Dano moral e pessoa jurídica de direito público: virada na jurisprudência do STJ?

25/02/2021 às 06:19
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Até agora a jurisprudência do STJ não aceitava que pessoa jurídica de direito público fosse vítima de dano moral. Tal posicionamento parece ter sido alterado.

No Brasil, infelizmente foram muitas as notícias de corrupção divulgadas pela mídia e uma que talvez as pessoas já nem se lembrem tanto é a que ficou conhecida como “caso Jorgina de Freitas1. Tratou-se de fraude contra o Instituto Nacional do Seguro Social envolvendo advogados, contadores, peritos e juiz e que causou prejuízos milionários à autarquia federal. No final do ano passado o Superior Tribunal de Justiça analisou um ponto específico do caso: teria o INSS sido vítima de dano moral?

De início, vale a pena recordar que o INSS é uma autarquia federal, ou seja, uma pessoa jurídica de direito público, criada e extinta por lei, e com capacidade administrativa para o exercício de atividades típicas de Estado. A doutrina administrativista ensina que autarquia é uma pessoa jurídica de direito público, integrante da Administração Indireta, criada por lei para desempenhar funções que, despidas de caráter econômico, sejam próprias e típicas do Estado2.

A Constituição Federal, promulgada em 05/10/1988, previu como garantia fundamental a indenização por danos ainda que exclusivamente morais. É o que consta do artigo 5º, inciso X, segundo o qual “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação”.

E tão logo entrou em vigor o texto constitucional surgiu o questionamento se seria possível a pessoa jurídica ser indenizada por danos morais tendo o Superior Tribunal de Justiça concluído que sim por meio da sua súmula de jurisprudência nº 2273 que é textual ao afirmar que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

Ocorre que mesmo após a edição da referida súmula ainda se tinha dúvidas se a pessoa jurídica de direito público – União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias e Fundações Públicas – poderia ser vítima de dano moral. E novamente instado a se pronunciar sobre a questão o STJ concluiu pela impossibilidade de pessoa jurídica de direito público ser vítima de dano moral.

O informativo nº 125 do jurisprudência em teses do STJ vai nessa direção ao dizer que “a pessoa jurídica de direito público não é titular de direito à indenização por dano moral relacionado à ofensa de sua honra ou imagem, porquanto, tratando-se de direito fundamental, seu titular imediato é o particular e o reconhecimento desse direito ao Estado acarreta a subversão da ordem natural dos direitos fundamentais”.

Os julgados mais relevantes que deram origem a tal interpretação foram o REsp nº 1.258.389/PB4, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão e o REsp nº 1.505.923/PR5, relatado pelo Ministro Herman Benjamin. O que há de comum entre eles é o exercício do direito de crítica dos cidadãos contra as pessoas jurídicas de direito público. Ou seja: de acordo com o STJ pessoa jurídica de direito público não tem direito à indenização por dano moral quando exercido o direito de crítica por parte dos cidadãos.

Ocorre que agora, ao analisar o REsp nº 1.722.423/RJ6, a segunda turma do STJ, por unanimidade, e seguindo o voto do relator, Ministro Herman Benjamin, decidiu que é cabível indenização por danos morais em face de pessoa jurídica de direito público quando o que está em discussão é a própria credibilidade da instituição.

Colhe-se do voto do relator a seguinte passagem: Embora haja no STJ diversas decisões em que se reconheceu a impossibilidade da pessoa jurídica de Direito Público ser vítima de dano moral, o exame dos julgados revela que essa orientação não se aplica ao caso dos autos. (…) O que se extrai é que a credibilidade institucional da autarquia previdenciária foi fortemente agredida e o dano reflexo sobre os demais segurados da Previdência e os jurisdicionados em geral é evidente, tudo consubstanciado por uma lesão de ordem extrapatrimonial praticada por agentes do Estado, que não pode ficar sem resposta judicial”.

É de se ressaltar que o STJ não decidiu, ele próprio, qual o valor de indenização por danos morais que seria cabível no caso concreto. Ao contrário, determinou que o processo retorne ao Tribunal Regional Federal da 02ª Região a fim de que este tribunal, considerando a premissa de que é possível pessoa jurídica de direito público ser vítima de dano moral neste caso concreto, analise a questão da forma como entender de direito.

Portanto, talvez ainda seja cedo afirmar categoricamente que a partir do “caso Jorgina de Freitas” o STJ tenha mudado o seu posicionamento acerca do tema envolvendo dano moral e pessoa jurídica de direito público.

Parece-nos mais correto afirmar que a partir desse julgado o STJ passa a admitir expressamente a possibilidade de pessoa jurídica de direito público ser vítima de dano moral sempre que o que estiver em discussão seja a própria credibilidade da instituição. O tempo dirá se essa jurisprudência é a que vai prevalecer a partir de agora.


1http://bastidoresdainformacao.com.br/o-brasil-sem-memoria-jorgina-de-freitas. Acesso em 15.01.2021.

2Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 28 ed. Atlas, 2015. p. 490.

3Súmula nº 227 do STJ: A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

4Recurso Especial nº 1.258.389/PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, v.u., j. 17.12.2013.

5Recurso Especial nº 1.505.923/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., j. 21.05.2015.

6Recurso Especial nº 1.722.423/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., j. 24.11.2020.

Sobre o autor
André dos Santos Luz

Advogado com 10 anos de experiência - setores público e privado - e atuação voltada à solução de conflitos de média e alta complexidade, principalmente, em matéria de direito administrativo, direito civil, direito do consumidor e direito processual civil. Graduado em Direito pela PUC/SP e Pós-Graduado em Direito pela FGV/SP. Autor de artigos jurídicos em periódicos especializados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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