Política de Criptografia do WhatsApp: direitos à privacidade e liberdade de comunicação versus direitos à segurança pública e reparação dos danos.

27/02/2021 às 17:37
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A criptografia de ponta a ponta do WhatsApp impede que a empresa tenha acesso ao conteúdo das comunicações entre os usuários. O trabalho aborda esse tema sob a perspectiva dos direitos à privacidade e sigilo das comunicações versus a segurança pública.

RESUMO:

O aplicativo WhatsApp utiliza uma técnica de criptografia de ponta a ponta para as mensagens trocadas por usuários do serviço. Isto gerou nos últimos anos uma tensão entre os direitos à privacidade e liberdade de comunicação e os direitos à segurança pública e reparação dos danos, haja vista que, muitas vezes instado pelo Poder Judiciário a fornecer o conteúdo das informações trocadas por seus usuários, alegou impossibilidade técnica para fornecer esses dados. Em fase dessas negativas foram proferidas algumas decisões determinado o bloqueio do aplicativo por tempo determinado, como sansão pelo descumprimento das ordens judicias. Essa questão levou à proposição da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5527 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 403. O estudo pretendeu descobrir se existe possibilidade e obrigatoriedade do WhatsApp fornecer o conteúdo das informações trocadas por seus usuários diante de uma determinação judicial. Para tando foram analisadas as decisões judicais que determinaram o bloqueio do aplicativo, o uso da criptografia sobre as informações trocadas pela internet, a regulamentação legal e constitucional do tema e as prolações do Supremo Tribunal Federal nas ADI 5527 e ADPF 403. Quanto ao método, a pesquisa é exploratória, quanto à técnica é bibliográfica. Concluiu-se que é inconstitucional uma interpretação das disposições da Lei 12.965/2014 que permita o bloqueio do aplicativo WhatsApp pelo descumprimento de decisões judiciais de quebra do sigilo das comunicações dos usuários e que a única forma de permitir o acesso aos conteúdos das informações trocadas pelos usuários do WhatsApp seria enfraquecer a criptografia do serviço, o que colocaria o direito à segurança da informação e à privacidade de todos os seus usuários em risco.

Palavras-chave: Marco Civil da Internet. Direito à privacidade. Liberdade de comunicação. Sigilo telefônico

ABSTRACT:

The WhatsApp application uses an end-to-end encryption technique for messages exchanged by service users. This has generated in recent years a tension between the rights to privacy and freedom of communication and the rights to public security and compensation for damages, given that, often urged by the Judiciary to provide the content of the information exchanged by its users, it claimed impossibility technique to provide this data. In the phase of these denials, some decisions were made determining the blocking of the application for a specific time, such as sanction for non-compliance with court orders. This question led to the proposition of the Direct Action of Unconstitutionality - ADI 5527 and the Arguition of Non-Compliance with a Fundamental Precept - ADPF 403. The study aimed to find out if there is a possibility and obligation for WhatsApp to provide the content of the information exchanged by its users in the face of a judicial determination . Therefore, the judicial decisions that determined the blocking of the application, the use of cryptography on the information exchanged over the internet, the legal and constitutional regulation of the subject and the Federal Supreme Court's provisions in ADI 5527 and ADPF 403 were analyzed. the research is exploratory, as the technique is bibliographic. It was concluded that it is unconstitutional to interpret the provisions of Law 12.965 / 2014 that would allow the blocking of the WhatsApp application due to non-compliance with court decisions to break the confidentiality of users' communications and that the only way to allow access to the contents of the information exchanged by WhatsApp users would weaken the service's encryption, which would put the right to information security and privacy of all its users at risk.

Keywords: Civil Framework of the Internet. Right to privacy. Freedom of communication. Telephone confidentiality

1 INTRODUÇÃO

A política de segurança e privacidade do aplicativo WhatsApp, que utiliza uma técnica de criptografia, ou codificação, de ponta a ponta para as mensagens trocadas por usuários do serviço, gerou nos últimos anos uma tensão entre os direitos à privacidade e liberdade de comunicação e o direito à segurança pública e à reparação dos danos causados por ilícitos.

Os diretos à privacidade e à liberdade de comunicação estão previstos no art. 5º, X e IX da Carta Magna de 1988, incluídos no rol dos direitos e garantias fundamentais, cláusulas pétreas da Constituição.

Por sua vez, o direito a segurança pública está inserido no art. 144 da Carta Constitucional como um dever do Estado, com dois objetivos precípuos: a preservação da ordem pública e a proteção das pessoas e do patrimônio.

Quanto ao que se chamará nesse trabalho de direito à reparação dos danos, ele está descrito na segunda parte do art. 5º, X, da Constituição da República, no que se refere aos bens imateriais intimidade, vida privada, honra e imagem, e aos prejuízos materiais decorrentes da sua violação; e no caput e inciso XXII do mesmo artigo, no que se refere aos bens materiais, posto que o texto constitucional elenca como direito fundamental a propriedade.

Este artigo tem como problema fundamental a constatação de um aparente antagonismo entre os direitos à segurança pública e reparação dos danos de um lado e os direitos à privacidade e liberdade de comunicação de outro, quando da aplicação da política de criptografia do WhatsApp, que, se por uma banda favorece a privacidade das comunicações travadas por meio desse aplicativo, por outra, dificulta a obtenção de provas a respeito de ilícitos penais praticados ou orquestrados usando a ferramenta como instrumento de comunicação.

Como o maior serviço de troca de mensagens instantâneas pela internet do país, o WhatsApp eventualmente é utilizado para a consecução e preparo de crimes e ilícitos. Diante dessa situação, muitas vezes o provedor de serviços de internet foi instado pelo Poder Judiciário a fornecer o conteúdo dessas informações trocadas por seus usuários, contudo, sempre alegou impossibilidade técnica para fornecer esses dados devido ao uso da chamada criptografia de ponta a ponta.

Em fase dessas negativas foram proferidas algumas decisões determinado o bloqueio desse provedor de serviços por tempo determinado, como sansão pelo descumprimento das ordens judicias de quebra de sigilo de dados.

Essa questão levou a proposição da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5527 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 403, ambas ainda em tramitação no STF, as quais pretendem solucionar a controvérsia de uma vez por todas.

O objetivo geral do estudo foi descobrir se existe possibilidade e obrigatoriedade do WhatsApp fornecer o conteúdo das informações trocadas por seus usuários diante de uma determinação judicial. Os objetivos específicos foram analisar as decisões judicais que determinaram o bloqueio do aplicativo, bem como o uso da criptografia sobre as informações trocadas pela internet por meio do aplicativo, a regulamentação legal e constitucional do tema e as prolações do Supremo Tribunal Federal nas ADI 5527 e ADPF 403. A pesquisa teve caráter exploratório e utilizou-se da técnica bibliográfica.

2 CRIPTOGRAFIA DO WHATSAPP, SEGURANÇA PÚBLICA E REPARAÇÃO DE DANOS

Nos últimos anos ocorreram no Brasil alguns casos de decisões judiciais determinando o bloqueio do aplicativo de mensagens via internet WhatsApp em ações criminais, após os administradores da empresa não cumprirem determinações judiciais relativas à quebra de sigilo de dados dos usuários.

A primeira decisão nesse sentido que se tem notícia foi proferida pela juíza da Central de Inquéritos da Comarca de Teresina – Piauí. Nesse caso, a magistrada determinou o bloqueio do aplicativo no âmbito do Inquérito Policial nº 00013872-87.2014.8.18.014028, que se tratava de uma investigação sobre pedofilia. Contudo, a decisão foi revertida pelo Tribunal de Justiça do Piauí, antes mesmo de ser efetivada, por meio do Mandado de Segurança nº 201.0001.00193-4 (LEMOS; SANTANA, 2016).

Em dezembro de 2015, o magistrado da 1ª Vara Criminal de São Bernado do Campo – São Paulo, proferiu decisão determinando o bloqueio do aplicativo WhatsApp por 48 (quarenta e oito) horas, no procedimento de Interceptação Telefônica de nº 0017520-08.2015.8.26.0564. A decisão foi revertida 12 horas depois pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mediante a impetração do Mandado de Segurança nº 2271462-77.2015.8.26.0000 pelo Facebook, empresa proprietária do aplicativo WhatsApp, com fundamento no art. 461, §1º do Código de Processo Civil de 1973 – CPC/73 (LEMOS; SANTANA, 2016).

Em maio de 2016 foi a vez do juiz de direito Marcel Moltavão, da Comarca de Lagarto – Sergipe, determinar o bloqueio do aplicativo por 72 horas no âmbito do processo nº 201655000183. Para embasar sua decisão o magistrado se subsidiou nos arts. 10, 11, 12, III, 13 e 15 do Marco Civil da Internet – MCI, a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (LEMOS; SANTANA, 2016). Essa decisão foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de Sergipe e culminou na proposição da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 403, de relatoria do Ministro Edson Fachin (LEMOS; SANTANA, 2016).

Por último, em julho de 2016, a juíza Daniela Assumpção Barbosa, da Vara de Execuções Penais de Duque de Caxias – Rio de Janeiro, proferiu decisão bloqueando o WhatsApp. A decisão foi derrubada pelo Ministro Ricardo Lewandowsky do Supremo Tribunal Federal – STF cerca de 4 horas depois (LEMOS; SANTANA, 2016).

Como dito anteriormente, as decisões judiciais determinando o bloqueio do aplicativo de mensagens via internet WhatsApp ocorreram no âmbito de processos ou procedimentos judiciais, após os administradores da empresa não cumprirem determinações judiciais relativas à quebra de sigilo de dados dos usuários.

O principal argumento do aplicativo para não atender às determinações judiciais nesse sentido é a impossibilidade técnica de fornecer dados e conteúdos das conversas realizadas por meio de sua plataforma por causa do uso da chamada criptografia de ponta a ponta. A empresa alega que, devido ao uso desta tecnologia, ela não tem acesso ao conteúdo das conversas trocadas por meio de seu aplicativo, pois a decodificação das mensagens ocorre apenas nos terminas receptores, ou seja, nos telefones celulares e computadores dos usuários.

A utilização da criptografia nas comunicações realizadas pela internet, em especial pelo WhatsApp, está inserida no contexto da segurança da informação, a qual pode ser assim definida:

Segurança da informação seria o conjunto de orientações, normas, procedimentos, políticas e demais ações que tem por objetivo proteger o recurso informação, possibilitando que o negócio da organização seja realizado e a sua missão seja alcançada (FONTES, 2012 apud PATRÍCIO; SPINA 2017, p. 3)

Para Nathalia Sautchuk Patrício e Edison Spina (2017), citando Stallings e Brown (2011), um sistema pode ser considerado seguro se fornece informações íntegras somente a usuários autorizados no momento em que elas são pedidas através de requisições válidas e identificadas, não permitindo que essas informações sejam recebidas, observadas ou alteradas por terceiros não autorizados.

Os princípios da segurança e privacidade são muito caros aos usuários da internet e às empresas que exploram esse mercado, principalmente as que lidam com comunicações.

Assim a criptografia, ou encriptação, é uma ferramenta indispensável para garantir esses princípios e quanto mais forte for a técnica criptográfica, maior confiabilidade terá um serviço de comunicações via internet, como são os aplicativos de mensagens instantâneas.

O termo criptografia pode ser defino como “arte ou processo de escrever em caracteres secretos ou em cifras; esteganografia”, conforme o dicionário on-line Michaellis (2021); tem origem grega, derivando da junção das palavras kryptós (escondido) e gráphein (escrita) (WIKIPÉDIA, 2020).

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Tecnicamente, o conjunto de técnicas e conhecimentos para a codificação do que é chamado de textos simples constitui a criptografia como área de estudo. Dessa forma, “[…] o processo de converter um texto claro em um texto cifrado é conhecido como cifração ou encriptação, enquanto que restaurar o texto claro a partir do texto cifrado é decifração ou decriptação” (STALLINGS, 2015 apud PATRÍCIO; SPINA 2017, p. 3).

A criptografia de ponta a ponta, usada pelo WhatsApp, em termos simples, consiste numa técnica em que a mensagem sai codificada do aparelho emissor, só sendo decriptada no aparelho receptor, sem que a empresa responsável pelo tráfego da informação tenha as chaves necessárias para interceptar e decodificar a informação (MARCACINI; ROSSETTO, 2017).

No que tange à perspectiva legal do tema, a Constituição Federal de 1988 garante a liberdade de comunicação e o sigilo da das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, como direitos fundamentais, no art. 5º, IX e XII, respectivamente:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

[...]

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (Vide Lei nº 9.296, de 1996)

Já o Marco Civil da Internet – MCI, Lei nº 12.965/2014, elenca como princípios da disciplina do uso da internet no Brasil, em seu art. 3º, I, II e III, a garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento; a proteção da privacidade e a proteção dos dados pessoais, na forma da lei.

O art. 7º do MCI estabelece em seus incisos os direitos e garantias dos usuários da internet no Brasil, assegurando 1) a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 2) a inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei e 3) a inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial.

Os arts. 10 e 11 do MCI estabelecem regras para a proteção dos registros, dados pessoais e das comunicações privadas.

O art. 12 da Lei nº 12.965/2014 é o mais polêmico do MCI, porque, ao se referir aos arts. 10 e 11 da Lei, permite uma interpretação que serviu de base para decisões que determinaram o bloqueio do WhatsApp.

Nesse ponto é relevante transcrever o que dispõe o referido artigo, in verbis:

Art. 12. Sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos arts. 10 e 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções, aplicadas de forma isolada ou cumulativa:

[…]

III - suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11; ou [...]

Percebe-se, a partir de uma interpretação gramatical do texto, que as sansões previstas pelo art. 12 se referem a infrações às normas dos arts. 10 e 11, ou seja, às normas sobre a proteção dos registros, dados pessoais e das comunicações privadas, não ao descumprimento de decisão judicial para o fornecimento de dados. A respeito disso, os Tribunais têm reputado desproporcional a decisão de bloqueio do aplicativo em todo o território nacional devido ao descumprimento de uma decisão judicial.

Como foi explicitado do início deste trabalho, em relação à política de criptografia do WhatsApp, há um possível conflito entre os direitos de intimidade/privacidade e liberdade/sigilo das comunicações, salvaguardados pelos acima referidos dispositivos da Constituição Federal e da Lei nº 12.965/2014 – MCI, e os direitos à segurança pública e reparação de danos, também com fundamento constitucional, a saber, nos arts. 144 e 5º, caput, e inciso X, segunda parte; pois a inviabilidade de acessar o conteúdo das comunicações travadas por meio do WhatsApp, pode tornar impossível a obtenção de prova da prática ou planejamento de ilícitos por meio do aplicativo, pelo menos no que se refere à obtenção do conteúdo das mensagens de forma remota, ou seja, sem ter acesso direto ao terminal utilizado (celular, computador, etc).

Quanto ao direito à reparação de danos, além da previsão constitucional já indicada alhures, há previsão infraconstitucional no art. 927 do Código Civil, in verbis:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Porém, a partir da redação do inciso XII do art. 5º da Constituição Federal, vislumbra-se que, em regra, não é possível a quebra do sigilo telefônico e de dados no âmbito do processo civil, conforme o entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça – STJ no julgado transcrito abaixo:

HABEAS CORPUS. QUEBRA DO SIGILO TELEFÔNICO. PROCESSO CIVIL. INDÍCIOS DE COMETIMENTO DE CRIME. SUBTRAÇÃO DE CRIANÇA. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL POR FUNCIONÁRIO DE COMPANHIA TELEFÔNICA, APOIADO EM ALEGAÇÕES REFERENTES AO DIREITO DA PARTE NO PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE FUNDADO RECEIO DE RESTRIÇÃO IMINENTE AO DIREITO DE IR E VIR. NÃO CONHECIMENTO.

1.- A possibilidade de quebra do sigilo das comunicações telefônicas fica, em tese, restrita às hipóteses de investigação criminal ou instrução processual penal. No entanto, o ato impugnado, embora praticado em processo cível, retrata hipótese excepcional, em que se apuram evidências de subtração de menor, crime tipificado no art. 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

[...]

(HC 203.405/MS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 01/07/2011, grifos nossos)

Todavia, o direito à reparação de danos também está previsto no âmbito penal, a partir do que está explicitado no art. 91, I do Código Penal, que estabelece como efeito da condenação a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, e no art. 387, IV, do Código de Processo Penal.

Destarte, a interceptação do conteúdo das comunicações travadas por meio do WhatsApp poderia servir para determinar quais foram os danos indenizáveis causados pela prática dos delitos operados por meio do aplicativo.

Diante desse quadro, as recorrentes decisões de bloqueio do aplicativo WhatsApp em virtude do descumprimento de decisões judiciais determinando a quebra de sigilo de dados de usuários ensejou na proposição da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 403 e da ADIN 5527, ambas ainda em tramitação no STF.

A ADIN ou ADI 5527, como o STF nomeia, foi levada à Corte Constitucional em 16 de maio de 2016 pelo PR – Partido da República, questionando os arts. 10, §2º e 12, III e IV da Lei nº 12.965/2014, que é o Marco Civil da Internet.

A ADIN ainda está em tramitação no STF. A relatora Ministra Rosa Weber e o Ministro Edson Fachin já proferiram voto, tendo o Ministro Alexandre de Morais pedido vista dos autos. O julgamento se encaminha para a declaração da inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do inciso II do art. 7º e do inciso III do art. 12 da Lei 12.965/2014, conforme indicam as ementas:

Decisão: Após o voto do Ministro Edson Fachin, que acompanhava a Ministra Rosa Weber (Relatora), mas declarava a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto do inciso II do art. 7º e do inciso III do art. 12 da Lei 12.965/2014, pediu vista dos autos o Ministro Alexandre de Moraes. Ausentes, justificadamente, o Ministro Celso de Mello e, por motivo de licença médica, o Ministro Dias Toffoli (Presidente). Presidência do Ministro Luiz Fux (Vice-Presidente). Plenário, 28.05.2020 (Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução 672/2020/STF).

Decisão: Após o voto da Ministra Rosa Weber (Relatora), que: (i) julgava improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 12, III e IV, da Lei nº 12.965/2014; (ii) julgava procedente o pedido de interpretação conforme a Constituição do art. 10, § 2º, da Lei nº 12.965/2014, a fim de assentar exegese segundo a qual “o conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7º, e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”; (iii) julgava improcedente o pedido sucessivo de declaração de nulidade parcial sem redução de texto do art. 12, III e IV, da Lei nº 12.965/2014, à compreensão de que não abrangido em sua hipótese de incidência o conteúdo que dele se pretende excluir; (iv) julgava parcialmente procedente o pedido sucessivo de interpretação conforme a Constituição do art. 12, III e IV, da Lei nº 12.965/2014 apenas para (a) assentar que as penalidades de suspensão temporária das atividades e de proibição de exercício das atividades somente podem ser impostas aos provedores de conexão e de aplicações de internet nos casos de descumprimento da legislação brasileira quanto à coleta, à guarda, ao armazenamento ou ao tratamento de dados, bem como aos direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros, (b) ficando afastada qualquer exegese que – isoladamente ou em combinação com o art. 7º, II e III, da Lei nº 12.965/2014 – estenda a sua hipótese de incidência de modo a abarcar o sancionamento de inobservância de ordem judicial de disponibilização de conteúdo de comunicações passíveis de obtenção tão só mediante fragilização deliberada dos mecanismos de proteção da privacidade inscritos na arquitetura da aplicação, o julgamento foi suspenso. Falaram: pelo requerente, os Drs. Jorge Octávio Lavocat Galvão e Pedro Ivo Velloso; pelo amicus curiae Whatsapp Inc, o Dr. Tércio Sampaio Ferraz Jr.; pelo amicus curiae Frente Parlamentar pela Internet Livre e Sem Limites, o Dr. Rafael de Alencar Araripe Carneiro; pelo amicus curiae Instituto Beta para Democracia e Internet – IBIDEM, o Dr. Gustavo Brasil Tourinho; pelo amicus curiae Instituto de Tecnologia e Sociedade - ITS Rio, o Dr. Carlos Affonso Pereira de Souza; pelo amicus curiae Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação - ASSESPRO NACIONAL, o Dr. Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto; pelo amicus curiae União Brasileira de Compositores – UBC, o Dr. Sydney Limeira Sanches; pelo amicus curiae Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, o Dr. Alberto Pavie Ribeiro; e, pelo amicus curiae Defensoria Pública da União, o Dr. Gabriel Faria Oliveira, Defensor Público-Geral Federal. Ausentes, justificadamente, o Ministro Celso de Mello e, por motivo de licença médica, o Ministro Dias Toffoli (Presidente). Presidência do Ministro Luiz Fux (Vice-Presidente). Plenário, 27.05.2020 (Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução 672/2020/STF).

Por sua vez, a ADPF 403 foi proposta pelo partido Cidadania em face da decisão do juiz de direito Marcel Moltavão, da Comarca de Lagarto – Sergipe, ratificada pelo Tribunal de Justiça daquele Estado. A ADPF também ainda encontra-se em tramitação no âmbito da Corte Excelsa. Transcreve-se a seguir a ementa da última sessão de julgamento:

Decisão: Após o voto do Ministro Edson Fachin (Relator), que julgava procedente o pedido formulado na arguição de descumprimento de preceito fundamental para declarar a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto tanto do inciso II do art. 7º, quanto do inciso III do art. 12 da Lei 12.965/2014, de modo a afastar qualquer interpretação do dispositivo que autorize ordem judicial que exija acesso excepcional a conteúdo de mensagem criptografada ponta-a-ponta ou que, por qualquer outro meio, enfraqueça a proteção criptográfica de aplicações da internet; e do voto da Ministra Rosa Weber, que acompanhava o Ministro Relator, mas dava interpretação conforme à Constituição a esses dispositivos, pediu vista dos autos o Ministro Alexandre de Moraes. Ausentes, justificadamente, o Ministro Celso de Mello e, por motivo de licença médica, o Ministro Dias Toffoli (Presidente). Presidência do Ministro Luiz Fux (Vice-Presidente). Plenário, 28.05.2020 (Sessão realizada inteiramente por videoconferência - Resolução 672/2020/STF).

3 CONCLUSÃO

A política de segurança e privacidade do aplicativo WhatsApp, que utiliza uma técnica de criptografia de ponta a ponta para as mensagens trocadas por usuários do serviço, gerou nos últimos anos uma tensão entre os direitos à privacidade e liberdade de comunicação e o direito à segurança pública e reparação dos danos.

O WhatsApp tornou-se o maior serviço de trocas de mensagens, documentos e mídias de forma instantânea pela internet, e eventualmente é utilizado como meio para a consecução e preparo de crimes e ilícitos.

Diante disso, muitas vezes o aplicativo foi instado pelo Poder Judiciário a fornecer informações sobre o conteúdo de mensagens trocadas por seus usuários, mas sempre alegou impossibilidade técnica de fornecer dados desse tipo por não ter acesso a eles, por causa da criptografia de ponta a ponta aplicada às mensagens trocadas por meio do aplicativo.

Assim, foram proferidas em várias partes do território nacional, decisões determinado o bloqueio desse provedor de serviços por tempo determinado, como sansão pelo descumprimento de ordens judicias de quebra de sigilo de dados.

A discussão a respeito dessas decisões e a justificativa da empresa para não fornecer as informações, deu ensejo ao surgimento das ADI 5527 e ADPF 403, ambas ainda em tramitação no STF.

Embora ainda em tramitação, a discussão levada a cabo pelo STF, ouvindo diversos especialistas da área, parece indicar que a Corte Excelsa firmará entendimento que é inconstitucional uma interpretação das disposições do MCI que permita o bloqueio do aplicativo WhatsApp pelo descumprimento de decisões judiciais que determinem a quebra do sigilo das comunicações dos usuários desse provedor de serviços de internet.

Pode-se concluir também que a única forma de permitir o acesso aos conteúdos das informações trocadas pelos usuários do WhatsApp seria enfraquecer a criptografia do serviço, o que colocaria o direito à segurança da informação e à privacidade de todos os seus usuários em risco. Tal medida não poderia ser incentivada pela legislação, ao contrário, quanto mais forte for a criptografia melhor serão atendidos os propósitos da sociedade.

REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Elioenai R. da S. Vale

Sou estudante de Direito da Universidade Estadual do Maranhão, estagio no Ministério Público do Estado do Maranhão, estagiei na Procuradoria da Fazenda Nacional no Maranhão. Pretendo atuar na advocacia em São Luís-MA e região.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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O artigo foi elaborado como produto final da disciplina de Temas Atuais de Direito Privado da Universidade Estadual do Maranhão

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