretrizes de utilização, estão nessa condição por razões de ordem técnica, especialmente por não haver comprovação de efetividade e por serem dispendiosos. Assim, próteses e órteses sob medida, pela novidade que carregam e a falta de estudos científicos de peso, e de longo prazo, podem ser considerados experimentais atualmente, pois não contam com o reconhecimento da comunidade científica em geral, além de que a técnica convencional se mostra suficientemente eficaz, segura e adequada para a salvaguarda da saúde ou da vida do paciente.

Contudo, entendimentos de juízos, quando da judicialização do assunto, podem levar em conta outras Leis e hermenêuticas para determinar a existência do dever da operadora de plano de saúde de arcar com terapias e medicações regulamentadas como exclusão pela ANS, adicionando contradições e problemática ao tema. Podemos citar a evocação do Art. 51, IV, da Lei nº 8.078/90, que impediria restrições ao próprio objeto contratual pactuado entre as partes, ou o Art. 10, I, da Lei nº 9.656/98, interpretado restritivamente, dissociando-se as noções de tratamento experimental e de uso off label. Portanto, o papel da regulação prévia da operadora (auditor e desempatador) é seguir os ditames do órgão regulador (ANS), deixando as demais interpretações e entendimentos diversos, ou até constitucionais, para o nível jurídico do assunto.

Sobre o autor
Marcelo Cecchetti

Perito Nomeado pelo TJSP e Assistente Técnico Judicial em demandas de Odontologia Cirurgião-Dentista especialista em Cirurgia Bucomaxilofacial e em Odontologia Hospitalar; Especialista, Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Odontologia;

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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