Sistema jurídico: fundamentos e expectativas

01/03/2021 às 13:14
Leia nesta página:

Tratamos aqui do sistema jurídico e suas formas

 Há direitos fundamentais do ser humano historicamente consagrados. Esses direitos são produto das qualidades que o homem desenvolveu ao longo de sua existência. Valores que são caros ao ser humano.

 Com a Revolução Francesa, três valores fundantes foram estabelecidos, depois de muita luta e derramamento de sangue. Esses valores são a liberdade, a igualdade e a fraternidade. 

 Eu pergunto: qual desses três valores é o mais importante? Existe uma relação entre eles? Podemos nos apossar de um valor em detrimento dos outros?

 Para o liberalismo, seria a liberdade fundante de seu sistema jurídico. A liberdade é o que lhe é principiológico, valor maior, sobretudo um valor cultural. Um valor ético supremo, um ideal de Justiça.

 Perceba que os povos podem ter vários sistemas jurídicos. Não há, necessariamente uma uniformidade. Cada povo escolhe o seu sistema jurídico, conforme a pluralidade de valores em determinada sociedade.

 Há aqueles que criticam a opção de fundar todo um sistema juridico na liberdade. Acreditam eles que um sistema jurídico fundado na liberdade apenas, não seja justo.

 Os que vêm na igualdade uma radicação e fundamento suficiente de um sistema jurídico, o fazem por observar o que o liberalismo produziu no mundo. Exclusão, concentração de renda e poder, baixo desenvolvimento e injustiça. Não que esse fosse o objetivo, mas foi o que aconteceu.

 Para os que vêm na igualdade um pensamento radicante, um ethos fundado na igualdade, poderia ser capaz de servir de base a um dado sistema jurídico justo. A igualdade chega a ser fato quando a presença formal de elementos diferenciadores de qualidade ou valor seja em relação às pessoas, seja em relação ao meio. A igualdade é uma comparação que deve aferir diante de dois ou mais as mesmas proporções, dimensões, naturezas, aparências, uniformidade, validade e estabilidade. 

 Ainda sobre igualdade, ela é a inexistência, pois, de desvios ou incongruências de um processo político-social em dinâmica. Especialmente no campo da política, o conceito de igualdade determina a ausência de distinção entre direitos e deveres do cidadão de uma dada sociedade. É um dos legados do iluminismo.

 O problema de construir um sistema jurídico simplesmente em um fundamento, também assombra quem adota apenas o princípio da igualdade. Hoje o tema tem sido desacreditado dentro de uma ideologia da diversidade, como se igualdade fosse apenas um mecanismo de dominação ideoógica, e não um valor fundamental.

 Por isso, acredito que o delineamento de um sistema jurídico não pode ser feito apenas em uma base axiológica. As sociedades que se formaram depois da Revolução Francesa, não assimilaram totalmente suas idéias. 

 A fraternidade ficou apenas como sonho inatingível. A real maneira de ser do ser humano em sociedade demonstra isso. A competitividade e o acelerado processo de aquisição, tornaram o homem um homo accumulator. Isso faz com que o homem esteja em uma constante luta. Uma luta solitária que é acumular cada vez mais.

 A luta de classes pretendida e verificada  em outros momentos da história, na sociedade moderna, transformou-se em uma luta do homem e dele mesmo. Seus meios, suas ações, seus direitos, suas capacidade, seu exercício em comunidade, sua maneira de expressar opiniões.

 Tudo isso revela um panorama mais que inusitado: o homem chegou a um ponto onde sua luta interna é exteriorizada e começa a criar formas jurídicas. Novas formas políticas, ainda relembrando os temas fulcrais da Revolução Francesa. Novas formas que ousam emergir do coletivo humano.

 Assim, acredito que não realizamos totalmente o lema da Revolução Francesa. Onde está a fraternidade? 

 A fraternidade é um princípio fundante, não obstante a pouca vivência prática deste fundamento sistêmico. Poucos direitos adviram da fraternidade. Talvez a humanidade não estivesse pronta para as ideias sublimes de Robespierre. Mas vejo que passam tempos e tempos. A sociedade reincorpora novamente valores, e estes valores externamente, criam direitos.

 Vivemos em um modelo onde urge a soberania. Soberania do cidadão em detrimento da soberania do Estado. As pessoas não fruem direitos porque o Estado agigantou-se adquirindo proporções tirânicas, e invade a esfera do indivíduo. As garantias e direitos que cabem ao indivíduo são simplesmente nulas. Quase que de nenhum efeito. O Estado funciona com finalidade diversa da finalidade pública. A forma atual é de aberratio finis legis. Assim o Estado determina a sua própria deslegitimação.

  De fato, temos um grande problema. A falta de legitimidade. Como corrigir? Deixando o Direito cumprir a sua função. A função do Direito é a de servir de modelo de comportamento de conduta. Por meio do Direito, a sociedade é legitimada, não o contrário. Posso afirmar que trata-se apenas de uma questão de Justiça, afinal.

 O sistema jurídico formal não está em sintonia com os reclames do homem. A lei é simplesmente uma fabricação de um modelo que pretende superar o Direito. Sendo o Direito a máxima expressão social, não pode haver outra solução que não seja por meio do Direito.

 


Luhmann, Niklas. O direito da sociedade - São Paulo - SP. Martin Fontes, 2016

Goethe, Johann Wolfgang. Doutrina das cores. 4ª edição - São Paulo - SP Editora Nova Alexandria, 2013.

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Bobbio, Norberto. A era dos direitos, Rio de Janeiro, LTC, 2020.

Teoria da alteridade jurídica: em busca do conceito de direito em Emmanuel Lévinas. São Paulo, 2016. Perspectiva.

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