A desnecessária vistas ao Ministério Público para se pronunciar sobre a resposta à acusação: um respeito a paridade de armas e ao contraditório

15/02/2021 às 17:10

Resumo:


  • A Lei nº 11.719/2008 trouxe mudanças no processo penal, substituindo a defesa prévia pela resposta à acusação.

  • A intimação do Ministério Público para se manifestar após a resposta à acusação pode ser considerada indevida, conforme o Código de Processo Penal.

  • O procedimento no processo penal deve seguir o rito estrito estabelecido na lei, sem introduzir fases não previstas e respeitando os princípios da ampla defesa e do contraditório.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Trata o presente artigo de uma crítica a praxe forense de se conceder vistas ao Ministério Público para se pronunciar sobre a resposta à acusação apresentada pela defesa.

A Lei n° 11.719/2008 alterou substancialmente o processo penal, entre outras coisas, ao substituir a antiga defesa prévia pela resposta à acusação, oportunizando ao acusado a possibilidade de articular de forma mais ampla a sua defesa, permitindo, inclusive, a imediata absolvição sumária do acusado.

 

Perante o Código de Processo Penal, a intimação do Ministério Público para manifestar-se acerca da resposta à acusação pode ser considerada indevida, posto que inexistente previsão legal nesse sentido, bem como violaria o direito da defesa de manifestar-se por último antes de eventual absolvição sumária.

 

Com efeito, ao sopesar o novo procedimento estabelecido pela Lei n.º 11.719/2008, constata-se efetivamente não haver previsão de abertura de vista ao Ministério Público da defesa apresentada pelo acusado, da mesma forma como não existia no procedimento anterior, em que a defesa prévia do acusado era apresentada somente após o seu interrogatório ou no prazo subsequente de três dias (art. 395, redação anterior).

 

Vale dizer que o momento para a acusação reunir o substrato probatório mínimo e convencer-se da tipicidade do fato e da inexistência de excludentes é o que precede ao oferecimento de denúncia, não havendo motivo para estabelecer-se ocasião processual para verdadeira tréplica ao órgão acusador, o que remataria por obrigar o juízo a oportunizar nova vista à defesa do acusado, sob pena de violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório. 

 

Não é esse o rito previsto pelo Código de Processo penal, resultando a adoção do procedimento inquinado também em indevida dilação, com possível ofensa à garantia da razoável duração do processo e da celeridade de sua tramitação (CF, art. 5º, LXXVIII), a qual resulta afrontada quando introduzida fase não prevista em lei e que retarda a prolação do provimento jurisdicional subsequente à defesa do acusado, na forma dos artigos 397 e 399 do CPP, ou seja, ou o julgamento absolutório antecipado ou processamento do feito criminal, vez que já recebida a denúncia na fase do art. 396.

 

É dizer, em sede de processo penal o procedimento deve ser estrito, seguindo detidamente aquele iter previsto expressamente na lei, formal e materialmente falando, em razão da elevada natureza dos bens jurídicos em jogo, sob pena de temerária introdução de elementos impróprios.

 

No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça

:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO ATIVA E QUADRILHA OU BANDO. DEFESA PRELIMINAR. MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL SOBRE MÉRITO. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. A não-observância ao devido processo legal, na forma como previsto em lei, constitui ofensa a preceito que veicula norma de direito fundamental, e, portanto, a nulidade que daí decorre jamais pode ser tida como meramente relativa. O desrespeito a direito fundamental tem por nota prejuízo ínsito e impossibilidade de convalidação.

2. Ordem parcialmente concedida para determinar o desentranhamento da manifestação ministerial, permanecendo válidos os requerimentos a respeito dos bens e valores depositados.

(HC 128.591/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 02/02/2010, DJe 01/03/2010)

 

O argumento central dos que defendem a intimação do Ministério Público para manifestar-se após a resposta à acusação efetuada pela defesa reside no que entendem ser a observância do contraditório.

 

De fato, o interesse tutelado pela acusação também deve ser protegido pela garantia do contraditório, que não é exclusiva do réu. Entretanto, o fato de se aplicar à acusação não implica que o seja nos mesmos moldes da defesa, tampouco que estaria violado com a decisão judicial proferida imediatamente após a resposta à acusação, sem nova manifestação do Ministério Público.

 

 Nesse diapasão, o “pedido” formulado pela defesa é sempre uma negação do pleito acusatório, de modo que não inova e não permite uma (RE)reação, posto que, no processo penal a iniciativa é sempre da acusação, cabendo ao réu tão somente o direito de resistir.

 

Cumpre registrar ainda que a reforma de 2008 veio no sentido tornar efetivo o direito de defesa enquanto o estabelecimento de mais uma oportunidade de manifestação da acusação viria em sentido oposto, em evidente contradição com a mens legis.

 

Nesse cenário, verifica-se após a apresentação de resposta à acusação pela defesa, principalmente sem conceder à defesa nova vista dos autos, é nula.

 

Logo, o que se entende que deve prosperar é que não haja a remessa de autos ao Ministério Público para sempre se pronunciar sobre a resposta à acusação, devendo o Órgão Judicial proceder com a análise da peça da defesa e, caso não seja caso de absolvição sumária, designar a audiência de instrução e julgamento, em corolário ao princípio do devido processo penal, do contraditório, da celeridade processual e da eficiência.

 

 

Sobre o autor
Geraldo de Sá Carneiro Neto

Mestre em Perícias Forenses da Universidade de Pernambuco – UPE (Campus Camaragibe). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP (2012). Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade Damásio de Jesus (2014). Especialista – MBA em gestão do Ministério Público pela Universidade de Pernambuco – UPE (Campus Benfica). Analista Ministerial da área jurídica do Ministério Público do Estado de Pernambuco, lotado em Promotoria de combate à violência doméstica. Professor de cursos preparatórios de concurso e Palestrante. ex-analista jurídico do Tribunal de Justiça de Pernambuco

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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