Dano moral por ricochete: é possível?

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Os julgadores têm se firmado, entendendo como legítimo o pleito de reparação por danos morais por terceiros que se sintam atingidos pelo evento danoso em situações especiais em que eles são pessoas próximas a vítima direta da ofensa.

O Estado Democrático de Direito está submetido ao conjunto de leis que o compõe a fim de estabelecer a organização de seu povo e território, observando e garantindo proteção jurídica aos cidadãos, além de promover a segurança individual e coletiva de todos os indivíduos.

Em rápida leitura aos primeiros artigos da Constituição Federal é fácil perceber que a Lei Maior traz como baliza a garantia aos direitos fundamentais, primando pela dignidade da pessoa humana e o bem de todos sem qualquer distinção, afirmando a sua vocação genuinamente democrática.

Deveras, no Estado de Bem-estar social, este assegurado pelo constituinte quando da promulgação da Constituição, há firmado expressamente o compromisso do ente estatal em garantir a proteção à dignidade da pessoa humana, buscando tutelar os direitos fundamentais, sejam eles individuais, sejam eles sociais.

Havendo dano, sendo este produzido injustamente na esfera alheia, surge a necessidade de reparação, seja ela moral e/ou material, como imposição natural da vida em sociedade.

O constituinte detalhou não somente a possibilidade de indenização pelos bens precificáveis, aqueles cuja natureza é patrimonial, como também esclareceu ser passível de indenização bens que, quando atingidos, afetam o indivíduo em sua honra, imagem, intimidade e moral. É o que se depreende da do art. 5°, incs. V e X da Constituição Federal [1]:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

(...)

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

De acordo com o Dicionário Online de Português, entende-se por dano o mal ou o prejuízo causado a alguém, bem como a diminuição ou perda completa das boas qualidades de algo ou de alguém [2].

Para Augustinho Alvim dano, em sentido amplo, é a lesão a qualquer bem jurídico e aí se inclui o dano moral; ao passo que em sentido estrito é a lesão ao patrimônio, e patrimônio é o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro. Por moral, na dicção de Luiz Antônio Rizzatto Nunes, entende-se

“(...) tudo aquilo que está fora da esfera material, patrimonial do indivíduo” [3].

Assim, claramente é possível afirmar e definir o dano moral como aquele que se contrapõe ao dano material. Enquanto este lesa bens que podem ser estimados pecuniariamente, aquele, em contraposição, lesa bens e/ou valores que não possuem conteúdo econômico, são bens que por sua própria condição e natureza não podem ser valorados pecuniariamente.

A reparação que obriga o ofensor a pagar e permite ao ofendido receber, através de uma indenização, é princípio consolidado no ordenamento jurídico brasileiro com punição e recompensa, através da máxima adotada de que ninguém deve lesar ninguém e, se o fizer, arcará com as consequências do ato ilícito praticado. Assim, inclusive, entende o ilustre Limongi França ao esclarecer que

“Todo e qualquer dano causado à alguém ou ao seu patrimônio, deve ser indenizado, de tal obrigação não se excluindo o mais importante deles, que é o DANO MORAL, que deve automaticamente ser levado em conta.” [4]

O ordenamento jurídico estabelece que estando presentes os requisitos à indenização - ação culposa do agente, dano causado e nexo de causalidade entre a ação e o dano – restará configurado o dano e após verificada a presença das condições necessárias deverá ser observado qual o tipo de dano ocorrido, se moral ou material.

Mas e nos casos em que outra pessoa, que não a vítima direita, se sinta ofendida, há a possibilidade de caracterização do dano moral?

Rafael Brasil nos esclarece que, para esse tipo de situação, existe o dano por ricochete, cuja teoria - préjudice d’affection - foi introduzida na França para os casos em que a lesão deve ser reparada ao terceiro que se torne vítima daquela ofensa, cuja vítima direta esteja morta [5].

E baseada na teoria francesa do Dano Por Ricochete é que a jurisprudência brasileira tem fomentado entendimento pela possibilidade de caracterização e, consequentemente condenação, por dano moral por ricochete, também conhecido como dano moral reflexo.

As condenações por dano moral são baseadas em ordem puramente psíquica, ou seja, quando o ato ilícito ocasiona no ofendido sofrimentos mentais, sentimento de aflição, angústia, vexame e vergonha, independente da existência ou não de uma lesão corporal.

E justamente nesse sentido os julgadores têm se firmado, entendendo como legítimo o pleito de reparação por danos morais por terceiros que se sintam atingidos pelo evento danoso em situações especiais em que eles são pessoas próximas a vítima direta da ofensa.

O ministro Luis Felipe Salomão, relator do REsp 1734536/RS, destacou em seu voto que, em relação ao dano moral por ricochete, a análise deve ser feita caso a caso. Isso porque, a situação narrada naquele recurso difere dos precedentes do colegiado sobre o tema, pois questiona quais eventos danosos poderiam dar ensejo a essa espécie de dano e não apenas quais seriam os titulares do direito à reparação pelo dano moral, que é a situação comum [6].

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Segundo Salomão

“o dano moral por ricochete, ou préjudice d'affection, é personalíssimo, autônomo em relação ao dano sofrido pela vítima do evento danoso e independente da natureza do evento que causa o dano, conferindo, desse modo, aos sujeitos prejudicados reflexamente, direito à indenização pela simples e básica circunstância de terem sido atingidos em um de seus direitos fundamentais”.

Diferente da teoria francesa, o dano moral reflexo pode se caracterizar ainda que a vítima direta da ofensa sobreviva, já que os doutrinadores brasileiros têm entendido que o dano moral reflexo tem natureza de indenização autônoma e não um pagamento da indenização as vítimas indiretas por impossibilidade de fazê-lo a vítima direta, devido ao seu falecimento.

Isso porque, em regra o dano moral é um direito personalíssimo, ou seja, envolve os direitos da personalidade, assim entendidos como os direitos essenciais da pessoa e, por isso, seria exercitável tão somente pelo seu titular ou, a grosso modo, pela vítima direta do dano. Contudo, existem casos concretos em que não somente a vítima direta é atingida pelo ato ilícito, mas também pessoas ligadas a ela, amargando dor e sofrimento de igual modo.

 

_____________________________________________________

REFERÊNCIAS:

[1] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 25/01/2021.

[2]Dicionário Online de Português. Disponível em: https://www.dicio.com.br/dano/. Acesso em 05/10/2020.

[3]NUNES, Luiz Antonio Rizzato apud ALVIM, Augustinho. O Dano Moral e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 1.

[4] FRANÇA, V.R. Limongi. Jurisprudência da Responsabilidade Civil, Ed. RT, 1988.

[5] BRASIL, Rafael. Teoria do Dano em Ricochete e reflexos no Código Civil. Disponível em: https://blog.sajadv.com.br/dano-em-ricochete/. Acesso em 25/01/2021.

[6] REsp 1734536/RS. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=REsp%201734536. Acesso em 25/01/2021.

Sobre a autora
Adrielle de Oliveira Barbosa Ferreira

Advogada atuante nas áreas Trabalhista, Cível e Consumerista. Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Católica doSalvador - UCSal. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Sócia no Ricardo Xavier Sociedade de Advogados. Professora de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na UNIMAM -Centro Universitário Maria Milza. Mentora para a 1 fase do Exame de Ordem.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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