É permitido o uso da prova ilícita a favor do réu no processo penal

Prova ilícita

20/02/2021 às 23:24
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As provas ilícitas poderão ser admitidas em favor do réu, se for para garantir a presunção de inocência e a liberdade do indivíduo.

O entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência é no sentido do uso da prova ilícita em benefício do acusado no processo penal. Essa possibilidade decorre da aplicação do princípio da proporcionalidade e da consideração de que o processo penal tem o desiderato de fixar garantias para o acusado, isto é, trata-se de um conjunto de regras protetivas do réu, evitando arbitrariedades da pretensão punitiva.

A (i) legalidade da obtenção das provas não pode preponderar sobre determinadas garantias e direitos individuais, como o direito à ampla defesa. Não se pode utilizar a vedação das provas ilícitas, que é um direito do réu, contra o próprio acusado.

Ademais, quem defende a busca da verdade real contra o acusado (produção de provas de ofício pelo Magistrado, por exemplo) deveria defender a possibilidade de que o Juiz fundamente sua decisão em provas ilícitas quando puderem beneficiar o réu ("prova ilícita pro reo").

As provas ilícitas poderão ser admitidas em favor do réu, se for para garantir a presunção de inocência e a liberdade do indivíduo. 

Há um consenso entre os doutrinadores acerca da possibilidade de se aplicar o princípio da proporcionalidade para permitir a utilização de prova ilícita em benefício do acusado, no processo penal. Nesse caso, verifica-se que, de fato, não há maiores problemas para a mencionada aplicação do princípio, tendo em vista os direitos fundamentais colidentes no caso concreto: de um lado, o direito que indivíduo tem à sua liberdade; de outro, o direito que fora violado ao se produzir a prova. Considera-se que, observados os requisitos de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, ao se colocar os valores contrapostos na balança, conclui-se que o direito à liberdade do indivíduo deve prevalecer e, quando existir uma prova ilícita que demonstre a sua inocência, esta consequentemente deverá ser admitida no processo. Ademais, entende-se que deve ser afastada a ilicitude da prova quando esta for colhida pelo acusado sob estado de necessidade, ou seja, quando a necessidade de salvar o seu direito à liberdade faz com que o acusado sacrifique o direito que fora violado quando da obtenção da prova.

Na utilização da prova ilícita pro reo, o valor em ponderação é a dignidade da pessoa humana do réu (núcleo axiológico da Constituição Federal), injustamente acusado de um delito, que corre o risco de pagar com sua liberdade, perdendo alguns anos de sua vida, pela equivocada apreciação dos fatos na atividade jurisdicional. Milita a favor da admissão da prova ilícita pro reo a ponderação da garantia constitucional da ampla defesa e a configuração da situação de estado de necessidade do acusado. Dessa forma, conclui Scarance Fernandes (2005, p. 94) que “é ampla a aceitação de que ele [o princípio da proporcionalidade] seja aplicado aos casos em que a prova da inocência do réu depende de prova produzida de maneira ilícita”.

O STF já se pronunciou, em diversos julgados, a favor da licitude da gravação de conversa telefônica, realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, desde que em determinadas circunstâncias. Em um caso da relatoria do Ministro Moreira Alves, o Tribunal Excelso considerou lícita a gravação e divulgação de conversa telefônica sem o conhecimento de terceiro que pratica o crime, desde que praticada em legítima defesa.

O Superior Tribunal de Justiça também andou nessa direção:

As liberdades públicas não podem ser utilizadas como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. Dessa forma, aqueles que, ao praticarem atos ilícitos, inobservarem as liberdades públicas de terceiras pessoas e da própria sociedade, desrespeitando a própria dignidade da pessoa humana, não poderão invocar, posteriormente, a ilicitude de determinadas provas para afastar suas responsabilidades civil e criminal perante o Estado [...] (Alexandre de Moraes, in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 2ª Edição, 2003, São Paulo, Editora Atlas, páginas 382/383).

Outrossim, a prova obtida com a violação de direitos fundamentais deve ser aceita pelo órgão julgador através da aplicação do princípio da proporcionalidade, desde que se destine a provar a inocência do acusado (adequação), seja a única forma de que este dispõe (necessidade) e se respeite a proporcionalidade do bem lesado com o bem a ser protegido (proporcionalidade estrita). Qualquer que seja a excludente de antijuridicidade (legítima defesa, estado de necessidade, etc.), fato é que, na admissão de provas ilícitas pro reo, há a ponderação de interesses própria da proporcionalidade. Ademais, o princípio da proporcionalidade legitima a conduta violadora de direito substantivo, de maneira que a prova obtida não é ilícita, apesar de formalmente violar uma norma jurídica (ÁVILA, 2007, p. 205).

Os princípios constitucionais (vedação das provas ilícitas) podem ser relativizados a fim de proteger um bem maior, como a inocência e a liberdade de uma pessoa. Assim, as provas ilícitas podem ser admitidas em favor do acusado.

Enfim, a prova da inocência do réu deve sempre ser aproveitada, em quaisquer circunstâncias. Ora, em um Estado de Direito não há como se conceber a ideia da condenação de alguém que o próprio Estado acredita ser inocente. Seria um paradoxo inexplicável.

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A prova ilícita será admitida, devendo ser aceita quando o bem jurídico alcançado for maior que o direito violado. Apesar de a legislação ao se tratar sobre o assunto de vedar o uso da mesma no processo penal, parte da doutrina e da jurisprudência vem entendendo por aplicar a proporcionalidade atrelada a essa questão, pois a prova ilícita não será usada para condenar o acusado, e sim para dar uma condenação justa, sendo assim, o Magistrado possa trazer uma decisão ao caso concreto e uma pena proporcional ao acusado, uma vez que nenhum direito ou garantia constitucional tem caráter absoluto.

 

Referências bibliográficas

ÁVILA, Thiago André Pierobom de, Provas ilícitas e proporcionalidade, Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2007.

FERNANDES, Antonio Scarance, Processo penal constitucional, 4 ed., São Paulo: RT, 2005.

MORAES, Alexandre de, Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 2ª Edição, 2003, São Paulo, Editora Atlas, páginas 382/383.

 

Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação à distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO, especialista em controle da administração pública pelo EDUCAMUNDO, especialista em gestão e auditoria em saúde pelo Instituto de Pesquisa e Determinação Social da Saúde e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Informações sobre o texto

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