Oi e o princípio da preservação da empresa

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A Oi tem gerado desconfiança entre os investidores sobre sua viabilidade econômica, principalmente depois de uma crise em 2015. Afinal, qual a importância dessa empresa para a sociedade e de qual maneira ela poderia superar esse contratempo?

 1. O impacto da companhia no meio social

As organizações são sistemas que não agem de maneira independente, estando intimamente interligadas às estruturas sociais em que se encontram e compostas pelas mais diversas relações humanas. São verdadeiras unidades sociais, que possuem um forte peso em decisões políticas, sociais, econômicas culturais, etc. Pode-se dizer que sua importância é tamanha a ponto de ser quase impossível imaginar uma sociedade futura que prospere na ausência delas. A organização que este estudo tem como análise é a OI, empresa de telecomunicações de sociedade anônima aberta que possui um modelo de companhia com fins lucrativos e oferta pública de ações, anteriormente conhecida como Telemar. Após a compra da Brasil Telecom em 2009 passou a atuar em todo o território nacional, atendendo mais de 41 milhões de clientes, com ações sendo negociadas na bolsa de valores por um preço de até R$106,90 em 2012.

Reinaldo Dias (2008) trata da importância de uma organização ser um agente de responsabilidade social, para que, ao atentar-se com questões ambientais, sociais e humanísticas, sejam atraídos indivíduos, grupos e outras organizações que tenham interesse na empresa. Ao analisar a OI, torna-se clara uma característica comum a todas as organizações, o fato de serem agentes sociais e se comunicarem com o meio externo a elas, desempenhado uma importante função social.

A empresa mantém centros culturais em todo o Brasil, como em Belo Horizonte por meio da OI FUTURO, que abriga também um museu de telecomunicações, um teatro, e uma galeria de artes. A organização promove ainda ações de cultura, inovação social, e esporte (a exemplo do Park Skateboarding World Championship, campeonato mundial de skate que no ano de 2019 foi sediado em São Paulo), investindo também na área da educação (como o Núcleo Avançado de Educação, construído em conjunto com as Secretarias de Estado do Rio de Janeiro) e promovendo a inclusão digital em escolas por meio do programa Banda Larga nas Escolas, já tendo atendido mais de 56 mil escolas nas áreas urbana e rural.

 Ações de responsabilidade ambiental também são tomadas, sendo uma das empresas na coleta e reciclagem de lixo eletrônico, além de ter políticas internas de gestão de resíduos, atuando para a redução do consumo de água, e tratando de questões como a sustentabilidade, emitindo relatórios para avaliar a qualidade dessas ações que estão disponíveis no site da empresa, para todo o público que queira consultar. Além do mais, a Oi emprega diretamente mais de 18 mil funcionários, demonstrando que a empresa possui de fato uma grande relevância socioeconômica. Essas ações demonstram que a sociedade empresaria em questão possui uma importante função social, exigida nos artigos 5º, XXII, 182 § 2º e 186 da Constituição Federal e no artigo 421 do Código Civil.

 

 2. Origens da crise e expectativas de crescimento.

Mesmo se tratando de uma empresa consolidada no mercado e prestando um relevante papel na sociedade, além da geração de valor econômico agregado, a empresa somou grandes prejuízos ao longo da última década, mas as razões desse descalabro são antigas. Em 1998, após a privatização da Telebrás, por meio de empréstimos realizados pelo governo para a Andrade Gutierrez e La Fonte, surgiram 12 empresas concentradas nas holdings Tele Norte Leste e Telemar, focadas respectivamente na telefonia móvel e fixa, que se uniram após a aquisição da primeira pela segunda pelo valor de um real. As dívidas dessas empresas já somavam um valor de 4.8 bilhões e após a compra da Brasil Telecom, por meio de 12 bilhões em empréstimos pelo governo, surgia em 2008 a empresa que passaria a atuar como Oi, já com uma dívida bilionária.

A Portugal Telecom, desejando participação na organização, comprou ações da Andrade Gutierrez e La Fonte, majoritários da Oi na época. Em 2013, após fusão da OI com a Portugal Telecom, a empresa portuguesa não injetou dinheiro no caixa da OI devido à quebra do Banco Espírito Santo, onde estavam suas receitas sob a forma de títulos, levando a uma recessão em 2015 e um pedido de recuperação judicial no ano de 2016, que foi aprovado e homologado em 2018, ano em que a organização somou lucro líquido contábil de 30,5 bilhões, reduzindo a sua dívida de 47,6 bilhões para 7.3 bilhões.

 Apesar de ter uma enorme dívida até o ano de 2020, analistas da Ernst & Young afirmam que em 2021 a empresa registraria lucro de 224 milhões, e as ações da empresa, que já chegaram a valer menos de 1 real, tem apresentado um crescimento considerável a partir do segundo semestre de 2020, apresentando alto potencial de valorização. A Oi, em recuperação judicial, apresentou um plano de estruturação que prevê a venda de ativos no valor de 16,5 bilhões de reais para o pagamento de dívidas e tem investido em um novo plano de negócios, onde demonstrou a pretensão de migrar da telefonia móvel para a rede de fibra ótica de 388 mil quilômetros de extensão e atuar também na área de soluções de Tecnologia da Informação (OI Soluções). As projeções demonstram um aumento de 20% na área de serviços ao cliente e 60% na área de infraestrutura.

 

 3. A importância do princípio da preservação da empresa e suas aplicações.

Nem toda empresa merece ou deve ser recuperada, devendo ser levado em consideração se é socialmente interessante salvar uma empresa da falência. Afinal, os agentes econômicos que possuem como incumbência os investimentos em um negócio de risco acabam por repassar os custos associados à recuperação aos preços de bens e serviços, ou seja, é a sociedade que em certa maneira irá pagar os custos para salvar uma empresa. Dessa forma o judiciário deve considerar não apenas as externalidades positivas provocadas pela atuação de uma empresa e sua função social, mas também se existe uma solução de mercado viável que justifique a preservação da empresa.  

A atividade empresária desenvolvida pela Oi proporciona desenvolvimento econômico e social, empregos, receitas ao Estado por meio do pagamento de tributos, desenvolvimento de tecnologia e know-how, oferta de produtos e serviços, dentre outras externalidades positivas ligadas à sua atuação no mercado, sendo possível realizar uma reestruturação por meio da venda de bens e da ênfase na atuação em outro nicho que não o de telefonia móvel. O princípio da preservação da empresa tem como fim garantir a continuidade da sociedade empresária, e a direcionar para a busca do lucro, preservando também interesses e bens jurídicos de suma importância, como os sócios, consumidores, fisco, dentre outros fatores determinantes para a manutenção da empresa, de sua função social e para preservar a ordem econômica (Art. 170/CF).

Um instrumento legal que possibilita a efetividade do princípio da preservação da empresa é a recuperação extrajudicial, disposto nos arts. 161 a 167 da Lei n. 11.101/2005. Por meio desse instituto, um empresário devedor que se encontre incapacitado financeiramente ou em crise tem a possibilidade de efetuar um acordo com seus credores visando o reestabelecimento econômico-financeiro e impedir que haja falência. O acordo é voltado ao atendimento de interesses creditícios, por oferecer-lhes, mediante a apresentação de uma proposta, um modo de composição do conflito para pagamento do quantum que lhes é devido (DINIZ, 2009, p. 657).

Alguns requisitos são exigidos pela Lei de Recuperação de Empresas (art. 161 c/c art. 48) para que o empresário proponha uma recuperação judicial passível de homologação, devendo observar cumulativamente eles, sendo o exercício regular da atividade econômica por há mais de dois anos, não ser falido (e se caso tenha sido, as responsabilidades decorrentes da falência devem estar extintas por sentença transitada em julgado), não ter obtido concessão de recuperação judicial há menos de cinco anos (art. 48, II, III/ LRE) e não ter sido condenado, assim como nenhum administrador ou sócio, por crime falimentar. Além do mais, o plano extrajudicial não pode abranger créditos tributários e trabalhistas, os que decorrem de acidentes de trabalho, dívidas com garantia fiduciária de móveis ou imóveis, compra e venda de imóveis com certas características, arrendamento mercantil, compra e venda com reserva de domínio e adiantamento de contrato de câmbio.

O plano deve ter a anuência de credores que representem mais de 3/5 de todos os créditos de cada espécie e não pode ter um pedido de recuperação judicial pendente ou homologado há um prazo inferior ao de dois anos. Ao pedir a homologação de plano de recuperação extrajudicial, o devedor deve ter em mente que direitos, ações ou execuções não são suspensos, tampouco haverá a impossibilidade de pedido de decretação de falência por parte dos credores não sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial.

Outra alternativa para a preservação da sociedade está disposta no art. 47 da Lei 11.101/2005, que é a recuperação judicial, opção realizada pela Oi para que ela pudesse continuar suas atividades, se tratando de uma ocasião em que de fato há a intervenção do judiciário para garantir o funcionamento do livre mercado. A recuperação judicial busca atender tanto os anseios dos credores quanto o interesse público ao viabilizar a superação de uma crise econômico financeira do devedor e a manutenção dos empregos gerados, dos interesses dos credores e da fonte produtora.

Para requerer a recuperação judicial, o empresário devedor, seja pessoa física ou jurídica, tem de comprovar a sua condição de empresário, que exerce regularmente suas atividades a mais de dois anos e respeitar os requisitos dispostos no art. 48 da Lei 11.101/2005. Dentre alguns requisitos para o deferimento pelo magistrado do pedido de recuperação judicial estão a nomeação de um administrador judicial, constituição do comitê de credores e aprovação do plano pela assembleia geral de credores.

A recuperação judicial da OI é um caso especialmente delicado, se tratando da segunda maior do país, após acumular uma dívida de 64 bilhões com 55 mil credores, atrás apenas da Odebrecht, além de ter um grande impacto no meio social, gerando milhares de empregos de maneira direta e indireta e ser a única operadora em muitas localidades brasileiras. Após a aprovação do plano, a dívida reduziu em 36 bilhões por meio de descontos, parcelamentos no longo prazo e conversão de créditos em ações. A empresa espera concluir em maio de 2022 o processo de recuperação judicial, mas existem alguns desafios, como a análise da operação de venda de sua unidade de telefonia móvel pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e o descontento do Ministério Público com o prazo apresentado, justificando que ele deveria ser menor.

 

Conclusões

 

A partir deste breve estudo percebe-se que uma empresa não deve apenas estar em situação de crise para que o judiciário atue de modo a preservar a atividade empresarial, mas sim, que exista uma possibilidade real da empresa se recuperar de um cenário financeiro desfavorável e prosperar no mercado, além de, a continuidade de uma empresa se justificar devido ao interesse público da manutenção de suas atividades. Observando esses requisitos, o princípio da preservação da empresa atuará de forma a proteger o núcleo da atividade econômica de uma atividade empresária.

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A OI vem demonstrando por meio de suas ações do plano de recuperação judicial, o compromisso de uma utilização do bem privado voltado à coletividade, além de demonstrar viabilidade econômica, focando em outros ramos de atuação, bem como a venda de ativos, como forma de sanar a sua dívida com seus fornecedores e buscar o equilíbrio da sua saúde financeira, demonstrando a importância do princípio da preservação de empresas.

 

Referências

BRASIL. Lei n. 11.101, 2005. Brasília: Presidência da República, Casa Civil, 2006. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm . Acesso em 13 fevereiro 2021.

Bushatsky, Daniel. Princípio da preservação da empresa. Enciclopédia jurídica da PUCSP. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/220/edicao-1/principio-da-preservacao-da-empresa. Acesso em 13 de fev. 2021.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: direito de empresa – 23ª ed., 2ª tiragem – São Paulo. Saraiva, 2011.

DIAS, Reinaldo. Sociologia das Organizações. São Paulo: Atlas, 2008.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Empresa. 2ª edição. São Paulo: Saraiva. 2009.

JARDIM, Lauro. Endividada, oi demitirá 2 mil funcionários, 12% da força de trabalho. Oglobo, 2016. Disponível em:https://oglobo.globo.com/economia/endividada-oi-demitira-2-mil-funcionarios-12-da-forca-de-trabalho-19267375.. Acesso em 12 de fev. de 2021.

NIGRO, Thiago. CHEGOU A HORA DE COMPRAR OI (OIBR3)? | A história que você PRECISA saber!. Youtube. 30 ago. de 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2K7teT61QUg&t=581s. Acesso em 13 de fev. de 2021.

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Este estudo tem como objetivo entender a função social de uma empresa a partir da análise da empresa de telecomunicações Oi, que há anos se encontra em processo de recuperação judicial, e a partir disso demonstrar a importância do princípio da preservação da empresa.

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