O fenômeno do poder sob outra perspectiva

26/02/2021 às 22:57
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Teoria da evolução do poder (ordinem)

 O homem é um ser político por excelência, colocado em um espaço político onde precisa atuar dentro da coletividade. De todos emana poder. Entretanto, há uma grande distência entre a constituição real e a constituição jurídica, ocasionado uma fragmentação das pluralidades de poder (grupos, classes, instituições) e funcionando como concentrador de poder. O cidadão comum torna-se mero homem-consumidor abdicando da sua condição de ser político.

 O poder pode ser definido como a capacidade de deliberar, agir, mandar, e, dependendo do contexto permitir ou não determinada conduta. Isso é chamado de poder jurídico, pois vem do Direito, é conforme o Direito.

 Dentro da sociedade ou comunidade jurídica, existem um sem fim de processos sócio-políticos realativos ao poder e suas interações entre grupos, pessoas, organizações, associações e empresas. Esses relações que o ser humano humano desenvolve em grupo ou não são chamadas relações dinâmicas e criam situações jurídicas. Ainda que o poder tenha várias formas de exercício, não é falso dizer que todos têm "poder".

 Delineamos assim o poder visto de um ponto crítico-epismológico: poder constitucional, poder paralelo e poder oculto.

 Poder constitucional é o poder político a que se deu uma forma legal. É o poder estatuído. Chamamos assim por ser jurídico e derivado da Constituição.

 Poder paralelo é aquele que funciona paralelamente ao estatuído. Ele tem normas próprias que nem sempre são antijurídicas. Situa-se um concorrrente do Estado ao editar suas próprias normas. Existem normas não-jurídicas e estão fora do ordenamento jurídico, simplesmente porque o Estado não está presente, ou falta na qualidade do Estado-educação, Estado-saúde, Estado-polícia. Esse tipo poder é legitimado por meio da absorção de seus padrões, em detrimento do Direito. Esse fenômeno social pode ser exemplificado em algumas favelas e organizações da sociedade.

 Já o poder oculto, este mais difícil de explicar, tem sua siplicidade aparente nos atos secretos dos grandes mandatários, que agem às ocultas. Deliberam secretamente, usurpando o poder que emana do povo. Essa forma de poder situa-se na inconstitucionalidade. Pois na maioria dos casos, essas pessoas atuam contra a constituição e contra a vontade das pluraridade de cidadãos.

  Diante disso, contatamos que existe poder operando às ocultas e/ou em paralelo ao poder constituído. São máculas do Estado constitucional. Devemos observar os critérios da legaliadade e transparência. Estas são as três formas de expressão do poder.

 A sociedade como um todoé uma exuberância de fatos de poder. Quase toda relação humana é permeada de poder. Veja as relações familiares. São um exemplo de poder. Há poder em toda parte, entretanto, os direitos não têm eficácia. A sociedade não funciona sob a lei, verdadeiramente, não é o Direito quem regulamenta totalmente as relações sócio-jurídicas, mas forças sociais, políticas e econômicas. Já dissemos antes que estamos diante que governo de poucos, e são mesmo poucos que participam ativamente. Um exclusivismo de sociedade. Onde uns tem e outros não.

 O poder prescisa ser includente, inclusivo e aberto a novas fórmulas. A crítica individual deve ser maturada por um processo político interno da pessoa enquanto ser político. O suffragium precisa de uma nova identidade. Creio, portanto, no ideal democrático e outras formas de expressão da sabedoria popular. Hoje, o cidadão é convidado a construir uma nova sociedade. O cidadão e suas cores (opiniões jurídicas) em uma trajetória como verdadeiro populi suffragium scriptor.

 Vislumbro ainda, e demonstrarei uma nova teoria de poder. Ela é factual, ou seja, empírica, vem dos acontecimentos reais sócio-políticos a que chegamos nas últimas décadas.

 Desde Montesquieu que o Estado, tem uma vertente que julga, outra que administra e ainda outra que legisla. Assim, desenvolve-se até hoje larga doutrina sobre o tema. Entretanto, vejo que o Estado é uma fornte de poder, mas não a única.

  Ora, consideramos que há, hoje, três fontes de poder: uma órbita pública, que reune legislativo, executivo e judiciário; uma órbita privada, que detém poder de interferir no processo político; e a órbita social, que por exclusão de todas as outras públicas e privadas. Seu conteúdo é determinado por matéria de social e visa a integração do homem àquilo que é social.

 Todas as órbitas de que falei interferem no processo decisório e legitima-se, ao menos do ponto de vista material por meio da persuasão e da pressão política. Miutas vezes vemos intrincados estratagemas para negar essa teoria, em especial o liberalismo econômico. Na dinâmica da sociedade atual, não temos mais poderes constituidos, mas por constituir, a partir dessa nossa nova noção de "poder". As ordens são relações minimamente inteligíveis estabelecidas entre uma pluralidade de elementos, organizações e estruturas. Assim, conseguimos suprerar a noção de poder, ou melhor, caso não se chegue a superação do equívoco termo "poder", que ao menos entedamos que esse conceito se expande e evolui. As Ordens são um sistema de organização, diretriz, ditame, ordenação, arrumação, critério, procedimento e sistematização.

 Tomando alguns dos sentidos  que ordinem assume acima, eu demonstro, em seguida, que a Comunidade Política assume e se personifica não somente no Estado, mais em um ordenamento privado e outro social. 

 Observem em geral os reais fatores de poder. O que gera poder político? Quem participa dele? Quem lhe confere legitimidade? É preciso entender que a política não é o Direito. O Direito também não é um eterno devir inalcançável ao ser humano. Ao contrário, as relações fáticas resultantes da conjugação dos reais fatores de poder levam a acreditar em uma maior legitimidade por meio da tranparência.

 A política está em conflito continuo em busca de auto realização, em busca de razão. Seja ela propositiva ou não.

 O maior conflito que existe hoje é de natureza jurídico-política. É o conflito entre o enorme monstro que é a constituição real e a constituição jurídica. As constituições necessitam da eficácia, por serem as normas fundamentais de cada Estado. A constituiçao jurídica é que precisa se sobrepor à constituição real, e não o contrário. A constituição tornou-se uma mera folha de papel. Pergunte a qualquer brasileiro. As forças políticas fazem seus movimentos próprios. A idéia de um efeito determinante exclusivo da constituição real não significa outra coisa senão a negação propriamente da constituição jurídica e de todo o ordenamento jurídico. 

 Essa negação do direito constitucional importa na negação do seu valor enquanto ciência jurídica. Como ciência jurídica, é normativa, diferenciado das outras ciências de realidade. Se as normas constitucionais expressam nada mais do que relações fáticas altamente mutáveis, não há como deixar de reconhecer que a ciência jurídica é necessária para organizar os tais fatores de poder, dar-lhe forma e colocá-los em funcionamento (HESSE).

 Conforme nós vemos os acontecimentos políticos cotidianos, o direito constitucional não estaria serviço de uma ordem justa, mas simplesmente exercendo uma miserável função - indigna de qualquer ciência - justificar as relações de poder dominante. Posições exclusivas e elitistas. A constituição real não pode ser decisiva. Ela tem o seu espaço acidental de influência. Devendo privilegiar as posisições jurídicas em seu detrimento.

 A distância ou radical separação entre o ser (sein) e o dever-ser (sollen) não nos leva a lugar algum sem que seja feito um estudo sobre a eficácia do Direito sobre as normas não jurídica. A eficácia, sabemos, é pretendida, dado que o direito constitucional não configura apenas o ser, mas também o dever-ser. O que é na realidade, aliado ao que deve ser, verdadeiramente, uma diritriz para toda a sociedade. 

 A constituição jurídica tem sua própria maneira de autorizar a sua eficácia pretendida, apresenta-se como elemento autômano no campo das forças do qual realiza a realidade do Estado-sociedade. A força normativa dá-se ao momento em que logra realiza essa pretensão de ciência.

 Mas a força normativa da constiuição não reside apenas em tratá-la como lei, é necessário que tenha eficácia sob pena de falha grave do sistema jurídico. Colapso constitucional, uma vez que a ciência do  Direito resta esvaziada.

 Então resta a esperança que o poder constituinte aja agora dentro da sociedade, revelando os fatores reais de poder e agitando como entidade, que rompe padrões estabelecidos, especialmente em um mundo em constante tranformação, depois de tantas crises.

 O poder constituinte que Syiés observou nada mais era do que do que a força de expressão de um espírito coletivo. Igualmente ao que acontece hoje. As pessoas querem uma maior espressão do seu eu político. Calcada no interesse de todos, conciliando a luta por direitos a uma era dos direitos onde haja uma ordenação da sociedade legítima e séria. 

 Retorno ao tema das Ordens. Conforme eu havia dito, o poder é um fenômeno complexo e de difícil harmonização histórica. Esse fenômeno esteve sendo observado por muitos séculos, sem que se desse uma colmatação apropriada ao termo.

 Veja as Ordens como estruturas que facilmente se moldam umas às outras constituindo um fundamental caracter: a unidade do sistema. A lógica é a do poder difuso, mas há preponderância da Ordem estatal, que é soberana.  Ao menos no que se refere a uma coletividade, que é a dos cidadãos eleitores.

 A Ordem Privada é composta por aqueles organismos do sistema privado que exercem o poder do capital, e, obedecem, muitas vezes, interesses ilegais. A legitimação desta ordem privada é uma realidade fática. Existe uma governança? Sim, há. Há capacidade normativa? Sim, acreditamos. O que há de diferente é a acessibilidade do cidadão e este tipo de ordenação. Pretendemos que todos acessem as Ordens. Democraticamente e respeitado os limites da propriedade privada e da igualdade de condições, além da liberdade. Poderíamos dizer que essa Ordem Privada seria o mercado? Sim, é o mercado, a coletividade mais ou menos organizada que intermedeia o processso de aquisição de bens e serviços.

 A Ordem Social, é, por exclusão, toda e qualquer associação que vise objeto lícito, e seja organicizada  em setores sociais, culturais, educacionais, morais, recreacionais, artísticos e etc.

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 Entendemos que essa moldagem do poder, e sua realização por meio de ordinem, é uma construção da sociedade. Nas últimas décadas, parece mesmo ser inconstatável a sua nova roupagem.

 As Ordens se conformarão na medida em que sua legitimidade seja conferida pelo Direito. Transparência e licitude são capazes de realizar a democracia em profundidade. Assim como existem diversos fatores que mobilizam a sociedade, a evolução constitucional do termo "poder", promove consigo a tão sonhada harmonia das classes, fundado no direito à igualdade e na universalidade de direitos e da participação.

Isso indica um fim do perverso modelo. A vida política nas últimas décadas foi marcada pela corrupção, exclusão, desinformação, deseducação e falta de finalidade pública.

 Podemos dizer que uma constituição tem vontade. Assenta-se na compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que proteja a comunidade do arbítrio desmedido e desnecessário. Reside, igualmente, na compreensão da ordem jurídica em níveis de influência na comunidade jurídica. Assenta-se também na consciência de que ao contrário do que seja uma lei do pensamento, essas Ordens não logram eficácia sem o concurso da vontade do homens, não está abandonada á ação surda de forças que não são nem minimamente legitimas, nem se legitimarão.

 Ao contrário, todos nós estamos permanentemente comvocados a das conformação à vida comunitária. A dar nossa contribuição individual para o coletivo.

 A constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica, ela não poder ser separada da realidade concreta do seu tempo. Ela não é apenas uma expressão de uma realidade isolada, ela ordena e conforma a realidade política, social, econômica e conforma tudo em normas diretivas. Graças ao elemento normativo, ela ordena e costura a realidade político social. O elemento normativo se converte em força ativa que influi e determina a realidade político-social.

 O poder nunca disputa uma certa ordem, ele é a própria ordem. De tal modo, que a teoria das ordens representa a negação ao arbítrio político, econômico e social. A relação entre esses pressupostos, origina os fundamentos da comunidade jurídica. O fundamento político que sustenta o ordenamento jurídico é a organização de pessoas em torno de certo fim.

 O objeto da voluntas populii prescinde de rigidez agonizante das idées politiques, essa vontade é, de certo modo, integrada como conjunto de experiências vividas no cotidiano.

 Finalmente, vejo a comunidade jurídica como um espaço maior que existe disponível para todos os agrupamentos humanos. Suas associações são tão plurais quanto são as cores (opiniões). A genética da comunidade, a maneira que nasce e se desenvolve, termina na segunda fase do sistema normativo, a operatividade. É o que confere eficácia a todo o Direito.


Mascaro, Alysson Leandro. Estado e forma política - São Paulo, SP: Boitempo, 2013

Taylor, Charles. Hegel e a sociedade moderna - Edições Loyola - São Paulo, 2005.

Goethe, Johann Wolfgang von. Doutrina das cores. Trad. Mauro Gianotti. São Paulo: Editora Nova Alexandria, 2013.

Han, Byung-Chul. O que é poder? Trad. Gabriel Salvi Philipson - Petrópolis, RJ: Vozes, 2019

Bobbio, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Ari Marcelo Solon - São Paulo: Edipro, 2ª edição, 2014

Lasalle, Ferdinand. A essência da constituição. Trad. Aurélio Wander Bastos - 9ª edição - Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2021.

Hesse, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Mendes Ferreira - Sérgio Fabris editores, 1991. São Paulo.

 

 

 

 

 

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