Os limites de uma nova Constituição

21/02/2021 às 19:47
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Como a crença em uma nova Carta Magna para reequilibrar os Poderes Republicanos pode ser ilusória.

"Precisamos de uma nova Constituição", brada mais um dos tantos inconformados com o nosso atual estado de coisas, depositando suas esperanças em uma nova Carta Magna que possa criar mecanismos que a tornem mais respeitada, reequilibrando os Poderes da República. Mas, neste caso, a esperança pode ser ilusória.

O Direito atual no Brasil vem demostrando um excessivo apego à principiologia em julgamentos mais impactantes. Grosso modo, significa julgar, não pelo que efetivamente está escrito, mas pelo que a norma escrita traz implícito, algo como seu "espírito".

Mais do que isso, agora também se flerta abertamente com a pan-principiologia¹, que dispensa a existência de qualquer norma no ordenamento jurídico para se adotar um princípio qualquer. Já vimos isso com o "controle de justificabilidade", um subproduto da razoabilidade que permite ao Judiciário analisar se uma lei é, não apenas formalmente constitucional, mas, aos olhos do Julgador, "justificável".

Trocando em miúdos, é o que dá ao Judiciário o poder de analisar se uma lei é "certa" ou "errada", a partir do que se tenha usado de fundamento para aprová-la - ainda no próprio projeto de lei.

Se você se assustou, achando que isso seria uma atividade típica legislativa, está certo. Seria. Mas, ao menos, um julgamento da nossa Suprema Corte (RE 635659) já sediou debate explícito sobre esse (pan-)princípio.

E o problema - até aqui já grave - vai além de analisar se leis são "certas" ou não.

Na esteira da justificabilidade, têm crescido também as discussões sobre o pan-princípio (relembre-se: aquilo que não está em norma expressa alguma) do "não retrocesso". Por ele, nenhuma norma, seja de qual natureza for, pode retroceder em alguma situação já instalada.

Trata-se de mais um desdobramento principiológico, desta feita a partir da vedação à supressão de direitos e garantias fundamentais por emenda constitucional, que se transformou em uma obrigação fictícia a que as leis sempre tragam avanços, não podendo voltar a uma situação anterior, já ultrapassada. Um tipo de progressismo obrigatório.

E, como em todos os outros casos, quem avalia se uma lei avança ou retrocede é o Judiciário. E este é o ponto.

Assistindo imóveis, há anos, à ordem legal sucumbir à subjetividade dos princípios e pan-princípios, chegamos ao estágio em que o Judiciário, até mesmo diante de uma nova Constituição, pode entender que ela está "errada" ou que é um "retrocesso", impedindo que entre em vigor.

Esdrúxulo? Sim, mas possível. Quiçá, até provável.

Talvez isso sirva - como exercício extremo, evidentemente - para ilustrar como o ideal republicano é ilusório quando seus pilares (todos eles) não são fortes. Não há independência ou harmonia quando só um destes pilares, traduzidos em Poder, tem a palavra final. Sobre tudo.

 

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¹ Grafia de acordo com o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP)

Sobre o autor
Fabricio Rebelo

Pesquisador nas áreas Jurídica e de Segurança Pública, Coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (CEPEDES), Professor (cursos livres), Autor de "Articulando em Segurança: contrapontos ao desarmamento civil", Assessor Jurídico.

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